Resumo: Faz-se indiscutível a afirmação de que as normas configuram nossa realidade, e que deveriam agir de forma a melhorar a vida em sociedade, primando sempre por uma igualdade, sendo assim, teriam função de regulação social em prol da melhoria dos indivíduos, ora protegendo alguns e ora sancionando outros, quando necessário. Todavia, existem normas que não é possível verificar sua função em um contexto social “justo”. No presente estudo, se contraporá duas normas, o instituto do arrependimento posterior e o Refis originário, a fim de identificar se existe alguma relação de igualdade na aplicação das mesmas, e se suas criações foram feitas prezando uma igualdade positivada em nossa Constituição Federal de 1988, segundo um Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Igualdade; Refis; Estado Democrático de Direito.
INTRODUÇÃO
Para toda ação humana que se pratica, existem, em grande escala, normas que as regulam, que lhes dão licitude ou ilicitude, pela sua tipificação ou não. Diante da importância dessas normas em nossa sociedade é necessário analisar sua eficácia e sentido em nosso meio. Qualquer norma tem alguma finalidade, teoricamente benéfica, sendo essa sua função, trazer melhorias, por conter nossa história motivadora e nossas preocupações, e por isso são criadas para nosso proveito.
Segundo uma leitura Constitucional, verifica-se uma clara preocupação em lidar com a igualdade em nosso ordenamento, o que no desenvolver do trabalho vai ser mais bem exposto. O problema é que em diversos momentos, essa igualdade, se mostra uma falácia, por nosso sistema privilegiar alguns em detrimento de outros, indo totalmente de encontro com o positivado em nossa Carta Magna.
Vemos todos os dias o surgimento de novas leis, normas que tentam melhorar a vida dos cidadãos, algumas com validade, outras que estão longe disso. Importante frisar que existe também uma clara banalização nas suas iniciações, alguns legisladores iniciam projetos de lei em função de uma mera promoção individual, sem preocupação alguma com sua função social. Exemplos são vários, projetos de leis ordinárias totalmente desnecessárias, que qualquer indivíduo deveria enxergar a sua futilidade social.
O que não pode acontecer, nossos representantes devem buscar utilizar as ferramentas que têm em mãos para o melhor proveito comum, fazer com que o voto de confiança de um eleitor tenha uma resposta merecida e a altura.
Iremos, no presente estudo, visualizar que as leis devem, portanto, ter algum sentido proveitoso, efetivo, para a sociedade e que esse benefício seja justo.
Então, vale saber se a função de certas normas está sendo realmente benéficas e, no caso, se há equidade, se sua aplicação é comum a todos os cidadãos, se há alguma segregação ou preconceito em sua utilização. Tal inquietação é necessária dada à importância das normas em nosso meio, como dito anteriormente. Então, o estudo é importante para todos que estão inseridos nessa sociedade e devem respeitar tais normas.
Estudo esse que terá um viés direcionado ao conhecimento Constitucional, analisando a questão do Estado Democrático de Direito e, com isso, sua ligação com a igualdade dos indivíduos, aplicando também pontos da Hermenêutica Jurídica, utilizando autores consagrados para melhor explicação das normas que estarão em embate, e para alguns pontos interessantes que acrescentam o trabalho. Importante relatar que o método utilizado será o dialético, que segundo Mezzaroba e Monteiro (2005, p. 73), seria um processo dinâmico do modo de raciocinar, tendo como transformação a criação de uma nova tese.
Apresentar-se-á o instituto do arrependimento posterior, que será utilizado de forma comparativa e contraposta a norma originária do Refis, à luz desse nosso Estado Democrático de Direito, analisando a aplicabilidade social de cada um segundo um princípio de igualdade e justiça.
1 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Cabe inicialmente fazermos uma breve exposição histórica para uma melhor compreensão geral do assunto. Tratando-se de uma ideologia atual de grande importância para nossa sociedade, que com o tempo teve seu desenvolvimento perceptível, evoluindo de acordo com sua época social.
1.1 ESTADO
É importante entendermos a idéia longínqua de Estado, tendo o seu surgimento se tornado um tema de grande debate entre os doutrinadores do meio. Sabe-se ao certo que desde a Grécia Antiga existe a pólis, que seria um meio de organização social, importante esclarecer que a polis é uma organização social muito menos complexa que o Estado, mas é importante citá-la.
