A Constituição Federal preceitua que a educação é direito de todos edever do Estado e da família devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. [1] Celso de Mello, citado por Alexandre de Moraes, leciona que “o processo educacional tem por meta qualificar o educando para o trabalho e prepará-lo para o exercício consciente da cidadania.”[2]
Percebe-se, então, que o direito à educação é direito subjetivo de todos, o que inclui a criança e o adolescente, devendo ser garantida pelo Estado e pela família. O termo colaboração inserido no art. 205 da Carta Magna revela o reconhecimento por parte da Constituição Federal da enorme tarefa de toda a sociedade para com a educação do país.
Por sua vez, o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), ao relatar os direitos básicos da criança e do adolescente proclama, em consonância com o disposto na Constituição Federal, que é dever da família, da sociedade em geral e do poder público garantir à criança e ao adolescente o direito à educação, in verbis:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (grifamos)
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece ainda no seu artigo 54, inciso IV, que “é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade”. Aqui é interessante notar que a Emenda Constitucional no53, de 19 de dezembro de 2006, ao promover a alteração do artigo 7º, inciso XXV , bem como do artigo 208, inciso IV, da Carta Magna, reduziu a idade “pré-escolar” de 6 (seis) para 5 (cinco) anos de idade.
Com o objetivo de cumprir o determinado pelo artigo 54, IV, da Lei nº 8.069/90, o Presidente da República expediu o Decreto nº 977, de 10 de novembro de 1993, regulamentando a assistência pré-escolar destinada aos dependentes dos servidores públicos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional.Oreferido decreto entrou em vigor para substituir o revogado Decreto nº 93.408, de 10 de outubro de 1986, o qual já dispunha sobre os serviços de assistência pré-escolar para os filhos de servidores dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal.
O artigo 3º do Decreto nº 977/1993dispõe sobre os objetivos para os quais a assistência pré-escolarfoi criada. Vejamos:
Art. 3° A assistência pré-escolar de que trata este decreto tem por objetivo oferecer aos servidores, durante a jornada de trabalho, condições de atendimento aos seus dependentes, que propiciem:
I - educação anterior ao 1° grau, com vistas ao desenvolvimento de sua personalidade e a sua integração ao ambiente social;
II - condições para crescerem saudáveis, mediante assistência médica, alimentação e recreação adequadas;
III - proteção à saúde, através da utilização de métodos próprios de vigilância sanitária e profilaxia;
IV - assistência afetiva, estímulos psicomotores e desenvolvimento de programas educativos específicos para cada faixa etária;
V - condições para que se desenvolvam de acordo com suas características individuais, oferecendo-lhes ambiente favorável ao desenvolvimento da liberdade de expressão e da capacidade de pensar com independência.
Por seu turno, o art. 7º do aludido decreto estabelece quea assistência pré-escolar pode ser prestada nas modalidades de assistência direta, através de creches próprias, ouindireta, por meio do pagamento do auxílio pré-escolar.Ou seja, são duas as modalidades previstas. Direta, assegurada através de creches próprias do Estado. Ou indireta, mediante o pagamento do auxílio pré-escolar. De toda forma, para as duas hipóteses o decreto prevê a participação do servidor no custeio do benefício. O artigo 6º do Decreto nº 977/1993 preceitua que “os planos de assistência pré-escolar serão custeados pelo órgão ou entidade e pelos servidores”,
O mesmo decreto dispõe que a participação do servidor será realizada por meio do pagamento de uma cota-parte proporcional ao nível de sua remuneração. Convém conferir a disposição contida no artigo 9º do mencionado decreto:
Art.9° O valor-teto estabelecido, assim como as formas de participação (cota-parte) do servidor no custeio do benefício serão mantidas para todas as modalidades de atendimento previstas no art. 7°.
Parágrafo único. A cota-parte do servidor será proporcional ao nível de sua remuneração e, com sua anuência, consignada em folha de pagamento, de acordo com critérios gerais fixados pela Secretaria da Administração Federal da Presidência da República.
