RESUMO: A Medida Provisória nº 595/2012 revogou a Lei nº 8.630/93, estabelecendo novo regime jurídico para a exploração dos portos brasileiros, com o fim de modernizar a arcaica estrutura que ainda domina esse ambiente. Com vistas a garantir a segurança jurídica para a transição entre o antigo regime que se esvai e a nova ordem legal, previu-se no âmbito das regras transitórias a prorrogação do prazo de vigência dos contratos de arrendamento portuário existentes, desde que expressamente prevista. No presente trabalho, conclui-se pela inaplicabilidade da transição em relação aos contratos celebrados antes da vigência da Lei nº 8.630/93, que por ventura ainda operam efeitos, a despeito da pretensão já publicamente manifestada pelos titulares desses instrumentos, dado que o escopo da norma, de direito excepcional, deve ser interpretado de forma estrita, em oposição à regra geral de licitar, pedra de toque da administração pública.
PALAVRAS-CHAVE: arrendamento portuário – regime jurídico – transição
Title: Provisional Act No. 595/2012 and its impact on the validity of contracts signed before the Law 8.630/93.
ABSTRACT: The Provisional Act No. 595/2012 repealed the law No. 8.630/93, by establishing a new legal regime for the exploitation of Brazilian ports, in order to modernize the archaic structure that was still dominating the relationships in that environment. For the purpose of ensuring legal certainty during the transition between the old regime that is gone and the new legal order, it was envisaged, under the transitional rules, the extension of the term of the lease existing port, since expressly provided. In this study, it is concluded the inapplicability of the transition to contracts signed before the initial term of the law No. 8.630/93, which still operate effects despite the pretense already publicly expressed by the holders of these instruments, as the scope of the rule, whose nature is exceptional, should be interpreted narrowly, in resistance to the general rule of bidding, the touchstone of public administration.
KEY WORDS: Leasing Port – Legal Regime - transition.
Introdução
A recentíssima Medida Provisória nº 595, de 6 de dezembro de 2012, tratou de redefinir o marco regulatório da atividade portuária, visando à continuidade da remoção de obstáculos que caracterizam a “anacrônica” estrutura os serviços portuários, assim entendidos a movimentação de cargas, de cargas e pessoas, provenientes ou destinados ao transporte aquaviário.
A primeira grande reforma do setor portuário aconteceu com a edição da Lei nº 8.630/93, por isso designada “lei dos portos”, tendo como maior marca a aproximação com o setor privado, na busca de novos investimentos, a fim de conferir nova dinâmica à atividade, dado o grau de anacronismo que reinava nesse ambiente. Buscava-se maior competitividade, ampliação da oferta do serviço com redução dos custos e flexibilização das normas sobre as relações de trabalho.
Inobstante os significativos avanços conquistados, notadamente pela dinâmica imprimida pelos arrendamentos portuários, os portos continuam a apresentar um baixo nível de eficiência, custos elevados e reduzido volume de investimentos.
A propósito da situação dos portos brasileiros, recente matéria publicada no Jornal “Valor Econômico” é suficiente para afirmar a necessidade de novo marco regulatório para a atração de investimentos para o setor : “Trata de uma modernização mais do que necessária. Hoje, o Brasil está na 130ª posição entre 142 países no ranking de qualidade portuária do Fórum Econômico Mundial. O custo de exportação por contêiner no país chega a US$ 690, contra US$ 136 de Cingapura, US$ 172 da Alemanha, US$ 250 dos EUA e US$ 320 da China, impulsionado principalmente pelo excesso de burocracia. ‘Mesmo a Índia, com a infraestrutura em frangalhos, consegue um custo menor. O Brasil está atrás de todos os Brics e também de seus dois principais parceiros comerciais vizinhos, o Chile e a Argentina’, diz Gesner Oliveira, da GO Associados”[1].
Indiscutivelmente, a implantação dos terminais de uso privativo pela antiga lei dos portos foi a grande inovação no ambiente portuário, embora instalação similar já encontrasse prevista no art. 26, do Decreto-lei nº 5/66. Com a medida, facultou-se ao empreendedor a verticalização da cadeia produtiva, já que poderia controlar todo o processo produtivo e sua logística, sem depender de terceiros.
Agora, novamente a alteração mais significativa recai sobre os terminais de uso privado – antes, voltados para a movimentação preponderante de “cargas próprias” – não se encontram mais limitados nesse aspecto, pois poderão movimentar quaisquer espécies de cargas, salvo as restrições de ordem pública, de segurança, saúde, meio ambiente etc.
Todavia, o escopo desse nosso trabalho encontra-se voltado para a análise das regras de transição (transitórias e finais) da Medida Provisória, que tratam da adaptação dos contratos de arrendamento portuário, foco de intensa disputa jurídica nos últimos tempos, notadamente sobre as perspectivas que envolvem o pleito de manutenção de contratos celebrados antes da lei dos portos (1993) e a possibilidade de sua adequação, com o fim de alcançar o limite temporal de cinquenta anos, máximo previsto para a espécie.