Fato interessante é a relação da polis com a liberdade, como dito por Arendt (2006, p. 47) o que distingue o convívio dos homens na pólis de todas as outras formas de convívio humano que eram bem conhecidas dos gregos, era a liberdade. E também em outra parte de seu texto dizendo (2006, p. 50) quem deixava sua pólis ou era dela degredada, perdia o único espaço no qual poderia ser livre, perdendo a companhia daqueles que eram seus iguais.
O que vale acrescentar é que existem duas correntes quanto ao surgimento do Estado. A primeira, a minoritária, relata que experimentalmente o Estado surgiu a um bom tempo, com base nessa experiência real nas diversas épocas, seja no período antigo, que efetivava a teocracia como base, até o período medial, com a fragmentação de poder e aumento de conflitos pelo mesmo. A segunda, que é a majoritária, diz que o Estado nasce realmente no período moderno. Vale apontar a fala de Candido (2009, p. 1), dizendo que em relação ao surgimento do Estado Moderno há algumas discordâncias, para Weber o Estado surgiu da política e do conflito bélico, enquanto para Marx a causa do surgimento do Estado Moderno seria o econômico.
O que é importante agora é entender que esse Estado se modificou, com o tempo tomou facetas diferentes, sua cara e finalidade/objetivo se transformaram, e nos próximos tópicos se conhecerá dois momentos desse Estado que vem nos acompanhado a um longo tempo.
1.2 ESTADO SOCIAL DE DIREITO E SUA IMPORTÂNCIA
Diante do assunto a ser debatido, vale necessariamente relacionar esse Estado Democrático de Direito com outro momento histórico de imensa importância, fala-se, portanto, do Estado social de Direito, que deu uma grande base a esse Estado de Direito.
Estado esse, que como posto por Verdú (2007, p. 87) se pautava na manutenção da justiça social. Isso quer dizer que o foco desse Estado estava na preservação de meios que efetivamente gerassem benefícios sociais. Sua clara contribuição ao Estado de Direito foi efetivar os Direitos Humanos, agora tutelados pelo Estado. Isso com dito por Martinez (2004, p. 1) que veio por meio de três documentos deveras importantes, a Constituição de Weimar de 1919, a Constituição Mexicana de 1917 e a Declaração de Direitos do Povo Trabalhador e Explorado na Rússia de 1918.
Sua criação não seria um meio de opressão a liberdade, relata Verdú (2007, p. 88) o momento exigiu que a liberdade deixasse de ser liberdade classista para adaptar-se à idéia de liberdade em uma sociedade justa e livre. Esse ponto que nos chama atenção, e que merece foco, esse Estado não quer restringir a liberdade, quer uma relação mais justa entre os indivíduos, tendo estes oportunidades semelhantes, porém é falso dizer que o mesmo irá se tornar uma sociedade mantida pela igualdade efetiva, completa Verdú (2007, p. 88) dizendo que isso existiria na atmosfera irrespirável da utopia.
Um ponto importante é tocado por Silva (2011, p. 115), quanto à ambiguidade da palavra social, que traria consigo sentidos diversos e com isso conflitante. A Alemanha Nazista, a Itália fascista e até o Brasil, desde a Revolução de 30, se dizia Estados Sociais. Torna-se, portanto, um tema de tamanha dificuldade para ser comentado.
Enfim, iremos passar para o momento de grande importância do estudo, ao falarmos desse tão citado Estado Democrático de Direito, buscando o lado igualitário do termo para após começarmos o enfrentamento dos temas.
1.3 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A IGUALDADE
Passando para o Estado Democrático de Direito, que é o nosso foco, devemos atentar em dizer que esse não seria uma mera junção do Estado de Direito e o Estado Democrático, segundo Silva (2011, p. 119) seria “a criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos de elementos componentes”. Um deles vem da grande influência do Estado Social de Direito, supramencionado, que seria aquela vontade constitucional para a realização deste Social, fala Streck (2000, p. 39). De forma sublime, Lenio Luiz Streck (2000, p. 39), configura que o Estado Democrático de Direito:
“[...] tem como questão fundamental a incorporação efetiva da questão da igualdade como um conteúdo próprio a ser buscado garantir através do asseguramento mínimo de condições mínimas de vida ao cidadão e à comunidade”. (STRECK, 2000, p. 39, grifo nosso).
