Sumário: 1. Introdução 2. Regime Geral da Previdência Social – breve análise 2.1. Aposentadoria por invalidez 2.2. Aposentadoria por idade 2.3. Aposentadoria por tempo de contribuição 2.4. Aposentadoria Especial 3. Desaposentação – conceito e histórico 4. Possibilidade jurídica – legislação, doutrina e jurisprudência 5. Conclusão 6. Referências.
1. Introdução
Na esteira das grandes decisões a serem tomadas pela corte do Supremo Tribunal Federal encontramos um tema que é a esperança de muitos brasileiros: a decisão sobre a desaposentação, termo causa estranheza inicialmente, não só pela grafia quanto pelo valor jurídico que o termo carrega.
É comum encontrarmos diariamente com cidadãos que, apesar de aposentados, continuam a trabalhar e, consequentemente, a contribuir com a Previdência Social.
A desaposentação, caso venha a ser reconhecida pelo STF abre a oportunidade a estes trabalhadores de renunciarem à sua aposentadoria atual e então pedir nova aposentadoria com base no novo tempo ou valor das contribuições que realizou após sua prévia aposentadoria.
Este trabalho tem por objetivo analisar, com base na doutrina, legislação e jurisprudência, a possibilidade jurídica de se realizar a desaposentação para os trabalhadores em geral, tratando, portanto, mais especificamente do Regime Geral de Previdência Social.
2. Regime Geral de Previdência Social – breve análise
Para melhor compreensão, mister se faz tratarmos, mesmo que brevemente sobre a aposentadoria. Nossa legislação traz a 3 (três) regimes de aposentadoria distintos: (i) Regime Geral de Previdência Social previsto pelo artigo 201 da Constituição Federal; o (ii) Regime Próprio de Previdência dos Servidores , ou Regime Especial de Previdência, previsto no artigo 40 e parágrafos, também da Constituição Federal; e o (iii) Regime de Previdência Complementar.
A diferença mais básica entre os regimes se traduz nas pessoas que podem ser beneficiadas: no primeiro, temos como segurados os trabalhadores em geral (empregados, empregados domésticos, profissionais liberais, etc.); o segundo abriga os servidores públicos e, por fim o Regime de Previdência Complementar. Como já dito, focaremos os estudos no Regime Geral de Previdência Social, tendo apenas apresentado os demais para que se entenda a distinção.
A Lei 8.213/91, conhecida como Lei de Benefícios Previdenciários, especifica diferentes espécies de aposentadoria e os requisitos que devem ser preenchidos para alcança-la e determina a forma de custeio necessária, no caso, uma porcentagem dos rendimentos de trabalho do segurado, estabelecida em legislação específica.
Os benefícios de aposentadoria oferecidos pelo Regime Geral da Previdência Social são, de acordo com o artigo 18 da Lei 8.213/91:
(...) O Regime Geral da Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente de trabalho, expressas em benefícios e serviços:
I – quanto ao segurado
a) aposentadoria por invalidez;
b) aposentadoria por idade;
c) aposentadoria por tempo de contribuição;
d) aposentadoria especial
(...)
2.1 – Aposentadoria por invalidez
Esta é possível quando o trabalhador venha a ser, por doença ou acidente, considerado pela perícia médica da Previdência Social incapaz de continuar a exercer sua atividade ou outro tipo de serviço, não podendo se basear a aposentadoria por invalidez em doença ou lesão prévia à filiação do indivíduo à Previdência Social.
De acordo com o mestre Fábio Zambitte Ibrahim,:
A aposentadoria por invalidez é concedida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio doença, for considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nessa situação.
2.2 – Aposentadoria por idade
Este, como o próprio nome sugere, leva em consideração a capacidade laborativa, e por consequência de contribuição, do ser humano, com base na expectativa de vida, sexo, localidade, entre outros aspectos. Via de regra, o benefício se aplica aos homens a partir dos 65 (sessenta e cinco) anos e para as mulheres aos 60 (sessenta) anos, no caso de trabalhadores urbanos. Para os trabalhadores rurais essa idade mínima diminui em 5 (cinco) anos para cada um.
