Considerações Iniciais
A adequada contagem dos prazos prescricionais nos processos administrativos disciplinares exige, aprioristicamente, a fixação correta do termo inicial ou o dies a quo a partir do qual o curso do prazo tem início.
De acordo com o Artigo 142, § 1º, da Lei nº 8.112/90, o termo inicial do prazo de prescrição para as ações disciplinares deve corresponder à data em que o fato se tornou conhecido.
Já o artigo 143 da Lei n. 8112/90 determina que a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.
A doutrina e a jurisprudência pátrias, cotejando a norma do Art. 142 com a do Art. 143, tem promovido interessantes entendimentos sobre a questão da caracterização do conhecimento do ato infracional como critério definidor do termo inicial da contagem do prazo prescricional das ações disciplinares.
O ponto fulcral da discussão reside no seguinte questionamento: o conhecimento do fato deve recair necessariamente sobre a autoridade legalmente competente para a instauração de processo administrativo disciplinar ou é possível considerar a ciência de outras autoridades administrativas responsáveis pela adoção de medidas necessárias à instauração do PAD.
O entendimento da Controladoria-Geral da União e do Superior Tribunal de Justiça
De acordo com o Manual de Processo Administrativo Disciplinar[1], elaborado pela Controladoria-Geral da União, o conhecimento da falta funcional pela autoridade máxima do órgão ou da repartição tem o condão de deflagrar o início da contagem do prazo prescricional, ainda que a autoridade não detenha regimentalmente a competência para instauração da ação disciplinar. Vale a transcrição (p. 395):
“Já sabemos que é a partir da ciência de autoridade do Órgão que se inicia o prazo prescricional. Mas de qual autoridade estamos falando? Será que é a partir da ciência da irregularidade por qualquer autoridade? Como já sabemos, o texto da lei é silente a esse respeito.
Para descobrirmos as respostas às perguntas acima, precisamos sempre levar em consideração as finalidades do instituto prescricional: propiciar segurança jurídica ao sistema e punir a inércia da Administração, que, mesmo sabendo de suposto ilícito funcional, nada faz, em tempo razoável, para esclarecer e apenar os servidores envolvidos.
Ressalte-se, que a lei 8112/90, no seu artigo 143, trouxe uma obrigação a determinado gestor, no sentido de que ao tomar conhecimento de uma irregularidade, deverá obrigatoriamente abrir um PAD ou sindicância para apuração de forma imediata. Assim sendo, se o legislador trouxe uma obrigação legal a esta autoridade, também trouxe de outro lado a prescrição. Esta autoridade somente pode ser aquela que tem o poder de instaurar o PAD, ou seja, a Autoridade Instauradora.
Insta salientar, ademais, que, no Direito Administrativo, o poder disciplinar decorre do poder hierárquico. Dito em outros termos, as providências devem ser tomadas pelo superior hierárquico do servidor que cometer o ilícito administrativo-disciplinar. Cabe ao superior do servidor que cometeu a infração tomar as medidas cabíveis, a fim de que os fatos sejam apurados.
Em muitas instituições públicas o regimento interno prevê que a competência para a instauração do procedimento está centralizada na autoridade máxima.
Isso não retira do superior hierárquico do servidor a responsabilidade de agir e levar adiante os fatos, para que sejam esclarecidos e instaurado o devido processo administrativo.
Em resumo, temos que o conhecimento da irregularidade pela autoridade máxima do Órgão faz com que se inicie a contagem do prazo prescricional. De igual maneira, a autoridade máxima da repartição onde o servidor faltoso está lotado e cometeu o ato infracional tem poderes para dar andamento ao apuratório, ainda que não tenha competência regimental para instaurar o procedimento. Esse entendimento decorre da via hierárquica e, desta forma, a sua ciência já implica na deflagração do lapso prescricional.”
Como visto, a CGU entende que o termo inicial do prazo prescricional das ações disciplinares deve corresponder à data em que a autoridade máxima do órgão teve conhecimento da irregularidade, ainda que, do ponto de vista normativo, não tenha sido atribuído a esta autoridade a competência para instauração dos processos administrativos disciplinares.
