Resumo: O Enunciado 331/TST dispõe sobre a responsabilidade subsidiária do poder público, no caso de inadimplemento das verbas trabalhistas de empresas contratadas por meio da técnica denominada “terceirização”, que se perfaz pela transferência de segmento do processo de produção da empresa para um terceiro, com ênfase no processo de especialização. A par de apresentar um conceito para o instituto, o presente trabalho dedica-se em examinar a posição atual do Poder Judiciário, notadamente com o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16/DF, pelo Supremo Tribunal Federal, que, reconhecendo a constitucionalidade do disposto no § 1º, do art. 71, da Lei nº 8.666/93, concluiu pela impropriedade da condenação automática do Poder Público, senão quando efetivamente demonstrado que tenha se omitido do dever de fiscalizar a execução do contrato.
PALAVRAS-CHAVE: terceirização – poder público – responsabilidade subsidiária.
Title: Outsourcing: The subsidiary liability of the government
ABSTRACT: The Statement 331/TST regulates the subsidiary liability of the government, in case of default of labor amounts to contractors through the technique called "outsourcing", which is done by the transference of the production process of the company to a third party, with emphasis on the process of specialization. Beyond the presentation of a concept for the institute, this paper is devoted to examining the current position of the judiciary, especially in the judgment of the Constitutional Declaratory Action No. 16/DF, by the Supreme Court, who, recognizing the constitutionality of provisions of § 1, art. 71 of Law No. 8.666/93, has concluded for the impropriety of automatic condemnation of the government, except when it has effectively demonstrated that the public authorities have omitted from the duty to supervise the execution of the contract.
Key words: Outsourcing. Government. Subsidiary liability.
INTRODUÇÃO
Desde a extinção das “corporações de ofício”[1], por decorrência Revolução Industrial do século XVIII, as relações de trabalho vêm sofrendo contínuas alterações, com vistas a sua adequação às necessidades sociais e empresariais, em parte determinadas pelos avanços tecnológicos alcançados pela sociedade.
Em data relativamente recente, disseminou-se no meio empresarial o fenômeno econômico-jurídico nominado de “terceirização”, assim entendido o processo de descentralização de atividades de determinada empresa, que passa a utilizar-se de interposta pessoa jurídica para a prestação dessa parcela do serviço, antes de conta daquela primeira instituição (tomadora do serviço).
As razões para o mecanismo assentava-se na busca de especialização, na racionalização do processo produtivo, aumento da produtividade, ganho de escala, redução de custos. Assim, pois em vez de cuidar de toda sorte de insumos necessários ao pleno funcionamento, a empresa cuidaria única e exclusivamente do seu produto final. Busca da máxima eficácia, a partir da especialização de seu quadro de pessoal.
Com vistas a delimitar os efeitos deletérios de eventual utilização indiscriminada do mecanismo, a Justiça Trabalhista passou a limitá-lo ao desempenho de atividades-meio, nunca para aquelas qualificadas como atividades-fim, que caracterizam o objeto social da empresa.
No mesmo sentido, o Tribunal Superior do Trabalho editou o Enunciado nº 331/TST, estabelecendo, entre outros, a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, no caso de descumprimento dos direitos do trabalhador, exigindo-se, como condição para a responsabilização do tomador dos serviços, que este tenha efetivamente integrado o polo passivo da demanda.
A prática da “terceirização” alcançou a Administração Pública, que passou a valer-se do instrumento, notadamente pelo disposto no Decreto nº 200/67, art. 10, caput, que propugnava pela descentralização da execução das atividades da Administração Federal, tanto no sentido de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, como para priorizar a realização de tarefas próprias do Estado, com vistas à realização dos seus fins.
Ou seja, no âmbito das entidades de direito público, as atividades relacionadas com vigilância patrimonial, motorista, secretariado, telefonista, mensageria, copeiragem, limpeza, entre outras, passaram a ser desempenhadas por empresas terceirizadas, sem a necessidade de existência de cargo e função pública, sujeitos a regra basilar do concurso público. Representava a um só tempo o predomínio da especialização, como maior flexibilidade para o administrador público na alocação de pessoal para aquelas atividades.
Todavia, se se pode dizer que a terceirização veio ao encontro das aspirações legítimas no âmbito privado, na administração pública encontra alguns obstáculos. Primeiramente, o Estado rege-se por regras e princípios próprios, que condicionam a legitimidade dos atos à plena publicidade. Não só. Na contratação de bens e serviços, o procedimento licitatório é obrigatório.
Neste aspecto, não há liberdade de contratação, pois a vencedora nem sempre será aquela escolhida em decorrência da capacidade de realização dos seus fins. Mas, vale o menor preço praticado.
Não obstante, no caso do tomador do serviço, a Justiça Trabalhista vem impondo um ônus recorrente à administração pública. Vale dizer, ainda que tenha desincumbido de todas as obrigações resultante do contrato, a administração (tomadora do serviço) responderá subsidiariamente pelos encargos trabalhistas, caso haja inadimplência dos encargos trabalhistas, relativamente ao período laborado no órgão público.
De fato, o Enunciado nº 331, da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho, dispõe que “IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial”.
É disso que cuida o presente trabalho. Confrontar a legitimidade das contratações por meio do instituto da terceirização, e a repercussão do instrumento no âmbito das finanças públicas. Em particular, depois de recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que inverte a lógica aplicada reiteradamente pelo Tribunal Superior do Trabalho.
