Da intangibilidade da equação econômico-financeira
É consabido que os contratos administrativos contemplam a equação que estabelece de forma equilibrada a prestação (encargo) do contratado e a contraprestação pecuniária da Administração Pública. Cuida-se, a rigor, da denominada equação econômico-financeira, que por força constitucional deve ser mantida durante toda a vigência do contrato.
Assim, a Constituição Federal de 1988 estabelece no artigo 37 inciso XXI que:
“Art. 37. XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (grifou-se).
Infere-se, portanto, que o Texto Constitucional, ao estabelecer a obrigatoriedade de cláusulas que disponham sobre as obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, prescreve norma cogente que impõe o equilíbrio entre o encargo do particular e a contraprestação da Administração Pública.
Em outras palavras, as cláusulas econômicas traçam o equilíbrio entre a remuneração a cargo da Administração contratante e o custo da entrega do objeto pelo particular contratado. Este equilíbrio, protegido inclusive por dispositivo da lei de licitação, constitui postulado importante para se evitar o enriquecimento sem causa de qualquer dos contraentes. Por estas razões, as cláusulas econômicas não podem ser alteradas unilateralmente pelo ente público.
A propósito, Eduardo Seabra Fagundes, ao distinguir as cláusulas econômicas das cláusulas regulamentares, sustenta com maestria que as primeiras não se submetem ao poder da Administração de alterar unilateralmente o contrato, in verbis:
“[...] poderíamos entrar em um campo talvez mais fértil do contrato administrativo, que diz respeito á distinção entre espécies de cláusulas, o que redundaria ou que teria conseqüência a faculdade de a Administração alterar as cláusulas de uma dessas espécies. O privilégio administrativo que confere esse poder à Administração não lho confere, porém, integralmente. As cláusulas seriam regulamentares, ou de serviços, e econômicas. As cláusulas regulamentares ou de serviços disciplinariam a execução do objeto do contrato, enquanto as econômicas garantiriam o que se costuma chamar de equação financeira do contrato, ou seja, a retribuição que o contratante particular tem o direito de esperar.
Se à Administração é lícito alterar unilateralmente, sem ouvir o outro contratante ou sem depender da sua concordância, as cláusulas regulamentares ou de serviço não têm, no entanto, nenhum direito, ainda que inspiradas no mais alto interesse público, de alterar em seu benefício as cláusulas chamadas econômicas; ou seja, não têm o direito de reduzir o preço da obra, porque convém ao interesse público dispender menos com a sua prestação ou reduzir a tarifa de determinado serviço público, porque convém barateá-lo para a população. (FAGUNDES, 1985, p. 14).
Outrossim, Jessé Torres e Marinês Dotti enfatizam a intangibilidade das cláusulas econômico-financeiras, é o trecho a seguir:
“Todas as alterações nas cláusulas regulamentares ou de serviço originais devem assegurar a intangibilidade das cláusulas econômico-financeiras (preço) e monetárias (atinentes a correção e reajustes), caso essas alterações desequilibrem a relação encargo/remuneração inicialmente estabelecida. Ao mesmo tempo que à Administração Pública cabe a prerrogativa de alterar unilateralmente cláusulas de serviços de seus contratos, em contrapartida, ao contratado assiste o direito à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro em face das modificações impostas mercê do uso da prerrogativa (Lei nº 8.666/93, art. 58, §§1º e 2º).” (PEREIRA JUNIOR e DOTTI, 2009).
Prosseguem os autores destacando que o equilíbrio econômico-financeiro configura direito subjetivo do contratado assegurado pelo art. 37, XXI, da Constituição Federal, veja-se:
“O direito ao equilíbrio econômico-financeiro não pode ser tisnado sequer por força de lei, dado ser esta submissa, necessariamente, ao art. 37, XXI, da Constituição da República, segundo o qual obras, serviços e compras serão contratados com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, ou seja, assiste ao contratado o direito à manutenção da equação econômico-financeira inicial. Extrai-se, pois, que a intangibilidade das cláusulas econômico-financeiras ficará defendida tanto contra as intercorrências que o contratado sofra em virtude de alterações unilaterais, quanto contra elevações de preços que tornem mais onerosas as prestações a que esteja obrigado, como, ainda, contra o desgaste do poder aquisitivo da moeda, temas que serão examinados adiante. Frise-se: a intangibilidade é da equação equilibrada, não da literalidade do preço; este pode ser alterado, desde que mantida aquela.” (PEREIRA JUNIOR e DOTTI, 2009).