I. Da adaptação e vigência dos contratos de arrendamento portuário celebrados até a edição da Lei nº 8.630/93 – contrato administrativo.
É competência da União a exploração dos portos marítimos, lacustres e fluviais, conforme dispõe o art. 21, XII “f”, da Constituição Federal/88. Da interpretação do artigo, tanto a doutrina quanto a jurisprudência reconhecem a exploração da atividade portuária como serviço público federal[2], já que eleita como tal por quem de direito, o legislador constitucional. De fato, como manifestação máxima do poder político, a Constituição relacionou a exploração de portos como atividade própria da União, cuja prestação poderá ocorrer de forma direta ou indireta, mediante a concessão, permissão e autorização. Ou seja, sua prestação é atribuição do Estado, na forma definida pela CF/88.
A Lei nº 8.630/93 é designada “lei dos portos”. Pela importância que representava à época de sua edição, foi equiparada a uma segunda abertura dos portos brasileiros, comparando-a ao ato de Dom João de Bragança, quando de sua chegada ao Brasil em 1808.
Visava cumprir os parâmetros e limites constitucionais, estabelecido pela nova ordem jurídica, advinda da Carta Magna de 1988, que facultava a prestação do serviço público de forma direta ou indireta, mediante a concessão, permissão e autorização. Neste caso, para buscar uma maior participação do particular na prestação do serviço, mediante o incremento de novos investimentos.
No ambiente portuário, a participação foi prevista pela lei dos portos, mediante a celebração de contratos de arrendamento portuário, nada mais do que uma espécie de subconcessão, na medida em que não só conferia o direito de exploração de um bem da União, como também conferia o direito de explorar a atividade portuária, serviço público federal.
Constituía-se, portanto, em modalidade de contrato administrativo, submetido ao prevalecente regime jurídico direito público, consagrador da supremacia do interesse público e dotado de cláusulas exorbitantes[3]. Bem a propósito, o § 4º, do art. 4º, da Lei nº 8.630/93, obrigava ao administrador público inserir nos contratos da espécie determinado rol mínimo de cláusulas, especialmente aquelas voltadas para garantir a fiscalização plena do serviço, e os direitos dos usuários. Destaque-se para as seguintes: a) quanto ao modo, forma e condições de exploração do serviço, com a indicação dos padrões de qualidade, metas e prazos para o seu aperfeiçoamento (inciso II); b) quanto aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço (inciso III); c) obrigação de atualidade do serviço (inciso V e VIII); d) responsabilidade pela inexecução ou execução deficiente dos serviços (inciso IX).
Como se vê, cláusulas relativas ao estado de subordinação (sujeição especial) em que colocado o arrendatário portuário. De outro lado, exsurgia como direito inescapável ao particular o retorno sobre o investimento realizado, na medida em que se garantia a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de arrendamento, na forma prevalecente do direito administrativo.
Dúvidas não havia sobre a natureza de contrato administrativo imputada ao arrendamento portuário. Mesmo assim, o próprio Decreto nº 4.391/2002, que regulamentava a Lei nº 8.630, estabelecia in verbis:
Art. 9º O contrato de arrendamento de que trata este Decreto constitui espécie do gênero contrato administrativo e se regula pelas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhe, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições do direito privado.
Em verdade, formou-se um microssistema jurídico que disciplinava a matéria. Essencialmente com base nas leis especiais nºs 8.630/93 e 10.233/2001; a lei geral de concessão e permissão de serviço público, Lei nº 8.987/95; subsidiariamente, a Lei Geral de Licitações, nº 8.666/93; e respectivos decretos regulamentares. Estas, portanto, ditam as cláusulas e preceitos de direito público, eventualmente complementada pelas disposições de direito privado (regra para a integração das normas).
Para a presente análise, duas regras estipuladas pela Lei nº 8.630/93 importam, nesse momento. São elas: a obrigação de licitar – sempre através de licitação – e a possibilidade de prorrogação dos contratos uma única vez. Veja:
Art. 4º. Fica assegurado ao interessado o direito de construir, reformar, ampliar, melhorar, arrendar e explorar instalação portuária, dependendo:
I – de contrato de arrendamento, celebrado com a União no caso de exploração direta, ou com sua concessionária, sempre através de licitação, quando localizada dentro dos limites do porto organizado;
(...)
§ 4° São cláusulas essenciais no contrato a que se refere o inciso I do caput deste artigo, as relativas:
(...)
XI - ao início, término e, se for o caso, às condições de prorrogação do contrato, que poderá ser feita uma única vez, por prazo máximo igual ao originalmente contratado, desde que prevista no edital de licitação e que o prazo total, incluído o da prorrogação, não exceda a cinquenta anos; (destaques nossos)
Seguindo, as disposições transitórias daquele Estatuto (art. 53) acrescentava que o Poder Executivo deveria promover (promoverá), prazo de cento e oitenta dias, a adaptação das atuais concessões, permissões e autorizações às disposições desta lei.