Essa fala que nos interessa na presente passagem. Queremos, então, estabelecer a ligação do Estado Democrático de Direito com a igualdade. E para isso devemos nos atentar à nossa Constituição Federal da República de 1988 (BRASIL, 2010), que em seu artigo 1º configura o Estado Democrático de Direito como fundamento. Silva (2011, p. 119) faz uma comparação desse trecho da nossa Constituição com a Constituição portuguesa, relatando que está positivou como democrático o Direito e não o Estado. Em sua visão a maneira correta foi utilizada no Brasil, quando qualifica o Estado como democrático, sendo assim, ocorre uma irradiação instantânea a todos os elementos constitutivos do Estado, abancando, portanto, também a ordem jurídica.
Posto isso, devemos entender que inicialmente, antes de qualquer ação, nossas normas devem se atentar a igualdade, isso quer dizer que devemos analisar o impacto social quanto à desigualdade existente para programar qualquer norma.
Feita essa ligação com nossa Carta Magna fica clara a intenção do legislador de buscar uma democratização não apenas legal em nosso país. Diante disso, é congruente a boa atitude do legislador, porém isso é efetivamente feito? Nossas leis têm o principio de analisar se sua aplicação será justa/igual? Isso será posto em tela na seguinte contraposição de leis no presente estudo.
2 INSTITUTO DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR
Feita essa breve conceituação, cabe realizar a explicação do que seria um dos temas a serem postos em embate.
Sendo esse um instituto penal, mais especificamente encontrado no artigo 16 do Código Penal Brasileiro (BRASIL, 2001), com enunciado:
Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.
A opinião inicial e crua da sociedade é comum, relatar que o instituto é um modo válido de “beneficiar” o infrator, pois o crime foi praticado sem violência ou grave ameaça, sendo geralmente crimes de pequeno potencial ofensivo, com a restituição do lesado, feita ela pessoalmente, o agente seria agraciado com uma causa de diminuição de pena.
Necessário explicitar que qualquer indivíduo pode ser agraciado por tal instituto, sendo o crime praticado sem grave ameaça ou violência e seguindo os comandos da restituição qualquer cidadão pode se enquadrar.
Então, um fato louvável do legislador que visualiza um meio de gratificar o infrator que efetivamente venha a se arrepender do ato criminoso. Essa fala é justificada, como dito por Greco (2011, p. 274) no item 15 da Exposição de Motivos da nova parte geral do Código Penal, como um meio de instituir um estímulo à reparação do dano.
Porém, isso não deve ser levado como conclusão do assunto, devemos então fazer uma análise crítica e efetiva do instituto, interpretando sempre uma norma em comparação com outra, e é isso que será feito.
Seguindo com o instituto, verificamos outras vicissitudes detectáveis, o ato de restituir deve ser de maneira voluntária do agente, isso quer dizer que deve ser feito pessoalmente pelo infrator, não será necessário saber ou identificar os meios que levou ele a atitude de restituir, se sua intenção foi meramente ser agraciado pelo dispositivo, sua diminuição será efetuada. Em seu livro Greco (2011, p. 275) acrescenta que o TJSP em 26/10/88 já havia se posicionado em relação à questão, dissertando que o ato de restituição não necessita ser espontâneo.
Vale acrescentar que tal ato de restituir do agente deve ser em total do que foi violado na pratica do ato ilícito, Greco (2011, p. 276) exemplifica brilhantemente relatando que em suposição João tenha subtraído da residência de Antônio um televisor e um vídeo cassete, e que após a prática o mesmo tenha se desfeito do televisor, caso na fase de inquérito policial João restitua o vídeo cassete não poderá ser agraciado pelo instituto no viés da redução.
Passada as características básicas do instituto, chega-se ao outro ponto em discussão. Será analisado a lei originária do REFIS, verificando como nasceu e era aplicado.
3 REFIS
Esse instituto nasceu com a Lei n° 9.964 em 2000 que foi alterada posteriormente pela lei 10.189 de 14 de fevereiro de 2001, podendo ser chamado de REFIS ou Programa de Recuperação Fiscal. Em linhas gerais, seria a faculdade de uma pessoa física ou jurídica, saldar seu débito com a União, por meio de um parcelamento especial. Importante deixarmos claro que o foco é a lei originário do REFIS, e não seus desdobramentos pelo tempo, como o REFIS da crise, criado em 2009.
Pimenta (2001, p. 361) aduz que “a concessão desse parcelamento importa no cumprimento de obrigações pelo devedor, à lei criou a figura da exceção, verdadeiro ato administrativo [...]”.