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacificado de que o termo inicial do prazo prescricional da Ação Disciplinar deve corresponder à data em que o fato se tornou conhecido da Administração, sendo desnecessário que o conhecimento recaia especificamente sobre a autoridade competente para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar. A propósito, confiram-se as seguintes ementas:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DA ADMINISTRAÇÃO. INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO. ART. 142, § 1.º, DA LEI N.º 8.112/90. DATA EM QUE O FATO SE TORNOU CONHECIDO PELA ADMINISTRAÇÃO, E NÃO NECESSARIAMENTE PELA AUTORIDADE COMPETENTE PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.
1. O art. 142, § 1.º, da Lei n.º 8.112/90 – o qual prescreve que "O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido "–, não delimita qual autoridade deverá ter obtido conhecimento do ilícito administrativo. Dessa forma, não cabe ao intérprete restringir onde o legislador não o fez.
2. Ademais, consoante dispõe o art. 143 da Lei n.º 8.112/90, qualquer autoridade administrativa que tomar conhecimento de alguma irregularidade no serviço público deverá proceder à sua apuração ou comunicá-la à autoridade que tiver competência para promovê-la, sob pena de responder pelo delito de condescendência criminosa.
3. Desse modo, é razoável entender-se que o prazo prescricional de cinco anos, para a ação disciplinar tendente à apuração de infrações puníveis com demissão ou cassação de aposentadoria, comece a correr da data em que autoridade da Administração tem ciência inequívoca do fato imputado ao servidor, e não apenas a partir do conhecimento das irregularidades pela autoridade competente para a instauração do processo administrativo disciplinar.
4. Na hipótese, admitida a ciência das irregularidades, pelo Superintendente Regional do INCRA, em maio de 1995 e sendo de 5 (cinco) anos o prazo para o exercício da pretensão punitiva do Estado, nos termos do art. 142, inciso I, da Lei n.º 8.112/90, resta configurada a prescrição, já que o processo administrativo disciplinar que culminou com a aplicação da pena de cassação de aposentadoria do ora Impetrante foi instaurado apenas em 28/03/2005.
5. Segurança concedida. (MS 11.974/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/03/2007, DJ 07/05/2007, p. 274)
MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. CONHECIMENTO DOS FATOS PELA ADMINISTRAÇÃO, MAS NÃO PELA AUTORIDADE COMPETENTE PARA APURAR A INFRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PREVISTO NO CPB, POR INEXISTÊNCIA DE AÇÃO PENAL E CONDENAÇÃO EM DESFAVOR DO IMPETRANTE. APLICAÇÃO DO PRAZO QUINQUENAL PREVISTO NA LEGISLAÇÃO ADMINISTRATIVA (ART. 142 DA LEI 8.112/90). INSTAURAÇÃO DE PAD. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. REINÍCIO APÓS 140 DIAS.TRANSCURSO DE MAIS DE 5 ANOS. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. ORDEM CONCEDIDA, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL.
1. O excepcional poder-dever de a Administração aplicar sanção punitiva a seus Funcionários não se desenvolve ou efetiva de modo absoluto, de sorte que encontra limite temporal no princípio da segurança jurídica, de hierarquia constitucional, uma vez que os subordinados não podem ficar indefinidamente sujeitos à instabilidade originada da postetade disciplinar do Estado, além de que o acentuado lapso temporal transcorrido entre o cometimento da infração e a aplicação da respectiva sanção esvazia a razão de ser da responsabilização do Servidor supostamente transgressor.
2. O art. 142, I da Lei 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União) funda-se na importância da segurança jurídica no domínio do Direito Público, instituindo o princípio da inevitável prescritibilidade das sanções disciplinares, prevendo o prazo de 5 anos para o Poder Público exercer o jus puniendi na seara administrativa, quanto à sanção de demissão.
3. A Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento de que o termo inicial do prazo prescricional da Ação Disciplinar é a data em que o fato se tornou conhecido da Administração, mas não necessariamente por aquela autoridade específica competente para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar (art. 142, § 1o. da Lei 8.112/90). Precedentes.