I. DO CONCEITO DA TÉCNICA DE TERCEIRIZAÇÃO
Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, na sua dimensão filosófica, conceito por ser tido como a representação mental de um objeto abstrato ou concreto, que se mostra como um instrumento fundamental do pensamento em sua tarefa de identificar, descrever e classificar os diferentes elementos e aspectos da realidade. Ou ainda, pela noção abstrata contida nas palavras de uma língua para designar, de modo generalizado e, de certa forma, estável, as propriedades e características de uma classe de seres, objetos ou entidades abstratas[2].
Enquanto parte do ramo das Ciências Socais, o Direito utiliza-se de termos técnicos e próprios, que, bem por isso, carregam um sentido e alcance próprios, distintos do senso comum.
Como fenômeno sociológico e jurídico, o termo “terceirização” não se põe como unívoco, razão pela qual a presente análise encampa o ônus de sua noção conceitual, com vistas a localizar o leitor, no universo ora proposto, permitindo-se a compreensão na extensão que se pretende, mormente em face da natureza técnica que deve permear a utilização do instituto.
No ordenamento jurídico pátrio, empregou-se o termo para distinguir a forma de contratação de empregado, na forma da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), porém para atendimento das necessidades de um terceiro, tomador do serviço. O beneficiário da atividade obreira não é o empregador, mas um terceiro, que, por razões próprias, não se dedica à organização da mão de obra, em determinados situações previstas pela legislação vigente. Quer dizer, o empregado não executa suas atividades para atender os interesses direto do empregador, mas para servir a um terceiro diverso. De uma relação bilateral (empregador-empregado), exsurge uma relação trilateral (tomador dos serviços-empregador-empregado), sendo que o obreiro emprega sua força trabalho no exercício de atividades materiais e intelectuais junto à tomadora dos serviços, embora sua relação jurídica de subordinação e vinculação decorra da relação fática e jurídica estabelecida com o prestador dos serviços (terceirizada).
Na doutrina de Sérgio Pinto Martins, a denominação terceirização poderia ser justificado como decorrente da palavra latina tertius, que seria o estranho a uma relação entre duas pessoas. A dizer, a relação entre duas pessoas poderia ser entendida como a realizada entre o terceirizante e seu cliente, sendo que o terceirizado ficaria fora dessa relação, daí, portanto, ser terceiro[3].
Há ainda aqueles que falam em terciarização, em razão da evidenciação do setor terciário (prestação de serviços) entre as atividades econômicas e seus reflexos na racionalização da atividade produtiva[4].
O Dicionário Aurélio define a terceirização como ato ou efeito de terceirizar, consubstanciando-se em “transferir a terceiros atividade ou departamento que não faz parte de sua principal linha de atuação” [5].
No sítio Wikipédia encontram-se algumas definições igualmente úteis para a definição do instituto da terceirização, podendo ser compreendido como “um processo de gestão pelo qual se repassam algumas atividades a terceiros, com os quais se estabelece uma relação de parceria, ficando a empresa concentrada apenas em tarefas essencialmente ligadas ao negócio em que atua.” [Giovanna Lima Colombo] Ou, como a “Prática que permite a empresa abrir mão da execução de um processo e transferir para um terceiro, portador de uma base de conhecimento mais especializada, com o objetivo de agregar maior valor ao produto final. [Leonardo Leocadio] [6]
Então, constitui-se em meio de transferência de atividades, secundárias ao negócio principal, para um terceiro detentor de conhecimento mais especializado, em face da concentração em específicos processos. Assim, libera a tomadora do serviço para que se ocupe de sua atividade-fim, permitindo-se ganho decorrente da dupla especialização, com redução custos, aumento da competividade do seu produto final.
Em geral, a doutrina funda os argumentos para a prática nos ganhos decorrentes da especialização e da manutenção do foco na atividade principal (no negócio finalístico), o que por consequência confere maior valor agregado ao produto final.
Para Amauri Mascaro Nascimento “Sob o prisma empresarial, a necessidade de especialização, o desenvolvimento de novas técnicas de administração para melhor gestão dos negócios e aumento de produtividade e a redução de custos fomentam a contratação de serviços prestados por outras empresas, no lugar daqueles que poderiam ser prestados pelos seus próprios empregados[7]
Ainda, segundo Maurício Godinho Delgado:
“terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido[8].
Nesse sentido, substituindo-se à relação bilateral que consagrou a relação empregatícia, interpõe-se um terceiro na relação, com o fim de promover a satisfação das necessidades do tomador do serviço, sem que a ele se estendam os encargos próprios do empregador, pelos menos formalmente. Trata-se, portanto, como um mecanismo de transferência de atividades secundárias para outra pessoa jurídica, a fim de melhor organizar a mão de obra empresa tomadora dos serviços, que passará a se concentrar em poucas e específicas atividades, que consubstanciam-se a essência do objeto social da empresa.
Diverge, portanto, daquele modelo clássico da relação trabalhista, baseado essencialmente na bilateralidade da relação empregador-empregado. Em consequência, as novas relações jurídicas decorrente dessa estrutura empregado-empregador-tomador dos serviços agrega novos desafios, que determinam a atuação do Estado para a correção de desajustes eventualmente ocorrentes. Esses reflexos serão melhor tratado adiante, quando se examinará a terceirização dentro do atividade da administração pública (federação).
