O poder econômico representa uma concepção de “natureza política”, já que é uma das manifestações do Poder. Direitos e obrigações se contrapõem, desde a imposição do domínio absoluto até mesmo os relacionamentos mais democráticos e igualitários.
Exatamente em decorrência dessa concepção política é que o Poder Econômico torna-se matéria de grande importância e interesse para o Direito Econômico e, por conseqüência, do Direito da Concorrência. Neste sentido estão as lições do Professor WASHINGTON PELUSO ALBINO DE SOUZA:
“Na sociedade organizada de nossos dias, após toda uma evolução multi-milenar em torno de tais interesses e o aperfeiçoamento das instituições políticas e jurídicas que lhe dizem respeito, o Direito Econômico preocupa-se em determinar-lhe as regras que corrijam as distorções elaboradas durante o longo período de sua consolidação. O condicionamento da política econômica à ‘ideologia constitucionalmente adotada’ é o caminho seguro para evitar a imposição das formas absolutistas de dominação econômica. O próprio Estado de Direito, do Liberalismo, não conseguiu desfazê-las. Revelam-se nas estruturas coloniais e nos expedientes das fórmulas da livre concorrência”.[1]
O poder, ou seja, a capacidade de agir, tem como elemento fundamental a ação. Não necessariamente esta ação deve ser praticada, podendo se assinalar apenas como potencial. Assim, o poder pode se materializar por ambas as formas, sem nenhum prejuízo para a sua distinção.
Esta ação efetivada, ou apenas com capacidade de se efetivar, na atividade econômica é caracterizada como poder econômico. Este poder é tão associado àquela atividade que acaba por se tornar conteúdo econômico das normas de Direito Econômico e, assim, de Direito da Concorrência.
G. FARJAT conceitua, brilhantemente,poder econômico:
“O poder econômico consiste na possibilidade de impor sua vontade a pessoas juridicamente autônomas”.[2]
Já o festejado jurista MODESTO CARVALHOSO preleciona:
“Capacidade de opção econômica independente, naquilo em que essa capacidade decisória não se restringe às leis concorrenciais de mercado. Titular do poder econômico, portanto, é a empresa que pode tomar decisões econômicas apesar ou além das leis concorrenciais do mercado”.[3]
O Professor da Faculdade de Direito da UFMG, JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA, comenta acerca desse fenômeno:
“As empresas privadas, com a tendência (aliás, incentivada) à concentração, passam a adquirir maior soma de poder do que os demais integrantes do mercado, o qual passa assim a constituir-se das grandes empresas, das pequenas e médias empresas, dos trabalhadores e dos consumidores. Essa maior soma de poderes concentrados nas mãos desses conglomerados vai então atuar como um verdadeiro poder econômico privado, que tende, para a sua própria afirmação, a constituir uma ordem econômica privada, que se imporá sobre outros integrantes”.[4]
Para uma melhor elucidação da matéria, faz-se necessário distinguir dois conceitos jurídicos de grande importância para o Direito da Concorrência: mercado relevante e posição dominante.
Mercado Relevante
No sistema capitalista, mercado é considerado como o único e grande espaço econômico onde se realizam as trocas de toda a sociedade e onde são ofertadas e procuradas as mais diversas espécies de produtos.
A capacidade de influir nos preços do mercado depende do nível de concorrência enfrentado por cada player. Entretanto, não são todos os produtos concorrentes entre si.
No Direito da Concorrência, não podemos falar na existência de apenas um mercado, e sim de vários interrelacionados, em maior ou menor grau. Assim, ao falar de um mercado de alimentos, pode-se referir a um mercado de carnes, mas ainda ao de carne bovina, ao de carne suína, ao de aves, mercados estes em que há um maior ou menor nível de concorrência entre os agentes econômicos. Nesta mesma linha de raciocínio, o produtor de automóveis, por exemplo, não integra este mercado de alimentos e, por isso, não tem possibilidade de exercer poder econômico nele.
Observa-se, então, que na análise das questões relacionadas a atos anticoncorrenciais, é necessário verificar quais produtos concorrem entre si, delimitando, pois o mercado relevante.
Importante citar o conceito de mercado relevante recebeu a sua primeira conceituação pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América em decorrência do caso United States v. E. I. Du Pont de Nemours&Co., conforme a tradução do Professor JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA:
“Mercado relevante é composto de produtos que razoavelmente podem ser substituídos um pelo outro quando empregados nos fins para os quais são produzidos – levando em consideração o preço, a finalidade e a qualidade deles”.[5]
Importante, ainda, a observação realizada por SÉRGIO VARELLA BRUNA:
“Eis a gênese do conceito de mercado relevante, termo que constitui um anglicismo, decorrente da tradução literal da palavra relevant, cujo sentido, ao contrário de relevante, não é o de importante (ou aquele que tem relevo), mas sim o de pertinente ou correspondente. Assim, mais do que o mercado importante, o conceito de mercado relevante denota algo como mercado relevativo, ou mercado pertinente, no qual os produtos dele integrante são, em conjunto, objeto da concentração de ofertas e procuras que caracterizam a própria noção econômica de mercado”.[6]
Ressalta-se, ainda, que a oferta e a procura são elementos de grande importância para a caracterização do mercado relevante. A possibilidade de substituição de produtos, bem como a facilidade para a entrada de novos concorrentes, indubitavelmente interferem no mercado relevante.
