Introdução
Nos termos do artigo 194 da Constituição Federal de 1988, “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”.
Já a assistência social tem por objetivo prestar auxílio, independente de contribuição, aos necessitados, em especial à família, às crianças e adolescentes carentes, aos idosos e aos deficientes, promovendo a integração à vida comunitária e ao mercado de trabalho.
Além destes objetivos mais amplos, a Carta de 88, em seu artigo 203, inciso V, previu:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
No intuito de disciplinar este benefício, foi editada a Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993 – Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, cuja matéria foi tratada em seu art. 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas; (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)(sem grifos no original)
Em apartada síntese, o Benefício de Prestação Continuada –BPC, no valor de 01 (um) salário mínimo, é devido ao idoso ou ao portador de deficiência, nos casos em que a renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto do salário mínimo).
Passemos então ao estudo dos requisitos para a obtenção do benefício de prestação continuada.
Dos requisitos previstos na Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS
O primeiro requisito é pessoal, ou seja, refere-se idade ou à condição de deficiência do (a) requerente.
No que se refere à idade, basta a comprovação mínima de 65 anos, seja homem ou mulher. É de se destacar que a redação original da LOAS previa uma idade mínima de 70 anos, mas o Estatuto do Idoso, em 2003, já havia reduzido a idade mínima para 65 anos[1]. Por fim, a Lei nº 12.435, de 2011, alterou definitivamente o caput do artigo 20 da LOAS, de modo que idade mínima para obtenção do BPC é mesmo de 65 anos.
Já na modalidade destinada aos portadores de deficiência, a comprovação é um pouco mais custosa. Não basta a mera alegação de deficiência. A concessão do benefício fica sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento do (a) requerente, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
No que se refere à avaliação do grau de deficiência do (a) requerente, o § 2º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 assim dispõe:
Art. 20. (omissis)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
O Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007, que regulamentou o BPC, em seu artigo 24, garante que o desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou educacionais e a realização de atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, dentre outras, não constituem motivo de suspensão ou cessação do benefício da pessoa com deficiência. Este mesmo regulamento prevê ainda que a concessão do BPC independe da interdição judicial do idoso ou da pessoa com deficiência.
Pois bem, além do requisito pessoal – idade ou deficiência, o (a) requerente deve ser também comprovar um outro requisito – o social. Esse requisito, nos termos do artigo 20 da Lei Orgânica, é preenchido quando o (a) requerente demonstra não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
E a própria lei, nos termos do § 3º do mesmo artigo 20, define objetivamente a impossibilidade de se manter, vejamos:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)(sem grifos no original)
A lei define ainda que a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
A comprovação de renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, em que pese a taxatividade legal, é costumeiramente flexibilizada pelo judiciário. Em inúmeros julgados, os juízes e tribunais acabam por considerar também outras despesas da família, de modo a mitigar esse requisito objetivo.
O Superior Tribunal de Justiça, por meio da Terceira Seção, firmou entendimento no seguinte sentido:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)(Sem grifos no original)
Outro ponto relativizado pela jurisprudência diz respeito ao disposto no § 4º do mesmo artigo 20 da LOAS[2]. A lei é taxativa em não admitir a cumulação do BPC com outro benefício previdenciário, mas os tribunais acabam por admitir a cumulação com algum benefício previdenciário que seja de 01 (um) salário mínimo.
O precedente abaixo reflete a posição da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA MENSAL PER CAPITA FAMILIAR. EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PERCEBIDO POR MAIOR DE 65 ANOS. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, LEI Nº 10.741/2003. APLICAÇÃO ANALÓGICA.
1. A finalidade da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), ao excluir da renda do núcleo familiar o valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, foi protegê-lo, destinando essa verba exclusivamente à sua subsistência.
2. Nessa linha de raciocínio, também o benefício previdenciário no valor de um salário mínimo recebido por maior de 65 anos deve ser afastado para fins de apuração da renda mensal per capita objetivando a concessão de benefício de prestação continuada.
3. O entendimento de que somente o benefício assistencial não é considerado no cômputo da renda mensal per capita desprestigia o segurado que contribuiu para a Previdência Social e, por isso, faz jus a uma aposentadoria de valor mínimo, na medida em que este tem de compartilhar esse valor com seu grupo familiar.
4. Em respeito aos princípios da igualdade e da razoabilidade, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício de valor mínimo recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso.
5. Incidente de uniformização a que se nega provimento.
(Pet 7.203/PE, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/08/2011, DJe 11/10/2011)(sem grifos no original)
O entendimento dos tribunais é o de que Estatuto do Idoso, por meio do § único[3] do art. 34, permite a acumulação do BPC com outro benefício, previdenciário ou não.
Por fim, merece destaque o disposto no artigo 21 da LOAS, que prevê a revisão do benefício de prestação continuada a cada 2 (dois) anos, no intuito de aferir a continuidade das condições que deram origem ao beneficio.
Conclusão
Nossa jovem nação ainda é composta de milhões de pessoas com baixa escolaridade, repercutindo diretamente na renda familiar. O constituinte de 1988, ciente desta realidade, inseriu no texto constitucional um benefício assistencial àqueles que necessitam, transitória ou definitivamente, de um auxílio financeiro para a manutenção de sua dignidade como cidadão.
É de se notar que os objetivos da Assistência Social não se limitam à simples ajuda financeira, mas busca proteger, amparar, promover integração e reabilitar as pessoas em condição de vulnerabilidade social.
“Pelos objetivos enumerados, constata-se que a Assistência Social não é, na verdade, meramente assistencialista, porque não se destina apenas a dar socorro provisório e momentâneo ao necessitado. O que pretenda a Constituição é que a Assistência Social seja um fator de transformação social. Deve promover a integração e a inclusão do assistido na vida comunitária, fazer com que, a partir do recebimento das prestações assistenciais, seja “menos desigual” e possa exercer atividades que lhe garantam a subsistência.”[4]
[1] Estatuto do Idoso - Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas
[2] Art. 20. § 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
[3] Estatuto do Idoso - Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.
[4] SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário (Coleção Sinopses Jurídicas). 2. ed ver. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2007.
Procurador Federal - Pós-graduação em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOULART, Henrique Gouveia de Melo. O benefício de prestação continuada previsto na Lei Orgânica da Assistência Social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2012, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32868/o-beneficio-de-prestacao-continuada-previsto-na-lei-organica-da-assistencia-social. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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