Para concluir, do que foi exposto, resta definir terceirização como forma de organização empresarial (ou melhor, estrutural), que permite a uma empresa transferir a outra suas atividades-meio, proporcionando maior disponibilidade de recursos para sua atividade-fim (realização de atividades essenciais a que se destina), reduzindo a estrutura operacional, diminuindo os custos, economizando recursos e desburocratizando a administração, mediante a contratação de terceiros, para a realização de atividades não essenciais, visando à racionalização de custos, à economia de recursos e à desburocratização administrativa. Portanto, consiste a terceirização na possibilidade de contratar terceiro para a realização de serviço ou atividade que não se constitua objeto principal da empresa (ente).
Note-se, pois essencial para a configuração do expediente (terceirização), não se faz presente qualquer vínculo de subordinação entre o obreiro e o tomador de serviços, pois é exatamente o interposto (prestador de serviços) que se põe juridicamente na posição de se trata.
No caso do setor público, de notar que a contratação de obreiro por via da terceirização só encontra amparo em determinados casos, devidamente excepcionados em leis ordinárias, conquanto a contratação com vínculo (seja estatutário ou celetista), pós promulgação da Carta Magna, pressupõe a realização de concurso público, de provas e de títulos, conforme disposto no inciso I, do art. 37.
De fato, a não previsão em lei, para a terceirização, poderia importar em explícita burla ao princípio do concurso público (subcontratação vedada), haja vista a natureza humana, que sempre encontra brecha para o apadrinhamento e a prática de atos contrários à moralidade e a impessoalidade, essenciais para o desenvolvimento do Estado Democrático de Direito.
II – A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A TERCEIRIZAÇÃO
A nova ordem constitucional, fundada no princípio da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e publicidade, erigiu o concurso público como pedra de toque da Administração Pública. A regra é, pois, a estrita observância do concurso público – concurso de provas e de provas e título – de que trata o art. 37, II, para o ingresso no serviço público.
Então, tratando-se de mecanismo de transposição de atividades-meio – diz-se daquelas que não se constituem nos fins próprios da empresa – na Administração Pública encontra amparo para o desempenho de atividades acessórias, que não sejam peculiares ao Estado. São, portanto, aquelas atividades que apoiam a realização das atividades essenciais ao cumprimento da missão institucional. Visando reduzir a margem para desvio de finalidade, a própria regulamentação do Estado define quais atividades poderão ser objeto de execução indireta.
A propósito do assunto, de ver que a Instrução Normativa MP Nº 2/2008, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, enumera taxativamente quais os serviços que poderão ser objeto de execução indireta (leia-se: terceirizados). Veja:
Art. 7º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.
§ 1º Na contratação das atividades descritas no caput, não se admite a previsão de funções que lhes sejam incompatíveis ou impertinentes.
§ 2º A Administração poderá contratar, mediante terceirização, as atividades dos cargos extintos ou em extinção, tais como os elencados na Lei nº 9.632/98.
§ 3º As funções elencadas nas contratações de prestação de serviços deverão observar a nomenclatura estabelecida no Código Brasileiro de Ocupações - CBO, do Ministério do Trabalho e Emprego. (Incluído pela INSTRUÇÃO NORMATIVA MP Nº 3, DE 15/11/2009).
De observar, pois, que a natureza dos serviços que podem ser terceirizados dizem respeito à atividades que podem ser realizados por particulares, sem qualquer relação de pessoalidade e de subordinação, que bem caracterizam o vínculo empregatício. Aliás, é essa condição exigível para a terceirização, no âmbito da Administração Pública, sob pena de violação de dispositivos constitucionais, v.g. inciso II, do art. 37, CF/88.
Não por outra razão, resta vedado à Administração Pública praticar atos de ingerência na administração da contratada, em especial: (i) exercer o poder de mando sobre os empregados da contratada, devendo reportar-se somente aos prepostos ou responsáveis; (ii) direcionar a contratação de pessoas para trabalhar nas empresas contratadas; (iii) promover ou aceitar o desvio de funções dos trabalhadores da contratada, mediante a utilização destes em atividades distintas daquelas previstas no objeto da contratação; (iv) considerar os trabalhadores da contratada como colaboradores eventuais do próprio órgão ou entidade responsável pela contratação, especialmente para efeito de concessão de diárias e passagens.
Noutra ordem, a regulamentação veda, também, a contratação de atividades que sejam inerentes às categorias funcionais; que constituam a missão institucional do órgão ou entidade; e que impliquem na limitação do exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público, exercício do poder de polícia, ou manifestação da vontade do Estado pela emanação de atos administrativos. Isto porque notadamente o poder de polícia é atividade inerente ao próprio Estado, insuscetível de transferência ou delegação a terceiros que não detenham poder de imperii.
De pronto, pode-se observar que a regulamentação da matéria busca efetivamente evitar qualquer desvio na utilização da técnica instituída, notadamente pela violação de direitos arduamente conquistados pelos empregados, pós Consolidação das Leis do Trabalho, no âmbito do Decreto nº 5.452/43. Em especial, o desvio de função.
De outro lado, busca garantir à Administração Pública meios e instrumentos de delimitar suas obrigações, fazendo valer as contratações de atividades-meio, sem a caracterização do vínculo empregatício, sob pena de ineficácia da técnica de terceirização.
