O artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal proclama que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. A assistência jurídica integral e gratuita, portanto, é umdireto consagrado constitucionalmente àquele indivíduo que comprovar que sua situação econômica não lhe permite pagar as custas do processo e oshonorários de advogado, semprejuízo do seu próprio sustento ou da sua família. Esse é o conceito de necessitado, para fins legais, exibido pela Lei nº 1.060/50, artigo 2º, parágrafo único.
A assistência jurídica integral e gratuitaabrangetanto a assistência judiciáriaquantoa justiça gratuita. A primeira se caracteriza pelo patrocínio gratuito da causa por um advogado oferecido pelo Estado para aquele que não tem condições financeiras de contratar um causídico particular. A justiça gratuita, por outro lado, isenta o necessitado economicamente do pagamento das custas e despesas processuais.O presente estudo aborda a questão da concessão do benefício da justiça gratuita às entidades sindicais, sob o ponto de vista do Superior Tribunal de Justiça. A propósito, convém observar que a Lei nº1.060/50 utilizao termoassistência judiciária, mas na realidade está se referindo à justiça gratuita.
Atualmente, já não há mais discussão alguma acerca da concessão do benefício da gratuidade judiciária às pessoas jurídicas. Há tempos a doutrina e a jurisprudênciano Brasil admitem a concessão do aludido benefício às pessoas jurídicas, até porque a Constituição Federal, ao instituir a assistência jurídica integral e gratuita, não fez distinção entre pessoas físicas e jurídicas. Nesse sentido, convém conferir a lição de Hélio Márcio Campos:
Na verdade, mesmo que o texto constitucional não tivesse disposto daquela maneira, ainda assim seria compreensível a concessão do benefício em algumas circunstâncias. Para tanto, basta lembrar o exemplo referido anteriormente que convém repeti-lo e adaptá-lo: uma determinada empresa não possui recursos financeiros para promover uma ação de reparação de danos contra uma companhia de seguros que não quer pagar indenização pelo incêndio que consumiu todas as suas dependências e instalações; haveria, nesta situação, como se negar a esta mesma empresa o benefício de litigar sem custas processuais, mormente, diante do fato de que, se tiver de recolher os emolumentos e taxas, vai parar com suas atividades? (2002, p. 62).
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2003, ao julgar um caso onde se discutia questões relacionadas à concessão do benefício da gratuidade de justiça às pessoas jurídicas, resolveu dividi-las, para fins de comprovação da miserabilidade jurídica, entre pessoas jurídicas com fins lucrativos e pessoas jurídicas sem fins lucrativos. No entendimento do STJ, para a pessoa jurídica sem fins lucrativos comprovar a situação de necessidade, seria adotado o mesmo procedimento aplicado para a pessoa física. Ou seja, bastaria o requerimento do benefício na petição inicial. À parte contrária caberia provar que o requerente não se encontrava em estado de miserabilidade jurídica.
