Preliminarmente, necessário ressaltar que a finalidade primordial da Seguridade Social é garantir os meios de sobrevivência do indivíduo e de sua família quando houver a concretização de riscos sociais, tais como morte, invalidez, doença, idade avançada, entre outros.
Nesse contexto, a seguridade social, em sentido amplo, compreende uma série de ações voltadas à proteção da pessoa humana contra a incerteza dos dias futuros, ou seja, a função imposta à Previdência Social consiste precipuamente em libertar o indivíduo das necessidades.
Pode-se entender, dessa maneira, que o direito à Previdência Social é um dos direitos sociais mais relevantes[1], na medida em que socorrerá o indivíduo em momentos críticos, garantindo, muito provavelmente, os meios de sobrevivência quando lhe faltar condições de obter o seu sustento através do trabalho.
Nos termos do art. 194 da CF/88, a Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativas dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. A doutrina esclarece que,
Pois bem, a expressão seguridade social, como está posta na nossa Carta de Princípios, é o termo genérico utilizado pelo legislador constituinte para designar o sistema de proteção que abrange os três programas sociais de maior relevância: a previdência, a saúde e a assistência social, espécies do gênero seguridade social. Cada uma destas áreas, atualmente, tem a sua política elaborada por um Ministério específico. O sistema de seguridade social, em se conjunto, visa a garantir que o cidadão se sinta seguro e protegido ao longo de toda sua existência, tendo por fundamento a solidariedade humana. A seguridade social é, em última análise, um instrumento através do qual se pretendem alcançar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, arrolado no art. 3º da Constituição, quais sejam: “construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos;” (ROCHA e BALTAZAR JUNIOR, 2009, p. 28).
O indivíduo, ao se transferir à inatividade, muitas vezes goza de grande momento de alegria e satisfação. Entretanto, com o passar o tempo, os proventos percebidos não garantem mais o seu sustento e de sua família, seja pelo aumento das contingências, seja porque a renda mensal do benefício não acompanha o valor dos salários pagos no mercado de trabalho, o que acaba por gerar diminuição do padrão de vida.
Segundo MARTINS, 2004, p. 298,
É a Previdência Social o segmento da Seguridade Social, composta de um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social, mediante contribuições, que tem por objetivo proporcionar meios indispensáveis de subsistência ao segurado e a sua família, contra contingências de perda ou redução da sua remuneração, de forma temporária ou permanente, de acordo com a previsão da lei.
O aposentado que retornar ao mercado de trabalho continua filiado ao Regime Geral de Previdência Social, por força do estabelecido no art. 201 da CF, o que gera o dever de contribuir, sem que haja contrapartida no âmbito do RGPS.
O art. 18, § 2º da Lei 8.213/91, estabelece:
§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997).
A partir desse momento, muitas vezes o aposentado postula a renúncia ao benefício previdenciário que vem percebendo, e a condenação do INSS a conceder-lhes nova aposentadoria, incluindo-se no cálculo da nova Renda Mensal Inicial as contribuições vertidas ao sistema após o retorno ao trabalho.
A aposentação é um procedimento administrativo vinculado cuja finalidade é concretizar o ato de aposentadoria. Ao se adicionar ao termo a expressão“des”o ato segue em sentido inverso, culminando no procedimento administrativo de desconstituição do ato de jubilamento, o que se conhece por desaposentação.
O instituto da desaposentação pode ser definido como a reversão da aposentadoria obtida no Regime Geral de Previdência Social, ou em Regimes Próprios de Previdência de Servidores Públicos, com o objetivo exclusivo de possibilitar o recebimento de benefício mais vantajoso no mesmo ou em outro regime previdenciário.
