O presente estudo busca analisar o conteúdo do Projeto de Lei do Senado nº 209/2010, que regulamenta o pagamento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), através da utilização de precatórios.
Para um melhor esclarecimento da matéria, transcreve-se o referido projeto de lei:
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 209, DE 2010 Regulamenta o pagamento da Compensação Financeira pela Exploração de
Recursos Minerais (CFEM) por meio da utilização de precatórios.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Os valores relativos à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), devidos pelas atividades associadas à utilização econômica dos recursos minerais, nos termos das Leis nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989 e 8.001, de 13 de março de 1990, poderão ser compensados por meio de precatórios decorrentes de condenação judicial.
§ 1º As operações de compensação e liquidação de que trata o caput deste artigo referem-se a débitos inscritos na Dívida Ativa da União, dos Estados e dos Municípios, decorrentes de Notificação Fiscal de Lançamento de Débito para Pagamento (NFLDP).
§ 2º Os valores correspondentes aos precatórios de que trata o caput deste artigo só poderão ser utilizados se decorrentes de condenação judicial irrecorrível.
§ 3º As operações de compensação de que trata o caput deste artigo só poderão ser feitas junto ao mesmo ente federativo responsável pelos precatórios.
§ 4º Nas operações de compensação e liquidação de que trata o caput deste artigo, aplicam-se, subsidiariamente, no que couberem, as normas da compensação prevista na Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, e no art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996.
Art. 2 º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
No intuito de compreender o assunto, cumpre analisar a natureza jurídica da CFEM e a sua fundamentação legal.
A CFEM foi prevista inicialmente na Constituição Federal de 1988, que em seu art. 20, inciso IX, ao estabelecer como bens da União os recursos minerais, assegurou, no §1º do mesmo artigo, nos termos da lei, uma compensação financeira por conta da exploração dos recursos minerais no respectivo território aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União.
Em cumprimento ao mandamento constitucional, a Lei nº 7.990/89, previu que:
Art. 1º O aproveitamento de recursos hídricos, para fins de geração de energia elétrica e dos recursos minerais, por quaisquer dos regimes previstos em lei, ensejará compensação financeira aos Estados, Distrito Federal e Municípios, a ser calculada, distribuída e aplicada na forma estabelecida nesta
Art. 8º O pagamento das compensações financeiras previstas nesta Lei, inclusive o da indenização pela exploração do petróleo, do xisto betuminoso e do gás natural será efetuado, mensalmente, diretamente aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e aos órgãos da Administração Direta da União, até o último dia útil do segundo mês subseqüente ao do fato gerador, devidamente corrigido pela variação do Bônus do Tesouro Nacional (BTN), ou outro parâmetro de correção monetária que venha a substituí-lo, vedada a aplicação dos recursos em pagamento de dívida e no quadro permanente de pessoal. (Redação dada pela Lei nº 8.001, de 13.3.1990)
Art. 10 – O poder executivo regulamentará esta lei no prazo máximo de 90 (noventa) dias da data de sua publicação.
Por sua vez, o Decreto nº 1, de 11 de janeiro de 1991, regulamentou o pagamento da compensação financeira, prevendo, em seu artigo 27, que caberia ao DNPM, no âmbito de suas atribuições, expedir instruções complementares ao referido decreto.
A fim deixar ainda mais claro o poder normativo do DNPM, no tocante a CFEM, a Lei nº 8.876/1994 previu que:
Art. 3º A autarquia DNPM terá como finalidade promover o planejamento e o fomento da exploração e do aproveitamento dos recursos minerais, e superintender as pesquisas geológicas, minerais e de tecnologia mineral, bem como assegurar, controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo o território nacional, na forma do que dispõe o Código de Mineração, o Código de Águas Minerais, os respectivos regulamentos e a legislação que os complementa, competindo-lhe, em especial:
(...)