Nesse sentido, exsurgiu tese jurídica para defender a permanência dos contratos celebrados antes da publicação da Lei nº 8.630/93, sob o argumento que as disposições daquela lei permitiriam inferir sobre o direito dos arrendatários de ter seus contratos adaptados, inclusive para o fim de estender o prazo do contrato, de forma que atingisse o prazo máximo de cinquenta anos, ex-vi inciso XI, do § 4º, do art. 4º, daquele Estatuto. E não foram poucos os argumentos de que se utilizou tal corrente para atingir esse desiderato.
Advoga a corrente que a omissão do poder público em promover a adaptação do contrato de arrendamento ao novo marco legal (art.53) implicava na permanência latente do direito de uma nova prorrogação, depois de implementada tal ação administrativa.
Todavia, já na vigência da Lei nº 8.630/93, não havia qualquer substrato jurídico para sustentar a posição. Tão pouco com a edição da Medida Provisória nº 595/2012, verificou-se alteração do quadro jurídico a conformar a atuação da administração pública no sentido de permitir a dilação da vigência dos contratos, ainda que não submetidos à regra basilar da licitação, conforme determina a Constituição Federal/1988.
Tome-se que a nova lei dos portos é decorrente do novo marco constitucional, surgido com o advento da Constituição Federal de 1988. Sabido e consabido que, nesse caso, há um rompimento com o ordenamento jurídico anterior, só permanecendo válidas eventuais normas que se mostrarem recepcionadas pela nova ordem constitucional.
De outro modo, continuam a vigorar apenas aquelas disposições legais que não afrontarem o novo marco constitucional, ou com este não forem, qualquer, modo incompatíveis[4]. Demais disso, as normas infraconstitucionais recebem os limites e diretrizes traçadas pelo legislador constitucional. Portanto, informam e conformam as normas hierarquicamente inferiores.
Some-se o fato de que a licitação passou a ser regra para a administração pública (pedra de toque), e só excepcionalmente, nos casos de dispensa e inexigibilidade legalmente previstos, poder-se-á contratar diretamente, ex-vi art. 37, XXI e 175, amos da CF/88.
Nos casos do trespasse de serviço público, dado o caráter mais marcante da exigência de prévio planejamento e elaboração da fase interna, a rigidez da fixação de parâmetros para o edital é mais relevante, notadamente em face da longevidade de tais instrumentos.
Primeiro, cabe verificar que os contratos administrativos obrigatoriamente devem conter cláusulas de vencimento, inadmitindo-se a celebração de contrato que não estabeleça de modo expresso a sua vigência, e as eventuais condições de prorrogação, se admitida. A Lei nº 8.666/93, aplicável subsidiariamente, estabelece a vedação da celebração de contrato com prazo de vigência indeterminado. Veja:
Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:
(...)
§ 3o É vedado o contrato com prazo de vigência indeterminado.
A propósito do assunto, Egon Bockmann Moreira aduz que sobre a disposição expressa da lei de concessões, inciso II do art. 2º da Lei 8.987/1995, que trata da estipulação de “prazo determinado” para a concessão de serviço público. Acrescenta in verbis:
“O contrato de concessão exige a estipulação prévia de marco inicial e termo: a outorga do serviço público mede-se em lapsos certos. Devido ao dispositivo legal em comento, no regime jurídico brasileiro não existem concessões de serviço público ad aeternum ou com prazo incerto (precárias). Mas há outro motivo: sem esses dados cronológicos não é possível fazer as projeções dos investimentos (amortização e rentabilidade), da execução dos serviços e da entrega dos bens reversíveis. Também por isso o prazo é determinado, pois a dúvida cronológica implicaria a precariedade do contrato. Isso, contudo, não importa dizer que esse prazo é inflexível ou imutável”.
Nesse sentido, também a Lei nº 8.630/93 estabelece como cláusula essencial do contrato de arrendamento portuário a relativa ao prazo objeto, à área de prestação do serviço e ao prazo (inciso I, § 4º, do art. 4º).
Visando preservar a continuidade da atividade (essencial para o atendimento das necessidades da coletividade)[5], veio o Decreto 1.912/96[6], estabelecendo que os contratos de arrendamento de instalações portuárias de uso público, firmado antes da vigência da Lei nº 8.630/93, permaneceriam válidos pelo prazo de 24 meses, contados da data da publicação daquele Decreto (com respaldo no § 2º, do art. 42, da Lei nº 8.987).
Dentro desse mesmo enfoque, de permitir uma situação de normalidade na transição do regime jurídico anterior para o novo marco legal, a Resolução nº 55/2002, da ANTAQ, também reafirmou a possibilidade de prorrogação dos contratos de arrendamentos, firmados antes da vigência da Lei nº 8.630/93, desde que tais instrumentos já não tenham sido prorrogados no curso da novel legislação, dado o caráter de absoluta excepcionalidade da atuação administrativa, para o fim de garantir a continuidade do serviço público.
Decorridos quase vinte anos da edição da Lei nº 8.630/93, há ainda controvérsia sobre o regime de transição determinado pelo legislador ordinário. Aqueles que advogam a possibilidade de manutenção dos contratos, até o limite máximo de 50 (cinquenta) anos, ex-vi inciso XI, do § 4º, do art. 4º, da Lei nº 8.630/93, fundamentam a tese ao argumento de que o art. 48 e 53, daquela lei teria atribuído à Administração Pública o poder-dever de promover as adaptações dos contratos.
