SUMÁRIO: 1. Introdução. Anuência prévia regulatória. 2. Sanção de caducidade. Presunção de inocência. 3. Relação entre a anuência prévia e a sanção caducidade. 3.1. Estágios processuais. 3.2. Persistência de utilidade e adequação na aplicação da sanção de caducidade. 3.3. Efeitos da sanção de caducidade. 4. Conclusão. 5. Referências bibliográficas.
RESUMO: O presente trabalho busca analisar o impacto de um processo administrativo sancionador passível de gerar sanção de caducidade a uma prestadora de serviço público que tenha pedido, do órgão regulador, anuência prévia para transferência de controle societário, incluindo a análise dos efeitos dessa sanção de caducidade.
PALAVRAS-CHAVE: Administrativo – Serviço Público – Transferência de controle societário – Anuência prévia regulatória – Sanção de caducidade.
ABSTRACT: This study analyzes the impact of an administrative process that can applies a penalty to extinguish the concession contract of public service of a company that has required, from regulatory agency, prior approval to transfer its corporate control, including the analysis of the effects of this penalty.
KEY WORDS: Administrative – Public Service – Corporate control transfer – Regulatory prior approval – Penalty to extinguish the concession contract.
1. Introdução. Anuência prévia regulatória.
A anuência prévia se afigura como um mecanismo regulatório, com vistas ao bom funcionamento do setor regulado, que tem como objeto, dentre outras operações, as transferências de controle societário. Em outras palavras, as sociedades empresárias que atuam em setores regulados, com autorização formal do Poder Público para explorar determinada atividade econômica, para procederem à transferência de controle, dependem da concessão de anuência prévia por parte do poder concedente respectivo, em geral o órgão regulador da área de atuação.
Esse mecanismo busca, de uma maneira geral, analisar a transferência de controle sob a ótica regulatória, por meio de uma visão macro do setor regulado, verificando aspectos jurídicos, sociais, econômicos e regulatórios propriamente ditos, como, por exemplo, eventuais sobreposições de outorgas.
No setor de energia elétrica, cabe à Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, nos termos da Lei nº 9.427/96, efetuar o controle prévio de atos e negócios jurídicos a serem celebrados entre concessionárias, permissionárias, autorizadas e seus controladores, suas sociedades controladas ou coligadas e outras sociedades controladas ou coligadas de controlador comum, impondo-lhes restrições à mútua constituição de direitos e obrigações, especialmente comerciais e, no limite, a próprio abstenção do ato ou contrato pretendido.
No setor de aviação civil, nessa mesma linha, à Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC compete expedir anuência prévia para a transferência do controle societário ou de ações representativas do capital de empresas de transporte aéreo e de exploração de infraestrutura ou, ainda, para a transferência do controle societário das empresas concessionárias.
Dispondo de uma maneira geral sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, a Lei nº 8.987/95, numa demonstração da importância que dá à anuência prévia em referência, reza que a transferência do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão, ou seja, extinção da outorga
Por fim, apesar de a Lei nº 8.987/95 não se aplicar ao setor de telecomunicações, destaca-se que a Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações – LGT) também dispõe no mesmo sentido, quando aduz que a cisão, a fusão, a transformação, a incorporação, a redução do capital da empresa ou a transferência do controle societário da concessionária não poderá ser prejudicial à competição e nem colocar em risco a execução do contrato, dependendo, assim, de prévia aprovação da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL. A transferência irregular do contrato também configura hipótese de aplicação da sanção de caducidade, nos termos do art. 114, inciso II, da LGT.
Delineadas as linhas gerais em torno da figura da anuência prévia regulatória, a fim de melhor contextualizar a problemática apresentada por este trabalho, pretende-se analisar, em suma, se haveria óbices à concessão da anuência prévia, por parte do poder concedente, no caso de a prestadora ter praticado ato passível de sanção de caducidade e encontrar-se em andamento o respectivo processo sancionador.