A par das garantias recíprocas, e com o fim de determinar as responsabilidades não só dos entes públicos, mas também e principalmente dos particulares que se valem da técnica de terceirização, no caso de violação dos direitos dos empregados das empresas terceirizadas, o Tribunal Superior do Trabalho fez editar o Enunciado 331/TST, notadamente para a preservação da parte hipossuficiente na relação trilateral empregado-empregador-tomador dos serviços. Veja o que dispõe o Enunciado, verbis:
Contrato de Prestação de Serviços – Legalidade
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). (Revisão do Enunciado nº 256 - TST)
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000) (grifo nosso)
Inicialmente, o Egrégio Tribunal Superior do Trabalho assevera, pois, que a contratação irregular do trabalhador, mediante interposta pessoa, não gera vínculo do empregado com a Administração Pública. Replica, assim, o disposto na Constituição Federal, que condiciona o vínculo de emprego com a Administração Pública à prévia aprovação em concurso público. Como dito anteriormente, trata-se de pedra angular do sistema republicano, em que se exige a impessoalidade na contração pública. É regra, pois, basilar do Estado Democrático de Direito, a que diz respeito à supremacia do interesse público e a moralidade dos atos administrativos. Não se pode utilizar o que é público para beneficiar interesses menores, particulares, em detrimento do coletivo.
Mas, especificamente, o enunciado adentra em aspecto que interessa particularmente no desenvolvimento do presente trabalho, que é revelado pelo conteúdo do inciso IV, ao determinar que o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador (empresa terceirizada e, portanto, fornecedor do serviço), implica a responsabilidade subsidiária do beneficiário da técnica (tomador de serviços), inclusive quanto aos órgãos da administração pública. Indica como condição tão-somente que o ente público tenha participado da relação processual e conste, também, do título executivo judicial expedido pela Justiça Trabalhista.
Em regra, os débitos trabalhistas são de conta do empregador. No entanto, fugindo desse regime ordinário de responsabilidade, segundo o que dispõe o Enunciado, eventuais encargos dessa natureza e, portanto, de conta da empresa terceirizada, poderão ser imputados ao tomador do serviço, ao pressuposto de que tenha concorrido, ainda que por mera culpa, para o estado de inadimplemento ocorrente. Visa, em última análise, a garantia daquele que se põe na relação como hipossuficiente, em especial pelo caráter alimentar próprio do salário de que percebe pela atividade obreira.
Vale dizer, o tomador do serviço, embora não se constitua propriamente em empregador do obreiro, responderá pelos encargos trabalhistas na medida em que tenha usufruído da mão de obra disponibilizada e efetivamente empregada em seu benefício.
O problema não está propriamente na redação do enunciado, mas na aplicação que a Justiça do Trabalho vem conferindo ao tema. Sendo a Administração Pública tomadora dos serviços, a sua condenação pela imputação objetiva, sem demonstração de qualquer grau de culpa, a dizer, independentemente da demonstração de requisitos básicos autorizadores para a configuração de “devedor” da relação jurídica entre terceiros, vem sofrendo as condenações da espécie.
Esse entendimento, além de convergir para violação de dispositivo legal expresso, conduz a um claro desvirtuamento dos recursos públicos. Quando a Administração Pública suporta esse indevido encargo, na realidade é a própria sociedade (no caso o contribuinte) quem efetivamente acaba pagando pela irregularidade.
De fato, sustenta-se que a aplicação do Enunciado n. 331 encontra óbice legal, em face do que se contém no § 1º, do art. 71, da Lei nº 8.666/93, que dispõe:
§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis
Todavia, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho se encaminhou no sentido de garantir a aplicação do Enunciado, independentemente da demonstração de existência de culpa in elegendo, nem tampouco de culpa in vigilando, da Administração Pública, de modo a concorrer para o estado de inadimplência do fornecedor do serviço (terceirizada). Embora fundamente a penalização do tomador dos serviços nas duas modalidades de culpa, são raros os casos em que a Justiça Trabalhista se detém no exame de efetiva culpa do Poder Público.
De fato, é de se considerar totalmente ilegal a aplicação da Súmula 331, IV, do TST, de forma genérica, aos entes da administração pública, como vem ocorrendo de forma concertada na quase absoluta totalidade dos processos instaurados no âmbito da justiça obreira. Assim, pois, para afastar a responsabilidade requer-se do ente um esforço hercúleo, nem sempre realizável em face das peculiaridades que permeiam a execução indireta dos serviços.
De fato, pertinente observar que a edição do Enunciado n. 331, de nítido caráter protetivo da parte tida por hipossuficiente, teve por fundamento a pressuposição de que o inadimplemento, in casu, era decorrência da culpa in eligendo – equívoco da tomadora na escolha do prestador de serviços – bem assim, da negligência do mesmo (tomador do serviço) em promover, ao tempo e de modo eficiente, a fiscalização do cumprimento de obrigações trabalhistas decorrentes da atividade prestada pelo contratado, caracterizando-se, então, a culpa in vigilando. Nesse curso, tendo em conta que foi exatamente o tomador de serviços que se beneficiou das atividades
Conforme anota Otávio Amaral Calvet[9] que é muito comum a invocação ao art. 455, da CLT, para se tentar justificar a responsabilidade subsidiária na terceirização. Todavia, reconhece impróprio invocar a aplicação analógica, porquanto, tratando-se de norma de responsabilização deve ser interpretada restritivamente. Mais, que o referido dispositivo trata da responsabilidade solidária e não é o caso presente, pois, aqui se debate a responsabilidade subsidiária, uma vez que o tomador de serviços só responde pelo inadimplemento na impossibilidade de se alcançar o patrimônio do devedor principal, o prestador de serviços. Conclui o autor afirmando inviável explicar-se a responsabilização subsidiária do tomador de serviços na terceirização em função do art. 455, da CLT.
