Nos casos de convênios já encerrados, questiona-se a forma de cobrança das glosas, especificamente quanto ao marco final de incidência de correção monetária e juros moratórios em caso de atraso por parte da Administração na conclusão da análise da prestação de contas.
De início, vale ressaltar que o julgamento das contas e a apuração do quantum debeatur do convenente têm prazo de conclusão previsto no art. 76 da atual Portaria Interministerial MP/MF/CGU nº 507/2011, a seguir transcrito:
“Art. 76. A autoridade competente do concedente terá o prazo de noventa dias, contado da data do recebimento, para analisar a prestação de contas do instrumento, com fundamento nos pareceres técnico e financeiro expedidos pelas áreas competentes.
§ 1º O ato de aprovação da prestação de contas deverá ser registrado no SICONV, cabendo ao concedente prestar declaração expressa de que os recursos transferidos tiveram boa e regular aplicação.
§ 2º Caso a prestação de contas não seja aprovada, exauridas todas as providências cabíveis para regularização da pendência ou reparação do dano, a autoridade competente, sob pena de responsabilização solidária, registrará o fato no SICONV e adotará as providências necessárias à instauração da Tomada de Contas Especial, com posterior encaminhamento do processo à unidade setorial de contabilidade a que estiver jurisdicionado para os devidos registros de sua competência.” (grifou-se)
No tocante à incidência de correção monetária e juros moratórios sobre os débitos apurados por ocasião da análise da prestação de contas, verifica-se que a Instrução Normativa nº 56/2007 do Tribunal de Contas da União – que trata da instauração e organização do processo de tomada de contas especial – dispõe em seu art. 8º unicamente sobre o marco inicial dessa incidência, restando silente quanto ao respectivo termo final. Veja-se a dicção do dispositivo citado:
“Art. 8° Os juros moratórios e a atualização monetária incidentes sobre os débitos apurados devem ser calculados com observância da legislação vigente e com incidência a partir:
I – da data do recebimento dos recursos ou da data do crédito na respectiva conta-corrente bancária, no caso de ocorrência relativa a convênio, contrato de repasse ou instrumento congênere;
II – da data do evento, quando conhecida, ou da data de ciência do fato pela Administração, nos demais casos.
Parágrafo único. No caso de desaparecimento ou desvio de bem, a base de cálculo dos encargos deve ser o valor de mercado ou o de aquisição de bem igual ou similar, no estado em que se encontrava, com os acréscimos legais.”
No caso de convênios e instrumentos congêneres que envolvam transferência de recursos públicos, tem-se uma conjugação de esforços entre as partes em que é ausente a busca pelo lucro, atuando os envolvidos em regime de mútua cooperação para atender interesses recíprocos. Esse, inclusive, é o entendimento que se extrai da dicção do caput do art. 1º do Decreto nº. 6.170/2007, verbis:
“Art. 1o Este Decreto regulamenta os convênios, contratos de repasse e termos de cooperação celebrados pelos órgãos e entidades da administração pública federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, para a execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco que envolvam a transferência de recursos oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União. (Redação dada pelo Decreto nº 6.428, de 2008.)” (grifou-se)
Sobre o tema também discorre Paulo Grazziotin[1], nos seguintes termos:
“Os convênios, atualmente regidos pelo Decreto nº. 6.170/2007 e pela Portaria Interministerial nº. 127/2008, são os principais meios de transferência de recursos e caracterizam-se por serem acordos administrativos que visam, geralmente, a conjugação de esforços, para realização de ações de competência comum ou concorrente, em regime de mútua colaboração, buscando o alcance de objetivos comuns (interesse recíproco, com a obtenção de melhor rendimento no emprego de seus recursos).
Enquanto acordo administrativo colaborativo, não visa, a princípio, a concessão de ‘apoio financeiro’, mas a execução descentralizada de programas de governo.
(...)
Conforme pode ser observado, não importa a denominação que se dê ao instrumento, pois o que definirá o instituto será a sua essência, as suas características, ou seja, a participação de órgão/entidade da administração pública federal como transferidor de recursos, interesse recíproco, mútua cooperação e ausência de lucro.”
A par disso, mostra-se também oportuno trazer a lume a distinção jurídica entre juros compensatórios e moratórios.
Os juros compensatórios (também denominados remuneratórios) objetivam “remunerar o capital emprestado no período em que o seu titular dele ficou privado. Eles representam uma espécie de preço pago pelo “aluguel” do capital e também uma álea que sobre ele recai, a partir do momento em que o credor dele é alijado”[2]. Não dizem respeito, pois, a inadimplemento de obrigações pactuadas.
Já os juros moratórios “traduzem uma indenização para inadimplemento no cumprimento da obrigação de restituir pelo devedor. Funcionam como uma sanção pelo retardamento culposo no reembolso da soma mutuada. Apartam-se dos juros compensatórios pois se assentam na ideia de culpa do devedor”[3].
É de se ressaltar ainda que, nos termos do art. 396 do Código Civil, “não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora”. Em tal hipótese, portanto, não há de se falar em adição de efeitos patrimoniais representados pelos juros moratórios.
Com isso, tem-se que, nos convênios e instrumentos congêneres, os juros moratórios servem como uma espécie de indenização pelo adimplemento tardio de alguma obrigação pactuada ou pela verificação de ilegalidades ou impropriedades em que há culpa do convenente. Em verdade, funcionam como uma sanção pelo não-adimplemento pontual de obrigações pactuadas que redundaram em irregular e má aplicação dos recursos financeiros repassados.