Este benefício pode ser recebido mesmo que o segurado continue a trabalhar (ao contrário do benefício estudado no item anterior), ou seja, o trabalhador não precisa sair do emprego para requerer a aposentadoria, além disso, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão de aposentadoria por idade, desde que o trabalhador tenha cumprido o tempo mínimo de contribuição exigido, isto é, para solicitar o benefício nem mesmo é necessário ser considerado pela Previdência Social como segurado.
Essa possibilidade de continuar a trabalhar e, por força de lei e em decorrência do trabalho, a contribuir com a Previdência Social é que gerou o nascimento do fenômeno da desaposentação, pois, muitas vezes, após aposentado o trabalhador pode ser promovido ou mudar para um outro emprego/cargo em que seja melhor remunerado. Melhor remuneração gera maior contribuição o que poderia gerar ao aposentado uma aposentadoria de maior valor, por isso o interesse na desaposentação.
2.3 – Aposentadoria por tempo de contribuição
Este benefício leva em consideração o tempo pelo qual o trabalhador contribuiu à Previdência Social. Não há idade mínima para se gozar do benefício. A ausência desse requisito motivou a existência do fator previdenciário que diminui o valor do benefício em inversa proporção em que se envelhece. O trabalhador homem deve comprovar pelo menos 35 (trinta e cinco) anos de contribuição e a trabalhadora mulher, 30 (trinta) anos, exemplificando, um trabalhador de 55 (cinquenta e cinco) anos, homem, com 35 (trinta e cinco) anos de contribuições iguais às de outro trabalhador homem de 60 (sessenta) anos com o mesmo período de contribuição, receberá um valor proporcionalmente menor.
Vale ressaltar que nos casos, do contribuinte ter sido voluntário obrigatório, aluno aprendiz, percebido salário maternidade, ter prestado serviço militar, entre outros, o referido período é computado para o cálculo do tempo de contribuição.
Essa modalidade também apresenta grande interesse da desaposentação pois determinado beneficiário que tenha se aposentado por tempo de contribuição, porém o tenha feito com idade inferior a 65 (sessenta e cinco) anos no caso de um homem, ou de 60 (sessenta) anos no caso de uma mulher, sofrerá redução no valor de seu benefício em razão do fator previdenciário.
2.4 – Aposentadoria Especial
Último dos benefício de aposentadoria apresentado pelo artigo 18 da Lei 8.213/91, este benefício pode ser concedido ao segurado que tenha trabalhado em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física. Para ter direito à aposentadoria especial, o trabalhador deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais pelo período exigido para a concessão do benefício (15, 20 ou 25 anos), conforme o caso. O tempo necessário de contribuição é inversamente proporcional à nocividade do agente, logo, quanto mais agressivo o agente, menor o tempo de contribuição em que o segurado deverá se sujeitar para fazer jus ao benefício.
Além disso, a exposição aos agentes nocivos deverá ter ocorrido de modo habitual e permanente, não ocasional nem intermitente e ainda, o agente nocivo tem de ser indissociável de seu labor. Ademais períodos de férias, períodos intra jornadas, afastamento por doença, não são considerados para redução do período.
3. Desaposentação – conceito e surgimento histórico
A desaposentação é conceituada como a reversão da aposentadoria obtida no Regime Geral de Previdência Social com o objetivo exclusivo de possibilitar a aquisição de benefício mais vantajoso no mesmo ou em outro regime previdenciário.
A questão, apesar de já aventada por doutrinadores e juristas, ganhou maior relevância quando a Lei 8.870/94 revogou o inciso II do art. 81 da Lei 8213/91 que dispunha que o segurado aposentado por idade ou por tempo de serviço que viesse a ingressar novamente em atividade de trabalho que o vinculasse à Previdência Social, teria direito a pecúlios, significando dizer que quaisquer contribuições feitas por referido segurado seriam incorporadas ao sistema mas lhe dariam qualquer retorno.
