Compete ao Conselho Monetário Nacional[1] estabelecer a disciplina normativa das aplicações dos recursos garantidores dos planos de benefícios administrados e executados por Entidades Fechadas de Previdência Complementar. Nesta esteira encontra-se em vigência a Resolução CMN nº 3.792, de 24 de Setembro de 2009[2], que dispõe sobre as diretrizes de aplicação dos recursos garantidores dos planos administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar - EFPC.
O presente artigo aborda as operações com venda de ações fora de bolsa de valores[3] ou mercado de balcão[4] organizado por entidade autorizada a funcionar pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM. Em regra, tais operações, comumente denominadas “negociação privada”, são consideradas vedadas pela norma acima citada, todavia, ressalvadas algumas hipóteses autorizativas.
Logo, em breves linhas serão abordadas as hipóteses permissivas da norma no que se refere à negociação privada e os aspectos jurídicos decorrentes da observância e interpretação à luz dos princípios regentes da previdência complementar.
De início, calha transcrever-se o dispositivo normativo da Res. CMN nº 3.792/2009 que disciplina o tema em comento:
Art. 53 - É vedado à EFPC:
(...)
VIII - realizar operações com ações fora de bolsa de valores ou mercado de balcão organizado por entidade autorizada a funcionar pela CVM, exceto nas seguintes hipóteses:
a) distribuição pública de ações;
b) exercício do direito de preferência;
c) conversão de debêntures em ações;
d) exercício de bônus ou de recibos de subscrição;
e) casos previstos em regulamentação estabelecida pela SPC; e
f) demais casos expressamente previstos nesta Resolução.
O foco principal do dispositivo acima, aliás a própria norma como um todo, traduz-se na proteção dos recursos garantidores dos planos de benefícios, em observância aos princípios da segurança, rentabilidade, solvência, liquidez e transparência. Logo, por prudência, os ativos alocados em valores imobiliários, no caso de ações em específico, tais investimentos devem necessariamente estar sob a tutela de outro órgão fiscalizador, que no caso de mercado de capitais é atribuída à CVM[5].
Todavia, como dito acima, há algumas operações que em decorrência de seus aspectos fáticos e específicos (alíneas “e” e “f”) ou ainda, como é o caso das demais alíneas, decorrentes dos aspectos legais que regem tais operações, estas foram excepcionadas da regra geral de vedação à negociação privada constante na resolução do CMN.
Neste contexto, à luz do dispositivo normativo acima referenciado, dar-se-á a análise de cada circunstância ou operação que excepciona a regra geral de negociação pública de ações ou outros títulos mobiliários, desenvolvendo em seguida a fundamentação cabível para a adequada interpretação jurídica de cada um destes.
Distribuição pública de ações (alínea “a”)
A distribuição pública de ações encontra regulação legal no disposto no art. 19 da Lei 6.435/77, que assim dispõe:
Art. 19. Nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro na Comissão.
§ 1º - São atos de distribuição, sujeitos à norma deste artigo, a venda, promessa de venda, oferta à venda ou subscrição, assim como a aceitação de pedido de venda ou subscrição de valores mobiliários, quando os pratiquem a companhia emissora, seus fundadores ou as pessoas a ela equiparadas.
(omissis)
§ 3º - Caracterizam a emissão pública:
I - a utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao público;
II - a procura de subscritores ou adquirentes para os títulos por meio de empregados, agentes ou corretores;
III - a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público, ou com a utilização dos serviços públicos de comunicação.
§ 4º - A emissão pública só poderá ser colocada no mercado através do sistema previsto no Art. 15, podendo a Comissão exigir a participação de instituição financeira.
Regulamentando o dispositivo legal acima, a Instrução CVM nº 400/2003 assim disciplina em pormenores o diploma legal:
Art. 1º Esta Instrução regula as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, nos mercados primário ou secundário e tem por fim assegurar a proteção dos interesses do público investidor e do mercado em geral, através do tratamento eqüitativo aos ofertados e de requisitos de ampla, transparente e adequada divulgação de informações sobre a oferta, os valores mobiliários ofertados, a companhia emissora, o ofertante e demais pessoas envolvidas.
Antes de continuar a desenvolver-se a linha raciocínio elaborada, necessário trazermos a diferenciação entre mercado primário e secundário de ações. Assim discorre Juliano Lima Pinheiro[6]:
“A diferença básica entre os mercados primário e secundário é que, enquanto o primeiro caracteriza-se pelo encaixe de recursos na empresa, o segundo apresenta mera transação entre compradores e vendedores de ações, não ocorrendo assim alteração financeira na empresa.”