Nesse contexto, é oportuno ressaltar que o Decreto nº 977/93não extrapola sua função regulamentar, conforme previsto no art. 84, IV, da Constituição Federal, haja vista a expressa disposição daCarta Magna e do Estatuto da Criança e do Adolescente no sentido de que o direito à educação deve ser garantido tanto pelo Estado como pela família.
Por outros termos, ao instituir a participação do servidor no custeio do benefício, a União compartilhou com a família do beneficiado a responsabilidade pelo financiamento do benefício, em perfeita observância ao textoconstitucional e ao Estatuto da Criança e do Adolescente.A propósito, a cota-parte do servidor, além de servir como fonte de custeio, foi criada para funcionar como um instrumento para melhor distribuição do benefício, favorecendo principalmente aqueles que possuem uma remuneração menor.
Com efeito, o benefício da assistência pré-escolar é custeado pela Administração Pública e por todos aqueles servidores que o recebem sob qualquer modalidade. Todavia,o valor do benefício não é o mesmo para todos, assim como também não é o valor da cota-parte dos servidores.No tocante ao valor do benefício, a distinção se dá de acordo com o Estado em que o servidor reside, o que parece ser um critério razoável, uma vez que a média das mensalidades escolarespossui valores diferentesnas diversas localidades do país. Essa foi a regra adotada pelo art. 8º do Decreto nº 977/1993. Vejamos:
Art. 8° A Secretaria da Administração Federal da Presidência da República fixará e atualizará o valor-teto para a assistência pré-escolar, nas diversas localidades do País, considerando-se as diferenciações de valores das mensalidades escolares. (g.n.)
Em atenção ao artigo 8º, acima transcrito, o antigo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado editou a Portaria nº 658, de 6 de abril de 1995, fixando o teto do valor em cada Estado da federação. Exemplificativamente, tem-se que no Distrito Federal o valor do benefício por dependente é R$ 95,00 (noventa e cinco reais), ao passo que no Acre o valor é R$ 66,00 (sessenta e seis reais).
No que concerne ao valor da participação do servidor, a regra é diferente. A cota-parte é cobrada de acordo com a remuneração do servidor. Isto é, quanto maior o salário do servidor mais ele colabora com o custeio. Por outro lado, quanto mais baixa a remuneração, menor a participação devida.O parágrafo único do art. 9º do Decreto nº 977/93 determina que “a cota-parte do servidor será proporcional ao nível de sua remuneração e, com sua anuência, consignada em folha de pagamento, de acordo com critérios gerais fixados pela Secretaria da Administração Federal da Presidência da República”.
Em respeito ao parágrafo único do art. 9º do Decreto nº 977/93, a Secretaria da Administração Federal (atual MPOG) expediu aInstrução Normativa nº 12, de 23 de dezembro de 1993, que fixou, em seu art. 22,o seguinte:
22 - A cota-parte referente à participação dos servidores e, com sua anuência, consignada em folha de pagamento, ocorrerá em percentuais que variam de 5% (cinco por cento) a 25% (vinte e cinco por cento) incidindo sobre o valor-teto, proporcional ao nível de sua remuneração, a ser descontada na folha de pagamento referente ao mês de competência da concessão do benefício. (g.n.)
Depreende-se, pois, que a cota-parte referente à participação do servidorvaria de 5% (cinco por cento) a 25% (vinte e cinco por cento) do valor do benefício, sendo que o percentual aumenta proporcionalmente ao nível de remuneração do servidor. Assim, o servidor que percebe uma remuneração mais reduzida, em que pese receber o valor bruto do benefício igual ao do servidor que tem um padrão remuneratório mais elevado, após o pagamento da cota-parte receberá um valor líquido maior do que o servidor com remuneração maior.