IX - baixar normas e exercer fiscalização sobre a arrecadação da compensação financeira pela exploração de recursos minerais, de que trata o § 1º do art. 20 da Constituição Federal;
Nesse sentido, ficou o DNPM responsável pela gestão e arrecadação da CFEM, além da fiscalização do cumprimento da obrigação por parte daqueles que exploram os recursos minerais, cabendo, para tanto, baixar as normas necessárias. Os recursos financeiros arrecadados, contudo, são partilhados com os demais entes federativos e com alguns órgãos (Ministério da Ciência e Tecnologia) e entidades (DNPM e IBAMA) da Administração Pública.
Identificados os atos normativos que preveem a obrigação quanto ao pagamento e a competência para cobrança e fiscalização, pode-se chegar uma conclusão a respeito da natureza jurídica da CFEM.
Quanto a esse ponto, conclui-se que a CFEM não possui natureza tributária, sendo considerada uma receita patrimonial devida em virtude da exploração de recursos minerais. Cuida-se, portanto, de uma receita originária decorrente da exploração de um bem pertencente ao patrimônio da União. Nesse sentido, inclusive, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou:
Bens da União: (recursos minerais e potenciais hídricos de energia elétrica): participação dos entes federados no produto ou compensação financeira por sua exploração (CF, art. 20, e § 1º): natureza jurídica: constitucionalidade da legislação de regência (L. 7.990/89, arts. 1º e 6º e L. 8.001/90). 1. O tratar-se de prestação pecuniária compulsória instituída por lei não faz necessariamente um tributo da participação nos resultados ou da compensação financeira previstas no art. 20, § 1º, CF, que configuram receita patrimonial. 2. A obrigação instituída na L. 7.990/89, sob o título de "compensação financeira pela exploração de recursos minerais" (CFEM) não corresponde ao modelo constitucional respectivo, que não comportaria, como tal, a sua incidência sobre o faturamento da empresa; não obstante, é constitucional, por amoldar-se à alternativa de "participação no produto da exploração" dos aludidos recursos minerais, igualmente prevista no art. 20, § 1º, da Constituição (RE nº 228800, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 25/09/2001)
Dessa forma, a fiscalização e a arrecadação da CFEM são atribuições do DNPM, a quem cabe realizar o repasse dos valores aos seus demais destinatários.
Para o perfeito cumprimento de seu mister, o DNPM baixou o Manual de Procedimentos de Arrecadação e Cobrança da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), por meio do Portaria do Diretor-Geral nº 389, publicada no DOU de 24/11/2010, que prevê a formação do processo de cobrança, as formas de constituição do crédito, de defesa e de julgamento, além da inscrição em dívida ativa e no CADIN, com o consequente ajuizamento da ação de execução fiscal.
Com efeito, percebe-se que a CFEM é inscrita na dívida ativa do DNPM, cabendo à Procuradoria Geral Federal realizar o procedimento de cobrança judicial e que, só após o efetivo ingresso dos valores devidos, cada cota-parte é enviada aos seus destinatários. Estes, portanto, não participam do procedimento de cobrança, seja em fase administrativa ou na judicial.
Esse é o ponto central para a análise do PLS nº 209/2010. É que, pode-se identificar uma atecnia no §1º do art. 1º do referido projeto ao prever a compensação dos valores devidos a título de CFEM com débitos inscritos na dívida ativa da União, Estados e Municípios. Afinal, aqueles que exploram os recursos minerais recolhem o valor da CFEM para o DNPM e não separadamente para os Estados e Municípios, que recebem apenas um percentual dessa receita. Portanto, os devedores da CFEM são devedores exclusivamente do DNPM.
Nesse sentido, o direito ao recebimento dos percentuais relativos à CFEM para os demais destinatários surge apenas quando do efetivo ingresso dessa receita nos cofres do DNPM.
Dessa forma, o referido projeto de lei só surtiria efeitos concretos em relação unicamente ao DNPM, o qual, esclareça-se, possui uma dívida ativa distinta da União. Assim, seria permitida a compensação de valores devidos a título de CFEM com uma dívida do DNPM a ser paga por meio de precatório.
