I - INTRODUÇÃO
1. Trata-se de análise relativa à legalidade de se proceder à terceirização do serviço de guarda de documentos públicos, à luz do ordenamento jurídico pátrio.
II – A SISTEMÁTICA NORMATIVA APLICÁVEL À GESTÃO DE DOCUMENTOS PÚBLICOS.
2. A Lei nº 8.159/1991 criou o Conselho Nacional de Arquivos (“CONARQ”), órgão central do Sistema Nacional de Arquivos, vinculado ao Arquivo Nacional, e responsável pela definição da política nacional de arquivos.
3. Ainda, em seu art. 3º, definiu a gestão de documentos como o “conjunto de procedimentos e operações técnicas referentes à sua produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento em fase corrente e intermediária, visando a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente”.
4. O fundamento constitucional desse diploma normativo encontra-se no § 2º, do art. 216 da Constituição Federal, senão veja-se:
1Art. 216 (…)
§ 2º Cabem à Administração Pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
5. Logo, a lei definirá o modelo pelo qual será efetivada a gestão da documentação governamental, sendo certo que tal encargo compete à Administração Pública, composta pela Administração Direta e Indireta.
6. Tendo em vista que a Lei nº 8.159/1991 concedeu ao CONARQ a competência de definir a forma pela qual se procederá ao desempenho daquela função pública, tem-se que seus atos normativos derivados aplicam-se a todos os órgãos e entes públicos integrantes da Administração Pública.
7. Igualmente, o Decreto nº 4.073/2002 estabeleceu, em seu art. 18, que “em cada órgão e entidade da Administração Pública Federal será constituída comissão permanente de avaliação de documentos, que terá a responsabilidade de orientar e realizar o processo de análise, avaliação da documentação produzida e acumulada no seu âmbito de atuação, tendo em vista a identificação dos documentos para guarda permanente e a eliminação dos destituídos de valor”.
8. Ademais, tanto a Lei nº 8.159/1991 quanto o Decreto nº 4.073/2002 classificaram os documentos produzidos no âmbito dos entes públicos como pertencentes aos arquivos públicos e, por isso mesmo, subordinados às diretrizes normativas sobre eles incidentes:
Lei nº 8.159/1991
Art. 7º Os arquivos públicos são os conjuntos de documentos produzidos e recebidos, no exercício de suas atividades, por órgãos públicos de âmbito federal, estadual, do Distrito Federal e municipal em decorrência de suas funções administrativas, legislativas e judiciárias.
§ 1º São também públicos os conjuntos de documentos produzidos e recebidos por instituições de caráter público, por entidades privadas encarregadas da gestão de serviços públicos no exercício de suas atividades.
§ 2º A cessação de atividades de instituições públicas e de caráter público implica o recolhimento de sua documentação à instituição arquivística pública ou a sua transferência à instituição sucessora.
Art. 8º Os documentos públicos são identificados como correntes, intermediários e permanentes.
§1º Consideram-se documentos correntes aqueles em curso ou que, mesmo sem movimentação, constituam de consultas freqüentes.
§ 2º Consideram-se documentos intermediários aqueles que, não sendo de uso corrente nos órgãos produtores, por razões de interesse administrativo, aguardam a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente.
§ 3º Consideram-se permanentes os conjuntos de documentos de valor histórico, probatório e informativo que devem ser definitivamente preservados.
.....................
Decreto nº 4.073/2002
1Art. 15. São arquivos públicos os conjuntos de documentos:
2
3I - produzidos e recebidos por órgãos e entidades públicas federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais, em decorrência de suas funções administrativas, legislativas e judiciárias;
4II - produzidos e recebidos por agentes do Poder Público, no exercício de seu cargo ou função ou deles decorrente;
5III - produzidos e recebidos pelas empresas públicas e pelas sociedades de economia mista;
6IV - produzidos e recebidos pelas Organizações Sociais, definidas como tal pela Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998, e pelo Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais, instituído pela Lei nº 8.246, de 22 de outubro de 1991.
7
8Parágrafo único. A sujeição dos entes referidos no inciso IV às normas arquivísticas do CONARQ constará dos Contratos de Gestão com o Poder Público.
Art. 16. Às pessoas físicas e jurídicas mencionadas no art. 15 compete a responsabilidade pela preservação adequada dos documentos produzidos e recebidos no exercício de atividades públicas. (grifou-se)
9. Diante das premissas normativas acima aludidas, vê-se que não há como se afastar a aplicação dos atos normativos emanados do CONARQ das atividades de gestão de documentos desenvolvidas no âmbito dos órgãos e entes da Administração Federal.
10. Isso significa dizer que se aplicam, plenamente, a autarquias, a fundações e órgãos federais de modo geral, as resoluções firmadas pelo CONARQ.
III – OS LIMITES DA TERCEIRIZAÇÃO NO SERVIÇO DE GUARDA DE DOCUMENTOS PÚBLICOS
11. No que tange à interpretação dos artigos 2º e 3º, da Resolução nº 6, do CONARQ, e à legitimidade de terceirização da guarda de documentos, mister verificar os aspectos abaixo esmiuçados.
12. Primeiramente, cumpre reproduzir o conteúdo da Resolução nº 6, de 15 de maio de 1997, do CONARQ:
1 Art. 1º As atividades de avaliação serão reservadas para execução direta pelos órgãos e entidades do Poder Público, por ser atividade essencial da gestão de documentos, de responsabilidade de Comissões Permanentes de Avaliação, conforme determina o disposto no art. 2º do Decreto nº 2.182, de 20 de março de 1997, sendo vedada a eliminação de documentos sem prévia autorização da instituição arquivística pública de seu âmbito de atuação, conforme determina o disposto no art. 9º, da Lei nº 8.159/91.