2. Sanção de caducidade. Presunção de inocência.
Primeiramente, é preciso ressaltar que o presente trabalho diz respeito aos casos de transferência de controle, não abrangendo as hipóteses de fusão, incorporação, etc.
A Administração Pública, constatando a ocorrência de infração praticada pelos administrados, tem o dever de apurar e, se for o caso, aplicar a sanção cabível. Em razão dos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público, não se trata de faculdade, mas de dever juridicamente imposto. Nessa esteira, o processo sancionador instaurado pode resultar, em linhas gerais, nas sanções de advertência, multa, obrigação de fazer, caducidade, etc.
Sobre a caducidade, trata-se de sanção administrativa, prevista tanto na Lei nº 8.987/95 (art. 38)[1] quanto na Lei nº 9.472/97 (art. 173, inciso IV)[2], que, uma vez aplicada, consubstancia a perda da outorga ou, em outros termos, a extinção do contrato ou autorização para a execução de determinado serviço.
Há de se perquirir, então, para focar na problemática introduzida por este trabalho, quais as implicações que um processo sancionador passível de gerar sanção de caducidade pode ter na análise de uma anuência prévia relativa à transferência do controle de uma prestadora de serviço público devidamente autorizada pelo poder público (concessionária, permissionária ou autorizada, a depender do caso e do setor). Pois bem. De início, é de se destacar que a Constituição Federal consagra, em seu art. 5º, inciso LVII, o princípio da presunção de inocência, in verbis:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) Omissis
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
Alexandre de Moraes afirma que “há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal”[3]. Destarte, aplicando tal dispositivo constitucional à seara administrativa, infere-se que tão-somente após a conclusão do processo administrativo é que o infrator poderá ser definitivamente punido. Em suma, em princípio é após a coisa julgada administrativa que passa a ser possível atribuir algum efeito negativo ao administrado sancionado. Até então, ele deve ser considerado inocente.
De fato, a mera existência de processo administrativo em face do administrado não pode repercutir negativamente em sua situação perante o Poder Público ou terceiros. O Supremo Tribunal Federal – STF já decidiu que o candidato não pode ser impedido de concorrer às eleições apenas pelo fato de existir em curso contra ele processo criminal. Na verdade, restou consignado que nem a condenação em primeira instância seria suficiente para impedir a disputa eleitoral. Apenas o trânsito em julgado da sentença condenatória é que poderia ser levado em consideração para impossibilitar o candidato de concorrer, conforme se observa:
O Plenário fixou entendimento no sentido de que o princípio da presunção de inocência é dotado de efeitos que transcendem os limites dos processos penais de caráter condenatório, impedindo, destarte, que situações processuais ainda não definidas por sentenças transitadas em julgado impliquem a inelegibilidade dos cidadãos ou impeçam candidaturas para mandatos eletivos. (Rcl. 6578/ES. Relator(a): Min. EROS GRAU. Julgamento: 16/09/2008).
O mesmo entendimento já havia sido esposado no que se refere a concursos públicos, também sendo impossível afastar o candidato do certame tomando por base a mera existência de processo criminal instaurado contra ele:
Concurso público - Capacitação moral - Processo-crime em andamento. Surge motivado de forma contrária à garantia constitucional que encerra a presunção da não-culpabilidade ato administrativo, conclusivo quanto à ausência de capacitação moral, baseado, unicamente, na acusação e, portanto, no envolvimento do candidato em ação penal. (RE 194872/RS. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO Julgamento: 07/11/2000).
Ademais, deve-se lembrar que o Brasil adota o sistema de Jurisdição Única, que, diferentemente do sistema de Contencioso Administrativo (sistema francês), permite que, mediante provocação, matérias já abarcadas pela coisa julgada administrativa ainda escoem para o Judiciário, onde, aí sim, serão decididas definitivamente. Nessa linha, a decretação da caducidade só ocorrerá após processo administrativo em que se assegure ampla defesa e contraditório ao particular infrator. E mesmo depois de decretada, em tese ainda é possível acionar o Poder Judiciário, que pode, por exemplo, suspender os efeitos da caducidade ou até mesmo anular a sanção já aplicada.