De outro lado, para as pessoas jurídicas com fins lucrativos o pedido deveria ser realizado mediante a comprovação da impossibilidade de se arcar com os encargos processuais sem comprometer a existência da entidade. O requerimento, então, deveria vir instruído com provas documentais consistentes. Interessante observar a ementa do emblemático acórdão. Vejamos:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. JUSTIÇA GRATUITA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. PESSOA JURÍDICA. ALEGAÇÃO DE SITUAÇÃO ECONÔMICA-FINANCEIRA PRECÁRIA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO MEDIANTE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS. INVERSÃO DO ONUS PROBANDI. I- A teor da reiterada jurisprudência deste Tribunal, a pessoa jurídica também pode gozar das benesses alusivas à assistência judiciária gratuita, Lei 1.060/50. Todavia, a concessão deste benefício impõe distinções entre as pessoas física e jurídica, quais sejam: a) para a pessoa física, basta o requerimento formulado junto à exordial, ocasião em que a negativa do benefício fica condicionada à comprovação da assertiva não corresponder à verdade, mediante provocação do réu. Nesta hipótese, o ônus é da parte contrária provar que a pessoa física não se encontra em estado de miserabilidade jurídica. Pode, também, o juiz, na qualidade de Presidente do processo, requerer maiores esclarecimentos ou até provas, antes da concessão, na hipótese de encontrar-se em "estado de perplexidade"; b) já a pessoa jurídica, requer uma bipartição, ou seja, se a mesma não objetivar o lucro (entidades filantrópicas, de assistência social, etc.), o procedimento se equipara ao da pessoa física, conforme anteriormente salientado. II- Com relação às pessoas jurídicas com fins lucrativos, a sistemática é diversa, pois o onusprobandi é da autora. Em suma, admite-se a concessão da justiça gratuita às pessoas jurídicas, com fins lucrativos, desde que as mesmas comprovem, de modo satisfatório, a impossibilidade de arcarem com os encargos processuais, sem comprometer a existência da entidade. III- A comprovação da miserabilidade jurídica pode ser feita por documentos públicos ou particulares, desde que os mesmos retratem a precária saúde financeira da entidade, de maneira contextualizada. Exemplificativamente: a) declaração de imposto de renda; b) livros contábeis registrados na junta comercial; c) balanços aprovados pela Assembléia, ou subscritos pelos Diretores, etc. IV- No caso em particular, o recurso não merece acolhimento, pois o embargante requereu a concessão da justiça gratuita ancorada em meras ilações, sem apresentar qualquer prova de que encontra-se impossibilitado de arcar com os ônus processuais. V- Embargos de divergência rejeitados. (ERESP 388045, GILSON DIPP, STJ - CORTE ESPECIAL, DJ DATA:22/09/2003 PG:00252.) (grifamos)
No caso das entidades sindicais, por se tratar de entidade privada sem fins lucrativos, o Superior Tribunal de Justiçacontinuou a exigir apenas o requerimento formulado na exordial, cabendo à parte contrária comprovar a ausência da situação de miserabilidade jurídica da entidade. Em que pese a prolação de alguns acórdãos dissonantes, a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça seguia essa linha de entendimento. A título de exemplo, transcrevo a seguinte ementa:
PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. INSOLVÊNCIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. CRITÉRIOS. SÚMULA 7/STJ. ARTS. 26, 26 E 208 DO DECRETO-LEI Nº 7.661/45. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. ARTS. 4º, II DA LEI Nº 9.289/96, 52 DO CC, 462, 770, 768, 783 E 764 DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DISSÍDIO PRETORIANO MERA TRANSCRIÇÃO DE EMENTAS. 1. A recorrente limitou-se a transcrever ementas de julgados sem realizar o necessário cotejo analítico com o aresto atacado, o que se mostra insuficiente para comprovar o dissídio pretoriano. 2. O Tribunal a quo não emitiu juízo de valor acerca dos arts. 4º, inciso II da Lei nº 9.289/96, 52 do Código Civil, 462, 770, 768, 783 e 764 do Estatuto de Ritos. Malgrado tenham sido opostos embargos de declaração para o fim de vê-los examinados, não foi apontado no presente apelo violação ao art. 535 do CPC. Incide, in casu, o disposto na Súmula 211 desta Corte. 3. Quanto à assertiva de ofensa ao art. 208 do Decreto-Lei nº 7.661/45 constata-se que das alegações da recorrente não se extrai logicamente a conclusão. Na mesma linha, malgrado terem restado devidamente prequestionados os artigos 23 e 26 do Decreto-Lei nº 7.661/45, não foram demonstradas de modo preciso as razões pelas quais o aresto recorrido os teria violado. Tais circunstâncias atraem a aplicação da Súmula 284 do Pretório Excelso. 4. As pessoas jurídicas sem fins lucrativos, como entidades filantrópicas, sindicatos e associações, fazem jus ao benefício da assistência judiciária gratuita porque a presunção é a de que não podem arcar com as custas e honorários do processo. Já as pessoas jurídicas com fins lucrativos terão direito a tal benefício desde que comprovem a dificuldade financeira. Entretanto, constata-se que a instância inferior não fixou, em momento algum, a premissa fática de que a ora recorrente seria pessoa jurídica sem fins lucrativos, ou que tivesse comprovado a dificuldade financeira de prover as despesas do processo. Solução em contrário à adotada pelo acórdão recorrido demandaria o revolvimento das circunstâncias fático-probatória dos autos, o que é vedado nos termos da Súmula 7/STJ. 5. Recurso especial não conhecido.(RESP 702767, Castro Meira, STJ – Segunda Turma, DJ DATA:06/02/2006 PG:00261) (g.n.)
