A estreia da expressão “previdência social”no texto da Constituição Federal de 1988 se encontra no art.6º, o qual dispõe:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010) (grifo nosso)
Tal dispositivo constitucional revela prestações positivas exigíveis do Estado, compreendidas como necessidades fundamentais da pessoa humana.
No Brasil, a previdência social compreende duas ordens de regime: os regimes públicos obrigatórios e os privados, de caráter complementar e facultativo. Nos regimes públicos situam-se o regime geral de previdência social – RGPS, e os regimes próprios de previdência, constituídos pela União, pelos Estados e pelos Municípios para os seus servidores ocupantes de cargos efetivos. O RGPS é regulado pela Lei 8.213 de 1991, sendo o INSS, autarquia federal, responsável pela sua concretização.
A previdência complementar, organizada de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, é facultativa, com fundamento nas disposições do art. 202 da CF/88, tendo sua linha mestra estabelecida na LC 109 de 2001. Convém esclarecer que os servidores públicos comissionados, sem vínculo efetivo com a administração, ocupantes de empregos públicos, cargos temporários e eletivos, se submetem ao RGPS.
Com relação ao RGPS,esclarece a doutrina:
No Brasil, o regime geral de previdência social, de gestão pública, está baseado no chamado sistema de repartição simples, caracterizado pela transferência de renda entre indivíduos da mesma geração, com os trabalhadores em atividade financiando os inativos, com fundamento no princípio do solidarismo (CF, art. 3º, I).
No sistema de repartição, é fundamental a taxa de dependência, ou seja, a relação entre o número de trabalhadores ativos e inativos, a qual tende a diminuir com o envelhecimento da população, pois há menos nascimentos, e as pessoas estão vivendo mais em decorrência da melhoria da qualidade de vida e dos avanços da medicina. Esta taxa era de 8 trabalhadores para um inativo em 1950 e 2,3 para 1 em 1990. Com as atuais alíquotas, estima-se que a taxa ideal seria de 4 por 1, para manter o equilíbrio atuarial (ROCHA e BALTAZAR JUNIOR, 2009, p. 30).
O Título VIII da Constituição Federal trata da ordem social, sendo que o capítulo I diz respeito à disposição geral, traduzido pelo art. 193: A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
O capítulo II se refere à seguridade social, a qual compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, nos termos do art. 194, incluso nas disposições gerais, seção I.
A Previdência Social encontra regulamentação específica na Seção III, artigos 201 e 202.
Convém esclarecer que,
A seguridade social foi constitucionalmente subdividida em normas sobre a saúde, previdência social e assistência social, regendo-se pelos princípios da universalidade da cobertura e do atendimento, da igualdade ou equivalência dos benefícios, da unidade de organização pelo Poder Público e pela solidariedade financeira, uma vez que é financiada por toda a sociedade (Moraes, 2004, p. 686).
Horvath Júnior (2010, p. 139) entende o Direito Previdenciário como Direito Público Subjetivo. Assim, esclarece o autor que “A natureza de direito subjetivo permite ao sujeito de direito o exercício do direito de ação sempre que a relação trilateral entre o titular, o destinatário e o objeto do direito se fizerem presentes.”
Quando se fala em Previdência Social no contexto constitucional, necessário também estudar os princípios que regem a seguridade social, bem como os princípios próprios da previdência social.
Os princípios não são estáticos, e sua exegese e aplicação acompanham os rumos da evolução social. Poderão ser encontrados no texto da lei de forma explícita, ou decorrer do sistema, ou seja, estarem implícitos. Assim, mesmo quando não estão expressos, é possível sentir as suas irradiações contaminando todo um ordenamento jurídico. Em alguns casos, alguns desses princípios podem não se limitar a servir de inspiração da edição de normas jurídicas, culminando por serem incorporados a um ordenamento, o que lhes acentuará sua força coercitiva.
Vale esclarecer que
A doutrina moderna tem-se detido, para a obtenção do melhor processo de interpretação, no estudo da configuração das normas jurídicas. Segundo tal doutrina – nela destacados os ensinamentos de ROBERTO ALEXY E RONALD DWORKIN – as normas jurídicas admitem classificação em duas categorias básicas: os princípios e as regras. As regras são operadas de modo disjuntivo, vale dizer, o conflito entre elas é dirimido no plano da validade: aplicáveis ambas a uma mesma situação, uma delas apenas a regulará, atribuindo-se à outra o caráter de nulidade. Os princípios, ao revés, não se excluem do ordenamento jurídico na hipótese de conflito: dotados que são de determinado valor ou razão, o conflito entre eles admite a adoção do critério da ponderação de valores (ou ponderação de interesses), vale dizer, deverá o intérprete averiguar a qual deles, na hipótese sub examine, será atribuído grau de preponderância.Não há, porém, nulificação do princípio postergado; este, em outra hipótese e mediante nova ponderação de valores, poderá ser o preponderante, afastando-se o outro princípio em conflito. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 18)
Princípios da seguridade social
Os princípios que regem a seguridade social no Brasil vêm elencados no parágrafo único do art. 194 e art. 195 da CF/88.