Pois bem, com base na diferenciação acima temos que a distribuição pública de ações dá-se usualmente no mercado primário de ações, tendo por objetivo central a captação de recursos junto aos investidores, caracterizando-se desta forma como aumento de capital para companhia. Neste sentido Nelson Eizirik[7]:
“A possibilidade de as companhias emitirem valores mobiliários visando a captação de recursos junto à generalidade dos investidores, para o financiamento de suas atividades e projetos de desenvolvimento, constitui a função econômica básica do mercado de capitais.
Com efeito, o mercado de capitais constitui o único canal que as companhias podem utilizar para captar recursos existentes na poupança popular.”
Juliano Lima Pinheiro[8] tratando ainda os conceitos envolvidos na operação acima disserta:
“O lançamento de ações novas no mercado, de forma ampla e não restrita à subscrição pelos atuais acionistas, chamam-se lançamentos públicos de ações ou operações underwriting. O termo underwriting (“subscrição” em inglês) significa lançamento ou emissão de papéis para captação de recursos de acionistas.
O underwriting é um esquema de lançamento de uma emissão de ações para subscrição pública, no qual a empresa encarrega uma instituição financeira da colocação desses títulos no mercado, ou seja, é uma operação realizada por uma instituição financeira, mediante a qual, sozinha ou organizada em consórcio, subscreve títulos de emissão por parte de uma empresa, para posterior revenda no mercado.
(...)
A operação de underwriting tem por objetivo prover recursos às sociedades anônimas, com a finalidade de capitalizar ou de consolidar a estrutura e/ ou seus investimentos. Para tanto, os instrumentos disponíveis são ações e/ou debêntures , estas em suas diversas formas.”
Desta forma, podemos entender a alínea “a” do inciso VIII do art. 53 da Res. CMN 3.792/2009 trata de operação que, em virtude de sua característica de aumento de capital, usualmente por se tratar de mercado primário, se subsume a exceção de sua realização (venda ou compra de ações) não ocorrer em bolsa de valores ou mercado de balcão organizado.
Direito de Preferência (alínea ‘b”)
Passa-se a analisar o direito de preferência descrito na alínea “b” do dispositivo em apreciação.
O direito de preferência é instituto usual no direito civil, podendo ser encontrado em vários diplomas legais. Inicialmente, necessário buscar na doutrina[9] a conceituação de tal direito:
“é o pacto, adjeto à compra e venda, em virtude do qual o comprador de uma coisa, móvel ou imóvel, fica com a obrigação de oferecê-la a quem lhe vendeu, para que este uso do seu direito de prelação em igualdade de condições, no caso de pretender vendê-la ou dá-la em pagamento".
Ainda no que respeita a conceituação de tal instituo jurídico, valiosa a lição de Sílvio de Salvo Venosa[10]:
"Trata-se de negócio acessório à compra e venda, mas não incompatível com outros contratos, como a locação e permuta, dentro da autonomia da vontade contratual, embora assim não entenda parte da doutrina. Pactuado em outro negócio jurídico, no entanto, perde a tipicidade conferida pela lei nos dispositivos em estudo. Não há como se entender proibido o pacto em outros negócios se a matéria não é cogente e de ordem pública. Por sua natureza, o pacto de preempção opera como um contrato dentro de outro maior, que é a compra e venda".
Constata-se das conceituações acima colacionadas que o direito de preferência, nos contratos de compra venda, caracteriza-se como cláusula acessória ou adjetiva ao negócio principal.
Tomando contornos de instituto legal protetivo, o direito de preferência na lei de sociedades anônimas adquire, apesar de permear vários outros dispositivos da norma societária, contornos de instituto de tutela jurídica, pois possui o escopo de manter o equilíbrio preexistente entre acionistas, evitando-se diluição do capital investido pelo acionista e a diminuição indevida de sua participação acionária em virtude de aumento de capital com subscrição de novas ações.
Defini-se o direito de preferência na lição do professor Modesto Carvalhosa[11]:
“Trata-se de faculdade legal reservada aos acionistas de subscreverem, com vantagem de ordem, novas ações emitidas pela companhia, mediante subscrição em dinheiro, bens ou direitos, nos limites correspondentes à posição acionária de que sejam titulares.