Então, propõe o autor que o problema deva ser resolvido com fundamento na responsabilidade civil extracontratual, decorrente da culpa in eligendo e de in vigilando, imputável ao tomador de serviços, verbis:
Na sistemática de nosso ordenamento jurídico, a responsabilização depende de conduta culposa (em sentido lato) do agente, somente se admitindo atribuir-se responsabilidade sem exame de culpa em estritas hipóteses legais. Por tal motivo, prevalece a responsabilidade subjetiva (baseia-se na culpa) como regra geral em nosso direito positivo (regra esta mantida pelo novo Código Civil), onde a responsabilidade objetiva (sem culpa) é exceção. Logo, para podermos aplicar a responsabilidade objetiva deve haver norma jurídica com tal previsão, como ocorre nas relações de consumo pela teoria do risco[10].
É cabível, assim, a constatação de culpa in vigilando, que, uma vez caracterizada, poder-se-ia dar azo à eventual condenação pelos encargos de que se tratam. Mas, ainda assim, deve ser garantido o direito da Administração Pública de demonstrar que efetivamente manteve-se vigilante, empreendendo esforços para garantir o cumprimento integral do contratado, mais especialmente em relação aos encargos trabalhistas. De fato, tal prova resta possível mediante a retenção do pagamento de faturas, liberadas com a prova do recolhimento dos encargos e pagamento dos salários, recolhimento do FGTS etc.
Uma vez, demonstrada a atuação proativa da Administração Pública, na adoção de medidas tendentes a evitar, ou ainda para reduzir, o nível de inadimplência do terceirizado, dever-se-ia excluí-la da culpa também em razão da inexistência de desvio do seu dever de vigiar a contratada.
Deve-se, assim, o Administrador Público prestigiar o exercício da vigilância sobre os contratados. Todavia, essa fiscalização tem limites, não podendo a administração substituir-se à ação do empregador, para ditar o tempo e o modo de cumprimento das obrigações próprias, que dizem respeito aos atos de gestão propriamente ditos. De forma mais direta, somente os inadimplementos comprovados podem fundamentar eventual conduta proativa tendente a afetar direitos de terceiros, não servindo a mera desconfiança sobre a capacidade financeira da contratada. E a comprovação nem sempre se apresenta de fácil apuração, pois, de regra a fraude é a tônica nos casos da espécie, haja vista que as amarras legais favorecem a atuação de empresas de oportunistas, organizadas exatamente com o intuito de onerar a administração. E a fraude não ocorre à luz do dia, mas na calada da noite, com o desiderato de fugir-se à fiscalização ordinária.
Então, no curso do vigência do contrato, no obrigatório exercício de fiscalização do contratado, surgindo comprovação de inadimplemento para com os encargos trabalhistas, qual a conduta esperada do administrador público para elidir a responsabilização subsidiária de que trata o enunciado 331/TST?
Decerto a resposta encontra-se no art. 80, caput, inciso IV, com a retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração, exigindo-se prévia demonstração de quitação para a subsequente liberação. Ponto.
Lado outro, na Administração Pública resta impróprio falar-se em culpa in eligendo, pois a ela não é dado o direito de escolher subjetivamente com quem contrata. Vigora o princípio da impessoalidade (Art. 37, caput, CF/88), razão pela qual o contratado submete-se ao procedimento licitatório, com os requisitos objetivos exigíveis pela Lei nº 8.666/93. Não tem, portanto, o administrador o poder de escolha. Fica jungido ao procedimento de seleção ditado pelo legislador. Nesse caso, o requisito idoneidade resulta da habilitação do licitante, na forma do art. 27, da Lei de Licitações.
Segundo Marçal Justen Filho, a habilitação consiste no conjunto de atos orientados a apurar a idoneidade e a capacitação de sujeito para contratar com a Administração Pública.
Os requisitos de habilitação consistem em exigências relacionadas coma determinação da idoneidade do licitante. É um conjunto de requisitos que se poderiam dizer indiciários, no sentido de que sua presença induz a presunção de que o sujeito dispõe de condições para executar satisfatoriamente o objeto licitado....[11]
A afirmação da culpa in eligendo é por demais imprópria, uma vez que a escolha do contratado não é feita livremente, mas mediante obrigatório processo de licitação (art. 37, XXI da CF/88), de sorte que o ente público não escolhe livremente a empresa vencedora, não tendo a faculdade de optar por um dos licitantes, mas é obrigada a escolher entre aqueles que apresentaram a melhor proposta financeira.