Esta situação gerou o principal argumento em favor da desaposentação: enriquecimento ilícito do Instituto Nacional da Seguridade Social.
A mesma lei determinou também o fim do benefício de abono de permanência em serviço, previsto no Artigo 87 e parágrafo único da Lei 8213/91. Este abono dava àqueles que optassem por não gozar da aposentadoria por tempo de contribuição um bônus de 25% de renda mensal sobre o valor total da aposentadoria.
Neste cenário, a possibilidade de aproveitamento dessas contribuições ganhou muito mais foco epassou a ser aventada com mais intensidade. Criou-se, em defesa dos trabalhadores, a teoria de que as contribuições continuadas após o pedido de aposentadoria deveriam, de alguma forma estar disponíveis aos interessados, chegando-se então à figura da desaposentação.
4. Possibilidade jurídica – legislação, doutrina e jurisprudência
Observamos que o nascimento do instituto da desaposentação surgiu como corrente doutrinária que surgiu em defesa e nos interesses do trabalhador, que se viu lesado após a revogação de alguns benefícios da Lei 8.213/91.
Por óbvio que, com o entendimento de que a Previdência Social estava ganhando com a situação, em total detrimento dos trabalhadores, surgiram diversos questionamentos doutrinários, na forma de artigos e outras obras no curso da história. Atualmente o quadro vem mudando.
A legislação ainda não reconhece o instituto da desaposentação, isto não mudou. Mas fato é que também não a proíbe.
A já tão falada Lei 8.213/91, em seu artigo 122 permite ao trabalhador optar pelo benefício de aposentadoria que lhe seja mais benéfico, vejamos:
Art. 122. Se mais vantajoso, fica assegurado o direito à aposentadoria, nas condições legalmente previstas na data do cumprimento de todos os requisitos necessários à obtenção do benefício, ao segurado que, tendo completado 35 anos de serviço, se homem, ou trinta anos, se mulher, optou por permanecer em atividade.
Temos ainda o artigo 168 do Decreto n. 3048/99 que dá a permissão, já histórica, de que exceto no caso de aposentadoria por invalidez ou no caso de aposentadoria especial especificamente quanto à atividade que gerou o benefício da aposentadoria especial, o trabalhador pode, apesar de aposentado, continuar a exercer atividades laborais.
Art. 168. Salvo nos casos de aposentadoria por invalidez ou especial, observado quanto a esta o disposto no parágrafo único do art. 69, o retorno do aposentado à atividade não prejudica o recebimento de sua aposentadoria, que será mantida no seu valor integral
Analisando estes e quaisquer outros dispositivos vigentes em nossa legislação, não se vislumbra qualquer proibição à desaposentação e, como se sabe, por força de norma constituinte, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo que não por força de lei.
Como em diversas outras situações semelhantes, onde a legislação apresenta uma lacuna que necessita ser preenchida, recorremos ao judiciário que, por sua vez, se atem a uma ou outra corrente doutrinária para solucionar um conflito.
Inicialmente a doutrina e a jurisprudência iniciaram a discussão tentando estabelecer o que, juridicamente acontece quando da tentativa da desaposentação. Aventava-se que seria necessária uma renúncia à aposentadoria atual para que se possa pedir a “nova” aposentadoria, o que, com base na legislação seria impossível.
De acordo com o artigo 181, alínea “b” do Decreto n. 3.048/99, a aposentadoria é irreversível e irrenunciável e após devidamente consumada, considerada como ato jurídico perfeito, protegida por nossa Constituição Federal como cláusula pétrea.
Essa corrente de pensamento foi desprezada pela maior parte da doutrina pátria pois a desaposentação não possui caráter jurídico de renúncia à aposentadoria. A doutrina leciona que na desaposentação o que temos é a intenção de se desfazer da aposentadoria para postular uma aposentadoria mais vantajosa em termos de benefícios pecuniários por meio da contagem do seu tempo e pelo valor das contribuições realizadas a posteriori da aposentadoria inicial. Ou seja, a ideia não é, de forma alguma renunciar à aposentadoria, mas sim melhorá-la.