Afirmam que, embora tratasse à toda prova de poder-dever, portanto inescusável ao poder público, este permaneceu inerte, deixando de promover a adaptação dos contratos, que seguiram sob o comando de cláusulas contratuais do regime jurídico anterior.
A propósito do assunto cabível, pois, perquirir sobre o alcance dos indigitados arts. 48 e 53, da Lei 8.630/93, que dispõem in verbis:
Art. 48. Os atuais contratos de exploração de terminais ou embarcadores de uso privativo deverão ser adaptados, no prazo de até cento e oitenta dias, às disposições desta lei, assegurado aos titulares o direito de opção por qualquer das formas de exploração previstas no inciso II do § 2° do art. 4° desta lei.
(...)
Art. 53. O Poder Executivo promoverá, no prazo de cento e oitenta dias, a adaptação das atuais concessões, permissões e autorizações às disposições desta lei.
Primeiro, há que se pontuar o fato que tais dispositivos encontram-se topograficamente localizados no âmbito de disposições transitórias do Estatuto vigente há quase vinte anos, particularidade esta que examinada adiante.
Evidencia-se, de pronto, que o art. 48 não é pertinente ao objeto em análise, pois diz respeito aos terminais ou embarcadores de uso privativo, e não propriamente sobre as instalações portuárias públicas, transferidas aos particulares por meio do contrato de arrendamento portuário. No regime da Lei nº 8.630/93, instalação portuária é gênero, tendo por espécies (i) instalações portuárias públicas, localizadas no âmbito do porto organizado; (ii) instalações portuárias de uso privativo. Uma não se confunde com a outra. As primeiras são delegadas aos particulares por meio do contrato de arrendamento (espécie de subconcessão), enquanto as segundas são objeto de mera autorização.
Ordinariamente, o trespasse ao particular das instalações portuárias no âmbito dos portos organizados se dá mediante a celebração do contrato de arrendamento, na forma o inciso I, caput, do art. 4º, da Lei nº 8.630/93. Desse modo, tem-se que é o art. 53 (não o 48), daquele Estatuto, que trata propriamente do contrato de arrendamento, e o dever da Administração Pública de promover a indigitada adequação. Contrato de arrendamento enquanto transferência parcial ao particular da atividade desenvolvida pelo porto organizado (celebrado diretamente com a União ou com sua concessionária), com a sub-rogação dos direitos e deveres relacionados ao serviço público delegado.
Cabe observar, pois, que a norma vertida no indigitado artigo consagra a supremacia do interesse público[7], determinando que os particulares, titulares do direito de exploração das instalações portuárias passassem a submeter-se às inovações previstas na lei, de forma a garantir a continuidade do serviço público. Trata-se, portanto, do regime de transição, como forma de permitir a atuação da administração pública, sem sobressaltos para o usuário.
A matéria foi objeto de manifestação da Advocacia-Geral da União, por meio do Parecer nº 45/2010/DECOR/CGU/AGU, de 30/4/2010, que ao examinar pretensão de aplicação dos arts. 48 e 53, com o fim de permitir sua manutenção dos contratos ad aeternum, sob a insígnia da adaptação contratual, consignou in verbis:
40. Nesse contexto, e a partir da análise da evolução normativa concernente à matéria – que por força das sucessivas alterações mereceram citações descritivas – não é possível extrair qualquer interpretação dos artigos 48 e 53 da Lei nº 8.630/93 que autorize o entendimento de que os contratos de arrendamento anteriores à referida norma devem ser adaptados aos novos parâmetros introduzidos pela mesma no que pertine à vigência pelo prazo de 25 (vinte cinco) anos prorrogáveis por mais 25 (vinte e cinco) anos, obrigatoriamente.
41. Em verdade, sequer o tratamento legislativo conferido aos contratos de arrendamentos celebrados já sob a égide da norma em questão autoriza chegar a tal conclusão.
42. Conforme se infere disposto no art. 4º, § 4º, da Lei nº 8.630/93, o legislador contemplou mera possibilidade de previsão de cláusula contratual que autorize prorrogação do prazo do contrato de arrendamento por período idêntico ao inicialmente pactuado, desde que respeitado o prazo máximo de 50 anos, não havendo qualquer outro dispositivo no apontado diploma legal que imponha a celebração de contratos de arrendamento por período mínimo de 25 anos, ou que confira direito de renovação compulsória por igual razão em favor dos arrendatários.
(...)
Vê-se, assim, que o que pretende a Consulente é mais do que aplicar as disposições legais previstas na Lei nº 8.630/93 aos contratos de arrendamento celebrado ates mesmo da sua vigência – o que, por si só, não seria possível por representar violação ao princípio da irretroatividade das leis -, sendo certo que a sua pretensão é de perpetuar contratos de arrendamento por tempo superior ao contratado, em total desacordo com as disposições legais e regulamentares que disciplinam a matéria.
(...)