Daí porque a cobrança de juros moratórios em tais tipos de avença não tem a finalidade de recompensar ou remunerar o concedente pelos recursos financeiros repassados que foram irregular ou insatisfatoriamente aplicados durante a vigência do ajuste, mesmo porque, como visto, os convênios e instrumentos congêneres não possuem finalidade lucrativa.
Desse modo, entende-se, a teor do disposto no já citado art. 396 do Código Civil, que somente havendo fato ou omissão atribuível ao convenente incorrerá este em inadimplência ou atraso no cumprimento de suas obrigações, fazendo nascer, daí, justa causa para a incidência de juros de mora.
Por conseguinte, no período posterior ao prazo regulamentar durante o qual, por inércia exclusiva da autoridade administrativa federal (concedente), a análise das contas finais do ajuste não foi concluída, reputa-se indevida a incidência de juros moratórios, já que a mora, no caso, não é imputável à outra parte (convenente), não cabendo a esta, pois, suportar as consequências financeiras daí advindas.
De fato, a cobrança de juros moratórios após o prazo final para a análise da prestação de contas feriria os princípios administrativos constitucionais da razoabilidade, da moralidade e da segurança jurídica, além de caracterizar enriquecimento ilícito da Administração.
Por certo que, se a autoridade concedente, de um lado, tem o direito de se ver ressarcida do adimplemento tardio de alguma obrigação pactuada, não pode, por outro lado, beneficiar-se da demora em exercer esse mesmo direito para exigir da outra parte (convenente) pagamento de quantia que não seria devida caso a prestação de contas fosse analisada e finalizada dentro do prazo regulamentar.
Até porque, como visto, os juros moratórios não visam compensar a Administração pelo período de tempo em que ela ficou privada dos recursos financeiros repassados, nem os convênios e instrumentos congêneres têm por escopo a obtenção de lucro. Entender de forma contrária equivaleria, pois, a desvirtuar a natureza jurídica de tais institutos, além de configurar locupletamento ilícito do concedente.
Desta feita, com alicerce nos princípios administrativos constitucionais e na própria natureza jurídica dos juros moratórios e dos convênios, entende-se que, nas cobranças de glosas relativas a ilegalidades e impropriedades apuradas em tais espécies de ajuste, é correta a cobrança de juros moratórios somente até o fim do prazo regulamentar para análise do órgão concedente.
De outra banda, no concernente à correção monetária, insta salientar que se trata, não de acréscimo pecuniário, mas de mera reposição do valor real da moeda, consumido pelo fenômeno inflacionário. Tal atualização não depende, pois, de culpa das partes e não representa um plus nem uma penalidade, mas somente a eliminação das distorções no valor da moeda para obtenção de seu real patamar.
Sobre o tema, é oportuno consultar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ilustrada no aresto a seguir colacionado:
“TRIBUTÁRIO. CORREÇÃO MONETÁRIA INCIDENTE SOBRE MULTA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. 1. A correção monetária incide sobre o valor da multa recolhida indevidamente, sob pena de enriquecimento ilícito da Fazenda Pública. 2. "A correção monetária não se constitui em um plus; não é uma penalidade, sendo, tão-somente, a reposição do valor real da moeda, corroído pela inflação. Portanto, independe de culpa das partes litigantes" (Primeira Turma, AgRg no REsp n. 258.039/PR, relator Ministro José Delgado, DJ de 23.10.2000). 3. Recurso especial improvido.”(REsp 525.402/SC, Rel. MIN. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/10/2006, DJ 07/12/2006, p. 284)
Nesse sentido, caso não ocorra a correção monetária sobre o valor do débito apurado na prestação de contas final, estaria o convenente se enriquecendo ilicitamente e obtendo vantagem indevida pelo não-cumprimento regular de suas obrigações conveniais, situação agravada sobretudo nos casos em que a análise das contas pelo órgão repassador alonga-se por vários anos, fazendo com que o quantum devido possa, eventualmente, vir a se tornar irrisório.
Logo, entende-se que a correção monetária deve incidir mesmo após o prazo final de análise da prestação de contas de convênios e instrumentos congêneres, até a data do efetivo recolhimento dos valores devidos, visto tratar-se de mera adequação do montante pecuniário ao seu patamar real.
Em suma, portanto, considera-se que eventuais glosas advindas de impropriedades ou ilegalidades de responsabilidade do convenente devem ser calculadas com atualização monetária e juros moratórios incidentes até o término do prazo regulamentar de que dispõe a Administração para conclusão da análise da prestação de contas, após o que somente a atualização monetária do montante apurado se mostra correta, a incidir até a data do efetivo recolhimento da dívida.
Bibliografia:
COUTO, Anderson Rubens de Oliveira; RAMOS, Henrique Barros Pereira; GRAZZIOTIN, Paulo. A contratação na Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
[1] COUTO, Anderson Rubens de Oliveira; RAMOS, Henrique Barros Pereira; GRAZZIOTIN, Paulo. A contratação na Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 353.
[2] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 450.
[3] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 450.
Procuradora Federal. Coordenadora de Assuntos Judiciais da Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Especialista em Direito Previdenciário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARLI, Kalinca De. Método de cobrança de glosas na análise tardia de prestação de contas de convênios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2012, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32767/metodo-de-cobranca-de-glosas-na-analise-tardia-de-prestacao-de-contas-de-convenios. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
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