Portanto, traçada essa premissa, qual seja, a de que a extinção da outorga, por meio da caducidade, depende da conclusão de processo administrativo sancionador, é necessário saber se a existência desse processo obstaria a concessão de anuência prévia para fins de transferência de controle societário. Ou seja, a consequência jurídica daquele processo sancionador (extinção da outorga) só se concretizaria após sua conclusão (coisa julgada administrativa). Mas a sua existência, por si só, seria capaz de afetar a pretensão da empresa dezuzida em outro processo, o da anuência prévia? Em outras palavras, sabendo a Administração da potencial aplicação da sanção de caducidade, ainda assim autorizaria, por meio da anuência prévia, a transferência do controle societário?
3. Relação entre a anuência prévia e a sanção caducidade.
3.1. Estágios processuais.
A questão parece poder ser dividida em três momentos, a saber: (i) sanção de caducidade já aplicada com coisa julgada administrativa; (ii) sanção de caducidade já aplicada em decisão de primeira instância, mas pendente de julgamento de recurso administrativo; e (iii) sanção de caducidade ainda por ser aplicada.
No caso (i), de sanção de caducidade já aplicada com coisa julgada administrativa, por óbvio a concessão da anuência prévia fica obstada. Afinal, a inexistência de outorga implica a não mais prestação de serviço público, não havendo mais que se falar, pois, em anuência prévia.
No caso (ii), de sanção de caducidade já aplicada em primeira decisão, mas pendente de julgamento de recurso administrativo, deve-se perquirir, em primeiro lugar, acerca da existência, ou não, de efeito suspensivo ao recurso administrativo interposto. Inexistente o efeito suspensivo, fica prejudicado o pedido de anuência prévia. Existente o pedido de efeito suspensivo, aí é possível seguir por dois caminhos: a) prossegue-se à análise do pedido de anuência prévia, não havendo, em razão da decretação de caducidade com efeitos suspensos, óbices à sua concessão; ou b) procede-se ao sobrestamento do pedido de anuência prévia até que seja concluído o processo sancionador. A melhor solução, do ponto de vista da gestão e eficiência administrativas, parece ser o sobrestamento do pedido de anuência prévia até o limite de não prejudicar a razoável duração do processo, o que deve ser avaliado em cada caso concreto, acelerando-se, paralelamente, o andamento do processo sancionador. Se o sobrestamento não for suficiente para se chegar a uma definição, aí é necessário prosseguir com a análise do pedido de anuência prévia, sem óbices formais à sua concessão.
No caso (iii), de sanção de caducidade ainda por ser aplicada, há de prevalecer a máxima segundo a qual a parte não pode sofrer prejuízos de uma possibilidade ainda abstrata de vir a ser punida com a sanção de caducidade. É possível, então, conceder-se a anuência prévia enquanto o processo sancionador de caducidade ainda está em curso e ainda não há nenhuma decisão condenatória ou, havendo, ela encontra-se com efeitos suspensos.
3.2. Persistência de utilidade e adequação na aplicação da sanção de caducidade.
Tal argumento é corroborado pela possibilidade de aplicação da sanção de caducidade mesmo após a concretização da transferência de controle. Sob outro enfoque, a Administração não ficará impedida de aplicar a sanção de caducidade, que permanecerá sendo uma sanção adequada, inclusive do ponto de vista prático, e apta a gerar seus efeitos, como se verá a seguir.
É preciso, dessa forma, analisar se haveria impactos ao andamento do processo sancionador no caso de a anuência prévia ser concedida antes de sua conclusão. Enfim, é de verificar se, depois de aprovada a anuência prévia, o processo sancionador que pode sujeitar a empresa à sanção de caducidade ainda tem sentido, ou seja, se a aprovação da anuência prévia antes da conclusão do processo sancionador inviabiliza a futura e eventual aplicação da sanção de caducidade.
