A Constituição da República de 1988, em seu Título VIII, “Da Ordem Econômica e Financeira”, ao dispor acerca dos “Princípios Gerais da Atividade Econômica”, em seu artigo 173, parágrafo 4º dispõe:
“Art. 173 – (...).
§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.
A defesa da concorrência, indubitavelmente, corresponde a uma das mais importantes facetas da intervenção estatal na ordem econômica. Neste ponto, frise-se a crítica realizada pelo Professor JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA acerca do tratamento dado a este tema pela Constituição da República de 1988:
“A Constituição de 1948 inscrevera essa matéria num artigo independente. Já a Constituição de 1967-1969 deu a esse dispositivo o nível de princípio da ordem econômica e social e o inseriu no art. 160. O Constituinte de 1988 errou gravemente ao colocar essa norma no contexto do art. 173, que nada tem a ver com abuso de poder econômico. De qualquer sorte, pela importância que a matéria vem hoje tendo, tal norma mereceria figurar em artigo, e não num simples parágrafo”.[1]
Um estudo acerca das legislações de defesa da concorrência no direito comparado demonstra que elas se desenvolveram em consonância com o avanço da denominada sociedade industrial. Como exemplo, já em 1890, os Estados Unidos da América, através do ShermannAct, adotaram mecanismos de controle de mercado com o objetivo de combater desvirtuamentos da concorrência.
Em nosso país, a defesa da concorrência relacionou-se, inicialmente nas Constituições de 1934 e 1937, com a tipificação dos crimes contra a economia popular. Somente com a Carta Maior de 1946 e, após, nas Constituições de 1967, 1969 e 1988, é que o nosso ordenamento passou a tratá-la com uma das formas de abuso do poder econômico.
A sociedade industrial tem como característica fundamental a busca da concentração, objetivando alcançar um poder econômico. Justamente em virtude desse poder, exclusivamente quando o seu exercício é praticado com abuso, é que se faz necessária a defesa da concorrência como instrumento de controle da ordem econômica e social. Torna-se, então,imperativo que o Estado permita a todos os players do mercado a plena expansão da sua atividade, através do clássico princípio de proteção à entrada de concorrente no mercado, de nele permanecer e de sair a critério único e exclusivo destes agentes.
Ressalta-se, entretanto, que a finalidade desta intervenção estatal no mercado faz-se em busca da proteção do consumidor, ou seja, do bem-estar social, razão final de ser da defesa da concorrência. Neste sentido, ensina FÁBIO KONDER COMPARATO:
“A economia moderna está prestes a liquidar por completo a noção clássica de mercado, na qual este, através de sua estrutura atomística, seria orientado em favor do consumidor”.[2]
O fato das decisões nos mais variados mercados serem tomadas por empresas detentoras de poder econômico não significa, por si só, um mal. G. FARJAT leciona:
“Fenômenos como os acordos, as posições dominantes, as práticas restritivas e as concentrações não são, em si mesmos, fenômenos patológicos, mas constituem, ao contrário, uma realidade fundamental do novo Estado industrial – a ordem privada econômica”.[3]
Outro não é o entendimento da Professora ISABEL VAZ:
“Sobre a concentração de empresas, em geral, e as formas específicas indicadas, muito já foi dito, sendo apenas oportuno lembrar, em consonância com as opiniões dos estudiosos nacionais e estrangeiros, que ela representa uma tendência global da economia. E o direito brasileiro antitruste, como a maioria das leis conhecidas, pune e reprime não a concentração de poder econômico em si, mas o abuso que dela pode fazer o seu detentor. A concentração econômica, pelo poder de mercado que confere, é acompanhada de perto pelo legislador e pelos órgãos criados exatamente para apurar e reprimir o seu uso abusivo. Tal abuso é traduzido, geralmente, pelas práticas cujos efeitos são conhecidos como ´domínio de mercados´, ´eliminação total ou parcial da concorrência´ e ´aumento arbitrário dos lucros’”.[4]
Ressalta-se que, além da Constituição da República de 1988preconizar o combate ao abuso do poder econômico, a nossa Carta Maior atribui ao Estado de forma explícita, as funções de agente normativo e regulador da atividade econômica, legitimando, portanto, a intervenção estatal na ordem econômica:
“Art. 174 – Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.”
Em respeito aos princípios instituídos pela Constituição da República, foi promulgada em 1994 a Lei 8.884, a Lei de Defesa da Concorrência ou Lei Antitruste Brasileira. Tendo em vista que a economia brasileira se rege pelo capitalismo, a Lei Antitruste se caracteriza pela preservação do adequado funcionamento da economia de mercado.
Ressalta-se que o legislador procurou, em seus trabalhos, aproveitar a legislação até então vigente, no que ela tinha de satisfatório, mas com a finalidade de aprimorar tanto os seus institutos, bem como o procedimento para a sua aplicação. Entre outras mudanças, frise-se o fortalecimento das entidades que constituem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, a saber: a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE), a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) e, por fim, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da Justiça (CADE).
Neste sentido, apenas para exemplificar, a Lei de Defesa da Concorrência estabelece no caput dos artigos 20 e 54:
“Art. 20 – Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III – aumentar arbitrariamente os lucros;
IV – exercer de forma abusiva posição dominante”.
“Art. 54 – Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE”.
Uma breve leitura do seu texto legal já é suficiente para se concluir que a Lei nº 8.884 pretende fornecer ao Estado os meios necessários e eficientes para garantir a livre concorrência no mercado pátrio, em consonância com as exigências de uma economia de mercado, mas buscando sempre o bem-estar social, ou seja, a proteção do consumidor.
A Defesa da Concorrência, seja através dos preceitos constitucionais ou das demais normas do nosso ordenamento jurídico, deve ser aplicada, sem distinção, em todos os mercados. Partindo do pressuposto que a Defesa da Concorrência tem como razão final à busca da proteção do consumidor, ou seja, o bem-estar social, teoricamente não háporque privilegiar algum mercado concedendo uma imunidade antitruste.
Entretanto, em relação ao Sistema Financeiro, como demonstraremos em breve, em virtude das suas especificidades e particularidades, há quem defenda a Defesa da Concorrênciacomo competência do BACEN, e não do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.
[1]FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito Econômico. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1997.
[2] BRUNA, Sérgio Varella. Poder Econômico e a Conceituação do Abuso em seu exercício. 1ª Edição, São Paulo: Editora RT, 1997.
[3]Op. Cit.
[4] VAZ, Isabel. Direito Econômico da Concorrência. 1ª Edição, Rio de Janeiro; Ed. Forense, 1993.
Mestre em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da UFMG. Ex-Subprocurador-Geral Federal Substituto. Ex-Chefe de Gabinete da Procuradoria-Geral Federal. Ex-Membro do Conselho Consultivo da Escola da AGU. Ex-Coordenador-Geral de Administração das Procuradorias da PFE/INSS. Ex-Chefe da Divisão de Planejamento e Gestão da Procuradoria-Geral Federal. Ex-Chefe do Serviço de Matéria Administrativa da Procuradoria-Regional do INSS da 1ª Região.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AGUIAR, Bernardo Augusto Teixeira de. O Direito Econômico e a defesa da concorrência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2012, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33046/o-direito-economico-e-a-defesa-da-concorrencia. Acesso em: 23 dez 2024.
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