4. Qualquer autoridade administrativa que tiver ciência da ocorrência de infração no Serviço Público tem o dever de proceder à apuração do ilícito ou comunicar imediatamente à autoridade competente para promovê-la, sob pena de incidir no delito de condescendência criminosa (art. 143 da Lei 8.112/90); considera-se autoridade, para os efeitos dessa orientação, somente quem estiver investido de poder decisório na estrutura administrativa, ou seja, o integrante da hierarquia superior da Administração Pública. Ressalva do ponto de vista do relator quanto à essa exigência.
5. Ainda que a falta administrativa configure ilícito penal, na ausência de denúncia em relação ao impetrante, aplica-se o prazo prescricional previsto na lei para o exercício da competência punitiva administrativa; a mera presença de indícios de crime, sem a devida apuração em Ação Criminal, afasta a aplicação da norma penal para o cômputo da prescrição (RMS 20.337/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJU 07.12.2009), o mesmo ocorrendo em caso de o Servidor ser absolvido na eventual Ação Penal (MS 12.090/DF, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJU 21.05.2007); não seria razoável aplicar-se à prescrição da punibilidade administrativa o prazo prescricional da sanção penal, quando sequer se deflagrou a iniciativa criminal.
6. Neste caso, entre o conhecimento dos fatos pela Administração e a instauração do primeiro PAD transcorreu pouco menos de 1 ano, não havendo falar em prescrição retroativa. Contudo, o primeiro PAD válido teve início em 26 de agosto de 2002, pelo que a prescrição voltou a correr em 25 de dezembro de 2002, data em que findou o prazo de 140 dias para a sua conclusão. Desde essa data, passaram-se mais de 5 anos até a edição da Portaria Conjunta AGU/MPS/PGR no. 18, de 25 de agosto de 2008, que designou nova Comissão de Processo Administrativo Disciplinar para apurar irregularidades referentes ao objeto do alegado ilícito.
7. A prescrição tem o condão de eliminar qualquer possibilidade de punição do Servidor pelos fatos apurados, inclusive as anotações funcionais em seus assentamentos, já que, extinta a punibilidade, não há como subsistir os seus efeitos reflexos.
8. Ordem concedida, em conformidade com o parecer ministerial. (MS 14.159/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe 10/02/2012)
O entendimento predominante no Superior Tribunal de Justiça conta com o respaldo doutrinário de Mauro Roberto Gomes de Mattos[2], que assim leciona:
“O critério de conhecimento pela Administração Pública é muito vago, pois é cediço que ela é representada pelo agente público de uma maneira geral.
Ou seja, não delimita pela norma legal qual é a autoridade administrativa que deverá ter obtido o conhecimento do ilícito disciplinar.
Ao não estabelecer qual será a autoridade responsável pelo conhecimento da prática do ato ilícito, não cabe ao intérprete restringir situação legal onde o legislador não o fez, para estabelecer que o prazo prescricional de 05 (cinco) anos começaria a fluir a partir da ciência da autoridade que possui competência para instaurar o Processo Disciplinar, como decidido pelo STJ: comece a correr na data em que a autoridade da Administração tem ciência inequívoca do fato impugnado ao servidor, e não apenas a partir do conhecimento das irregularidades pela autoridade competente para a instauração do processo administrativo disciplinar.
Mesmo sendo indeterminado o critério adotado pelo artigo 142, § 1o., da Lei 8.112/90, o aplicador do direito deve conferir efetividade à regra da prescritibilidade, pois a Administração Pública é representada por seus agentes, que, se tomarem conhecimento da prática de qualquer ato ilegal, são obrigados a solicitar ou determinar a imediata apuração do ilícito.”
Os meios de comprovação da ciência da autoridade administrativa
Se a ciência da autoridade administrativa sobre as irregularidades cometidas por servidores constitui o termo inicial do prazo prescricional das ações disciplinares, revela-se importante definir quais são os meios admitidos para a comprovação do conhecimento da autoridade.