Constitui promessa unilateral da companhia emitente em favor dos titulares de ações, cujo direito de participação no capital social possa ser modificado pela respectiva subscrição. Trata-se de direito receptivo da parte do titular, pois é necessário que o acionista exercite sua opção, dando lugar, então, ao negócio de subscrição, que gera obrigações recíprocas. É direito que se separa da ação, mas que é seu complemento, embora não seja fruto.
Trata-se, outrossim, de direito patrimonial do acionista, já que seu principal fundamento consiste em manter o mesmo quinhão no capital social.
No sentido de caracterizar-se como instituto protetivo do acionista, segue o doutrinador[12] discorrendo:
“É o instrumento apto para evitar o desvio das reservas sociais em benefício de novos acionistas, em detrimento dos antigos. Constitui, ainda, o recurso capaz de impedir a destruição do equilíbrio preexistente entre os acionistas, no que respeita a seus direitos.
Visa o preceito a preservar o satus quo patrimonial dos sócios, através da conservação do percentual do capital social que inicialmente subscreveram.
A manutenção dessa proporcionalidade não tem apenas sentido patrimonial. Repercute nos direitos de natureza pessoal do acionista, notadamente porque a lei exige porcentagem mínima de ações para o exercício dos direito da minoria. Esse princípio legal de isonomia impede que ocorra diluição das participações dos minoritários a favor dos controladores, que têm poderes para propor aumento sucessivos do capital social.
Também no sistema jurídico norte americano, o fundamento do direito de preferência é o de resguardar o acionista da manipulação do voting control da companhia, pela emissão de ações com exclusão de alguns acionistas e, ainda, de defendê-los contra a emissão de ações por valor inadequado, favorecendo uns e diluindo a participação de outros. Ou como afirma Lattin: “O direito de preferência resulta da construção judicial, de caráter equitativo, que visa a permitir ao acionista manter a proporção de seus interesses, representados pelo voto, dividendos e patrimônio da companhia, mediante a subscrição em dinheiro de novas ações, na proporção das ações anteriormente possuídas.”
Portanto, verifica-se que no direito societário, o direito de preferência assume contornos de princípio regente da tutela dos acionistas e manutenção da isonomia ou equilíbrios dos participantes (investidores) da companhia.
Conversão de Debêntures em Ações (alínea “c”)
Debêntures são títulos de créditos[13] emitidos pelas companhias para fins de captação de recursos sem lançar mão de aumento de capital ou ingresso de novos acionistas.
A emissão de debêntures conversíveis em ações é operação usual nas companhias, buscando em essência um aumento de capital para financiamento de suas atividades. Assim leciona Nelson Eizirik[14] acerca do tema:
“a configuração da debênture como título de crédito decorre dos próprios termos da lei. A palavra “debênture”, ainda que decorrente de prática financeira inglesa, é de procedência latina, designando devere, a dívida pecuniária; trata-se a debênture, de documento comprobatório de uma dívida da companhia. A debênture, dessa forma, designa o direito de crédito de seu titular contra a companhia emissora, em razão de um empréstimo por ela contraído.
A finalidade econômica da debênture consiste em possibilitar o financiamento da companhia emissora, mediante empréstimo contraído junto a restrito círculo de pessoas (quando se trata de uma emissão privada) ou mediante apelo à poupança popular (no caso de emissão pública colocada no mercado de capitais). É uma forma de a companhia contrair um empréstimo junto ao público, quando necessita de recursos e não deseja recorrer às instituições financeiras, nem aumentar seu capital social, com a consequente emissão de novas ações.”
Pois bem, as debêntures conversíveis em ações, como a própria denominação indica claramente, são aquelas em que o possuidor do título detém a faculdade de na data do vencimento deste, exercer o direito de converter tais títulos em ações, passando a compor o grupo de acionistas da companhia emissora.
Quanto ao tema leciona ainda José Tavares Edwaldo Borba[15]:
Vislumbra-se, portanto, na debênture conversível, além do direito de crédito, que é inerente a qualquer debênture, um direito à aquisição de ações da emitente, cujo preço será pago com o valor da debênture, que, para esse efeito, será resgatada até mesmo antes do vencimento, isto é, na data da opção de conversão. A debênture conversível é, ao mesmo tempo, um título de renda fixa e um título de renda variável. [...] O debenturista, por conseguinte, aproveita as virtudes da renda fixa, sem se privar da possibilidade de realizar ganhos de capital.
Destarte, conforme apontamentos doutrinários acima verifica-se estar-se diante de operação particular, fora da bolsa de valores ou mercado de balcão organizado, no âmbito de uma operação de titularidade de crédito que pode vir a se transformar em aquisição de ações de sociedade anônima, o que poderá importar em aumento de capital da entidade.
