I - INTRODUÇÃO
A sanção de inidoneidade, prevista no art. 87, IV, da Lei 8.666/93, proíbe o sancionado de participar de licitações e de contratar com a Administração Pública por prazo indeterminado.
O artigo que se segue procura abordar se a superveniência dessa declaração tem efeitos rescisórios automáticos em relação aos demais contratos já firmados e em curso de execução, ou se a declaração impede apenas a futura participação em licitação e a contratação com todo o Poder Público, integrado pelos entes da Administração Publica Federal, Estadual, Distrital e Municipal.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A lei 8.666/93 – Lei Geral das Licitações - confere à Administração Pública a prerrogativa de aplicar sanções aos contratados em razão da inexecução total ou parcial das obrigações previstas em lei ou no contrato.
Constatado o descumprimento de obrigações surge o dever da Administração Pública em promover a apuração e a eventual punição da infração administrativa, fazendo-o através de processo administrativo no qual assegurada a observância de todos os princípios e normas processuais pertinentes, com destaque para os princípios da ampla defesa e do devido processo legal.
As sanções em razão da inexecução total ou parcial do ajuste estão previstas no art. 87 da Lei 8.666/93, que é a lei geral das licitações e contratos da Administração Pública e no art. 7º da Lei 10.520/2002, que instituiu a modalidade do Pregão e ditou outras providências.
A declaração de inidoneidade é uma das sanções previstas no art. 87 da Lei 8.666/93, a seguir transcrito:
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
I - advertência;
II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
§ 1o Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente.
§ 2o As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.
§ 3o A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação. (Vide art 109 inciso III).
Como se observa, as sanções previstas se apresentam em escala de gravidade, mas não há uma determinação de qual deva ser aplicada em cada caso. Compete a autoridade competente, observadas as regras contratuais eventualmente fixadas, selecionar a sanção que, diante das particularidades da infração e sua gravidade, seja a mais eficaz para reprimir a infração e desestimular comportamentos em desacordo com a lei ou o contrato.
A declaração de inidoneidade é a mais rigorosa das sanções previstas no art. 87 da Lei nº 8.666/93 porque impede o sancionado de participar de licitações e de contratar por prazo indeterminado enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes.
A abrangência da sanção de inidoneidade ainda não é uma questão pacificada na doutrina. Como o dispositivo legal faz referência a inidoneidade para licitar e contratar com a “Administração Pública”, alguns defendem que sanção só opera efeitos em relação à Administração que impôs a sanção, outros defendem que a sanção alcança toda a Administração Pública.
O posicionamento do Tribunal de Contas da União e do Superior Tribunal de Justiça[1] acerca da matéria é consentâneo com o da parcela da doutrina que sustenta que a declaração de inidoneidade por quaisquer das autoridades indicadas no art. 87, §3º, da Lei nº 8.666/93, abrange todo o Poder Público, impedindo a participação em licitação e a contratação futura com a Administração Pública Federal, Estadual, Distrital e Municipal.
Esse posicionamento no sentido de que a pena de inidoneidade abrange todo o Poder Público considera que a própria a Lei nº 8.666/93, no seu art. 6º, XI e XII, estabeleceu definições precisas para os termos “Administração Pública” e “Administração”. Eis o teor desses dispositivos:
Art. 6o Para os fins desta Lei, considera-se:
XI - Administração Pública - a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas;
XII - Administração - órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente;
Dessa forma, nos termos da lei, a Administração Pública é definida como sendo a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas.
Além disso, os fundamentos contidos na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema consideram que: (i) a pena de inidoneidade valoriza a aplicação do princípio da moralidade; (ii) a Administração Pública é una, sendo apenas descentralizado o exercício de suas funções, para melhor atender ao bem comum; (iii) o fundamento da pena é o resguardo aos interesses públicos, que não se dividem em federais, estaduais, distritais e municipais.
Em razão desse entendimento, passou-se a discutir se a superveniência dessa declaração tem efeitos rescisórios automáticos em relação a todos os contratos validamente firmados pelo Poder Público e em execução, ou se eles ficam mantidos até o término da vigência pactuada, ressalvada a possibilidade de instaurar processo administrativo com vistas a obter a rescisão da avença se for constatado a inexecução do contrato por parte da embargada.
Alguns defendem que a declaração de inidoneidade opera a rescisão automática de todos os contratos vigentes, ao entendimento de que o contrato administrativo contém cláusula que estabelece a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução contratual, as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação e o descumprimento dessa obrigação contratual constitui motivo para a rescisão do contrato. Eis os dispositivos legais invocados em defesa desse entendimento:
Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:
(...)