No entanto, ainda que o legislador pretenda prosseguir com o projeto de lei em análise, a fim de que sejam compensados os valores da CFEM com os precatórios devidos pelo DNMP, deve-se ter em mente a desnecessidade do referido projeto.
É que não se pode olvidar que em 09 de dezembro de 2009 foi promulgada e Emenda Constitucional nº 62, que no artigo 100, §§9º e 10º assim dispõem:
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
(...)
§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.
§ 10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos.
Conforme se observa dos dispositivos acima transcritos, desde a EC nº 62/2009 é determinada a compensação do precatório a ser recebido com eventuais valores devidos perante a Fazenda Pública que irá realizar o pagamento do precatório. Assim, a alteração pretendida pelo PLS nº 209/2010 não iria surtir nenhum efeito distinto do que já ocorre.
Deve-se ter em mente ainda que o dispositivo constitucional é mais amplo que o PLS nº 209/2010, visto que permite a compensação com valores devidos ainda que não inscritos em dívida ativa, enquanto que o projeto de lei, em seu §1º do art. 1º, condiciona a compensação à inscrição em dívida ativa dos débitos da CFEM.
Merece registro ainda a interpretação conferida pelo CNJ, por meio da Resolução nº 115, de 29 de junho de 2010, no sentido de que para fins de interpretação do que seja “fazenda pública devedora” prevista no §9º art. 100 da Constituição Federal, deve-se buscar a compensação exclusivamente com a entidade que seja a devedora do precatório. Dessa forma, na hipótese de o DNPM possuir um precatório a pagar, só se pode compensar com valores devidos ao próprio DNPM e não, por exemplo com outra entidade da administração indireta federal.
Percebe-se, portanto, que o PLS n° 209/2010 busca permitir uma compensação que já é admitida, inclusive por imperativo constitucional, uma vez que o §9º do art. 100 da Constituição Federal utiliza a expressão “deverá”, indicando que não se trata de um ato discricionário da autoridade competente, e sim de um mandamento.
Por fim, percebe-se uma diferença entre o texto constitucional e o PLS nº 209/2010 quanto ao momento da compensação do precatório, uma vez que enquanto o primeiro afirma que a compensação será realizada ”no momento da expedição dos precatórios”, o segundo assegura a utilização do precatório, desde que “decorrentes de condenação judicial irrecorrível”. Pela leitura dos dispositivos, percebe-se que há um lapso temporal – às vezes demasiadamente longo – entre a decisão condenatória irrecorrível e a efetiva expedição do precatório.
Ora, como o tema é tratado diretamente pela Constituição Federal, a qual assegura a efetiva observância da ordem cronológica de apresentação dos precatórios para seu pagamento, uma lei ordinária não poderia dispor da matéria para contrariar o texto constitucional. Assim, a única interpretação constitucionalmente aceita do PLS nº 209/2010, nesse ponto, é de que a compensação só poderá ser realizada no momento da expedição do precatório.
Dessa forma, percebe-se que com a promulgação, em 09 de dezembro de 2009, da Emenda Constitucional nº 62, torna-se desnecessário o PLS nº 209/2010, tendo em vista que já é determinada a compensação do precatório a ser recebido com eventuais valores devidos perante a Fazenda Pública que irá realizar o pagamento do precatório. Contudo, no caso de se pretender dar continuidade ao PLS nº 209/2010, a única interpretação constitucionalmente aceita quanto ao momento a ser realizada a compensação é quando da expedição do precatório.
Procuradora Federal. Graduada em Direito pela UFPE. Pós-Graduada em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDES, Tarsila Ribeiro Marques. Análise do Projeto de Lei do Senado nº 209/2010: do pagamento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) através da utilização de precatórios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2012, 11:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32768/analise-do-projeto-de-lei-do-senado-no-209-2010-do-pagamento-da-compensacao-financeira-pela-exploracao-de-recursos-minerais-cfem-atraves-da-utilizacao-de-precatorios. Acesso em: 23 dez 2024.
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