63.5. Os dispositivos constantes dos artigos 48 e 53 da Lei nº 8.630/93 não autorizam o entendimento de que a adaptação dos contratos de arrendamento celebrados sob a égide da legislação anterior é comando cogente direcionado ao Poder Público, independentemente da situação de vigências dos mesmos, se vencidos ou a vencer. Estando os contratos de arrendamento com prazo de vigência ultrapassado, decerto que não podem ser adaptados à nova legislação, sendo imperiosa a retomada do objeto do contrato, nos termos da Resolução nº 525/05 da ANTAQ. No que tange aos contratos a vencer, a adaptação é, em tese, pertinente, desde que a mesma se realize nos termos da legislação aplicável à espécie e respeitados, em qualquer hipótese, os prazos assinalados pelas Resoluções da ANTAQ sobre o tema.
No despacho de aprovação do referido Parecer, o Advogado-Geral da União considerou o caráter cogente do dever de promover a adaptação de todos os contratos celebrados antes da vigência da Lei nº 8.630/93, tendo asseverado ainda:
Sobre os questionamentos apresentados aprovo o Despacho do Consultor-Geral da União nº 890/2010 e o PARECER Nº 045/2010/DECOR/CGU/AGU, destacando a aplicação, neste caso, do disposto nos artigos 48 e 53 da Lei nº 8.630/93, de 1993, que entendo que:
a) os dispositivos acima citados são normas de cumprimento obrigatório, portanto, deve a Administração Pública adaptar todos os contratos que se encontrarem vigentes após a edição da Lei nº 8.630/93, 1993, e estejam pactuados sob as normas anteriores;
b) a adaptação deve observar, além do interesse da Administração Pública, as cláusulas contratuais essenciais de que trata o § 4º do art. 4º da Lei nº 8.630, de 993, inclusive quanto à possibilidade de nova prorrogação do contrato celebrado com base nos atos normativos anteriores, por uma única vez, no mesmo prazo de vigência do contrato originário e desde que preservado o interesse das partes, consoante dispõe o inciso XI do § 4º da Lei dos Portos;
c) mesmo admitindo a possibilidade de prorrogação dos contratos é recomendável, sempre que possível, a realização de licitação.
No bojo do processo administrativo sob o tombo nº 50300.001144/2010-57, com trâmite na Agência Nacional de Transportes Aquaviários, examinando recurso da parte Interessada, consignamos no Parecer nº 274/2012/CARG/PF/PGF/AGU, de 10/5/2012, que a menção a “nova” prorrogação, a que alude o indigitado despacho, não seria aplicável aos casos em que os contratos já tivessem sido desdobrados (prorrogados) na vigência da Lei nº 8.630/93. Na oportunidade, consignamos in verbis:
61. Com efeito, tratando-se de mero entendimento jurídico acerca do conteúdo normativo do inciso XI, do § 4º, do art. 4º, da Lei de Portos, a aludida “nova prorrogação” só pode ser compreendida como sendo aquela levada a termo depois da entrada em vigor do dispositivo (1993), e somente uma única vez. Porém, utilizou-se da expressão “nova” com o fim de admitir que outras prorrogações celebradas antes da vigência da Lei nº 8.630/93 não afetaria o direito de adaptação (transição), mediante nova (e única) prorrogação, no curso da Lei nº 8.630/93. Ou seja, admitir-se-ia mais de uma prorrogação, se e somente se a pluralidade fosse decorrência exclusiva de atos formalizados antes da vigência da novel legislação.
62. Não passa de mera aventura jurídica (entendimento teratológico) entender que a suposta omissão da Administração Pública (de não fazer a inclusão das cláusulas essenciais do § 4º, do art. 4º; ou seja a indigitada “adaptação”, imediatamente após a publicação da lei) teria o condão de conferir um suposto direito, a permitir mais de uma única prorrogação, ao arrepio de expressa norma legal.
63. Na verdade, ao celebrar o termo aditivo – de mera prorrogação, uma única vez conforme previsto –, esse ato já terá de per se promovido a “adaptação” nos aspectos de “prazo e de vigência” dos contratos. Não pode subsequente avença das partes, caracterizada como “adaptação”, ou seja lá o que for, instituir um direito não previsto na norma originária, que passa a constituir-se em descarada ilegalidade e manifesto desvio de finalidade, a fim de produzir um efeito diverso do estabelecido pelo legislador ordinário. É conferir alcance firmado em norma secundária que desborda em ilegalidade.
64. Nada há na legislação ordinária qualquer dispositivo que albergue o entendimento acerca da possibilidade de uma nova prorrogação, para aqueles contratos já prorrogados no curso da Lei de Portos. E nem poderia, pois tratando-se de espécie de subconcessão (arrendamento portuário, por meio do qual o particular se investe no direito de concessão real de uso de bem público e, ainda, da qualidade de prestador de serviço público), haveria manifesta inconstitucionalidade do ato, por violação do disposto no art. 175, da CF/88. O dispositivo estabelece “sempre por licitação”, redobrando o rigor incidente ao procedimento licitatório, erigido pedra de toque para a administração pública.