XIII - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.
Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
I - o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos;
Sustenta-se, pois, que o contratado a partir da data em que declarado inidôneo deixou de cumprir a obrigação de manter as condições iniciais e habilitação, dando enseja ä rescisão automática de todos os contratos firmados com o Poder Público.
O entendimento contrário, ou seja, no sentido de que a declaração de inidoneidade não tem o efeito de rescindir automaticamente todos os contratos firmados com o Poder Público, parte do pressuposto de que a declaração de inidoneidade impede a empresa de "licitar ou contratar com a Administração Pública" (Lei 8.666/1993, art. 87), sem, no entanto, acarretar, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução, notadamente os celebrados perante outros órgãos administrativos não vinculados à autoridade impetrada ou integrantes de outros entes da Federação (Estados, Distrito Federal e Municípios).
Isso porque, ainda que se entenda que o contratado tenha descumprido o dever de manter as condições iniciais de habilitação por ter sido declarado inidôneo, o fato é que nenhuma rescisão é automática. Ela decorre da apuração de inexecução contratual apurada em processo administrativo no qual observadas todas as garantias processuais inerentes, inclusive a ampla defesa e o devido processo legal.
Além disso, a ocorrência do motivo não obriga a rescisão. Cabe à Administração avaliar se o interesse público estará melhor atendido com a rescisão, desde que promovida com observância do devido processo legal e garantias a ele inerentes, ou se com a continuidade da execução do contrato até que a Administração consiga planejar e realizar uma nova contratação.
Sobre a ocorrência do motivo ensejador da rescisão contratual e a necessidade de avaliar se interesse publico envolvido estará melhor atendido com a rescisão, cumpre citar a doutrina de Jessé Torres:
"Interessa saber se a só ocorrência do motivo obriga a rescisão, descartada qualquer avaliação quanto à conveniência para o interesse do serviço ou do contratado. A resposta é negativa. A uma, porque, mesmo caracterizado o motivo que renderia azo à rescisão, pode a Administração (nos casos em que o particular é o causador, por exemplo) considerar que melhor atenderia ao interesse do serviço manter o contrato, adotando-se medidas mais severas de fiscalização ou introduzindo alterações que, compatíveis com os limites e motivos legais (art. 55, I), estimulem o desempenho do contratado, até porque a realização de nova licitação acarreta custos ou redunda em elevação de preços nem sempre compensadores. A duas, porque os direitos do contratado também hão de ser levados em conta, tanto que a rescisão será decidida em processo regular, assegurados o contraditório e a ampla defesa." (Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 6. ed. Rio de Janeiro, 2003. P. 716)
Em determinadas situações, a rescisão contratual pode trazer maiores prejuízos à Administração, que sofrerá com as conseqüências da descontinuidade do objeto do contrato – serviço ou obra – e terá novos dispêndios para a realização de um novo procedimento licitatório.
Se compete à Administração avaliar a conveniência para o Poder Público da rescisão contratual quando ocorrido o motivo legal ou contratual que a enseja, não se pode admitir a atribuição de efeitos automáticos rescisórios de todos os contratos da sancionada com a Administração Pública até porque essa medida poderá importar em sérios prejuízos ao interesse e finanças publicas, o que importaria, em última análise em ofensa aos princípios da eficiência e razoabilidade.
Nesse sentido a doutrina de Jessé Torres Pereira Junior e Marinês Restelatto Dotti [2],a seguir transcrita:
A sanção administrativa de declaração de inidoneidade para contratar com a Administração Pública acarreta, para o sancionado, a proibição de firmar novos vínculos contratuais com o Poder Público? os contratos anteriormente celebrados não devem ser automaticamente rescindidos com espeque exclusivo nessa sanção.
A declaração de inidoneidade produz efeitos para o futuro (ex nunc), ou seja, proíbe que o sancionado venha a firmar novos vínculos contratuais com a Administração Pública, mas não rescinde aqueles em vigor. A aplicação da sanção não tem efeito automático e imediato de rescindir todos os contratos anteriormente firmados entre o sancionado e a Administração, uma vez que isso poderia representar prejuízo maior ao erário e ao interesse público.
Verificando-se que o processo administrativo de que resultou a sanção obedeceu ao contraditório e à ampla defesa, bem como que os fatos evidenciados são relevantes e tornam a manutenção do contrato risco real para a Administração, a segurança de seu patrimônio ou de seus servidores, será legítima, em tempo oportuno, a rescisão contratual.