Observa-se, portanto, que a equação econômico-financeira afigura-se como ajuste bilateral firmado entre a Administração Pública e o particular, compreendendo o equilíbrio entre a prestação e contraprestação contratual. E, justamente por compreender o equilíbrio econômico do contrato, não é permitida qualquer intercorrência tendente em alterar este equilíbrio
Da proteção à equação econômico-financeira conferida pela Lei nº 8.666/93
É cedido que o regime jurídico de direito público atribui à Administração Pública certa primazia (superioridade) perante o particular, necessária à conquista do interesse público primária.
Na seara contratual, o caput do artigo 58 da Lei nº 8.666/93 assegura à Administração Pública os poderes de alterar e rescindir unilateralmente os contratos administrativos, fiscalizar a execução, sancionar o particular e, nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens, pessoas e serviços vinculados ao objeto do contrato, in verbis:
“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;
II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;
III - fiscalizar-lhes a execução;
IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;
V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.”
No entanto, o equilíbrio econômico-financeiro está imune a esses poderes atribuídos à Administração Pública. Os §§ 1º e 2º do citado artigo 58, em consonância com o Texto Constitucional, preserva a intangibilidade do equilíbrio.
“Art. 58. Omissis
§ 1º As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.
§ 2º Na hipótese do inciso I deste artigo [refere-se ao poder da Administração Pública de alterar unilateralmente o contrato], as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.”
De igual modo, o art. 65, que cuida das alterações contratuais, unilaterais e consensuais, em seu § 6º também põe à salvaguarda a equação econômico-financeira, nos seguintes termos:
“§ 6º Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.”
Da intelecção do ordenamento jurídico e da doutrina pátria retro citada, infere-se que a equação econômico-financeira dos contratos administrativos constitui direito subjetivo dos contraentes e, salvo anuência de ambos, são insuscetíveis de modificação.
Dos requisitos do reequilíbrio econômico-financeiro
Durante a execução do contrato administrativo pode ocorrer determinados eventos capazes de afetar o equilíbrio econômico ajustado entre a Administração Pública e o particular.
Nesses casos, uma vez presentes os requisitos legais, deve a equação econômico-financeira ser reequilibrada, sob pena de haver enriquecimento ilícito por parte de um dos contratantes.
Com efeito, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro representa atendimento do interesse público primário. Nesse sentido, ensina o professor Marçal Justen Filho:
“A tutela ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos destina-se a beneficiar à própria Administração. Se os particulares tivessem de arcar com as conseqüências de todos os eventos danosos possíveis, teriam de formular propostas mais onerosas. A Administração arcaria com os custos correspondentes a eventos meramente possíveis – mesmos quando inocorressem, o particular seria remunerado por seus efeitos meramente potenciais. É muito mais vantajoso convidar os interessados a formular a menor proposta possível: aquela que poderá ser executada se não se verificar qualquer evento prejudicial ou onerosos posterior.” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 13ª ed., fl. 747/748).
Ainda segundo o professor Marçal Justen Filho, a Administração somente deve arcar com os custos provenientes de eventos não esperados que aumente os encargos do particular e não, conforme citado acima, em razão de uma proposta com custos de infortúnios que sequer vão acontecer, in verbis:
Concomitantemente, assegura-se ao particular que, se vier a ocorrer o infortúnio, o acréscimo de encargos será arcado pela Administração. Em vez de arcar sempre com o custo de eventos meramente potenciais, a Administração apenas responderá por eles se e quando efetivamente ocorrerem. Trata-se, então de reduzir os custos de transação atinentes à contratação com a Administração Pública. (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 13ª ed., fl. 748).
Tais infortúnios são tratados pela Lei nº 8.666/93 como causa legitimadora das alterações contratuais bilaterais. É o que se depreende da leitura do art. 65, inciso II, alínea “d”, veja-se:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I – omissis
II - por acordo das partes:
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994).