A natureza jurídica da operação justifica o enquadramento desta na característica de negociação privada permitida pelo CMN.
Exercício de bônus ou de recibos de subscrição (alínea “d”)
Outra hipótese que a resolução expressamente afasta de vedação de operações com ações fora de bolsa de valores ou mercado de balcão se trata de exercício de bônus de subscrição ou de recibos de subscrição.
Buscando a conceituação de tais títulos, lecionam os estudiosos do tema:
“consistem os bônus de subscrição em títulos negociáveis, emitidos pela companhia de capital autorizado, dando aos seus portadores o direito de subscrever ações dentro de um prazo determinado, pelo preço de emissão das ações”[16].
“privativo da sociedade anônima de capital autorizado, como facilmente se depreende da leitura do artigo 75 da Lei nº 6.404/76, o bônus de subscrição é um título ou valor mobiliário que confere a seu titular o direito à subscrição de ações, na hipótese de aumento do capital da companhia emissora. É, pois, verdadeira opção à aquisição de ações” [17].
Verifica-se, portanto, que um dos objetivos da emissão dos bônus ou recibos de subscrição é obter recursos no mercado investidor, com possível aumento de capital da companhia para fazer cumprir o direito de subscrição das ações da companhia emissora. Neste sentido, Nelson Eizirik[18]:
“O grande atrativo deste título, do ponto de vista do investidor, está no fato de ele conferir o direito de subscrever ações a um preço previamente estabelecido.
(...)
Para a companhia emissora, os bônus de subscrição podem servir para a captação de recursos junto a terceiros ou para estimular a colocação de outros valores mobiliários de sua emissão. Como referido, nos termos do artigo 77 da Lei das S.A., os bônus de subscrição podem ser emitidos para alienação onerosa ou para serem atribuídos como vantagem adicional aos subscritores de ações ou debêntures da companhia.
Ao direito subjetivo do proprietário do bônus de subscrever ações de emissão da companhia, corresponde, por outro lado, o dever jurídico desta, por ocasião do exercício do direito, de proceder ao aumento de capital para emitir as ações correspondentes e entregá-las ao detentor do título”.
Por conseguinte, no âmbito de investimentos das EFPC, o exercício do direito a subscrição de bônus reveste-se de caráter privativo, a afastar tais operações do leito regular de realização das operações com ações (bolsa de valores ou mercado de balcão organizado.
Casos previstos em regulamentação estabelecida pela SPC (alínea “e”)
De imediato há que se fazer uma elucidação quanto à nomenclatura adotada no título acima, reprodução da norma vigente.
Quando da publicação da Resolução CMN nº 3.792/2009 funcionava então como órgão fiscalizador[19] a extinta Secretaria de Previdência Complementar – SPC, órgão do Ministério da Previdência e Assistência Social. Com o advento da Lei 12.154, de 23 de dezembro de 2009[20], restou extinta a SPC, sendo esta sucedida pela Superintendência Nacional de Previdencia Complementar – Previc.
Logo, considerando que não houve ainda a revogação formal da resolução do CMN, adequando-se à lei de criação da autarquia federal – Previc, deve-se entender que: onde se refere SPC entenda-se Previc.
Feito este breve esclarecimento, passa-se a analisar este tópico.
Os casos previstos em regulamentação estabelecida pela SPC, atual Previc, encontra-se devidamente regulamentado na Instrução MPS/SPC nº 31, de 21 de maio de 2009.
Preliminarmente, vale relembrar que o normativo acima, em que pese ter sido editado para fins de regulamentação da Res. CMN nº 3.456/2007, foi devidamente recepcionada pela norma posterior e encontra-se plenamente aplicável no âmbito da Previc. Este é o entendimento exarado no Parecer nº 98/2010/CGEN/PF/PREVIC, conforme ementa abaixo:
DIREITO ADMINISTRATIVO. NORMAS HIERARQUICAMENTE SUBORDINADAS. SUPERVENIÊNCIA DE NORMA DE HIERARQUIA SUPERIOR. SUBSISTÊNCIA DA NORMA A ELA SUBORDINADA. INEXISTÊNCIA DE INCOMPATIBILDIADE. NÃO CONFIGURAÇÃO DE REVOGAÇÃO TÁCITA. RECEPÇÃO OPERADA PELA NORMA SUPERVENIENTE. INTELIGÊNCIA DO § 1º DO ART. 2º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL (DECRETO Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942). EXAME EM TESE. OPÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE DE MANTER OU REVOGAR O ATO. MATÉRIA DE FUNDO. NEGOCIAÇÃO PRIVADA. NORMA DE EXCEÇÃO RECOMENDAÇÃO DE OBSERVÂNCIA ÀS ESPECIFICIDADES DE CADA CASO CONCRETO.