No entanto, no ano de 2008, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça começou a traçar uma interessante distinção entre a entidade sindical e as demais entidades privadas sem fins lucrativos. Para o Egrégio Tribunal, os sindicatospossuem, entre outras, a função de representar os interesses coletivos da categoria ou individuais dos seus filiados, perante as autoridades administrativas e judiciais. Portanto, as mensalidades arrecadadas de seus associados são utilizadas para o custeio das funções do sindicato, dentre as quais a função de assistência judiciária. Em vista disso, entendeu descabida a concessão da justiça gratuita à entidade sindical, salvo comprovada a necessidade do benefício.
Por outros termos, como a assistência judiciária aos associados é uma das funções precípuas das entidades sindicais, reputou descabida a concessão da justiça gratuita ao sindicato sem a comprovação da situação da miserabilidade jurídica. Ora, as contribuições dos filiados servem também para o pagamento das custas e despesas processuais das ações ajuizadas pelas entidades sindicais.
Desta forma, para fins de comprovação da necessidade do benefício, os sindicatos seguiriam o rito aplicado às pessoas jurídicas com fins lucrativos. Seria necessário instruir o requerimento com provas documentais. Para ilustrar esse posicionamento, cumpre verificar o acórdão proferido pela Primeira Turma do STJ, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DO BENEFÍCIOS. SINDICATO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DOS ASSOCIADOS. FUNÇÃO DE PRESTAR ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA AOS SEUS SINDICALIZADOS. DEVER DE DEMONSTRAR A NECESSIDADE DA AJG. NÃO COMPROVADA PERANTE O TRIBUNAL A QUO. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL (SÚMULA 07 DESTE STJ). ISENÇÃO DE CUSTAS DO SINDICATO. INCIDÊNCIA DAS LEIS NºS. 8.078/90 E 7.347/85. INAPLICÁVEIS AO CASO. DIRECIONADAS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO. VALOR DA CAUSA. DETERMINADA A EMEDA DE OFÍCIO. ARTS. 258, 259 E 260 DO CPC. FIXADO CONFORME O BENEFÍCIO ECONÔMICO PRETENDIDO ATRAVÉS DA TUTELA JURISDICIONAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. 1. Os sindicatos ostentam legitimatio ad causam extraordinária, na qualidade de substitutos processuais (art. 6º, do CPC) para a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria que representa, como dispõe o art. 8º, III, da CF. 2. A Lei n.° 7.788/89 estabelece em seu art. 8º que as entidades sindicais poderão atuar como substitutas processuais da categoria que representam por isso que, assente a autorização legal, revela-se desnecessária a autorização expressa do titular do direito subjetivo. 3. Os sindicatos têm legitimidade para propor a liquidação e a execução de sentença proferida em ação condenatória na qual atuaram como substitutos processuais, caso não promovidas pelos interessados, hipótese em que as referidas entidades atuam em regime de representação processual. Precedentes: AgRg no REsp 763.889/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 09.10.2007, DJ 26.10.2007 p. 346; REsp 701.588/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 12.06.2007, DJ 06.08.2007 p. 475, REPDJ 27.11.2007 p. 291; REsp 478.990/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 06.06.2006, DJ 04.08.2006 p. 297; REsp 710.388/GO, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06.12.2005, DJ 20.02.2006 p. 222; AgRg nos EREsp 497.600/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL, julgado em 01.02.2007, DJ 16.04.2007 p. 151; REsp n.º 253.607/AL, Segunda Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha ao Martins, DJ de 09/09/2002; MS nº 4.256/DF, Corte Especial, Rel Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 01/12/1997). 