Resumo: No âmbito do Direito contemporâneo não há espaço para que o fisco apreenda mercadorias como meio coercitivo para pagamentos de tributos, posto que o meio cabível para tal cobrança é o ingresso com ação de execução fiscal no Judiciário. Portanto, a cobrança do tributo devido deve obedecer ao devido processo legal, com a obediência a todos os procedimentos a ele inerentes.
Sumário: 1. Introdução; 2. Retenção de mercadoria pelo fisco como forma de coação ao recebimento de tributos; 3. Conclusão.
1 - Introdução:
É prática comum pelos fiscos, principalmente estaduais, a retenção de mercadorias em postos fiscais como forma de coagir o contribuinte a pagar o tributo devido. Como já dito, é uma verdadeira coação, pois o contribuinte necessita da mercadoria para trabalhar, assim, fica obrigado a pagar o tributo de imediato, mesmo que haja alguma ilegalidade na cobrança.
O fiscal ao detectar que um determinado tributo é devido, deverá abrir o devido processo administrativo, colhendo todos os dados da operação, como o tipo de mercadoria, quantidade, inscrição estadual, CNPJ e endereço do estabelecimento adquirente, entre outros dados.
Instaurado o processo administrativo, deve haver a notificação do interessado e a imediata liberação da mercadoria e do veículo transportador, sob pena de ofensa aos ditames legais.
Contudo, o que não pode acontecer é a retenção das mercadorias como forma de obter o pagamento imediato do tributo.
2 - Retenção de mercadoria pelo fisco como forma de coação ao recebimento de tributos:
Como é cediço, o fisco possui meios administrativos e judiciais para a cobrança dos tributos, não necessitando da via indireta da coação pela retenção de mercadorias.
No âmbito judicial tem-se a ação de execução fiscal como meio legítimo para a Fazenda Pública cobrar seus créditos tributários constituídos. Tais créditos, já como meio de facilitar a execução em prol do fisco, conforme o artigo 184 do Código Tributário Nacional, possuem privilégios de execução, conforme transcrição que segue:
Art. 184. Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento do crédito tributário a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis. (grifos nossos)
Ora, a própria lei já assegura aos créditos tributários o privilégio na execução, como forma de dar eficácia nas suas cobranças, inclusive com previsão para que alcancem os bens dos executados. Assim, não há espaço para a coação exercida pelo fisco na retenção de mercadorias.
No âmbito administrativo deve-se respeitar o devido processo legal, dando-se oportunidade para o contribuinte expor suas razões, produzir provas e requerer o que entender de direito. Caso o tributo mesmo assim não seja pago, passa-se à constituição do crédito tributário e à devida execução fiscal.
Não há dúvidas que na relação fisco X contribuinte existe a vulnerabilidade desse último em relação ao primeiro, o que impõe pelo menos a obediência ao princípio do devido processo legal.
Como não poderia deixar de ser, o assunto já foi objeto da edição de súmula pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, mais precisamente a súmula 323, a seguir transcrita:
Súmula 323 - É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
Conforme previsto na súmula supracitada, essa prática abusiva e ilegal ainda realizada por alguns fiscos estaduais é vedada pela nossa Constituição Federal e pelo guardião da mesma, o Supremo Tribunal Federal.
Ceifar o contribuinte de prosseguir com seu comércio por questões de comodidade é uma afronta à nossa carta constitucional, já que o devido processo legal é um dos pilares do nosso Estado Democrático de Direito.
Evidentemente, como não poderia deixar de ser, tal retenção ilegal é passível de punição, devendo a parte lesada ingressar no Judiciário pedindo a decretação da ilegalidade do ato, com a consequente liberação de sua mercadoria apreendida, bem como ainda a reparação em danos morais e materiais porventura existentes.
3 - Conclusão:
Na nossa humilde opinião, é acertada a súmula 323 do STF, já que clarividente a ilegalidade na apreensão de mercadorias como forma de coagir o contribuinte ao pagamento de tributo.
Tal conduta, além de ferir o princípio constitucional do devido processo legal, além da ampla defesa e do contraditório, é rejeitada majoritariamente pela jurisprudência de nossos tribunais, sendo, portanto, prática abusiva passível de correção pelo Poder Judiciário.
Infelizmente, não são raras as vezes que os fiscos cometem o ilícito, como forma de coagir os contribuintes indiretamente ao pagamento de tributos, ocasionando um verdadeiro constrangimento ilegal.
Porém, como visto, o Judiciário tem seguidamente coibido tal prática que priva o cidadão da faculdade de continuar sua atividade econômica.
4 - Referências:
ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Método, 2010.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2007.
Precisa estar logado para fazer comentários.