Ora, a caducidade, como visto, é uma espécie de sanção administrativa que consubstanciará a extinção de concessão, permissão ou autorização para exploração de determinado serviço. É sabido, por sua vez, que os atos de outorga referem-se a determinado serviço e determinada área dentro da qual poderá haver a prestação desse serviço. Por essa razão é que tanto a Lei nº 8.987/95 como a Lei nº 9.472/97 dispõem ser cláusula obrigatória do contrato de concessão, obviamente, seu objeto e sua área.
Verifica-se, então, que as outorgas são individualizadas por empresa, por área e por serviço. Assim, não obstante a existência de uma transferência de controle, as outorgas permanecem as mesmas, ainda individualizadas por área e por serviço, só que sob o controle de outra pessoa jurídica.
O que se deve ter em mente é que, num caso de transferência de controle de uma prestadora de serviços públicos, o que ocorre é a simples integração da prestadora adquirida ao conjunto de pessoas jurídicas sob controle da sociedade empresária que assumiu o controle. Esta, agora, ao invés de, por exemplo, controlar quatro pessoas jurídicas, passa a controlar cinco, já que adquiriu a prestadora de serviços públicos. Note-se que nessa situação, além de a outorga permanecer individualizada, a própria pessoa jurídica cujo controle foi transferido restou inalterada. Inclusive continua normalmente com o seu número no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ.
Assim, trazendo esse raciocínio para o questionamento aqui proposto, percebe-se que a existência de um processo sancionador passível de gerar caducidade contra a prestadora cujo controle será transferido não inviabiliza a futura e eventual aplicação da sanção de caducidade, uma vez que as outorgas são devidamente individualizadas.
O processo sancionador continuará em andamento contra a mesma pessoa jurídica, e a sanção de caducidade implicará a extinção da outorga respectiva, pertencente à mesma pessoa jurídica, só que sob o controle da sociedade empresária que o adquiriu. Enfim, o processo sancionador segue do seu início ao fim referindo-se à mesma outorga e em face da mesma pessoa jurídica. O que acontece é que no momento da aplicação da sanção de caducidade essa outorga está sob controle de outra pessoa jurídica, o que, frise-se, não impede sua concretização.
Infere-se, em suma, que a aprovação da anuência prévia antes da conclusão do processo sancionador não inviabiliza a futura e eventual aplicação da sanção de caducidade, já que possível a extinção apenas de determinada outorga, uma vez que, ocorrida a transferência do controle, as outorgas continuam individualizadas por serviço e por área.
Desta feita, diante do princípio da presunção de inocência e da não inviabilização da aplicação da sanção de caducidade pela aprovação da anuência prévia antes da conclusão do processo sancionador, não há que se falar em óbice legal ou condicionamento para o poder concedente anuir previamente com transferência do controle de prestadora de serviço público contra a qual tramite processo que a sujeite à sanção de caducidade.
3.3. Efeitos da sanção de caducidade.
Não obstante o cerne do presente trabalho já se encontrar bem delineado, é preciso, ainda, enfrentar outra questão, qual seja, a dos efeitos da sanção de caducidade. No caso do setor de telecomunicações, por exemplo, o apenado com a sanção de caducidade, além de ter sua outorga extinta, também sofre alguns efeitos negativos, conforme se observa dos seguintes dispositivos da Lei nº 9.472/97:
Art. 90. Não poderá participar da licitação ou receber outorga de concessão a empresa proibida de licitar ou contratar com o Poder Público ou que tenha sido declarada inidônea, bem como aquela que tenha sido punida nos dois anos anteriores com a decretação de caducidade de concessão, permissão ou autorização de serviço de telecomunicações, ou da caducidade de direito de uso de radiofreqüência.