Hermes Arrais Alencar, em sua obra “DESAPOSENTAÇÃO e o Instituto da “Transformação” de Benefícios Previdenciários do Regime Geral de Previdência Social”, trata do início da utilização da expressão:
Insta assinalar que a desaposentação foi resultado de atividade intelectual firmada pelos profissionais da área do direito previdenciário com o intento de contornar o óbice legal estatuído no artigo 96, inciso III, da Lei 8.213/91, e, assim, admitir o aproveitamento do lapso temporal consistente no tempo de contribuição considerado para aposentadoria requerida no Regime Geral de Previdência Social, para fruição perante Regime Próprio de Servidor Público, no qual o aposentado foi inserido depois do jubilamento. Nesse sentido, Ivani Contini Bramante acentua que por desaposentação compreende-se: “o desfazimento do ato administrativo concessivo do benefício previdenciário, no regime de origem, de modo a tornar possível a contagem de tempo de serviço em outro regime” (ALENCAR, 2011, p. 77).
Adiante, esclarece o autor,
...os tribunais pátrios acolheram a tese da desaposentação do benefício, consistente no requerimento formulado pelo aposentado, no Regime Geral, de desfazimento do ato de aposentadoria, para efeito de averbar o tempo de contribuição, vertido na iniciativa privada, no Órgão Público no qual ingressou depois de aposentado, e obter (esse é o real desejo) nova aposentadoria no Regime Próprio de Servidor Público, onde não há limitação ao teto do Regime Geral.
Eis que surge novo conteúdo à roupagem da desaposentação, passou a doutrina a admiti-la, também, para fins de obtenção de nova aposentadoria no mesmo regime de previdência. Agora, os pedidos de desaposentação são formulados em juízo buscando a renúncia da atual aposentadoria para efeitos de percepção de nova aposentadoria, no mesmo regime de previdência, considerando-se neste novel requerimento o tempo de contribuição anterior e posterior à primeira aposentadoria (ALENCAR, 2011, p. 77/78).
Portanto, verifica-se que o instituto surgiu primeiramente para contornar dispositivo legal que veda a contagem de tempo de serviço em um regime, quando já utilizado em outro (art. 96, III da Lei 8.213/91). Após, os operadores do direito aplicaram o instituto em outro sentido, ou seja, propondo ações judiciais com o intuito de obter nova concessão de aposentadoria perante o mesmo regime, mais vantajosa, considerando que o jubilado continuou a trabalhar e verter contribuições ao RGPS.
A desaposentação no mesmo regime previdenciário, geralmente o RGPS, é requerida pelo segurado que após aposentar-se continua trabalhando por vários anos, recolhendo contribuição, em razão da previsão constante no artigo 12, § 4º, Lei nº 8.212/91, Lei de Custeio, sem que isso gere acréscimo em seu benefício.
A filiação obrigatória ao RGPS, aliado a necessidade de retorno ao mercado de trabalho do aposentado, buscando melhores condições de vida, leva à compreensão do motivo fático pelo qual os segurados buscam na justiça o recálculo do benefício de aposentadoria, se utilizando do instituto conhecido como “desaposentação”.
Entretanto, a desaposentação não possui previsão legal. O Decreto 3.048 de 6 de maio de 1999, art. 181-B, veda a renúncia da aposentadoria.
Art. 181-B.As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis.(Incluído pelo Decreto nº 3.265, de 1999) (grifo nosso)
Pode-se considerar que o intuito da desaposentação é liberar o tempo de contribuição utilizado para a aquisição da aposentadoria, de modo que esse tempo reste livre e desimpedido para averbação em outro regime ou mesmo para obter a concessão de benefício no mesmo regime, o que ocorre quando o segurado após aposentar-se continua laborando e recolhendo contribuições, pois é segurado obrigatório do RGPS, conforme exposto.
As aposentadorias por idade, por tempo de contribuição e especial podem ser objeto da desaposentação. A renúncia é mais comum nos caos de aposentadoria por tempo de contribuição, pois é o benefício onde os segurados geralmente aposentam-se mais novos, e em muitos casos retornam ao mercado de trabalho. Assim, devido a sua idade e a aplicação do fator previdenciário, seus benefícios são reduzidos, e consequentemente há uma diminuição no padrão de vida.