65. Doutro giro, não se pode olvidar que o entendimento pretendido pela Recorrente (objeto da proposta de norma não levada a termo), de permitir uma nova prorrogação, para aqueles contratos já prorrogados na vigência da Lei 8.630/93, teria o condão de conferir um privilégio não conferido sequer aos contratos regularmente submetidos ao devido processo licitatório (pós vigência da lei dos portos), o que seria um absurdo do ponto de vista legal e constitucional. Ora, com a nova ordem constitucional, advinda com a promulgação da CF/88, resta evidente a revogação de quaisquer normas à época vigentes que contrariasse a novel Carta Magna. Esta é regra elementar de interpretação do direito constitucional.
Assim, demonstrou-se que, no atual Estado Democrático de Direito, a regra é a licitação, sendo a adaptação prevista para o regime de transição do regime jurídico anterior à Lei nº 8.630/93, e o vigente a partir da edição dessa lei, uma exceção àquela regra, razão pela qual deve ser interpretada de forma restritiva, como todo direito excepcional. Tem, portanto, escopo de garantir a continuidade do serviço público, e deve ser entendida como prerrogativa da administração pública para a garantia do interesse público, e não direito adquirido da parte.
Destarte, não existe uma relação de causa-efeito entre a obrigação de adequação dos contratos e a extensão do prazo vigência, para além de uma única prorrogação, por igual período originalmente contratado, sob pena de subverter a ordem legal, conferindo-se aos atos praticados pela Administração Pública o potencial para modificar o conteúdo e alcance da norma primária.
A indigitada adequação não implica, necessariamente, na prorrogação do contrato administrativo de arrendamento portuário, mas na mera possibilidade de, mantida a atualidade do serviço e o interesse para a administração pública, o poder público exercer a prerrogativa de promover o desdobramento do prazo de vigência, se, e somente se, a prorrogação ainda não tiver sido efetivada na vigência da Lei 8.630/93.
Bem por isso, sustentamos alhures a ilegalidade da Resolução nº 1.837/ANTAQ, de 29 de setembro de 2010, que possibilitava a prorrogação dos contratos celebrados antes da Lei nº 8.630/93, mesmo nos casos em que já havia se operado o desdobramento do prazo de vigência da avença.
A indigitada Resolução 1837 sequer chegou a produzir efeitos concretos, dado que foi revogada (impropriamente, pois era caso de nulidade e não de juízo discricionário de oportunidade e conveniência), com a edição da Resolução 2.386/ANTAQ, de 16/2/2012. Assim, pois, conforme demonstrado tal norma secundária não se amparava em norma primária, promovendo verdadeira inovação na seara jurídica.
Inexiste, portanto, qualquer dispositivo da Lei nº 8.630/93, que forneça substrato jurídico para a perpetuação dos contratos (implementação de nova prorrogação), consubstanciado – ou por decorrência – do dever de adaptação prevista na lei de portos.
Aliás, como demonstrado, inexiste qualquer relação entre o dever de adaptação dos contratos ao disposto nos arts. 48 e 53, que não significa nada mais do que tornar indigitados instrumentos contratuais “conforme” às cláusulas regulamentares de que trata a Lei 8.630/93, independentemente do prazo de vigência legal, com vistas a sufragar a supremacia do interesse público, próprio do regime jurídico de direito público ocorrente na espécie. A faculdade conferida pela lei é de apenas uma única prorrogação, por igual período ao originalmente contratado, independente de ser levada a efeito antes, ou depois, da indigitada “adaptação”, desde de que ocorrente no curso da vigência da Lei 8.630. Ou seja, prorrogação ocorrida na vigência da Lei nº 8.630/93 consubstancia-se na própria “adaptação contratual” no aspecto de prazo e termo final do contrato.
A prorrogação de contratos celebrados antes da vigência da Lei nº 8.630/93, licitados ou não, representa permissivo decorrente da operatividade do regime de transição, estabelecido pelo art. 53, daquela lei, com vistas à continuidade do serviço público. Portanto, equivale a uma regra de direito excepcional, que exige interpretação restritiva, sob pena de desbordar em ilegalidade manifesta.
Nessa altura, importa acrescentar o reconhecimento de que não há que se falar em direito adquirido, em face da contratualização da prestação do serviço público por privados (concessionários/arrendatários). Isto porque ao estabelecer a relação jurídica com o titular do serviço, o administrado se insere num regime de sujeição especial, no qual a sua única garantia é a preservação da equação econômico-financeira inicial[8], sob pena, aí sim, de desconsideração da incidência do princípio da adaptabilidade e da supremacia do interesse público, o que, por consequência, acabaria por esvaziar o próprio núcleo do conceito de serviço público.
Implica dizer que, caracterizada determinada atividade como serviço público, do fato, de per se, atrai-se a incidência de determinados princípios, diversos daqueles incidentes sobre a atividade meramente econômica. Implica dizer, o regime jurídico é diverso, razão pela qual não se sujeitam ao regime de direito privado, mas ao prevalecente regime de direito público, tendo como pedra de toque o dever de sujeição à licitação.