Outro ponto crucial do estudo, identificado nos artigos da Lei 10.189, e comentado por Oldoni e Silva (2003, p. 1), é a extinção de punibilidade do agente que adimpli a dívida em qualquer fase do processo.
Art. 9. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
[...]
§ 2º. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.
Isso acrescenta um fato novo ao desenvolvimento do trabalho, pois a qualquer momento, independente se a denúncia já foi feita, se os ritos processuais começaram, o devedor pode parcelar a sua dívida, tendo assim, a pretensão punitiva estatal extinta.
Ainda por um aspecto básico, Pimenta (2001, p. 362) cita algumas dependências para que o REFIS seja aplicado. Deve, inicialmente, existir a manifestação de vontade do contribuinte em adimplir a dívida, após, tal ato irá ser apreciado por um Comitê Gestor para deliberação ou não. Com a deliberação a dívida será parcelada como uma obrigação do contribuinte, pagando-a com base para cálculo na alíquota, além, é claro, dessa dívida pré-existir a adesão/parcelamento do montante.
3.1 EM UM VIÉS DA HERMENÉUTICA
Vale desenvolver esse tópico inicialmente com a fala de Christine Mendonça (2001, p. 75), que aprofunda o tema com relação à crise da hermenêutica jurídica.
O primeiro ponto a fazer-se uma ligação é com o direito positivo, fonte do positivismo jurídico, que teve como grande representante Hans Kelsen. Um ponto da teoria é a questão sistêmica do ordenamento, tendo como base a Constituição Federal, formado por normas superiores e normas inferiores, que retiram fundamento de validade daquelas, nesse sentido a norma do REFIS, está dentro do ordenamento, e tem relação com outras normas (MENDONÇA, 2001, p. 78).
Consequente a sua criação surge uma norma jurídica, que advém de uma vontade do legislador, ligada com uma descrição de um evento do mundo social (MENDONÇA, 2001, p. 78). O que se conclui, portanto, é que a criação de uma norma, que é válida, deve se pautar de alguma relação/sentido social deve haver algum fundamento.
Porém também se faz necessário citar Dworkin. Identificam-se aspectos relevantes na fala do ilustríssimo autor com a questão em embate, só que agora na óptica de um juiz. Dworkin é muito claro em dizer que o direito deve ser um conjunto de normas válidas, cumulado com princípios que nortearão essas normas, seriam juízos que não são regras, como exposto por Pedron (DWORKIN, apud PEDRON, 2009, p. 103):
Todavia, paralelamente às regras, pode-se perceber que os juristas utilizam um outro standard normativo, os princípios – compreendidos aqui em seu sentido lato, que abrangem tanto os princípios propriamente ditos quanto as chamadas “diretrizes políticas”.
Vale dizer que esses princípios são tão importantes quanto às normas, Sgarbi (2009, p. 149) relata que Dworkin faz a aproximação do direito com a moral por meio dos princípios.
Diante disso, Dworkin afirma que cabe ao magistrado encontrar a resposta mais justa, assim, o mesmo tem um compromisso moral na busca a tal resposta. Por esse viés, Dworkin (2010, p. 6) cita que os juízes se baseiam e devem basear seus julgamentos de casos controvertidos em argumentos de princípio político, mas não em argumentos de procedimento político.
Posto esse compromisso por Dworkin, o magistrado deve procurar a resposta mais justa, que existe, para o caso. Sendo assim, se colocado um caso de REFIS a frente de um juiz, o que o mesmo deveria decidir?
Será que utilizando-se de princípios que versem sobre igualdade, discursos morais e visíveis desigualdades sociais, pode-se verificar que a aplicação de tal normal é amoral?
Abarcados os diversos pontos anteriormente, iremos partir para as críticas e incoerências das duas normas, tentando entender o sentido de cada uma, e principalmente verificar se estão seguindo um dos grandes pontos do Estado Democrático de Direito, que é a igualdade.
4 ARREPENDIMENTO POSTERIOR X REFIS
Esse será um momento de analisarmos os dois pontos e juntos tirarmos nossas conclusões. Colocando frente a frente o instituto do arrependimento posterior, presente em nosso Código Penal e o programa de recuperação fiscal, criado no ano de 2000, em meio ao mandado do Presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Vale ressaltar que a norma em questão é o REFIS originário, e não seus desdobramentos.