Essa é a ótica, também, de nossa jurisprudência apesar de não ser uniforme entre as instâncias. Na primeira instância, em geral, há a negação sumária do pedido de desaposentação, sem, sequer, citar a parte contrária, com base no artigo 285-A do Código de Processo Civil.
Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
A segunda instância está dividida: parte dos Tribunais Regionais Federais entende que a desaposentação dependeria da renúncia à aposentadoria já alcançada e, portanto, vem igualmente negando os pedidos com base na impossibilidade legal da renúncia, anteriormente tratada, outra parte está permitindo a renúncia, desde que haja devolução dos valores recebidos desde a aposentação, o que, considerando a realidade financeira dos aposentados no Brasil torna a prática impossível (tendo em vista que o aposentado teria de retornar à Previdência Social, de bate pronto, todos os valores recebidos até então).
Atualmente, a questão só tem recebido decisões completamente favoráveis à desaposentação (permitindo-a sem que o aposentado tenha de restituir os valores previamente recebidos) nas instâncias superiores. O Superior Tribunal de Justiça tem reiterado suas decisões no sentido de que a aposentadoria é direito patrimonial disponível e, assim, passível de renúncia:
“(...)o entendimento desta Corte é no sentido de se admitir a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário que se encontra o segurado, não importando em devolução dos valores percebidos”(AgRg-REsp. 1.248.301, DJ 05/03/2012).
“EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. DIREITO DE RENÚNCIA. CABIMENTO. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO PARA NOVA APOSENTADORIA EM REGIME DIVERSO. EFEITOS EX NUNC. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. CONTAGEM RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO DA AUTARQUIA.
1. É firme a compreensão desta Corte de que a aposentadoria, direito patrimonial disponível, pode ser objeto de renúncia, revelando-se possível, nesses casos, a contagem do respectivo tempo de serviço para a obtenção de nova aposentadoria, ainda que por outro regime de previdência.
(...)
4. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o ato de renunciar ao benefício tem efeitos ex nunc e não envolve a obrigação de devolução das parcelas recebidas, pois, enquanto aposentado, o segurado fez jus aos proventos”(REsp 557231/RS, DJ 16.6.2008)
“EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. DESNECESSIDADE. ANÁLISE DE VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO STF.
(...)
2. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, admite-se a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime previdenciário em que se encontra o segurado e da devolução dos valores percebidos.
3. A renúncia à aposentadoria, para fins de concessão de novo
benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não implica a devolução dos valores percebidos. (...)” (AgRg no REsp 1328636/RS, DJ 20/08/2012)
Infelizmente, no Superior Tribunal Federal, ainda aguardamos decisão definitiva no recurso extraordinário 661.256, tomado como paradigma. O julgamento no plenário para o deslinde da questão estava previsto para este ano, no entanto, com o julgamento do mensalão, as pautas do plenário foram quase todas desmarcadas, adiando a decisão para 2013.
5. Conclusão
A desaposentação, como vimos, possibilita aos já aposentados que ainda continuam contribuindo com a Previdência Social de melhorar sua aposentadoria, utilizando-se do período em que continuou a contribuir.
O assunto é de grande importância, não só para juridicamente, mas também do ponto de vista econômico devido ao potencial de mudanças que pode gerar no quadro previdenciário brasileiro e ainda não tem previsão de como se solucionará a questão já que a legislação sobre a questão é nula e o judiciário ainda não tem uma posição sólida, tendo discordâncias mesmo entre suas próprias instâncias.
Nos resta aguardar por uma decisão final do judiciário ou por uma reforma na legislação previdenciária que trate pontual e especificamente do assunto.
6. Referências
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação. Niterói, RJ: Impetus, 2005. p. 35-36.
Superior Tribunal de Justiça - sede em Brasília – Distrito Federal.
Tavares, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 7.ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005
CASTRO.Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previdenciário. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2003
Auxiliar jurídico; Estudante de Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARUBO, Vitor André Pereira. Desaposentação no Regime Geral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 dez 2012, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32929/desaposentacao-no-regime-geral. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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