Esse entendimento é o adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. Nas vezes em que instado, o posicionamento da Corte foi o de que a pena de inidoneidade só produz efeitos para o futuro, sem interferir nos contratos já existentes e em andamento, ao entendimento de que a rescisão imediata de todos os contratos firmados entre o sancionado e a Administração Pública poderia representar prejuízo maior ao erário e ao interesse público. Confira-se:
ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EFEITOS EX NUNC DA DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE: SIGNIFICADO. PRECEDENTE DA 1ª SEÇÃO (MS 13.964/DF, DJe DE 25/05/2009).
1. Segundo precedentes da 1ª Seção, a declaração de inidoneidade "só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento" (MS 13.101/DF, Min. Eliana Calmon, DJe de 09.12.2008). Afirma-se, com isso, que o efeito da sanção inibe a empresa de “licitar ou contratar com a Administração Pública” (Lei 8666/93, art. 87), sem, no entanto, acarretar, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução, notadamente os celebrados perante outros órgãos administrativos não vinculados à autoridade impetrada ou integrantes de outros entes da Federação (Estados, Distrito Federal e Municípios). Todavia, a ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a faculdade que têm as entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 a 80 da Lei 8.666/93.
2. No caso, está reconhecido que o ato atacado não operou automaticamente a rescisão dos contratos em curso, firmados pelas impetrantes.
3. Mandado de segurança denegado, prejudicado o agravo regimental.
.MS 14002 / DF;MANDADO DE SEGURANÇA; 2008/0267371-4;Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI (1124);DJe 06/11/2009
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE EXARADA PELO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. IMPOSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. APLICAÇÃO A TODOS OS ENTES FEDERADOS.
1. A questão jurídica posta a julgamento cinge-se à repercussão, nas diferentes esferas de governo, da emissão da declaração de inidoneidade para contratar com a Administração Pública, prevista na Lei de Licitações como sanção pelo descumprimento de contrato administrativo.
2. Insta observar que não se trata de sanção por ato de improbidade de agente público prevista no art. 12 da Lei 8.429/1992, tema em que o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência limitando a proibição de contratar com a Administração na esfera municipal, de acordo com a extensão do dano provocado. Nesse sentido: EDcl no REsp 1021851/SP, 2ª Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, julgado em 23.6.2009, DJe 6.8.2009.
3. "Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: (...) IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública" (art. 87 da Lei 8.666/1993).
4. A definição do termo Administração Pública pode ser encontrada no próprio texto da citada Lei, que dispõe, em seu art. 6º, X, que ela corresponde à "Administração Direta e Indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas".
5. Infere-se da leitura dos dispositivos que o legislador conferiu maior abrangência à declaração de inidoneidade ao utilizar a expressão Administração Pública, definida no art. 6º da Lei 8.666/1993. Dessa maneira, conseqüência lógica da amplitude do termo utilizado é que o contratado é inidôneo perante qualquer órgão público do País. Com efeito, uma empresa que forneça remédios adulterados a um município carecerá de idoneidade para fornecer medicamentos à União.
6. A norma geral da Lei 8.666/1993, ao se referir à inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, aponta para o caráter genérico da referida sanção, cujos efeitos irradiam por todas as esferas de governo.
7. A sanção de declaração de inidoneidade é aplicada em razão de fatos graves demonstradores da falta de idoneidade da empresa para licitar ou contratar com o Poder Público em geral, em razão dos princípios da moralidade e da razoabilidade. 8. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que o termo utilizado pelo legislador - Administração Pública -, no dispositivo concernente à aplicação de sanções pelo ente contratante, deve se estender a todas as esferas da Administração, e não ficar restrito àquela que efetuou a punição.
9. Recurso Especial provido.
REsp 520553 / RJ;RECURSO ESPECIAL; 2003/0027264-6;Ministro HERMAN BENJAMIN;T2 - SEGUNDA TURMA;DJe 10/02/2011
ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EFEITOS EX NUNC.
1. O entendimento da Primeira Seção do STJ é no sentido de que a declaração de inidoneidade só produz efeito ex nunc.
2. Agravo Regimental não provido
AgRg no REsp 1148351 / MG;
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
2009/0132160-8; Rel Ministro HERMAN BENJAMIN (1132);T2 - SEGUNDA TURMA DJe 30/03/2010
ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR ECONTRATARCOM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EFEITOS EX NUNC DA DECLARAÇÃO DEINIDONEIDADE: SIGNIFICADO. PRECEDENTE DA 1ª SEÇÃO (MS 13.964/DF, DJeDE 25/05/2009).