Diz o art. 194 e parágrafo único:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - eqüidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Trataremos apenas dos principais princípios, implícitos ou explícitos:
a) Princípio da solidariedade: trata-se de princípio implícito. Para melhor entender o conceito, transcrevemos lição doutrinária,
O princípio fundante de um sistema de seguridade social é o da solidariedade. O art. 3º, inc. I, da Constituição Federal estabelece que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
A aplicação isolada deste princípio, com a assunção do custeio do sistema previdenciário pelo Estado, através das receitas tributárias gerais, desconfiguraria a finalidade do sistema protetivo, trazendo como resultado a diminuição da segurança social em face da socialização da pobreza.
(...)
Solidariedade social significa a contribuição do universo dos protegidos em benefício da minoria. Precisamos eliminar a idéia de que os benefícios previdenciários só são concedidos a quem está em situação de impossibilidade de obtenção de recursos para sustento pessoa e de sua família, pois isto não corresponde à totalidade das situações. O sistema protetivo visa amparar necessidades sociais que acarretam a perda ou a diminuição de recursos, bem como situações que provoquem o aumento de gastos. No momento da contribuição, é a sociedade quem contribui; no momento da percepção da prestação, é o indivíduo que usufrui. Daí vem o pacto de gerações ou princípio da solidariedade entre gerações. Os não necessitados de hoje, contribuintes, serão os necessitados de amanhã, custeados por novos não necessitados que surgem. (HORVATH JÚNIOR, 2010, p. 81/83) (grifo nosso)
Pode-se concluir, assim, que todo e qualquer sistema de seguridade social se fundamenta na solidariedade. Este, por sua vez, tem como limite o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento.
b) Universalidade da cobertura e do atendimento: segundo esse princípio, a proteção social deve alcançar todos os eventos cuja reparação seja premente a todos que necessitem. Ressalta-se que em relação à previdência social, deve ser obedecido também o princípio contributivo. Nesse sentido,
O princípio da universalidade, o qual também inspira a organização da seguridade social, irá adquirir algumas tonalidades específicas na previdência, na assistência e na saúde. Quando se cogita da previdência social, não se prescinde da necessária participação econômica do segurado, sem a qual o sistema não seria viável, razão pela qual estamos frente a uma universalidade mitigada. (ROCHA e BALTAZAR JUNIOR, 2009, p. 35)
c) Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais: tanto as populações urbanas quanto a rurais terão acesso a idênticos benefícios e serviços para os mesmos eventos cobertos pelo sistema. Assim, há apenas um único regime de previdência social, que não mais distingue trabalhadores urbanos e rurais.
Marina Vasques Duarte, em sua obra Direito Previdenciário, ao tratar do histórico da Previdência Social no Brasil, faz referência à CF/88, nos seguintes termos:
Entretanto, apenas a Constituição Federal de 1988, cujas determinações foram regulamentadas nas Leis n.º 8.212/91 e 8.213/91, é que se unificou o sistema previdenciário de todos os trabalhadores da iniciativa privada, rural ou urbana, criando-se o Regime Geral de Previdência Social (DUARTE, 2007, p. 25/26).
d) Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços: segundo o princípio da seletividade, o legislador seleciona os riscos sociais a serem cobertos, consagrando um critério distintivo para a escolha das prestações previdenciárias disponibilizadas, bem como definição da clientela a ser atendida. Em resumo, há a seleção das contingencias sociais que serão cobertas pelo sistema de proteção social em face de suas possibilidades financeiras, porquanto os recursos são finitos e as necessidadesinfinitas.
O princípio da distributividade tem por escopo eleger as necessidades mais prementes que deverão ser satisfeitas prioritariamente. Assim, após cada um ter contribuído com o que podia, dá-se a cada um de acordo com as suas necessidades. Conclui-se que quando o princípio da distributividade é vislumbrado sob o aspecto da seguridade social, então inclusive permitirá que determinadas prestações não sejam alcançadas a quem não tiver necessidade.
e) Irredutibilidade do valor dos benefícios: com esse princípio, busca-se impedir a diminuição dos valores nominais das prestações previdenciárias. Uma vez definido o valor devido a título de prestação previdenciária, este não pode ser reduzido nominalmente, salvo se houver erro na sua concessão. Outro aspecto, dentro dessa perspectiva, o art. 201, § 4º, da CF, estabelece o reajustamento periódico dos benefícios, de modo a preservar-lhes, em caráter permanente, o seu valor real, evitando que a inflação alvitre o poder aquisitivo dos aposentados e pensionistas.
f) Equidade na forma de participação no custeio: concretizado no art. 195 da CF/88 quando determina que a Seguridade Social será financiada pelo Estado e por todo a sociedade. Também é denominado princípio da solidariedade contributiva. Nesse contexto, a responsabilidade pela manutenção financeira é compartilhada entre Estado e sociedade civil.