Convém esclarecer que,
Todavia, administrativamente, o segurado somente pode desistir de seu pedido de aposentadoria (por tempo de contribuição, por idade ou especial) desde que manifeste essa intenção e requeira o arquivamento definitivo do pedido antes do recebimento do primeiro pagamento do benefício, ou de sacar o respectivo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço ou até trinta dias do processamento do benefício. Prevalecendo o que ocorrer primeiro segundo o artigo 181-B do Decreto 3.048.
Ultrapassados referidos prazos, torna-se a aposentadoria por tempo de contribuição (bem como por idade e especial) irreversível e irretratável (ALENCAR, 2007, p. 406).
De acordo com o texto do Decreto n.º 3.048/99, a desaposentação é vedada. Não obstante tal fato, os aposentados recorrem ao INSS e, principalmente, ao Poder Judiciário, postulando seja desfeito o ato de aposentação, sob a alegação de que se trata de direito disponível.
Ao administrador, em razão da aplicação do princípio da legalidade, somente é permitido realizar atos de acordo com a previsão legal, entendida esta em sentido amplo, incluindo os Decretos. Delimitamos o estudo aos casos de utilização do instituto visando desconstituir o ato de aposentadoria, para obtenção de benefício mais vantajoso perante o mesmo sistema, ou seja, RGPS.
O legislador ordinário, ao editar o artigo 18, § 2º, da Lei 8.213/91, procedeu à escolha das prestações oferecidas aos aposentados do Regime Geral da Previdência Social que retornam à atividade, obedecendo, assim, ao comando do artigo 194, parágrafo único, III, da CF/88.
A Constituição da República, embora assegure o direito à seguridade social, nela incluída a previdência social, estabelece princípios protetivos do sistema (artigo 194 e parágrafo único), em especial, a equidade na forma de participação no custeio (inciso V), até mesmo para garantir a continuidade do sistema e, consequentemente, a proteção do cidadão amparado pelo RGPS.
Em seu artigo 3º a CF estabelece o dever de solidariedade de todos os brasileiros. Prevê, também, em seu artigo 201, a observância do caráter contributivo da previdência social e da necessidade de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial.
O reconhecimento da possibilidade de utilização do instituto conhecido como “desaposentação” afronta o dever de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, uma vez que se estaria beneficiando duplamente um segurado em detrimento de toda a sociedade e do próprio sistema. Além disso, há ofensa direta ao princípio da legalidade, considerando a previsão contida no art. 181-B do Decreto 3.048/99.
Portanto, uma vez concedida a aposentadoria ao segurado, o ato jurídico se torna perfeito, não podendo requerer a renúncia ao benefício, sob pena de ofensa ao ato jurídico perfeito, protegido constitucionalmente (art. 5º, XXXVI).
O entendimento de que é possível que o aposentado renuncie ao benefício que recebe atualmente, para recebimento de outro, deve considerar que qualquer pretensão nesse sentido exige necessariamente que os valores recebidos sejam devolvidos aos cofres públicos, sob pena de ofensa direta à Constituição Federal, ferindo o equilíbrio financeiro e atuarial do Regime Geral de Previdência Social.
Portanto, caso se entenda que a desaposentação é possível, retroação é medida que se impõe, devendo as partes retornar ao status quo ante, procedendo-se o ex-aposentado à devolução de todas as quantias, devidamente corrigidas, percebidas desde o início da aposentadoria até a cassação judicial, para que seja possível o cancelamento do benefício no sistema informatizado do INSS, e não sua mera suspensão.
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 3.ed., São Paulo: Leud, 2007.
__________. Desaposentação e o instituto da “transformação” de benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social. São Paulo: Conceito, 2011.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social. 20.ed., São Paulo: Atlas, 2004.
ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 9.ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
[1] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)
Procuradora Federal. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARTURI, Claudia Adriele. Seguridade social, desaposentação e equilíbrio financeiro e atuarial do sistemaprevidenciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2012, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33060/seguridade-social-desaposentacao-e-equilibrio-financeiro-e-atuarial-do-sistemaprevidenciario. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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