1. A Instrução SPC nº 31/2009, editada regulamentando disposição específica da Resolução CMN nº 3.456/2007, revogada pela Resolução CMN nº 3.792/2009, não foi revogada por ato da Secretaria de Previdência complementar ou da Previc e nem é incompatível com esta última, sendo, portanto, por ela recepcionada, não ocorrida revogação tácita. O tema já foi objeto de análise pelo então DELEG/SPC em caso análogo, sob enfoque semelhante.
2. Nada obsta a que o órgão competente entenda pela aplicação da norma ou a sua rejeição, podendo se valer da revogação expressa.
3. Tratando-se, no que toca à matéria de fundo, de regra de exceção, cumpre recomendar ao seu aplicador a apreciação rigorosa da adequada subsunção dos casos concretos à norma, em atenção às especificidades que revestem cada situação.
Conforme expusemos acima, o dispositivo da Resolução do CMN que admite a negociação privada traz em seu rol operações já previstas na legislação das sociedades anônimas.
Nesta linha, verifica-se que restou ao normativo da então Secretaria de Previdência Complementar – SPC, disciplinar residualmente casos concretos que não fossem contemplados no rol normativo mencionado. Este é a função deste diploma regente, ou seja, disciplinar as situações fáticas que não possuam disciplinamento próprio.
Daí decorre a necessidade de autorização prévia e expressa da autarquia fiscalizadora (Previc), tendo em vista que para tais casos (não discriminados na norma do CMN) há necessidade de se aferir em concreto as condições da operação proposta e as vantagens ou desvantagens para EFPC e os planos de benefícios por esta administrados.
Neste sentido, vejamos a ementa do normativo:
Disciplina os procedimentos a serem observados pelas entidades fechadas de previdência complementar para realizar operações, por meio de negociações privadas, com ações de emissão de companhias abertas negociadas em bolsa de valores ou admitidas à negociação em mercado de balcão organizado.
Decorre, portanto que, abstraindo então os casos de operações com ações arrolados nas quatro primeiras alíneas do art. 53 da Res. CMN 3.792/2009, toda e qualquer operação com ações em negociação privada, na qual tenha como parte EFPC, deve cumprir os requisitos e exigências da IN SPC nº 31/2009.
Vale destacar ainda que o então órgão jurídico[21] da extinta Secretaria de Previdência Complementar – SPC, já havia se manifestado acerca do tema:
(...)
25. Aliás, é por haver situações específicas em matéria de negociação fora da bolsa de valores ou do mercado de balcão organizado que a legislação flexibiliza o tratamento da questão, permitindo que o órgão competente autorize a operação privada caso a entenda tecnicamente adequada e de acordo com o princípio da proteção do investidor.
26. Ou seja: a legislação permite a outorga de autorizações específicas pelo órgão governamental competente justamente para que se possa, através de uma análise técnica de cada caso concreto, avaliar situações especiais em que se deva permitir a operação pretendida, mas que, por absoluta impossibilidade, não poderiam ter sido casuisticamente listadas em regulamento.
27. Com efeito, tanto a regulamentação da CVM (Instrução n. 409/2004, art. 64, inc. VI) quanto a legislação do CMN aplicável à previdência complementar (Resolução n. 3.121/2003, art. 64, inc. V) prevêem a possibilidade de se emitir autorização específica para aquele tipo de transação. Nestas hipóteses, a autorização devida será emitida pela CVM ou pela SPC, conforme o caso. (...)
Destarte, tratando-se de operação que não aquelas elencadas nas quatro primeiras alíneas do dispositivo normativo em análise, deve haver necessariamente uma análise em concreto pela Previc, para somente então autorizar-se a realização da negociação privada pretendida.
Demais casos expressamente previstos nesta Resolução (alínea “f”)
A resolução do CMN apresenta aqui uma cláusula aberta no sentido de, mesmo não constando rol permissivo do art. 53 da Res. CMN 3.792/2009 para realização de negociação privada, outros casos podem estar previstos no âmbito do diploma normativo.