A priori é importante aduzir que entendemos sim a complexidade de contrapor normas de matérias distintas, haja vista uma ser matéria penal, enquanto a outraser matéria tributária. Porém, analisando nosso ordenamento como um conjunto e segundo uma Constituição da República que tem como prisma uma idéia de igualdade explicitamente constitucionalizada, devemos pesquisar se realmente uma norma está se portando de maneira desigual em comparaçãocom outra, isso em prol de uma segurança jurídica igualitária para todos.
Nesse diapasão, tomando por basea fala de Oliveira e Ferreira (2011, p. 1), poderemos iniciar o debate quanto à desigualdade:
Alguns conceitos de estratificação social e de classes sociais podem ser utilizados para expor as contradições e desigualdades encontradas em nossa sociedade: a estratificação econômica é determinada pelos bens materiais, a estratificação política é instituída pelo poder e a profissional pelo valor atribuído a determinadas profissões desfavorecendo outras. Quando uma pessoa ou um grupo de pessoas melhora o seu poder aquisitivo ocorre uma mudança social definida como mobilidade social.
Ao citar tal passagem, tentasse compreender os motivos, que são deveras extensos, da desigualdade. Será que existirá algum modelo que faça com que isso acabe? Será que conseguiríamos viver sem ela? São questionamentos que não vem ao caso, apesar do amplo campo de discussão.
O que vale buscar é se essa desigualdade, relacionada com a situação econômica, citada acima, tem alguma relação com o embate em questão. Fica claro dizer que existe algum privilégio dado ao credor que pode financiar sua dívida de maneira agradável e com isso não sofrer nenhuma sanção.
Começamos falando de desigualdade por já temos citado a questão da igualdade no Estado Democrático de Direito, sendo, portanto, um dos princípios basilares do nosso ordenamento superior. Fala-se igualdade em um contexto real, sem aquela utopia socialista, mas uma que siga minimamente os direitos sociais, o que não é possível identificar aqui.
4.1 O “BENEFÍCIO” DO POBRE E DO RICO
Para justificar essa crítica vamos começar a análise. Pegando o instituto do arrependimento posterior, verificamos superficialmente ser um benefício dado ao infrator que não agiu com violência e espontaneamente restituiu o lesado. Vale dizer que a maioria dos atos tipificados seriam crimes “pequenos”, ou melhor dizendo, que tem como objeto coisas pequenas, passíveis até da utilização do princípio da insignificância em juízo para desmistificar tal prática, princípio esse muito utilizado hoje na prática, mesmo não estando codificado.
Bom, em continuação, esse agente, que “conturba” e “amedronta” a vida em sociedade, por ter praticado um furto, por exemplo, de duas barras de chocolate em um supermercado, terá a “graça” de receber um alívio em sua condenação com a restituição dessas duas barras.O que novamente friso é que o indivíduo vai ser condenado, ele não será mais réu primário.
O que buscamos chegar é na comparação da sanção das duas normas postas pelo Estado. Porque vemos que a anteriormente citada, configura a condenação do indivíduo na forma penal, mesmo com a reparação do dano. Entretanto a norma do REFIS é vista e aplicada de maneira diferente. Com o surgimento de dívidas de pessoas físicas ou jurídicas com a União, dar-se-á a possibilidade para que tal dívida, advinda de maneira criminosa na maioria dos casos, seja parcelada a gosto do “freguês”.
Em uma comparação de grau é mais interessante para o Estado receber um crédito de um devedor de uma forma agradável para o mesmo, sem colocá-lo em uma posição de medo, pois sua sanção com o descumprimento é irrisória, do que não receber a quantia. Isso quer dizer que o agente ou empresa criminosa será isenta de qualquer sanção penal do jus puniendi estatal feito o total adimplemento do montante.
Também se verifica pontos do Direito Penal, onde o juiz deve analisar se a pena será equivalente ao praticado para prevenção e reprovação do indivíduo. Sendo assim, não será “justo” que um indivíduo que cometeu um ato criminoso não pague plenamente pelo que cometeu, tendo ainda benefícios a sua disposição.
Visto isso, vislumbra-se uma normaque foi criada para abarcar todos, o arrependimento posterior, entretanto a mesma vem sendo aplicado privativamente em direção aos pobres, por se tratar de crimes de menor potencial ofensivo, o que é praticado em grande escala por indivíduos de uma classe mais humilde, em contramão, a outra norma, tem como fundamento de criação atingir somente os que têm condições econômicas.
Portanto, cabe enfatizar a desigualdade social entre esses dois instrumentos normativos. Pegando uma brilhante frase de Mahatma Gandhi citada por Carvalho (GANDHI, apud CARVALHO, 2009, p. 1) podemos identificar pontos que caracterizam esse conflito.