II . Medida Provisória nº 595/2012: da repercussão sobre os contratos celebrados antes da Lei nº 8.630/93.
Como parte das medidas adotadas pelo Executivo Federal, com vistas a modernização da infraestrutura de transportes, em especial do setor portuário, reconhecidamente “anacrônico” em face dos pares internacionais, foi publicada em 6 de dezembro de 2012 a Medida Provisória nº 595, para o fim de dispor sobre a exploração direta e indireta, pela União, de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários.
Assim como a Lei dos Portos, Lei nº 8.630/93, agora revogada, a Medida Provisória vem ao encontro dos anseios do mercado, prometendo o aumento da competitividade, ampliação do serviço e redução dos custos para o usuário do serviço. Tem por diretrizes a expansão, modernização e otimização da infraestrutura e superestrutura dos portos e instalações portuárias; garantia de modicidade e da publicidade das tarifas e preços praticados no setor; estímulo à concorrência, incentivando a participação do setor privado e assegurando amplo acesso aos portos organizados (art. 3º).
No âmbito da atividade regulada, o impacto mais significativo é sobre a atividade dos terminais e uso privativo, agora terminais de uso privado, que poderão movimentar cargas de terceiros, sem qualquer exigência de carga própria. Agora, não se exige mais a existência de carga própria, para a autorização de que trata o art. 21, XII “f”, da Constituição Federal, situação diversa do regime anterior (art. 4º, § 2º II, da Lei nº 8.630).
Em relação aos contratos de arrendamento firmados antes de 1993, ainda vigentes, que são o núcleo central da presente análise, a Medida Provisória parece ter despertado especial interesse dos arrendatários. Buscam, sob o título de “adaptação” ao novo regime, regra de transição que permita manter a vigência de tais instrumentos, embora não submetidos à regra basilar da licitação, a despeito deste comando constitucional vigorar há mais de vinte e quatro anos, tendo-se tornado pedra de toque para a administração pública.
Por meio da imprensa, sabe-se que a investida atual consubstancia-se no disposto no art. 49, da MP 595/2012, que dispõe in verbis:
Art. 49. Os contratos de arrendamento em vigor na data de publicação desta Medida Provisória permanecerão vigentes pelos prazos neles estabelecidos, devendo ser licitados com a antecedência mínima de doze meses, contados da data de seu término.
§ 1º Nos casos em que o prazo remanescente do contrato for inferior a dezoito meses ou em que o prazo esteja vencido, a ANTAQ deverá promover a licitação em no máximo cento e oitenta dias, contados da data de publicação desta Medida Provisória.
§ 2º A prorrogação dos contratos referidos no caput, desde que prevista expressamente, será condicionada à revisão dos valores do contrato e ao estabelecimento de novas obrigações de movimentação mínima e investimentos. (destaque nosso)
Note-se que o dispositivo foi colocado topograficamente no Capítulo IX, das Disposições Finais e Transitórias. Significativo para dizer sobre regra de aplicação temporária, que permita aos destinatários atender ao escopo cogente da norma, sem maiores sobressaltos, decorrentes da alteração legal. Noutras palavras, trata-se de disciplina especial, exigida para o momento de transição. Visa garantir a segurança jurídica das relações jurídicas, permitindo-se que certos casos sejam disciplinados de modo especial, de forma a garantir a adaptação das situações de perplexidade decorrentes da alteração do marco legal.
Transitória para dizer que tais normas buscam efetivamente a transição de um regime jurídico para outro. E de quais regimes trata a norma? Por certo o regime disposto pela Lei nº 8.630/93 e o novo regime, tratado pela Medida Provisória nº 595/2012.
Citando o autor francês Paul Roubier, Anna Cândida da Cunha Ferraz ao tratar das disposições transitórias dos atos normativos, colaciona o seguinte excerto: “têm por finalidade estabelecer um regime intermediário entre duas leis, permitindo a conciliação das situações jurídicas pendentes com a nova ordem legislativa”[9]
Tem-se, portanto, que normas da espécie visam promover uma comunicação entre o regime revogado e seu substituto, sem que isto promova maiores rupturas das relações jurídicas estabelecidas sob a ordem jurídica substituída. Em última análise, visam a garantia da segurança jurídica para os momentos de transição normativa.
Parafraseando Luís Roberto Barroso, ao tratar das disposições constitucionais transitórias[10], no universo infraconstitucional as disposições transitórias disciplinam esta confluência do passado com o presente, da positividade que se impõe com aquela que se esvai. Destinam-se as normas dessa natureza a auxiliar na transição de uma ordem jurídica para outra, procurando neutralizar os efeitos nocivos desse confronto, no tempo, entre regras de igual hierarquia e de hierarquia diversa.