Para uma melhor visualização, basta supor que o valor do benefício pago seja R$ 100,00 (cem reais). Aquele que recebeum salário menor receberá, após o pagamento da cota-parte, R$ 95,00 (noventa e cinco reais), haja vista o desconto de 5% (cinco por cento) no valor do benefício. De outra banda, o servidor que percebe uma remuneração maior receberá,após o pagamento da cota-parte, R$ 75,00 (setenta e cinco reais), em razão do desconto de 25% (vinte e cinco por cento) a título de cota-parte.
No fundo, observa-se que a cota-parteservepara melhorar o valor do benefício daquele que mais necessita. É importante destacar que a participação do servidor serve para custear o benefício, o que significa que o mais abastado contribui em maior quantidade para o financiamento do auxílio do que o mais necessitado. Ou seja, o servidorpior remunerado, ao contrário do que parece, se beneficia com a instituição da cota-parte. Penso, portanto, que a participação do servidor no custeio do benefício, por meio do pagamento da cota-parte, se coaduna com o disposto no artigo 205 da Constituição Federal, assim como com o disposto nos artigos 4 e 54, inciso IV,do Estatuto da Criaça e do Adolescente.
Em sentido oposto, confira-se o recente julgado da Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO ORDINÁRIA COLETIVA - IRRF - AUXÍLIO CRECHE OU PRÉ-ESCOLAR - CUSTEIO - DECADÊNCIA QUINQUENAL (STF, RE N.º 566.621) - JUROS. 1.O Pleno do STF (RE 566621/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, trânsito em julgado em 27.02.2012), sob o signo do art. 543-B do CPC, que concede ao precedente extraordinária eficácia vinculativa que impõe sua adoção em casos análogos, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da LC 118/2005 e considerou aplicável a decadência quinquenal às ações repetitórias ajuizadas a partir de 09 JUN 2005. 2.É obrigação do Estado garantir o atendimento educacional em creche e pré-escola às crianças de zero a 06/05 anos (art. 208, IV, da CF/88, c/c art. 54, IV, da Lei nº 8.069/90), ônus intransferível aos servidores. 3.O Decreto nº 977/93 (art. 1º, art. 4º e art. 7º) estipulou assistência indireta educacional aos dependentes dos servidores públicos, via percepção de auxílio (creche ou pré-escolar) em pecúnia. 4.Entende-se (STJ e TRF1) não incidir IRFF sobre verbas "indenizatórias" (caso do auxílio creche ou pré-escolar, instituído para sanar a omissão estatal em cumprir o encargo da oferta regular satisfatória de qualidade em "educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade"). 5.O art. 6º do Decreto nº 977/93, norma secundária ou de execução da lei (art. 84, IV, da CF/88), é ilegal ao, extrapolando sua função regulamentar, estatuir custeio do beneficiário, dado que, restringindo ou onerando o gozo do direito previsto na Lei nº 8.069/90 (e na CF/88), invadiu seara de lei (norma primária), contrariando-a ou mitigando seus efeitos. 6.Tomando-se em consideração que toda indenização tem como escopo "ressarcir um dano ou compensar um prejuízo" (no caso, a omissão estatal), ecoa antinomia que se pretenda imputar "custeio" para verba que a jurisprudência afirma "indenizatória", repartindo-se com quem não deu causa ao dano/prejuízo o ônus de sua recomposição. E, ainda que se pudesse admitir a instituição do ônus, tal demandaria - se e quando - lei expressa (que não há, irrelevante a só previsão regulamentar). 7.Em tema de tributos (e ônus congêneres), a CF/88 exige atenção à legalidade e à tipicidade (art. 146, III, "a", c/c art. 150, I). 8.Dada a natureza do custeio do "auxílio pré-escola" ou "auxílio creche", não tributária e não remuneratória, mas de caráter cível em geral, devem-se observar os períodos em que se pede a restituição. 9.Sobre os valores de custeio do "auxílio pré-escola ou creche" recolhidos de 29 AGO 2001 a 10 JAN 2003 incidirão juros de mora de 0,5% ao mês; de 11 JAN 2003 a 29 JUN 2009 aplicar-se-á a taxa SELIC, que não se cumula com juros ou correção monetária; de 20 JUN 2009 em diante, o crédito observará os índices de remuneração básica e dos juros aplicados à caderneta de poupança. 10.Apelação dos autores provida em parte. Apelação da FN e remessa oficial providas em parte: prescrição quinquenal. 11.Peças liberadas pelo Relator, em Brasília, 24 de julho de 2012., para publicação do acórdão. (AC 200533000223294. Relator Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, Sétima Turma, e-DJF1 Data:03/08/2012 Pagina:590) (grifamos)