Os sete pecados capitais responsáveis pelas injustiças sociais são: riqueza sem trabalho; prazeres sem escrúpulos; conhecimento sem sabedoria; comércio sem moral; política sem idealismo; religião sem sacrifício e ciência sem humanismo.
Dos sete pecados apontados pelo magnífico Gandhi, verificam-se pelo menos quatro pontos que traduzem nossa fala, a primeira seria o prazer sem escrúpulos, um prazer que não tem limite, não há quem possa impedi-lo, e esse benefício (REFIS) proporcionado só aumenta a vontade e ganância dos indivíduos que praticam tal delito. O segundo é o conhecimento sem sabedoria, é coerente dizer que a corrupção, praticada por indivíduos que buscam interesses próprios, se veste da sabedoria honesta para um lado não proveitoso e correto, portanto, não é uma sabedoria plena, ela está suja.
A terceira está na política sem idealismo, mais um momento de dissertar quanto à falta de vontade real do político, o interessa subjetivo se sobrepondo ao interesse/bem comum de seus representados. E por último a ciência sem humanismo, a fala de Kelsen é clara em querer criar uma ciência meramente jurídica, sem qualquer interferência, mas sabemos da necessidade de outros pontos para que nosso ordenamento e prática jurídica se desenvolvam em prol do justo e do bem, e sem dúvida o humanismo é um ponto louvável e indiscutível. Relaciona-se essa passagem com Dworkin, que por meio dos princípios, que adviriam dos costumes sociais, se encontraria o moral, o correto, o justo.
Ao relatar tal momento, a intenção é fechar o raciocínio dizendo que todos os “pecados” se relacionam entre si, tudo tem haver com as atuações humanas e como elas acontecem, seja de maneira efetiva ou omissa. Pegando nosso caso em tela, a efetiva ação de diferenciar os dois institutos é uma real contribuição a desigualdade social em nosso país.
CONCLUSÃO
Depois de uma explicação do que seria esse Estado Democrático de Direito que rege no Constituição, a explicação das duas normas e ante outros fatos expostos no desenvolvimento, à conclusão é coerente com o posicionamento tomado ao longo do presente do estudo. Como regra justa e que busque a igualdade, a criação do Refis, no ano de 2000, foi um fracasso no ponto de vista social e na efetiva garantia de direitos.
Ponto interessante, que foi posto acima, é a clara ligação com a desigualdade social em relaçãoàs duas normas. Parece que o instituto do arrependimento posterior foi criado para abarcar os mais desfavorecidos, os pobres, mesmo sendo aplicada para todos, e o Refis veio para ser aplicado nos indivíduos de maior poder aquisitivo, isso pela sua forma sancionadora “privilegiar” o indivíduo que é abarcado pelo Refis.
Em resposta a um questionamento feito supra, relacionado à passagem de Dworkin, o juiz não deveria utilizar a norma do Refis, segundo uma visão moral, sendo que o mesmo tem um compromisso em buscá-la, portanto, se aplicá-la irá de encontro com esse compromisso, contribuindo ainda para um aumento na separação entre indivíduos na sociedade.
Nessa linha queremos afirmar que o legislador não cumpriu uma das bases da Constituição na hora de criar e efetivar tal norma do Refis, com isso, deu margem para uma crítica quanto ao arrependimento posterior, pois, como dissertado no presente trabalho, é um benefício dado a todos os que praticam um crime, enquanto que a norma tributária só será aplicada a uma parte seleta da sociedade, ao devedor/infrator que tiver condições de adimplir a dívida.
Isto posto, fica claro dizer que a resposta da pergunta originária do presente trabalho é não. Nesse caso não existe nenhuma equidade entre as duas normas em seu plano de aplicação, pelo contrário, demonstra uma divisão social de classes, o que só contribui para o desenvolvimento desmedido da realidade daquela velha história de que quem manda nesse país são os que têm condições, enquanto os que vivem a margem da sociedade são contemplados com a falta de honestidade e descompromisso constitucional de certos indivíduos.
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Estudante do curso Direito da Faculdade de Direito de Vitória - FDV;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TORRES, José Neto Rossini. Arrependimento posterior x REFIS: contribuição efetiva para a desigualdade social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jan 2013, 07:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33365/arrependimento-posterior-x-refis-contribuicao-efetiva-para-a-desigualdade-social. Acesso em: 23 dez 2024.
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