Segundo Marcus Vinícius Corrêa Bittencourt “Não é permitido ao Estado livremente contratar, seja para a execução de obras e serviços, seja para adquirir e alienar bens. O regime jurídico-administrativo, como já examinado, determina a necessidade de previamente ocorrer um processo previsto em lei, chamado licitação, para escolher com quem o Pode Público irá contratar”.[12]
A par do contido no Enunciado 331/TST, de ver que a responsabilidade subsidiária fundamenta-se, como visto, na responsabilidade civil decorrente da culpa in eligendo e da culpa in vigilando. Entendimento esse que se consagra ao pressuposto de que a tomadora de serviços tem culpa pela escolha inadequada do prestador de serviços, na medida em que não se mostrou idôneo para o adimplemento dos encargos vinculados ao contrato de prestação de serviços. Também que o tomador operou com negligência, não atuando a tempo de promover a quitação de encargos trabalhistas, mediante a adoção de medidas suficientes para o desiderato.
No âmbito da Justiça do Trabalho, a condenação da administração pública tem-se dado tão-somente pela apuração de que o ente público, tomador de serviços, efetivamente tenha figurado como beneficiário dos serviços do obreiro. Em se comprovando tal situação, haverá ineludível condenação subsidiária, envolvendo montante representativo do período que o órgão valeu-se da atividade material ou intelectual desempenhada pelo reclamante, inclusive pela condenação das multas do art. 467 e 477, da CLT, o que se revela por demais inadequado ante a natureza punitiva de tais encargos.
De fato, nos caso de órgão público, prevalece a responsabilidade, bastando que se demonstre que o mesmo fora beneficiário direto da mão-de-obra do recorrido. Os julgados abaixo representam a quase uniforme jurisprudência sobre o tema. Veja:
“Administração Pública e a responsabilidade subsidiária. O órgão da Administração Pública, Direta ou Indireta, responde, subsidiariamente pelos encargos trabalhistas do empregado de Empreiteira Financiamento, inidônea, em face da ocorrência de sua culpa in eligendo e in vigilando (art. 159 do código civil), haja vista ter sido o trabalho do empregado revertido em seu proveito (TRT/SP 200000058372-RO.AC. 9ª T.20010243717, DOE. 29/05/2001. REL.LAURA ROSSI). (destaque nosso).
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - LEI 008666/93 Alegação(ões): - violação do art. 5º, LIV e LV, 37, caput, XXI, e § 6º da CF. - violação dos arts. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, 186 e 265 do CC. - divergência jurisprudencial. Sustenta que a legislação vigente veda a responsabilização da União, contratante dos serviços, pelos encargos trabalhistas. Consta dos fundamentos do acórdão (fl. 262): O fato de ter sido realizada licitação para a contratação de empresa prestadora de serviço também não tem o condão de afastar a responsabilidade do Ente Público pelo pagamento dos créditos trabalhistas, quando o credor principal deixa de satisfazê-los. A observância, pelo Ente Público, das normas legais pertinentes à licitação pública não lhe retira a responsabilidade subsidiária quanto aos créditos trabalhistas dos empregados da empresa contratada para execução dos serviços. Isso porque deve ser diligente o bastante, contratando empresa idônea, cumpridora de suas obrigações, e fiscalizando tal cumprimento, sob pena de responder por culpa in eligendo e in vigilando . No caso da terceirização que envolva a administração pública e nas hipóteses de inadimplemento de obrigações trabalhistas, o terceiro prejudicado é, de forma clara, o empregado que não recebeu os seus direitos trabalhistas em decorrência do descumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa contratada pelo Ente Público. Este entendimento está sedimentado na jurisprudência do E. TST, pela Súmula n. 331 3, inciso IV, oportunamente citada na sentença de primeiro grau. Denota-se que a Turma decidiu em sintonia com a Súmula nº 331, IV, do TST, o que inviabiliza o seguimento do recurso, pois além da consonância da decisão recorrido com a jurisprudência da Corte Revisora, indica a correta interpretação do ordenamento jurídico (aplicabilidade da Súmula nº 333 do TST). (AIRR-155740-55.2003.5.12.0011 – Publ. DEJT 19/3/2010 – Min. Relatora MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI)
Na prática, a partir da jurisprudência firmada pelo Tribunal Superior do Trabalho, difundiu-se o entendimento acerca do cabimento da responsabilização da Administração Pública, ao fundamento da existência de culpa do contratante (culpa in eligendo e culpa in vigilando), pela simples razão de constituir-se no beneficiário da atividade obreira. Todavia, sem oportunizar ao Poder Público a produção de provas a fim de afastar o argumento.
Nesse estágio, promovia-se a duplicidade do pagamento pelo Poder Público (pagamento indébito). Pagava-se ao honrar as faturas apresentadas pelo contratado; e, pagava-se novamente, quando das condenações subsidiárias, ante o descumprimento dos encargos trabalhistas de conta da terceirizada.
Destarte, a situação tem potencialidade de gerar grave dano aos orçamentos públicos, notadamente pela predominância falso entendimento de que o dinheiro público é “de ninguém”. Na verdade, a prática concorre para o dano coletivo, já que os compromissos do Estado são honrados a partir dos impostos pagos pelos contribuintes. E contribuintes somos todos nós.
Todavia, o que choca de imediato é a inexistência de amparo legítimo para guardar essa manifestação do Poder Judiciário..
De ver que, em relação à culpa in eligendo, já demonstramos alhures que não há direito de escolha do contratado pelo tomador (ente público), jungido que está ao procedimento licitatório. Se a administração contrata mediante regular licitação, não há qualquer culpa in contrahendo, repita-se à exaustão.