1. Segundo precedentes da 1ª Seção, a declaração de inidoneidade "só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento" (MS 13.101/DF, Min. Eliana Calmon, DJe de 09.12.2008). Afirma-se, com isso, que o efeito da sanção inibe a empresa de “licitar ou contratar com a Administração Pública” (Lei 8666/93, art. 87), sem, no entanto, acarretar, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já perfeiçoados juridicamente e em curso de execução, notadamente os celebrados perante outros órgãos administrativos não vinculados à autoridade impetrada ou integrantes de outros entes da Federação (Estados, Distrito Federal e Municípios). Todavia, a ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a faculdade que têm as entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos77 a 80 da Lei 8.666/93.
2. No caso, está reconhecido que o ato atacado não operou automaticamente a rescisão dos contratos em curso, firmados pelas impetrantes.
3. Mandado de segurança denegado, prejudicado o agravo regimental.
MS 14002 / DF; MANDADO DE SEGURANÇA 2008/0267371-4; Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI (1124); S1 - PRIMEIRA SEÇÃO;DJe 06/11/2009
OMISSÃO INEXISTENTE – TEORIA DA ENCAMPAÇÃO – DECLARAÇÃO DE
INIDONEIDADE – EFEITOS.
1. O aresto embargado (após intenso debate na Primeira Seção) examinou de forma devida o ato impugnado, adotando o entendimento deque a sanção de inidoneidade deve ser aplicada com efeitos "ex nunc".
2. Aplica-se a Teoria da Encampação quando a autoridade hierarquicamente superior apontada coatora, ao prestar informações,defende o mérito do ato impugnado.
3. A rescisão imediata de todos os contratos firmados entre a embargada e a Administração Pública, em razão de declaração de inidoneidade, pode representar prejuízo maior ao erário e ao interesse público, já que se abrirá o risco de incidir sobre contrato que esteja sendo devidamente cumprido, contrariando, assim, o princípio da proporcionalidade, da eficiência e obrigando gasto de verba pública com realização de novo procedimento licitatório. Interpretação sistemática dos arts. 55, XIII e 78, I, da Lei8.666/93.
4. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos modificativos, apenas para prestar esclarecimentos.
EDcl no MS 13101 / DF; EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA 2007/0224011-3; Ministra ELIANA CALMON (1114); S1 - PRIMEIRA SEÇÃO; DJe 25/05/2009.
ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR ECONTRATARCOM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VÍCIOS FORMAIS DO PROCESSOADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA. EFEITOS EX NUNC DA DECLARAÇÃO DEINIDONEIDADE: SIGNIFICADO.
1. Ainda que reconhecida a ilegitimidade da utilização, em processo administrativo, de conversações telefônicas interceptadas para fins de instrução criminal (única finalidade autorizada pela Constituição- art. 5º, XII), não há nulidade na sanção administrativa aplicada, já que fundada em outros elementos de prova, colhidas em processo administrativo regular, com a participação da empresa interessada.
2. Segundo precedentes da 1ª Seção, a declaração de inidoneidade "só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento" (MS 13.101/DF, Min. Eliana Calmon, DJede 09.12.2008). Afirma-se, com isso, que o efeito da sanção inibe a empresa de "licitar ou contratar com a Administração Pública" (Lei 8666/93, art. 87), sem, no entanto, acarretar,automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução, notadamente os celebrados perante outros órgãos administrativos não vinculados à autoridade impetrada ou integrantes de outros entes da Federação(Estados, Distrito Federal e Municípios). Todavia, a ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a faculdade que têm as entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 a 80 da Lei 8.666/93.
3. No caso, está reconhecido que o ato atacado não operou automaticamente a rescisão dos contratos em curso, firmados pela impetrante.
4. Mandado de segurança denegado, prejudicado o agravo regimental.
MS 13964 / DF; MANDADO DE SEGURANÇA
2008/0250430-0; Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI (1124); S1 - PRIMEIRA SEÇÃO DJe 25/05/2009
ADMINISTRATIVO - LICITAÇÃO - INIDONEIDADE DECRETADA PELACONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO - ATO IMPUGNADO VIA MANDADO DESEGURANÇA.
