A redação original da Constituição Federal de 1988 previa, no inciso II do artigo 202, a possibilidade de aposentadoria por idade aos trabalhadores rurais que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. A idade mínima seria de 60 anos para o homem, e de 55 anos para as mulheres.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 20 de 1998, o então inciso II do artigo 202, passou a ser o novel inciso II do § 7º do artigo 201, mantendo-se a redação praticamente idêntica, senão vejamos:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
(...)
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
(...)
II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (sem grifos no original)
A Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991 praticamente repetiu o texto constitucional, mas trouxe alguns requisitos que serão analisados oportunamente, à luz da jurisprudência que rege a matéria.
Importante salientar que, para a obtenção deste benefício, não há necessidade de recolhimento de contribuições mensais, o que é exigido aos trabalhadores urbanos. O inciso I do artigo 39 da Lei nº 8.213/91 é elucidativo:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou
Como visto, basta a comprovação do exercício da atividade rural, não sendo exigido o recolhimento de contribuições para o chamado segurado especial.
Outro ponto que merece destaque refere-se ao valor do benefício. Como não há contrapartida do trabalhador rural, o legislador limitou a renda a 01 (um) salário mínimo.
Passemos então ao estudo dos requisitos para a obtenção do benefício da aposentadoria por idade, na condição de trabalhador rural.
Dos requisitos previstos na Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991
O primeiro requisito é o etário, ou seja, 55 (cinquenta e cinco) anos para as mulheres, e 60 (sessenta) para os homens. Note-se que há uma redução de 05 anos em relação aos trabalhadores urbanos.
O segundo requisito é própria comprovação do efetivo exercício da atividade rural. O artigo 106 elenca os documentos que comprovam o desempenho da atividade rural:
Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
V – bloco de notas do produtor rural; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
O artigo 108[1], em cotejo com o § 3º do artigo 55[2], ambos da Lei 8.213/91, abrandam o rigorismo documental imposto pelo artigo 106, ao admitirem a produção de prova testemunhal, desde que lastreada em início de prova material. Outro ponto importante é a não aceitação de prova exclusivamente testemunhal[3]. A jurisprudência é pacífica nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA DOCUMENTAL: AUSÊNCIA.
1. Não comprovada a qualidade de trabalhador rural (art. 11, I, 'a', da Lei 8.213/91) ou de segurado especial (art. 11, VII, da Lei 8.213/91), a parte autora não tem direito ao benefício de aposentadoria por idade, na forma do art. 143 da Lei 8.213/91.
2. Os documentos colacionados pela parte autora, por não se revestirem das formalidades legais exigidas, são inservíveis como início razoável de prova material, indispensável para a concessão do pedido.
3. Carteiras, comprovantes e declarações de Sindicatos sem a devida homologação pelo INSS ou Ministério Público; declarações escolares, de Igrejas, de ex-empregadores e afins; prontuários médicos; recibos de atividades diversas daquelas ligadas à atividade rural; certidão eleitoral contemporânea à data do requerimento do benefício, dentre outros, não podem ser considerados como início razoável de prova material apto à comprovação do efetivo exercício da atividade rural.
4. A certidão de casamento da autora evidencia que o casamento foi realizado no ano de 2009, não restando configurado o início de prova material apto à comprovação do efetivo exercício de atividade rural. Ademais, as testemunhas ouvidas em juízo afirmaram que a parte autora não trabalha há 2 (dois) anos.
5. "Não é admissível prova exclusivamente testemunhal para o reconhecimento de tempo de exercício de atividade urbana e rural" (Súmula 27 deste Tribunal).
6. Remessa oficial, tida por interposta, a que se dá provimento para julgar improcedente o pedido. Apelação prejudicada.
(TRF1, Apelação Cível, 1ª Turma, Des. Fed. Ângela Catão, e-DJF1, 17.02.2012, p. 162)
A questão da contemporaneidade da prova é também vital para servir de início de prova material, já que um documento produzido em 2009, ainda que revestido das formalidades legais, só está apto a comprovar a situação neste período. É o que diz a Súmula nº 34 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais – TNU, verbis:
Para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar.
O terceiro requisito para obtenção do benefício da aposentadoria por idade rural é a carência. O § 2º do artigo 48 da Lei nº 8.213/91 prevê que o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido.
Em outras palavras, o efetivo exercício da atividade rural deve corresponder, em número de meses, aos períodos previstos no artigo 142 da Lei nº 8.213/91[4]:
Art. 142. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à seguinte tabela, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício: (Artigo e tabela com nova redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995) (sem grifos no original)
Assim, ilustrativamente, caso uma segurada especial tenha completado 55 anos em 2007, deverá comprovar o equivalente a 156 meses de efetivo labor rural, ainda que de forma descontínua.