No caso da culpa in vigilando, parece justificável permitir-se exauriente demonstração do Poder Público acerca de suas providências relacionadas à fiscalização do contrato. Caracterizada a “falta” de fiscalização, restaria devida a relação de causalidade entre a conduta da Administração Pública e o dano ao obreiro. No entanto, afastada a culpa, não restaria amparo para a condenação subsidiária.
Entende-se que tal desiderato – demonstração de inexistência de culpa – é perfeitamente factível ao contratante. Pode ser alcançado mediante a exigência da demonstração dos recolhimentos fiscais e trabalhistas; depósitos do FGTS; dos comprovantes de pagamento de salários e benefícios; tudo como condição prévia para o regular pagamento das faturas apresentadas. Pode ocorrer por meio da retenção de créditos, quando do surgimento de indícios de inadimplemento. De igual modo, mediante a retenção de créditos decorrentes da execução do contrato, no surgimento de indícios de inadimplemento da espécie.
E, uma vez demonstrada a efetiva diligência do contratante, em relação aos meios ordinários de comprovação do cumprimento dos encargos próprios da relação trabalhista, restaria afastada a culpa in vigilando, fundamento utilizado para a condenação subsidiária. Todavia, há que efetivamente permitir a demonstração de tal diligência, não se comprazendo apenas com a mera formalidade, alegando-se, em toda e qualquer situação, a existência da culpa.
É o que se verifica em poucos julgados da Justiça Obreira, como no excerto seguinte, verbis:
EMENTA: RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – LIMITES
Inexiste, data vênia dos entendimentos em sentido contrário, uma prerrogativa a mais conferida aos empregados que prestem serviços à Administração Pública, por força de vínculo mantido com empresas particulares, representada pela garantia subsidiária daquela. A admitir-se, a tese esposada pela douta Procuradoria Regional ter-se-ia de admitir, também e ainda, que todos empregados tivessem a mesma prerrogativa sob pena de transformar-se a prerrogativa em privilégio. Se a Administração Pública contrata após regular licitação (então sem que possa falar em culpa “in contrahendo”) e não apontada qualquer culpa decorrente do contrato, não pode ser-lhe imputada qualquer co-responsabilidade emrelaçãoa créditodos empregados da empreitada (TRT – 3º R- 3ºT-RO 9550/00-REL. Juiz Carlos Augusto Junqueira Henrique – DJMG 13/02/2.001 p. 11)
Nesse cenário caótico, o Governador do Distrito Federal propôs a Ação Direta de Constitucionalidade Nº 16, distribuída em 7/3/2007, com o fim de ver declarada a constitucionalidade do § 1º, do art. 71, da Lei nº 8.666/93, que estabelece a impossibilidade de imputar à Administração Pública o pagamento dos encargos trabalhistas de responsabilidade do contratado. Perseguiu-se, na ação, a obtenção de liminar com o fim de suspender o julgamento de todos os processos relacionados com a imputação da responsabilidade subsidiária do Estado, visando garantir a utilidade do provimento judicial, relacionado à operatividade da norma legal.
O Supremo Tribunal Federal, por maioria dos votos, julgou procedente a ação, conforme decisão do Plenário, de 24.11.2010. A dizer, não vislumbrou qualquer incompatibilidade da norma contida no § 1º, do art. 71, da Lei nº 8.6666/93, com a Constituição Federal/88.
Porém, não afastou a possibilidade de o poder público ser condenado a indenizar prejuízo gerado a empregado de empresa contratada após processo licitatório. No entanto, restou assentado que eventual condenação deve estar apoiada na comprovação do descumprimento, pelo poder público, das obrigações do contrato, no caso concreto. De outro modo, demonstrada a efetiva diligência da Administração Pública, com vistas a garantir o direito dos empregados da terceirizada, ainda que não suficiente para obstar a caracterizada inadimplência, devia se afastar a responsabilidade do poder público, uma vez ausente a culpa in vigilando.
Afastando-se da imputação objetiva, impõe-se ao Poder Judiciário o dever de examinar, em concreto, eventual responsabilidade civil subjetiva da Administração Pública, de modo a dar ensejo à condenação subsidiária. Exige-se, portanto, o enfrentamento em concreto, de forma a expor a conduta culposa do contratante. Significa, abrir ensanchas para que o poder público apresente as medidas adotadas, na execução do contrato, de modo a concorrer para o cumprimento das obrigações da contratada, em especial em relação aos encargos trabalhistas.
Com o julgado, passou-se a exigir a necessidade de evidenciar que, no descumprimento das obrigações trabalhistas de conta da terceirizada, não concorreu o poder público, mediante comportamento omisso ou irregular de não fiscalizar o contrato, recaindo em típica conduta in vigilando. Todavia, o argumento deve ser enfrentado pelo julgador, mediante o confronto dos elementos probantes da demanda, no caso em concreto.
E qual o impacto da decisão sobre a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho?
Ainda não se tem um diagnóstico apurado sobre os efeitos da decisão. Todavia, as turmas de julgamento começam a se encaminhar para o sentido de exigir dos Tribunais Regionais o exame, em concreto, da culpa in vigilando. Ou seja, diante de recurso sobre julgado que tenha decidido pela condenação subsidiária, algumas turmas do TST tem exigido que o acórdão recorrido tenha enfrentado a questão, de forma clara e específica, afirmando-se, ou não, a existência de atuação omissiva ou irregular do poder público na fiscalização do contrato.