Desta maneira, acaso verificada na norma uma expressa permissão de negociação privada com títulos mobiliários, estes já possuem a chancela autorizativa da norma.
CONCLUSÃO
Conforme a breve dissertação acima, constata-se que a negociação privada de ações, no tocante às aplicações dos recursos garantidores dos planos de benefícios administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar, é permitida pela norma regente, em casos e situações expressas.
Entretanto, cumpre destacar disciplinamento normativo deve ser interpretado de maneira restritiva, tendo em vista tratar-se de exceção à regra, que determina a publicidade das negociações em bolsa de valores ou mercado de balcão organizado para este fim e fiscalizados por outra autarquia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] Art. 9o As entidades de previdência complementar constituirão reservas técnicas, provisões e fundos, de conformidade com os critérios e normas fixados pelo órgão regulador e fiscalizador.
§ 1o A aplicação dos recursos correspondentes às reservas, às provisões e aos fundos de que trata o caput será feita conforme diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. (Lei Complementar nº 109/2001)
[2] Art. 1º As entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) devem, na aplicação dos recursos correspondentes às reservas técnicas, provisões e fundos dos planos que administram, observar o disposto nesta Resolução. (Res. CMN nº 3.792/2009)
[3] “(...) aquele em que as transações se efetuam num local determinado e adequado ao encontro de seus membros (sociedades corretoras) e à realização, entre eles, de transações de compra e venda de títulos e valores mobiliários, em mercado livre e aberto, especialmente organizado e fiscalizado pela associação civil que o mantém e pela Comissão de Valores Mobiliários”. MODESTO CARVALHOSA, Comentários à Lei das S/A. vol. 1, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 37.
[4] O mercado de balcão organizado é um ambiente administrado por instituições auto-reguladoras que propiciam sistemas informatizados e regras para a negociação de títulos e valores mobiliários. Estas instituições são autorizadas a funcionar pela CVM e por ela são supervisionadas. In: http://www.portaldoinvestidor.gov.br/Portals/0/Investidor/Cadernos/Caderno%207.pdf.
[5] Art . 8º Compete à Comissão de Valores Mobiliários:
(...)
III - fiscalizar permanentemente as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, de que trata o Art. 1º, bem como a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores nele negociados; ( Lei 6.385, de 07 de dezembro de 1976).
[6] PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de Capitais: fundamentos e técnicas, 4ª Ed. – São Paulo: Atlas, 2008.
[7] EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas.
Mercado de Capitais – Regime Jurídico. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2011.
[8] Op. Cit. p. 150.
[9] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Vol. III, n. 227, 10ª Ed. São Paulo: Forense, 1995, p.132.
[10] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Contratos em espécie, Vol. III, n. 3.3. São Paulo: Atlas, p.86.
[11] CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedade Anônimas, Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008, p.569.
[12] Op. Cit. p. 570.
[13] Art. 52. A companhia poderá emitir debêntures que conferirão aos seus titulares direito de crédito contra ela, nas condições constantes da escritura de emissão e, se houver, do certificado. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) – Lei 6.404/76.
[14] Op. Cit. p. 68/69.
[15] Borba, J. E. T. Das debêntures. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 214.
[16] MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 259.
[17] ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das sociedades comerciais. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 247.
[18] Op. Cit. p.79/80.
[19] Art. 74. Até que seja publicada a lei de que trata o art. 5o desta Lei Complementar, as funções do órgão regulador e do órgão fiscalizador serão exercidas pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, por intermédio, respectivamente, do Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC) e da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), relativamente às entidades fechadas, e pelo Ministério da Fazenda, por intermédio do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), em relação, respectivamente, à regulação e fiscalização das entidades abertas. (LC nº 109/2001)
[20] Art. 55. As competências atribuídas à Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social, por meio de ato do Conselho de Gestão da Previdência Complementar, do Conselho Monetário Nacional e de decretos, ficam automaticamente transferidas para a Previc, ressalvadas as disposições em contrário desta Lei.
[21] Nota Técnica n° 74/2006/SPC/DELEG, de 12.05.2006
Procurador Federal, Coordenador-Geral de Estudos e Normas da Procuradoria Federal junto à PREVIC, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL, Membro da Câmara de Recursos da Previdência Complementar - CRPC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HENRIQUE, Adriano Cardoso. Da negociação privada de ações no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 dez 2012, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33019/da-negociacao-privada-de-acoes-no-ambito-das-entidades-fechadas-de-previdencia-complementar. Acesso em: 23 dez 2024.
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