1. Empresa que, em processo administrativo regular, teve decretada a sua inidoneidade para licitar e contratar com o Poder Público, com base em fatos concretos.
2. Constitucionalidade da sanção aplicada com respaldo na Lei de Licitações, Lei 8.666/93 (arts. 87e 88).
3. Legalidade do ato administrativo sancionador que observou o devido processo legal, o contraditório e o princípio da proporcionalidade.
4. Inidoneidade que, como sanção, só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento.
5. Segurança denegada.
MS 13101 / DF; MANDADO DE SEGURANÇA
2007/0224011-3; Rel para o acórdão Ministra ELIANA CALMON (1114); S1 - PRIMEIRA SEÇÃO DJe 09/12/2008
Da análise desses precedentes se pode concluir que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que: (i) a declaração de inidoneidade só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento; (ii) a sanção inibe a empresa de licitar ou contratar com a Administração Pública" (Lei 8.666/1993, art. 87), sem, no entanto, acarretar, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução, notadamente os celebrados perante outros órgãos administrativos não vinculados à autoridade impetrada ou integrantes de outros entes da Federação (Estados, Distrito Federal e Municípios); (iii) a ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a faculdade que têm as entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 a 80 da Lei 8.666/1993.
O Tribunal de Contas da União também adota posicionamento no sentido de que a sanção de inidoneidade impede o licitante de participar de futuras licitações e de serem contratados pela Administração Pública. É o que se constada no Acórdão nº 1.647/2010-TCU-Plenário:
"4.10.3. A Lei nº 8.666/1993, ao tratar das sanções administrativas, menciona duas penalidades que, quando aplicadas, impedem, ou no jargão do Sicaf, suspendem o licitante:
"Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
(...)
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior."
4.10.4. Ambas impedem o licitante de participar de futuras licitações e de serem contratados. Entretanto, diferem em relação ao âmbito da penalidade. A jurisprudência do TCU adota o posicionamento de que o inciso III do art. 87, quando menciona "Administração", se refere somente ao órgão/entidade aplicador da penalidade, conforme posicionamento constante no voto condutor da Decisão nº 352/1998-TCU-Plenário.
4.10.5. Já a penalidade do inciso IV do art. 87, segundo jurisprudência do TCU, impede o fornecedor de participar de licitações e de ser contratado por toda a Administração Pública, englobando, nos termos do inciso XI do art. 6º da mesma lei, a "administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas".
A matéria foi abordada de matéria mais específica no Acórdão 3002/2010 – TCU- Plenário:
Sumário
RECURSOS DE RECONSIDERAÇÃO. CONHECIMENTO. PROVIMENTO PARCIAL. ALTERAR REDAÇÃO DO ITEM 9.3.1. DO ACÓRDÃO 1262/2009-TCU-PLENÁRIO, DE MODO A CONFERIR EFEITOS EX-NUNC À DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE DAS EMPRESAS. CIÊNCIA
Ministro Relator
JOSÉ JORGE
Voto do Ministro Relator
(...)
4. Ao compulsar os exames empreendidos pela Serur, com os quais o Ministério Público junto ao TCU manifestou-se de acordo, vejo que a unidade técnica sugere que seja dado provimento parcial aos apelos em face de dois tópicos, a saber: a) a declaração de inidoneidade apenas produz efeitos ex-nunc; e b) a participação da empresa Aeropostal na fraude retratada nos autos era diversa das demais, dando azo à declaração de inidoneidade por prazo diferente daquele imposto às demais empresas participantes da fraude.
5. Quanto ao primeiro tópico, relativo à eficácia da declaração de inidoneidade, manifesto-me de acordo com os exames empreendidos nos autos, pois, com amparo na moderna jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região - TRF-1, concluiu-se que a declaração de inidoneidade não dá ensejo à imediata rescisão de todos os contratos firmados entre as empresas sancionadas com a administração pública federal. Isso porque a declaração de inidoneidade apenas produz efeitos ex-nunc, não autorizando que sejam desfeitos todos os atos pretéritos ao momento de sua proclamação.
6. Nesse sentido, são plenamente aplicáveis os escólios do Exmo. Ministro Teori Albino Zavascki, exarados nos autos do MS 13.964/DF, cuja ementa transcrevo a seguir:
"ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VÍCIOS FORMAIS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA. EFEITOS EX NUNC DA DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE: SIGNIFICADO.