4. O benefício da assistência judiciária gratuita pode ser deferido às pessoas jurídicas, sendo mister, contudo, distinguir duas situações: (i) em se tratando de pessoa jurídica sem fins lucrativos (entidades filantrópicas ou de assistência social, sindicatos, etc.), basta o mero requerimento, cuja negativa condiciona-se à comprovação da ausência de estado de miserabilidade jurídica pelo ex adverso; (ii) no caso de pessoa jurídica com fins lucrativos, incumbe-lhe o onusprobandi da impossibilidade de arcar com os encargos financeiros do processo (EREsp 388.045/RS, Rel. Ministro Gilson Dipp, Corte Especial, julgado em 01.08.2003, DJ 22.09.2003) 5. Assim, as pessoas jurídicas sem fins lucrativos, tais como as entidades filantrópicas, fazem jus ao benefício da assistência judiciária gratuita, independente de comprovação da necessidade do benefício. 6. Entretanto, "as entidades sindicais possuem, entre outras, a função de representar os interesses coletivos da categoria ou individuais dos seus integrantes, perante as autoridades administrativas e judiciais, o que leva à atuação do sindicato como parte nos processos judiciais em dissídios coletivos e individuais, nos termos dos arts. 513, a, e 514, a, da CLT, e 18 da Lei n. 5.584/70. Nesse contexto, verifica-se que os sindicatos têm revertidas a seus cofres as mensalidades arrecadadas, periodicamente, de seus associados, formando fundos para o custeio de suas funções, entre as quais função de assistência judiciária. Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp. 963.553/SC, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJU 07.03.2008). 7. Considerando que as receitas do sindicato decorrem das contribuições dos associados e que, dentre seus escopos precípuos, que motiva sua arrecadação, consta a defesa dos interesses de seus associados, descabe a concessão da assistência judiciária gratuita, salvo se comprovada a necessidade do benefício. 8. In casu, o Sindicato recorrente deixou de comprovar perante o Tribunal a quo, de maneira cabal, a ausência de condições para arcar com as custas processuais. Diante disso, a comprovação de insuficiência de recursos por parte da pessoa jurídica, revela-se inviável em sede de revisão do julgado, ante o óbice da Súmula 07 do STJ, maxime quando as instâncias ordinárias, soberanas na apreciação do conjunto fático-probatório concluíram em sentido contrário. 9. O valor da causa extrai-se do benefício econômico pretendido através da tutela jurisdicional. Exegese dos arts. 258, 259 e 260 do CPC. Possibilidade do Juízo de primeiro grau determinar a emenda da inicial, para que a parte ajuste o valor causa ao conteúdo econômico da demanda. Precedentes: REsp. 572.536/PR, DJU 27.06.05, AgRg no Ag 460.638/RJ, DJU 23.06.03 e REsp.165.355/MG, DJU 14.12.98. 10. A restituição de tributos recolhidos ao INCRA, nos termos do art. 1º da Lei nº 9.630/98, figurando como objeto mediato do pedido o valor da causa, deve ser fixado no montante dos recolhimentos retidos pela entidade e não pequeno valor aleatório, fixado para amenizar eventuais ônus de sucumbência. 11. A isenção de custas e emolumentos judiciais, disposta no art. 87 da Lei 8.078/90 destina-se facilitar a defesa dos interesses e direitos dos consumidores, inaplicável, portanto, nas ações em que sindicato busca tutelar o direito de seus sindicalizados, ainda que de forma coletiva. Daí, inaplicáveis o CDC e a Lei 7.437/85 ao caso. 12. A ofensa ao art. 535 do CPC não resta configurada quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 13. Recurso especial desprovido. (RESP 876.812, LUIZ FUX - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:01/12/2008.)
Contudo, recentemente, no ano de 2010, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao encontro da tese adotada pelo Supremo Tribunal Federal, decidiu que é ônus da pessoa jurídica comprovar a existência dos requisitos para a obtenção do benefício da gratuidade de justiça, sendo irrelevante a finalidade lucrativa ou não da entidade.