De modo didático, a abalizada doutrina de Eros Roberto Grau e Paula Forgioni[1] esclarece quais são os pressupostos necessários a autorizar o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, in verbis:
“21. Para que surja, em benefício do contratado, o direito ao reequilíbrio de qualquer contrato administrativo, é necessário que:
i) o contratado seja de longa duração ou, pelo menos, a obrigação seja diferida (tractum successivum et dependentiam de futuro, no velho aforismo);
ii) após a vinculação do particular, tenha ocorrido um fato que não poderia ter sido previsto inicialmente, por mais diligente que fosse a parte;
iii) esse fato não tenha decorrido do comportamento do particular, ou seja, sua superveniência não se tenha verificado por culpa sua;
iv) esse mesmo fato tenha gerado um desequilíbrio na equação econômico-financeira do contrato, de forma que ocorra a diminuição do retorno a ser granjeado pelo particular.
Em suma: o fato superveniente deve ser (i) imprevisível; (ii) não decorrente de culpa do particular contratante e (iii) desestabilizador da equação econômico-financeira da avença que, por sua vez, deve (iv) ser de longa duração ou, pelo menos, prever obrigações a serem cumpridas em momento posterior.”
Nesse sentido, o desequilíbrio da equação econômico-financeira estará configurado e, portanto, terá o Contratado direito subjetivo ao reequilíbrio, quando se tratar de contrato de trato sucessivo e ocorrer fato imprevisível e posterior à apresentação da proposta vencedora, não imputável ao solicitante.
Por fim, há que se considerar a abalizada lição do jurista Jessé Torres que, ao estudar a teoria da imprevisão, assevera que as flutuações econômicas e de mercado não devem configurar motivo habitual para invocação da regra excepcional para alterar o contrato.[2]
Conclusão
A cláusula econômico-financeira dos Contratos Administrativos representa o equilíbrio entre a prestação pecuniária a ser paga pela Administração e o bem ou serviço a ser entregue pelo particular.
A Constituição Federal e a Lei de Licitações e Contratos Públicos prescrevem normas protetivas à equação econômico-financeira, cuja modificação somente será admitida na hipótese de anuência do contratado.
Com isso, a ocorrência de desequilíbrio contratual na cláusula econômico-financeira, provocado por fato superveniente à apresentação da proposta e imprevisível, não imputável ao Contratado, gera direito subjetivo ao restabelecimento do equilíbrio, sob pena de lesão ao princípio da vedação ao enriquecimento ilícito.
BIBLIOGRAFIA
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo. Atlas, 2012.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo.15ª ed. Rio de Janeiro. Forense, 2010.
FAGUNDES, Eduardo Seabra. Contrato Administrativo. Cadernos FUNDAP. São Paulo – Ano 5 – no 11. Pags. 11-16 – Jul/1985. Disponível em: < http://www.fundap.sp.gov.br/publicacoes/cadernos/cad11/Fundap11/CONTRATO%20ADMINISTRATIVO.pdf >. Acesso em: 02 nov. 2010.
GRAU, Eros Roberto; FORGIONI, Paula Andréa. O Estado, a empresa e o contrato. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª Ed. São Paulo: Dialética, 2009.
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Alterações do contrato administrativo: releitura das normas de regência à luz do gerenciamento de riscos, em gestão pública comprometida com resultados. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, Belo Horizonte, ano 8, n. 88, abr. 2009. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=57246>. Acesso em: 4 novembro 2010.
________. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. Rio de Janeiro. Renovar, 1995.
[1] O Estado, A Empresa e o Contrato. Ed. Malheiros. 2005. p. 110/111.
[2] Jessé Torres Pereira Júnior. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. 1995, p 415.
Advogado da União - AGU. Procurador-Seccional da União em Uberlândia. Mestre em Administração Pública pela FGV/EBAPE
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOBATO, Marcelo Costa e Silva. Aspectos Legais para a Concessão de Reequilíbrio Econômico-Financeiro nos Contratos Administrativos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2012, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32621/aspectos-legais-para-a-concessao-de-reequilibrio-economico-financeiro-nos-contratos-administrativos. Acesso em: 23 dez 2024.
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