Resumo: O cheque é título executivo extrajudicial que consiste em ordem de pagamento à vista. Entretanto, a emissão de cheque “pré-datado” é prática comum no comércio, muito embora não se desnature sua natureza de pagamento à vista. Nesse caso, tem-se o surgimento de um novo contrato entre emitente e portador, que, caso descumprido, pode gerar reparação em danos materiais e morais.
Sumário: 1. Introdução; 2. Cheque pré-datado e o contrato paralelo; 3. Conclusão.
1 - Introdução:
Como é cediço, o cheque é título executivo extrajudicial e também título de crédito que emana ordem de pagamento à vista, independentemente da data aposta pelo emitente no preenchimento. É, então, uma ordem dirigida a um banco para que pague à vista um valor determinado ao portador.
Ocorre que, é rotina conhecida por todos a utilização dos conhecidos “cheques pré-datados”, que são aqueles em que a data aposta na cártula como de emissão é posterior à data que realmente o cheque foi assinado e repassado pelo emitente ao portador. Tal prática é usual, sendo o cheque utilizado não como pagamento à vista, mas como forma de crédito, ou seja, para pagamento à prazo, quando o emitente não possui lastro financeiro no momento da emissão do talonário ou quando simplesmente quer um espaço maior para se programar.
Nesse sentido, o presente artigo buscará demonstrar que, muito embora a relação contratual que resulta do cheque seja uma ordem de pagamento à vista, por disposição expressa de lei, a prática de preencher o cheque com data futura gera entre o emitente e o portador uma nova relação contratual paralela que, se desrespeitada, pode gerar perdas e danos.
2 - Cheque “pré-datado” e o contrato paralelo:
A Lei nº 7.357/85 é a reguladora do cheque, dispondo em seu artigo 32 o seguinte:
Art. 32 - O cheque é pagável à vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrário.
Parágrafo único - O cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da apresentação. (grifos nossos)
Como visto acima, fica clarividente na transcrição do caput do artigo supracitado que o cheque é ordem de pagamento à vista, considerando-se não escrita qualquer menção em sentido contrário, ou seja, não podem os particulares dispor de maneira contrária com o intuito de desnaturar esse caráter de imediatidade do título de crédito em questão.
Assim, o banco tem a obrigação de compensar o cheque no momento que seu portador apresentá-lo, pois deve estrita obediência à lei.
Além disso, para corroborar ainda mais o caráter de pagamento à vista do cheque, o parágrafo único do mesmo artigo dispõe que o cheque apresentado ao banco deve ser imediatamente pago ao seu portador, no momento da apresentação, independentemente da data inserida como de emissão, ou seja, mesmo os cheques “pré-datados” podem ser descontados antes da data prevista para a compensação, já que esse pacto entre emitente e portador é particular e bilateral, não podendo se sobrepor à lei e muito menos vincular o banco, que é terceiro no negócio.
Com base no dispositivo acima transcrito, cria-se a polêmica acerca da segurança jurídica dos chamados cheques “pré-datados”, que, como já mencionado no intróito, consistem naqueles em que a data aposta como de emissão é posterior à data que realmente o cheque foi assinado e repassado pelo emitente ao portador.
Ora, no caso do cheque pré-datado há um “contrato paralelo”, ou seja, independente daquele originado pelo próprio título de crédito. Como é sabido, os particulares podem contratar livremente, excetuando-se os casos legais. Assim, no momento em que o emitente e o portador convencionam que determinado cheque só será compensado em data posterior, inclusive com a aposição da data futura na cártula, estará consumado o “contrato paralelo”, que, caso desrespeitado, levará o infrator a arcar com danos morais e eventuais danos materiais.
O Superior Tribunal de Justiça já sumulou o assunto no que diz respeito aos danos morais, mas precisamente na súmula nº 370, que assim dispõe:
Súmula 370 – Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado.
Os danos morais, evidentemente, devem ser arcados por aquele que descumpriu o contrato “paralelo”, ou seja, pelo portador. Não cabe aqui ação contra o banco sacado, pois este é totalmente estranho à relação consumerista firmada entre o emitente e o portador, conforme já explicado em linhas anteriores.
Em relação aos danos materiais, a condenação vai depender do caso concreto, pois caberá ao emitente comprovar tais danos. Tal comprovação poderá ser feita em caso do cheque ser apresentado em data anterior à prevista e não existir suficiente provisão de fundos, desde que o banco sacado cobre tarifa na operação.
Além disso, mesmo que haja fundos, pode ser comprovado que o emitente iria utilizar tal numerário para algum investimento, que restou frustrado em decorrência da apresentação prévia do cheque. Enfim, tais danos podem ser comprovados das mais diversas formas permitidas legalmente.
Dessa forma, o cheque continua sendo ordem de pagamento à vista, muito embora contratos paralelos possam ser entabulados entre emitente e portador, sendo um deles o do cheque “pré-datado”.
3 - Conclusão:
A nova forma de utilização do cheque como forma de parcelamento de pagamentos, que originou o famoso cheque “pré-datado”, não possui previsão legal, posto que, segundo a Lei 7.357/85, o cheque é ordem de pagamento à vista. Assim sendo, é vedado ao banco sacado negar a compensação do cheque na data de apresentação do mesmo, independentemente da data constante como da emissão.
Contudo, é facultada aos particulares a realização de avença sobre direitos disponíveis, desde que não haja exceção legal, tendo em vista o princípio da liberdade contratual, não sendo diferente em relação ao cheque.
Dessa forma, o cheque pré-datado nada mais é que um contrato paralelo e bilateral firmado entre o emitente e o portador, sendo que o descumprimento de tal contrato levará ao ressarcimento do emitente em danos morais e eventuais danos materiais.
Portanto, a modalidade cheque pré-datado é prática aceita pelos costumes e amparada pela jurisprudência, o que torna a operação mais confiável e segura.
4 - Referências:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.
GONZAGA, Vair. Do Cheque. 1ª ed. Livraria de Direito: São Paulo, 1995.
MARQUES, Adelson do Carmo. Cheque, Nota Promissória, Letra de Câmbio, Duplicata - Aspectos Práticos. Péritas Editora: São Paulo, 1996.
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