Não trazendo o julgado recorrido o enfrentamento específico acerca da demonstração da culpa in vigilando, é tendência do TST dar provimento aos recursos, para excluir a responsabilidade subsidiária. Se nada dispuser o acórdão recorrido sobre a caracterização da culpa do poder público, parece evidente a negativa de prestação jurisdicional, o que impõe-se a devolução do processo, com o fim de obter manifestação específica do Tribunal ad quem.
Evidencia-se, desse modo, uma interpretação escorreita do ordenamento jurídico, para concluir que a condenação do poder público, enquanto responsável subsidiário aos encargos trabalhistas de terceirizada, não pode ocorrer de forma automática, mas somente nos casos em que, na execução do contrato, a Administração Pública tenha atuado de forma omissa ou irregular, notadamente pela ausência de fiscalização do cumprimento das obrigações de conta da contratada, que tiver reflexos na atuação do beneficiário da mão de obra.
CONCLUSÃO
A técnica da terceirização, como método de descentralização de atividades secundárias, e de aprimoramento do serviço público pelo princípio da especialização, teve campo fértil, no âmbito da Administração Pública.
As contratações por meio desse expediente teve seu campo de desenvolvimento nos serviços de natureza continuada que apoiam a realização das atividades essenciais do Estado.
Nesse sentido, dizem respeito às específicas atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações, na forma da regulamentação em vigor. Serão, portanto, objeto de execução indireta, a dizer por meio da terceirização.
Todavia, o entendimento firmado na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, em especial acerca da aplicação do Enunciado 331/TST, tem sido objeto de inúmeras controvérsias, notadamente pelo impacto nas contas públicas. De fato, a condenação na forma da responsabilização subsidiária, de forma automática do poder público, tem tornado inócuas as medidas pela Administração Pública.
De outro turno, a finalidade perseguida pelo processo licitatório, de obtenção de proposta mais vantajosa para a Administração Pública, concorrendo com a vedação de exigências restritivas do caráter competitivo do certame, impõe severas restrições na escolha do contratado, para a prática no âmbito da Administração Pública.
Assim, com o julgamento recente da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16/DF, espera-se que o Poder Judiciário volte-se para as premissas indispensáveis para a responsabilização civil da Administração Pública, permitindo-se ao poder público demonstrar que, na execução de contrato para execução indireta de atividades secundárias, não agiu com omissão, ou de forma irregular, no cumprimento de suas obrigações legais e institucionais.
Não se pode mais admitir a condenação automática, pois tal conduta não satisfaz ao Estado Democrático de Direito. Afinal de contas, quem efetivamente paga essa conta é o contribuinte; e, como dito alhures, é perverso privatizar o lucro e socializar o prejuízo. É o caso vertente, caso não haja razoabilidade e proporcionalidade na aplicação do direito.
Caso o TST não reformule seu entendimento acerca da matéria, pelo menos em relação à responsabilização subsidiária do poder público, quando não restar evidenciada a sua culpa in vigilando, a única alternativa ao Administrador Público é recorrer ao Supremo Tribunal Federal, como no caso da Reclamação 11.954/RJ. No caso, o Ministro Dias Toffoli julgou procedente a reclamação, para afastar a condenação do Banco Central do Brasil, a pagar verbas trabalhistas devidas por empresa terceirizada prestadora de serviços de vigilância e segurança. Entendeu-se que a decisão atacada contrariava decisão do Supremo, no julgamento da ADC 16/DF.
[1] Associação peculiar á Idade Média, utilizada para organizar o processo produtivo artesanal, baseada na hierarquia dos seus componentes (mestres, oficiais e aprendizes)
[2] HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Sales. Rio de Janeiro: OBJETIVA, 2001. Págs. 783/4.
[3] Direito do Trabalho. 23ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 2007. pág. 171
[4] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 26ª ed.; São Paulo: LTr, 2000. Pág. 166.
[5] Novo Aurélio – O Dicionário da Língua Portuguesa Século XXI. 3ª. ed., Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. 1999, p. 1946.
[6] www.pt.wikipedia.org.
[7] Iniciação do Direito do Trabalho. 26ª ed., São Paulo: Editora Ltr, 2000. Pág. 166.
[8] Curso de Direito do Trabalho, 4ª Ed., São Paulo: Editora Ltr:, 2005. Pág. 428.
[9] CALVET, Otávio Amaral. Responsabilidade Subsidiária na Terceirização. Disponível na internet via WWW/URL: http://www.nucleotrabalhistacalvet.com.br/artigos/ Consulta em 11.12.2012-10:24h.
[10] Idem, idem.
[11] Marçal Justen Filho. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª ed., São Paulo: DIALÉTICA, 2008. p. 374.
[12] Manual de Direito Administrativo, Editora Fórum, 2005. pág. 129.
Procurador Federal em exercício na Procuradoria da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). Com pós-graduação em Direito Processual Civil pela UNISUL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Carlos Afonso Rodrigues. Terceirização: Da responsabilidade subsidiária do Poder Público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2012, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33053/terceirizacao-da-responsabilidade-subsidiaria-do-poder-publico. Acesso em: 26 dez 2024.
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