Consoante o STJ, a diferença entre a pessoa jurídica com fins lucrativos da pessoa jurídica sem fins lucrativos não reside na suficiência ou não de recursos para o custeio das despesas processuais, mas na possibilidade de haver distribuição de lucros aos sócios ou associados. Portanto, essa distinção não importaria para fins de concessão do benefício da gratuidade de justiça. Eis o mencionado aresto da Corte Especial do STJ:
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MISERABILIDADE JURÍDICA.PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. EMBARGOS ACOLHIDOS. 1. O embargante alega que o aresto recorrido divergiu de acórdão proferido pela Corte Especial, nos autos do EREsp 690482/RS, o qual estabeleceu ser ônus da pessoa jurídica, independentemente de ter finalidade lucrativa ou não, comprovar que reúne os requisitos para a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. 2. A matéria em apreço já foi objeto de debate na Corte Especial e, após sucessivas mudanças de entendimento, deve prevalecer a tese adotada pelo STF, segundo a qual é ônus da pessoa jurídica comprovar os requisitos para a obtenção do benefício da assistência judiciária gratuita, sendo irrelevante a finalidade lucrativa ou não da entidade requerente. 3. Não se justifica realizar a distinção entre pessoas jurídicas com ou sem finalidade lucrativa, pois, quanto ao aspecto econômico-financeiro, a diferença primordial entre essas entidades não reside na suficiência ou não de recursos para o custeio das despesas processuais, mas na possibilidade de haver distribuição de lucros aos respectivos sócios ou associados. 4. Outrossim, muitas entidades sem fins lucrativos exploram atividade econômica em regime de concorrência com as sociedades empresárias, não havendo parâmetro razoável para se conferir tratamento desigual entre essas pessoas jurídicas. 5. Embargos de divergência acolhidos.
(ERESP 603137, CASTRO MEIRA, STJ - CORTE ESPECIAL, 23/08/2010) (g.n.)
De toda sorte, em breve pesquisa na jurisprudência recente do STJ, observa-se que o Tribunal, em diversos julgados, ainda divide as pessoas jurídicas com finalidade lucrativa das pessoas jurídicas sem finalidade lucrativa para exigir a comprovação da situação de necessidade.
Ou seja, em que pese o acórdão da Corte Especial ter acompanhado o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, percebe-se que a jurisprudência do STJ ainda vacila quanto à necessidade ou não da entidade sindical comprovar a situação de miserabilidade jurídica, para fins de obtenção do benefício da justiça gratuita. Alguns julgados ainda adotam a tese esposada no acórdão proferido pela Corte Especial em 2003, desprezando tanto o entendimento mais recente da Corte Especial, quanto o entendimento expresso no julgamento do Resp nº 876.812, de novembro de 2008, onde se fez uma distinção entre o sindicato e as demais pessoas jurídicas sem fins lucrativos.
Porém, é de se reconhecer que a tendência do Tribunal é exigir a comprovação da situação de necessidade de todas as pessoas jurídicas, com ou sem finalidade lucrativa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htmAcesso em 18. dez. 2012.
BRASIL. Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950. Estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1060compilada.htm. Acesso em 18 de dezembro de 2012.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Corte Especial. ERESP388.045. Relator Ministro Gilson Dipp. Julgado em 1/8/2003. DJ Data:22/09/2003.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. RESP 702.767. Relator Ministro Castro Meira. Julgado em 13/12/2005. DJ Data:06/02/2006.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. RESP 876.812. Relator Ministro Luiz Fux. Julgado em 11/11/2008. DJE Data:01/12/2008.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Corte Especial. ERESP 603137. Relator Ministro Castro Meira. Julgado em 2/8/2010. DJE Data: 23/08/2010.
CAMPO, Hélio Márcio. Assistência jurídica gratuita: assistência judiciária e gratuidade judiciária. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
Procurador Federal, Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TORRES, Michell Laureano. A concessão da gratuidade de justiça aos entes sindicais e as sucessivas mudanças de entendimento do STJ antes do alinhamento à tese do STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 dez 2012, 07:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33232/a-concessao-da-gratuidade-de-justica-aos-entes-sindicais-e-as-sucessivas-mudancas-de-entendimento-do-stj-antes-do-alinhamento-a-tese-do-stf. Acesso em: 23 dez 2024.
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