Por fim, há que se ressaltar algumas situações que descaracterizam a condição de segurado especial. Uma delas é o exercício de atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, em propriedade cuja área seja superior a 04 (quatro) módulos fiscais[5]. A lei entendeu que o regime de economia familiar[6] restaria descaracterizado em propriedades com grandes extensões territoriais.
Outra situação que descaracteriza a condição de segurado especial é a percepção de outra fonte de rendimento. Essa é a orientação contida no § 9º do art. 11 da Lei 8.231/91. É de se destacar que o próprio § 9º, em seus 08 (oito) incisos, elenca uma série de exceções, como o exercício de mandato eletivo de dirigente sindical de organização da categoria de trabalhadores rurais.
Nota-se, assim, que mais uma vez a regra é a de se resguardar o conceito restrito de economia familiar. A percepção de remuneração que guarde alguma relação com a atividade campesina não tem o condão de descaracterizar a condição de rurícola do trabalhador.
Uma última situação que merece destaque é o enquadramento em outra categoria de segurado obrigatório do RGPS ou de outro regime previdenciário (art. 11, § 10º, I, ‘b’ e ‘c’, Lei 8.213/91). Desta forma, caso o trabalhador obtenha um emprego como padeiro, por exemplo, sua condição de segurado especial já restaria descaracteriza.
Conclusão
É de conhecimento geral que a Constituição Brasileira de 1988 possui um forte apelo social. “Foi intenção do constituinte originário criar um sistema protetivo até então inexistente em nosso país, já que o Estado, pelo novo conceito, seria responsável pela criação de uma teia de proteção capaz de atender aos anseios e necessidades de todos na área social.” (Ibrahim, 2009)[7].
Nessa linha, a Carta Política definiu a Seguridade Social compreendendo um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
O benefício da aposentadoria por idade rural, por seu turno, está inserido no rol dos chamados benefícios previdenciários. E, como visto, além da comprovação da idade, basta a demonstração do efetivo exercício de atividade rural por um lapso mínimo de tempo. E tal exercício, repita-se, independe de qualquer contribuição vertida ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS.
Sobre este aspecto – ausência de contribuição para o regime – muito se tem questionado sobre a natureza jurídica da aposentadoria rural por idade, ou seja, se seria um benefício previdenciário ou assistencial.
Dentro da ideia de que a Previdência Social possui um caráter contributivo, pautada na manutenção do equilíbrio financeiro, o benefício rural em questão parece estar dissociado dessas premissas.
Assim, ainda que formalmente seja considerado um benefício previdenciário pela Carta Magna e pela Lei nº 8.213/91, a aposentadoria por idade rural, por suas características, materialmente está mais ligada à vertente do assistencialismo.
Em linhas finais, podemos afirmar que “existe no Brasil uma verdadeira política de redistribuição de renda destinada aos trabalhadores rurais, operada por meio do sistema previdenciário, mesmo em detrimento dos preceitos constitucionais e legais. Logo, a aposentadoria por idade rural, na atualidade brasileira, possui natureza assistencial, e não previdenciária, em desacordo com as normas previdenciárias e em prejuízo dos recursos financeiros previdenciários.”.[8]
[1] Art. 108. Mediante justificação processada perante a Previdência Social, observado o disposto no § 3º do art. 55 e na forma estabelecida no Regulamento, poderá ser suprida a falta de documento ou provado ato do interesse de beneficiário ou empresa, salvo no que se refere a registro público.
[2] Art. 55, § 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
[3] Súmula 149 do STJ: A PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL NÃO BASTA A COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURICOLA, PARA EFEITO DA OBTENÇÃO DE BENEFICIO PREVIDENCIARIO.
[4] 1991/92 – 60 meses; 1993 – 66 meses; 1994 – 72 meses; 1995 – 78 meses; 1996 – 90 meses; 1997 – 96 meses; 1998 – 102 meses; 1999 – 108 meses; 2000 – 114 meses; 2001 – 120 meses; 2002 – 126 meses; 2003 – 132 meses; 2004 – 138 meses; 2005 – 144 meses; 2006 – 150 meses; 2007 – 156 meses; 2008 – 162 meses; 2009 – 168 meses; 2010 – 174 meses; 2011 – 180 meses;
[5] art. 11, VII, a, 1, Lei 8.213/91
[6] Art. 11, § 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
[7] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Resumo de Direito Previdenciário. 10. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
[8] CÂMARA,Karine. A aposentadoria por idade rural e seu caráter assistencial. Diponível em <http://periodicos.franca.unesp.br/index.php/estudosjuridicosunesp/article/viewFile/398/514>. Acesso em 29 nov 2012.
Procurador Federal - Pós-graduação em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOULART, Henrique Gouveia de Melo. O segurado especial e o direito à aposentadoria por idade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2012, 03:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32845/o-segurado-especial-e-o-direito-a-aposentadoria-por-idade. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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