1. Ainda que reconhecida a ilegitimidade da utilização, em processo administrativo, de conversações telefônicas interceptadas para fins de instrução criminal (única finalidade autorizada pela Constituição - art. 5º, XII), não há nulidade na sanção administrativa aplicada, já que fundada em outros elementos de prova, colhidas em processo administrativo regular, com a participação da empresa interessada.
2. Segundo precedentes da 1ª Seção, a declaração de inidoneidade "só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento" (MS 13.101/DF, Min. Eliana Calmon, DJe de 09.12.2008). Afirma-se, com isso, que o efeito da sanção inibe a empresa de "licitar ou contratar com a Administração Pública" (Lei 8666/93, art. 87), sem, no entanto, acarretar, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução, notadamente os celebrados perante outros órgãos administrativos não vinculados à autoridade impetrada ou integrantes de outros entes da Federação (Estados, Distrito Federal e Municípios). Todavia, a ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a faculdade que têm as entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 a 80 da Lei 8.666/93.
3. No caso, está reconhecido que o ato atacado não operou automaticamente a rescisão dos contratos em curso, firmados pela impetrante.
4. Mandado de segurança denegado, prejudicado o agravo regimental." (grifos acrescidos).
7. Em acréscimo às ponderações de Sua Excelência, as quais adoto como razões de decidir, pondero que a rescisão de todos os contratos anteriormente celebrados pela empresa declarada inidônea nem sempre se mostra a solução mais vantajosa para a administração pública, pois, dependendo da natureza dos serviços pactuados, que em algumas situações não podem sofrer solução de continuidade, não seria vantajoso para a administração rescindir contratos cuja execução estivesse adequada para celebrar contratos emergenciais, no geral mais onerosos e com nível de prestação de serviços diverso, qualitativamente, daquele que seria obtido no regular procedimento licitatório.
8. Contudo, no que concerne aos contratos decorrentes de certames impugnados, nos quais se verificam condutas que autorizam a declaração de inidoneidade das empresas participantes, entendo que devem ser prontamente rescindidos.
9. Dessa maneira, estaria correta a proposta apresentada pela Serur para ser promovida a alteração do item 9.3.1. do Acórdão 1262/2009- TCU-Plenário, de forma a contemplar determinação para ser prontamente rescindido o contrato decorrente do Pregão 45/2001 e proibir a renovação dos contratos que porventura estivessem em vigor com as outras empresas declaradas inidôneas. Não obstante, tal proposta perdeu objeto, haja vista que, segundo pesquisa efetuada ao sítio dos correios (http://www.correios.com.br/institucional/licit_compras_contratos/compra s_contratos/outras_pesquisas_pchave.cfm?pchave=transporte), não estão em vigor quaisquer contratos celebrados com as empresas Skymaster Airlines Ltda., Beta - Brazilian Express Transportes Aéreo Ltda. e Aeropostal Brasil Transporte Aéreo Ltda. Perdeu o objeto, também, a própria determinação original do item 9.3.1. do Acórdão recorrido. Desnecessário, portanto, fazer qualquer alteração no item 9.3.1 do Acórdão recorrido, ou mesmo torná-lo insubsistente.
Acórdão 3002/2010 - Plenário
Como se observa, o posicionamento no sentido de que a declaração de inidoneidade não é apta a produzir automaticamente a rescisão dos contratos administrativos firmados pelo sancionado com o Poder Público foi acolhido pelo Tribunal de Contas da União, em consonância com o que já de há muito firmado no Superior Tribunal de Justiça.
III- CONCLUSÃO
O posicionamento no sentido de que a declaração de inidoneidade não é apta a produzir automaticamente a rescisão dos demais contratos administrativos firmados pelo sancionado com o Poder Público é o adotado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Contas da União.
A ausência do efeito rescisório automático não restringe a faculdade que têm as entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados pela lei ou contrato e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 a 80 da Lei 8.666/1993, competindo-lhes avaliar se o interesse público estará melhor atendido com a rescisão contratual.
[1] RESP 199700732487; MS 13041/DF
[2] PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres? DOTTI, Marinês Restelatto. Responsabilidade do contratado na administração de compras, serviços e obras. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 11, n. 122, p. 2249, fev. 2012.
Procuradora Federal junto à Procuradoria Federal Especializada Anatel.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTI, Marisa Pinheiro. A declaração de inidoneidade e a ausência de efeito rescisório automático Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 dez 2012, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33285/a-declaracao-de-inidoneidade-e-a-ausencia-de-efeito-rescisorio-automatico. Acesso em: 23 dez 2024.
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