No entendimento da Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o Decreto nº 977/1993 extrapolou sua função regulamentar ao instituir a participação do servidor no custeio do benefício. Com todo o respeito, ousamos discordar do posicionamento do colegiado, em razão de todo o exposto no presente estudo. Ora, o direito à educação deve ser garantido pelo Estado e pela família do educando. Portanto, ainda que se considere que o benefício busca indenizar uma omissão estatal, a família da criança não se exime de contribuir com o custeio do benefício. Ora, também é dever da família assegurar o direito à educação à criança e adolescente. É importante relembrar que a Carta Magna proclama que a educação deve ser promovida e incentivada com a colaboração de toda a sociedade.
De toda sorte, é de se lamentar que o valordo auxílio pré-escolar ainda seja aquele fixado pelaPortaria MARE nº 658, de 6 de abril de 1995. Sem o reajuste do valor do benefício, todo o arcabouço legislativo exibido perde sua utilidade maior. Não é com um valor irrisório que o auxilio pré-escolar contribuirá para assegurar à criança o direito ao atendimento em uma creche ou pré-escola. A participação do servidor, então, com um valor insignificante, apenas fingirá servir como um instrumento para melhor distribuição do benefício.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htmAcesso em 10. dez. 2012.
BRASIL. Decreto nº 93.408, de 10 de outubro de 1986. Dispõe sobre a instituição de creches e demais serviços de assistência pré-escolar, para os filhos de servidores dos órgãos e entidades da Administração Federal, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D93408impressao.htm. Acesso em 10. dez. 2012.
BRASIL. Decreto nº 977, de 10 de novembro de 1993. Dispõe sobre a assistência pré-escolar destinada aos dependentes dos servidores públicos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d0977.htm. Acesso em 10. dez. 2012.
BRASIL. Emenda Constitucional no 53, de 19 de dezembro de 2006. Dá nova redação aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc53.htm. Acesso em 11. dez. 2012.
BRASIL. Instrução Normativa nº 12, de 23 de dezembro de 1993. Disponível emhttps://conlegis.planejamento.gov.br/conlegis/legislacao/atoNormativoDetalhesPub.htm?id=2185. Acesso em 10. dez. 2012.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso em 10. dez. 2012.
BRASIL. Portaria nº 658, de 6 de abril de 1995. Disponível em http://homservidor.serpro.gov.br/arq_editaveis/pdf/portaria/1995/port_658_060495.pdf. Acesso em 10. dez. 2012.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Sétima Turma. Relator Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral.Julgado em 24.7.2012. Publicação: 3.8.2012 e-DJF1. Pág. 590.
ISHIDA, VálterKenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência/comentários. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2006.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004.
[1]Redação dada pela EC nº 42, promulgada em 19 de dezembro de 2003 e publicada no DOU de 31.12.2003.
[2]MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004.Pág. 694.
Procurador Federal, Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TORRES, Michell Laureano. Breves considerações sobre a participação do servidor público federal no custeio do auxilio pré-escolar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 dez 2012, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33024/breves-consideracoes-sobre-a-participacao-do-servidor-publico-federal-no-custeio-do-auxilio-pre-escolar. Acesso em: 23 dez 2024.
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