De acordo com o Manual de Processo Administrativo Disciplinar da Controladoria-Geral da União (p. 396), o conhecimento da autoridade administrativa pode ser demonstrado mediante a apresentação do protocolo de entrega de processos e expedientes administrativos contendo a descrição das irregularidades; de relatórios de auditorias elaborados pelos órgãos de controle; de denúncias feitas por cidadãos; dentre outros. Confira-se:
“Outrossim, é imperativo destacar que a ciência das autoridades acima mencionadas não necessariamente tem que ser pessoal, no sentido estrito do termo.
É possível que documento, com o relato das irregularidades cometidas por determinado servidor, seja protocolizado no gabinete da autoridade. Isso já seria suficiente para iniciar a contagem do prazo de prescrição, tendo em vista a presunção de que tal documento chegará às mãos da autoridade competente.
A regra acima é geral, para a maioria dos casos. No entanto, existem diversas outras formas das irregularidades chegarem ao conhecimento da Administração Pública. Deste modo, é oportuno tecer algumas considerações acerca destes outros instrumentos e meios que também têm aptidão para deflagrar o início da contagem para a incidência do fenômeno prescricional.
O primeiro deles é quanto aos relatórios de auditoria. Muitas vezes, as irregularidades são primeiramente aventadas por meio de trabalhos dos auditores, seja da auditoria interna ou mesmo de auditorias externas, feitas pela Controladoria-Geral da União e pelo Tribunal de Contas da União.
Nesses casos, os auditores têm contato com os supostos fatos irregulares durante os trabalhos de campo. Esse contato inicial não tem o condão de iniciar a contagem do prazo prescricional, considerando que os auditores não se enquadram como autoridades, no sentido visto acima.
Terminados os trabalhos de auditoria, são lavrados os relatórios, onde constam todas as supostas irregularidades encontradas. Esse relatório é encaminhado à autoridade do Órgão, oportunidade em que, pode-se afirmar, há o início da contagem do prazo prescricional.
Assim, é a partir da entrega do Relatório de Auditoria à autoridade gestora do Órgão que a contagem da prescrição tem início. Com efeito, mesmo que essa autoridade não tenha competência para instaurar o procedimento disciplinar, ela é quem deve providenciar a correção das irregularidades e apresentar à auditoria quais foram as medidas tomadas visando corrigi-las, o que indica que se amolda ao conceito de autoridade debatido acima.”
Conclusão
A correta definição do termo inicial do prazo de prescrição das ações disciplinares constitui medida imprescindível para o cômputo adequado deste prazo.
A vagueza do texto da norma disposta no Artigo 142, § 1º, da Lei nº 8.112/90, tem causado intensos debates doutrinários e jurisprudenciais acerca da configuração do dies a quo do prazo prescricional.
Aos poucos, o entendimento da Controladoria-Geral da União e do Superior Tribunal de Justiça vai se alinhando no sentido de não mais se exigir que a ciência dos fatos ensejadores de apuração recaia especificamente sobre a autoridade com competência legal para a instauração de ações disciplinares, tendo se admitido o conhecimento da autoridade com poderes decisórios na estrutura administrativa como o ponto de partida para a contagem do prazo de prescrição.
Por fim, segundo o Manual de Processo Administrativo Disciplinar da Controladoria-Geral da União, são admitidos distintos meios de prova para a demonstração do conhecimento da autoridade administrativa, valendo citar, por exemplo, a prova do encaminhamento de denúncia de cidadão para a autoridade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MANUAL DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO, 2012. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/Manual_de_PAD.pdf> Acesso em: 4 dezembro 2012.
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Tratado de Direito Administrativo Disciplinar, 2ª Ed., Rio de Janeiro: Ed. Forense. 2010.
[1] Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/Manual_de_PAD.pdf> Acesso em: 4 dezembro 2012.
[2] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Tratado de Direito Administrativo Disciplinar, 2ª Ed., Rio de Janeiro: Ed. Forense. 2010. p. 255.
Advogado da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOROMENHO, Adriano Silva. O termo inicial do prazo prescricional nos processos administrativos disciplinares Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2012, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33009/o-termo-inicial-do-prazo-prescricional-nos-processos-administrativos-disciplinares. Acesso em: 23 dez 2024.
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