(...) Omissis
Art. 133. São condições subjetivas para obtenção de autorização de serviço de interesse coletivo pela empresa:
(...) Omissis
II - não estar proibida de licitar ou contratar com o Poder Público, não ter sido declarada inidônea ou não ter sido punida, nos dois anos anteriores, com a decretação da caducidade de concessão, permissão ou autorização de serviço de telecomunicações, ou da caducidade de direito de uso de radiofreqüência;
Há que se fazer a distinção, portanto, entre a sanção de caducidade em si, que representa a extinção da outorga, dos efeitos da caducidade. Estes impõem à prestadora punida a obrigação de não fazer consistente na impossibilidade de, no período de dois anos, participar de licitação, receber outorga de concessão ou obter autorização de serviço.
Ora, no caso de transferência de controle, a pessoa jurídica permanece inalterada. O que muda é tão-somente o seu controle. Assim, ela sofrerá a incidência direta da sanção de caducidade e também dos efeitos dela decorrentes.
Merece atenção, nesse aspecto, o constante do art. 50, parágrafo único, do Regulamento de Licitação para Concessão, Permissão e Autorização de Serviço de Telecomunicações e de Uso de Radiofreqüência, aprovado pela Resolução nº 65/1998, da Anatel, autarquia que não segue a Lei nº 8.666/93 em suas licitações da área finalística, in verbis:
Art. 50. Não poderá participar da licitação ou receber concessão, permissão ou autorização, a empresa proibida de licitar ou contratar com o Poder Público ou que tenha sido declarada inidônea, bem como aquela que tenha sido punida nos dois anos anteriores com a decretação de caducidade de concessão, permissão ou autorização de serviço de telecomunicação, ou da caducidade de direito de uso de radiofreqüência.
Parágrafo único. As vedações estabelecidas no caput aplicam-se, também, à empresa, cuja controladora ou controlada encontre-se numa das situações nele previstas.
Segundo o parágrafo único, os efeitos da sanção de caducidade são extensivos à empresa cuja controladora ou controlada tenha sofrido tal sanção. Assim, diante de um caso de transferência do controle de prestadora de serviços de telecomunicações contra a qual tramite processo sancionador que a sujeite à sanção de caducidade, pode-se chegar à conclusão, por exemplo, de que, realmente sendo aplicada a sanção de caducidade, a nova controladora também sofra os efeitos dessa sanção, juntamente, por consequência, com suas demais controladas.
Ocorre que à época da transferência do controle o processo sancionador já existia, ou seja, a infração já havia sido praticada. Deve-se analisar, então, se é possível a extensão dos efeitos da caducidade à nova controladora, que não participou da prática da infração, ou seja, que não deu causa a que ela ocorresse.
Para tanto, é preciso tomar como base a natureza desses efeitos. Trata-se, na verdade, de impedimento para participar de licitação e obter outorga, uma restrição de víeis flagrantemente pessoal, sendo impossível, pois, a extensão desses efeitos para a nova controladora. Celso Antônio Bandeira de Mello, tratando do assunto, leciona:
As sanções podem ser, como é óbvio, classificadas sob diferentes aspectos. Daniel Ferreira, em sua valiosa monografia sobre Sanções Administrativas, referindo-se ao que qualificou como “natureza” da restrição imposta, discerniu-as do seguinte aplausível modo: “(a) sanções reais – são as pecuniárias (multas) e as que, por sua natureza, gravam coisas, possuindo natureza real (por exemplo, as de perda de bens, interdição de estabelecimento e outras); (b) sanções pessoais – todas as demais, ou seja, as que atingem a ‘pessoa’ do sujeito passivo da sanção (infrator ou responsável), nelas se incluindo, por exemplo, as de prisão, suspensão de atividades etc” Ressalta que o préstimo de tal classificação é apartar as sanções transmissíveis – ou seja, as que, não cumpridas pelo infrator, se transferem a terceiros, que são as da primeira tipologia – das intransmissíveis, vale dizer, as da segunda categoria.[4]
Numa interpretação teleológica do mencionado art. 50, parágrafo único, da Resolução nº 65/1998, percebe-se que sua intenção não é de estender os efeitos da caducidade para a nova controladora, que, como já dito, nem participou da infração. Sua finalidade, na verdade, é punir quem controlava a prestadora infratora à época da prática da infração. Isso porque, em última análise, a controladora também é responsável pelas condutas de suas controladas.