g) Diversidade da base de financiamento: este princípio complementa o princípio anterior, significando que a base de financiamento não se concentrará em uma só fonte de tributos, sendo distribuída entre o maior número possível de pessoas capazes de contribuir. Atende aos princípios da capacidade contributiva e proporcionalidade, este de ordem tributária.
h) Caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados: art. 194, parágrafo único, VII da CF. O próprio texto da Constituição já explica o princípio.
i) Precedência da fonte de custeio: o §5º do art. 195 da CF dispõe que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
j)Orçamento diferenciado: de acordo com art. 165, §5º, III e art. 195, §§1º e 2º, a Constituição estabelece que a receita da Seguridade Social constará de orçamento próprio, distinto daquele previsto para a União Federal, sendo vedada a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I “a” e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS (art. 167, XI, da CF, acrescentado pela EC 20/98).
A Previdência Social é apenas uma das atuações da Seguridade Social, aplicando-se os princípios acima elencados. Além desses, há também os princípios específicos da Previdência Social.
Princípios da Previdência Social
Trataremos dos principais princípios da Previdência Social especificamente.
a) Filiação obrigatória: exercendo o trabalhador uma das atividades elencadas no art. 12 da Lei 8.212 de 1991 ou no art. 11 da Lei 8.213 de 1991, não estando amparado por outro regime próprio referente àquela atividade, há vinculação obrigatória ao RGPS.
b) Caráter contributivo: o art. 201 da CF/88 estabelece o caráter contributivo da Previdência Social.
c)Equilíbrio financeiro e atuarial: também previsto no caput do art. 201 da CF. A preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema faz com que seja observada a relação entre custeio e pagamento de benefícios, a fim de mantê-lo em condições regulares, ou seja, em condições superavitárias.
Segundo Mendes, Coelho e Branco, 2008, p. 1368,
Noutras palavras, à luz desse princípio – ou equilibramos a relação receitas/despesas do sistema previdenciário, para tanto exigindo mais rigor nos cálculos atuariais e corrigindo as gritantes distorções em matéria de benefícios, como a concessão de aposentadorias que, além de precoces à vista da crescente expectativa de vida dos segurados, ainda são pagas, sobretudo no setor público, em quantias superiores aos valores das contribuições recolhidas para custeá-las-, ou inviabilizaremos a nossa mais extensa rede de proteção social, com efeitos que não podem ser antevistos nem pelos mais clarividentes cientistas sociais. Nessa ordem de medidas, é de maior urgência, também, a inclusão no sistema dos que atuam na chamada economia informal, porque além de não participarem do custeio da seguridade social, ainda assim por ela deverão ser atendidas – como beneficiários da assistência social – quando envelhecerem ou se tornarem inválidos.
d) Garantia do benefício mínimo: estabelece o art. 201, §2º da CF que nenhum benefício que substitua o salário-de-contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo.
e) Correção monetária dos salários-de-contribuição: quanto a este princípio, transcrevemos:
Tendo em vista que o módulo básico, salário-de-benefício, é composto pela média dos salários-de-contribuição em um determinado período, a aplicação deste princípio tem por objetivo possibilitar a concessão de um benefício – tanto quanto possível, e respeitado um limite máximo – próximo da renda que era auferida pelo segurado. (ROCHA e BALTAZER JUNIOR, 2009, p. 37).
f) Preservação do valor real dos benefícios: para os benefícios previdenciários, garante-se a preservação do valor real dos benefícios. Entretanto, este princípio será concretizado conforme critérios definidos em lei, sem que seja possível atrelar o reajuste dos benefícios previdenciários pelos mesmos índices e condições dos reajustes do salário mínimo. O at. 7º, IV, da CF, veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim.
g) Princípio da comutatividade: o art. 201, §9º da CF garante a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos sistemas de previdência social se compensarão financeiramente.
h) Previdência Complementar facultativa: de acordo com o art. 202 da CF, admite-se a participação da iniciativa privada na atividade securitária, em complemento ao regime oficial, e em caráter facultativo para os segurados.
I)Indisponibilidade dos direitos dos beneficiários: os benefícios previdenciários têm caráter alimentar, e como tal são inalienáveis, impenhoráveis e imprescritíveis.
Por meio do presente estudo, não se pretende esgotar o tema, mas apenas expor algumas questões acerca da previdência social no contexto constitucional, bem como sobre os princípios que regem a seguridade social e a previdência social especificamente.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
DUARTE, Marina Vasques. Direito Previdenciário. 5.ed., Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007.
HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 8.ed., São Paulo: QuartirLatin, 2010.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social. 20.ed., São Paulo: Atlas, 2004.
__________. Direito da Seguridade Social. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2008.
MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 15.ed., São Paulo: Atlas, 2004.
ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 9.ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARTURI, Claudia Adriele. Previdência social no contexto constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2012, 07:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33076/previdencia-social-no-contexto-constitucional. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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