A maior ou menor intensidade com que os consumidores exerçam a sua opção entre um ou outro produto, segundo variações de preço, será expressa pelo índice de elasticidade cruzada da procura, ou seja a razão das variações da procura por um determinado produto em função de variações no preço de outro produto.
Já em relação à oferta, o mercado relevante poderá sofrer interferência de duas formas diferentes. A primeira, através da inclusão no mercado relevante de agentes que, mesmo não participantes do mercado, possam facilmente redirecionar a sua produção, passando a produzir bens semelhantes, atraídos por um eventual aumento de preços. A segunda, quando tais agentes não sejam incluídas no mercado relevante, mas a facilidade de seu ingresso em tal mercado seja considerada sob o aspecto de baixas barreiras à entrada, limitadoras do poder econômico do player analisado.
Por fim, frise-se a necessidade de delimitar o mercado relevante também em função da sua dimensão geográfica, ou seja, determinar a área em que as empresas nela situadas tenham uma vantagem de custo sobre as empresas localizadas fora dessa mesma área. Alguns fatores, como os custos de transporte, valor unitário do produto e a magnitude do aumento hipotético de preços, são de extrema importância para a delimitação geográfica.
Posição Dominante
A Lei nº 8.884/94, em decorrência de uma forte influência do Direito Europeu, adotou expressamente o termo posição dominante como infração à ordem econômica. Inclusive, a referida Lei, em seu art. 20, §2º e §3º, conceituou expressamente o termo posição dominante:
“Art. 20 – (...)
§2º - Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa.
§3º - A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia”.
Ressalta-se que a Lei Brasileira acabou por admitir a existência de poder dominante coletiva, já que se refere a empresa ou grupo de empresas.
SÉRGIO VARELLA BRUNA, em sua dissertação de mestrado, conceitou o termo em tela:
“Assim, sumarizando, pode-se dizer que posição dominante é aquela que confira a seu detentor quantidade substancial de poder econômico ou de mercado, a ponto de que possa ele exercer influência determinante sobre aconcorrência, principalmente no que se refere ao processo de formação de preços, quer atuando sobre o volume da oferta, quer sobre o da procura, e que lhe proporcione elevado grau de independência em relação aos demais agentes econômicos do mercado relevante”.[7]
Vale ressaltar que o dimensionamento do poder de mercado no ordenamento jurídico pátrio não é realizado unicamente através do critério de participação ou marketshare. Associado a ele, o legislador brasileiro optou também pelo critério do faturamento para fins de obrigatoriedade de submissão ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência dos atos de concentração econômica:
“Art. 54 – (...)
§ 3º. Incluem-se nos atos de que trata o caput aqueles que visem a qualquer forma de concentração econômica, seja através de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de agrupamento societário, que implique participação de empresa ou grupo de empresas resultante em 20% (vinte por cento) de um mercado relevante, ou em que qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais)”.
Entretanto, no tocante ao caráter absoluto ou relativo dos critérios para a caracterização da posição dominante, frise-se novamente as lições do que a liberdade de iniciativa, por ser uma liberdade pública, impõe a adoção da interpretação mais branda, que privilegie a liberdade.
Dessa forma, a apuração do grau de participação de mercado, principal elemento em que se baseia a análise antitruste, é complexa em decorrência de inúmeras nuances. A previsão dos impactos anticoncorrenciais não faz parte de uma ciência exata, pois uma série de fatores deve ser levada em conta, muitos dos quais podem ser avaliados aproximadamente.
[1]SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras Linhas de Direito Econômico. 3ª Edição, São Paulo: Editora LTR, 1994.
[2]VAZ, Isabel. Direito Econômico das Propriedades. 2ª Edição, Rio de Janeiro; Ed. Forense, 1993.
[3] BRUNA, Sérgio Varella. Poder Econômico e a Conceituação do Abuso em seu exercício. 1ª Edição, São Paulo: Editora RT, 1997.
[4]FONSECA, João Bosco Leopoldino. Lei de Proteção da Concorrência – Comentários à Lei Antitruste. 1ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998.
[5]FONSECA, João Bosco Leopoldino. Lei de Proteção da Concorrência – Comentários à Lei Antitruste. 1ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998.
[6] BRUNA, Sérgio Varella. Poder Econômico e a Conceituação do Abuso em seu exercício. 1ª Edição, São Paulo: Editora RT, 1997.
[7] BRUNA, Sérgio Varella. Poder Econômico e a Conceituação do Abuso em seu exercício. 1ª Edição, São Paulo: Editora RT, 1997.
Mestre em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da UFMG. Ex-Subprocurador-Geral Federal Substituto. Ex-Chefe de Gabinete da Procuradoria-Geral Federal. Ex-Membro do Conselho Consultivo da Escola da AGU. Ex-Coordenador-Geral de Administração das Procuradorias da PFE/INSS. Ex-Chefe da Divisão de Planejamento e Gestão da Procuradoria-Geral Federal. Ex-Chefe do Serviço de Matéria Administrativa da Procuradoria-Regional do INSS da 1ª Região.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AGUIAR, Bernardo Augusto Teixeira de. O Poder Econômico no direito brasileiro - breve síntese Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2012, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33084/o-poder-economico-no-direito-brasileiro-breve-sintese. Acesso em: 23 dez 2024.
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