O raciocínio inverso também procede. O efeito da caducidade também pode ser estendido às empresas controladas se a sanção de caducidade for imposta à controladora. Mas só às empresas que forem controladas à época do cometimento da infração por parte da controladora.
Destarte, em casos de transferência do controle de prestadora contra a qual exista processo sancionador passível de gerar sanção de caducidade, infere-se que tal processo continuará em andamento contra essa mesma prestadora, sendo plenamente possível a aplicação da sanção de caducidade e a geração dos efeitos respectivos. Não há, pois, óbices à aprovação da anuência prévia em razão da existência desse processo sancionador, salvo, como dito, se já tiver havido condenação sem posterior concessão de efeito suspensivo ou simplesmente a questão já tiver transitado em julgado no âmbito administrativo.
4. Conclusão
Verifica-se, portanto, que inexistem óbices jurídicos à concessão de anuência prévia por parte do órgão regulador para fins de transferência de controle societário da empresa regulada pelo simples fato de tramitar processo sancionador passível de sujeitá-la à sanção de caducidade, salvo se já tiver havido condenação sem posterior concessão de efeito suspensivo ou simplesmente a questão já tiver transitado em julgado no âmbito administrativo.
Nessa linha, a existência de um processo sancionador passível de gerar caducidade contra a prestadora cujo controle será transferido não inviabiliza a futura e eventual aplicação da sanção de caducidade, uma vez que as outorgas (concessões, permissões e autorizações, a depender do caso e do setor) são devidamente individualizadas por área, serviço e, obviamente, por pessoa jurídica.
Sobre os efeitos da caducidade, eles continuam incidindo normalmente contra a pessoa jurídica detentora da outorga, ressaltando-se que, no caso de tais efeitos também atingirem controlados e controladores, como no caso do setor de telecomunicações, eles serão aqueles da época do cometimento da infração, e não os novos controlados e controladores surgidos após a transferência de controle societário
5. Referências bibliográficas
BARROSO, Luís Roberto; Interpretação e Aplicação da Constituição, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003;
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995;
CARVALHO FILHO, José dos Santos; Manual de Direito Administrativo, 17ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007;
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2008;
MELLO, Celso Antônio Bandeira de; Curso de Direito Administrativo, 19ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005;
MENDES, Gilmar Ferreira; Coelho, Inocêncio Mártires; e Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008;
MORAES, Alexandre de; Direito Constitucional, 13ª ed., São Paulo: Atlas, 2003;
_________ Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Atlas, 2007;
[1] Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes.
[2] Art. 173. A infração desta Lei ou das demais normas aplicáveis, bem como a inobservância dos deveres decorrentes dos contratos de concessão ou dos atos de permissão, autorização de serviço ou autorização de uso de radiofreqüência, sujeitará os infratores às seguintes sanções, aplicáveis pela Agência, sem prejuízo das de natureza civil e penal: (...) IV - caducidade;
[3] Moraes, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2003, p. 132.
[4] Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 795 e 796.
Procurador Federal, pós-graduado em Regulação de Telecomunicações e pós-graduando em Direito Administrativo e em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Paulo Firmeza. Os (não) efeitos da prática de ato punível com sanção de caducidade na concessão de anuência prévia regulatória para fins de transferência de controle societário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 dez 2012, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33289/os-nao-efeitos-da-pratica-de-ato-punivel-com-sancao-de-caducidade-na-concessao-de-anuencia-previa-regulatoria-para-fins-de-transferencia-de-controle-societario. Acesso em: 23 dez 2024.
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