2
3Art. 2º A guarda dos documentos públicos é exclusiva dos órgãos e entidades do Poder Público, visando garantir o acesso e a democratização da informação, sem ônus, para a administração e para o cidadão.
4
5Art. 3º Poderão ser contratados serviços para a execução de atividades técnicas auxiliares, desde que planejados, supervisionados e controlados por agentes públicos pertencentes aos órgãos e entidades produtores e acumuladores dos documentos.
6
7Art. 4º Para efeitos desta Resolução, a gestão de documentos, conforme preconiza o art. 3º da Lei nº 8.159/91, compreende o conjunto de procedimentos e operações técnicas referentes à sua produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento em fase corrente e intermediária, visando a sua eliminação ou recolhimento para a guarda permanente. (grifou-se)
13. Pois bem. Nota-se da leitura dos dispositivos acima, mormente dos artigos 2º e 3º, que exige-se ser a guarda de documentos públicos realizada exclusivamente pelos próprios órgãos e entidades aos quais eles pertencem, muito embora se admita a terceirização de atividades técnicas auxiliares.
14. A própria Constituição Federal cuidou de impor à Administração Pública a gestão dos documentos públicos, tendo a lei regulamentadora indicado em que consiste tal serviço.
15. Definiu-se, então, que a gestão de documentos compreende a produção, a tramitação, o uso, a avaliação e o arquivamento. Este, por sua vez, significa, segundo os dicionários da língua portuguesa[1], o ato ou efeito de guardar em arquivo. Com isso, pretende-se concluir que a guarda está inserida dentre as atividades essenciais da gestão de documentos.
16. Em virtude disso, isto é, estando a guarda inserida dentre as atividades de execução exclusiva dos órgãos e entidades do Poder Público, o que fundamenta o teor do art. 2º, da Resolução CONARQ nº 6/1997, não pode ser tida como atividade técnica auxiliar.
17. Quando o mesmo ato normativo autorizou a execução indireta de atividades técnicas auxiliares, não se buscou conduzir à terceirização o desempenho de funções próprias da gestão de documentos. E nem se poderia, haja vista os comandos constitucionais e legais outrora referidos.
18. De se ver, portanto, que a guarda em si somente pode ser efetuada diretamente pelo órgão ou ente público detentor do documento, não se admitindo sua terceirização.
19. Em face da ausência de especificação quanto à abrangência da expressão “serviços para execução de atividades técnicas auxiliares”, verificou-se, nas atas de reuniões do CONARQ, que seguem anexas, a ocorrência de discussões acerca desse tema.
20. A título de ilustração, segue abaixo transcrito extrato de debate havido na 56º Reunião do CONARQ, de 16.12.2009:
8…., o Presidente do CONARQ convida a Conselheira Maria Izabel para apresentar sua proposta de reformulação da Resolução do CONARQ nº 6, de 15 de maio de 1997, sobre a terceirização de serviços arquivísticos públicos. A Conselheira faz uma breve retrospectiva sobre o assunto. Continuando, Maria Izabel informa que a Resolução nº 6 é importante para conscientizar os órgãos públicos no sentido de que a eles compete o tratamento, gerenciamento e guarda de seus acervos em vez de terceirizá-los. Diz que o ponto polêmico da resolução seria o dispositivo “atividades auxiliares”, que gera muitas dúvidas. Considera fundamental conceituar bem o que são atividades auxiliares e elaborar uma resolução nova que complemente a resolução nº 6, não havendo necessidade de sua revogação. Em seguida, a Conselheira Maria Izabel inicia a leitura da proposta da nova resolução. Destaca o art. 3º que trata das atividades auxiliares, explicando que ao elencá-las encontrou dificuldades devido à lei que regulamenta as profissões de arquivista e de técnico de arquivo. (…) Diz que a terceirização só deve ser aplicada ao tratamento da massa documental acumulada, não sendo aplicável à gestão documental. (…) A proposta de reformulação da Resolução nº 6 foi intensamente discutida, com muitas intervenções contra e a favor da terceirização de serviços públicos arquivísticos, sendo que os artigos 2º e 3º da referida proposta foram os mais destacados nessas discussões por grande parte dos conselheiros. Ficou deliberada a constituição de um grupo de trabalho para trabalhar a reformulação da Resolução 6, …. (grifou-se)
9
21. Depreende-se da leitura do trecho da Ata acima que a definição dos serviços arquivísticos passíveis de terceirização ainda está pendente de especificação pelo CONARQ. Pesquisou-se as atas seguintes e o assunto não fora mais abordado até o momento.
IV - CONCLUSÃO
22. De todo modo, a sistemática normativa que disciplina a gestão de documentos no âmbito do Poder Público permite concluir que a guarda deverá ser efetuada diretamente pelo ente público detentor do documento, não se admitindo sua terceirização, por se tratar de atividade essencial à gestão de documentos, nos termos do art. 3º, da Lei nº 8.159/1991.
Procuradora federal em exercício no Departamento de Consultoria e Assessoramento da Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de Transportes Aquaviários. Especialização em Direito do Estado pela Universidade Cândido Mendes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIEIRA, Roberta Lima. Considerações sobre a possibilidade de terceirização no serviço de guarda de documentos públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2012, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32923/consideracoes-sobre-a-possibilidade-de-terceirizacao-no-servico-de-guarda-de-documentos-publicos. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.