Nessa quadra, ao tratar da interpretação do art. 49, da MP 595, e sua aplicação aos contratos firmados antes da vigência da Lei nº 8.630/93, evidencia-se não existir perfeita adequação do fato à norma, dado que tais contratos não dizem respeito ao regime da Lei nº 8.630/93, e sua transição para o regime atual. Mas de regime anterior à disciplina da Lei nº 8.630/93. Tendo em vista que esta lei permaneceu em vigor por mais de dezenove anos, o próprio decurso do tempo está a indicar que não há que incidir o regime de transição em testilha sobre tais instrumentos contratuais. Do contrário, se levado a efeito pelo operador do direito, ter-se-ia incidência de dois regimes de transição, de modo apartado da realidade, pois ausente substrato fático para fundamentar a subsunção. Se fosse o caso de substituição sine intervallo de regimes jurídicos, até poder-se-ia justificar a necessidade de dupla transição. Mas não é caso.
Em relação aos contratos celebrados antes da vigência da Lei nº 8.630/93 não há como fundamentar, agora, a aplicação de um novo regime especial de transição de que trata o art. 49, da MP 595, pois já contemplados num regime de transição anterior. Seria um despropósito, dado que tal interpretação estaria desvinculada da finalidade incidente sobre as normas de transição, e, portanto, reprochável pela ordem jurídica. Ter-se-ia mera teratologia jurídica, tendente a perpetuar a vigência de tais instrumentos contratuais administrativos, subtraindo-se de modo transverso ao dever constitucional de licitar.
Conforme se pode observar, o art. 49, da MP 595, enquadra-se no conceito de disposição transitória (sua localização topológica), assim consideradas aquelas elaboradas pelo próprio legislador, no próprio texto normativo, de modo a conciliar a nova norma com as relações jurídicas definidas pela norma anterior[11]. E de qual regime anterior se refere a norma atual? Por certo do regime estatuído pela Lei nº 8.630/93, vigente há quase vinte anos, e não do regime que o antecedeu.
Tratando-se de regra de direito excepcional, deve a mesma ser interpretado de modo estrito, quer em relação aos casos ou mesmo tempo no qual incide. A propósito do assunto, parece de todo apropriado invocar a doutrina de Carlos Maximiliano, in verbis:
270 – Em regra, as normas jurídicas aplicam-se aos casos que, embora não designados pela expressão literal do texto, se acham no mesmo virtualmente compreendidos, por se enquadrarem no espírito das disposições: baseia-se neste postulado a exegese extensiva. Quando se dá o contrário, isto é, quando a letra de um artigo de repositório parece adaptar-se a uma hipótese determinada, porém se verifica estar esta em desacordo com o espírito do referido preceito legal, não se coadunar com o fim, nem com os motivos do mesmo, presume-se tratar-se de um fato da esfera do Direito Excepcional, interpretável de modo estrito[12].
Mesmo que se sustente que os contratos não foram anteriormente adaptados ao regime da Lei nº 8.630/93, é certo que tal conduta omissiva não induziria ao direito de prorrogação dos instrumentos, pois em relação ao prazo, essa adaptação restou exaurida, dado que todos eles já foram objeto de pelo menos uma prorrogação, excepcionalidade essa expressamente admitida pelo inciso XI, do § 4º, do art. 4º, da Lei nº 8.630/93, significativo para representar a efetiva adaptação do contrato nesse particular aspecto.
Não há, assim, juridicidade alguma em fundamentar extrapolação do direito de vigência desses instrumentos, sob fundamento de omissão administrativa quanto direito de “adaptação”, pois tal termo restou utilizado pelo legislador no sentido de harmonizar-se; ajustar-se; amoldar-se ao novo Estatuto. Portanto, não pode significar, contudo, carga normativa dissociada das disposições previstas no novo regime ou dissociada do tempo razoável para a sua aplicação. Assim, quanto ao aspecto da “vigência” ou possibilidade de desdobramento do prazo contratual, essa adequação dos indigitados instrumentos restou implementada, pois consubstanciada no próprio ato de prorrogação praticado na vigência da Lei nº 8.630/93. De fato, formalizados, via de regra, com prazos de 10 (dez) anos – Decreto nº 59.832/66 – e, em alguns poucos casos, por 20 (vinte) anos – Decreto nº 98.139/89, art. 1º – é possível inferir de modo inequívoco sobre a ocorrência do exaurimento do prazo contratual original no curso da vigência da indigitada lei. Nesse caso, ou foram prorrogados ou não se encontram mais em vigor.
Como já declinado, numa intepretação sistemática da Lei nº 8.630/93, poder-se-ia quando muito sustentar o direito de uma nova prorrogação – para dizer: depois de editada a referida lei – no caso dos contratos celebrados antes da sua vigência.
É certo que “disposições transitórias” encerram disciplina de situações particulares, não perfeitamente enquadráveis na norma geral, integrante do corpo permanente da lei (ou do estatuto). E que dizem respeito ao momento de transição.
Prima facie, numa interpretação extensiva e dissociada da finalidade do direito excepcional, poder-se-ia advogar que a condição básica para a aplicação do disposto no caput decorrer-se-ia do simples fato do contrato de arrendamento portuário encontrar-se vigente à época da edição da MP, condição sine qua non para a atuação administrativa. Todavia, esclarece o § 2º, de forma a especificar os casos de incidência da norma, que a prorrogação só será admitida se prevista expressamente. Prevista expressamente quer significar não só que conste do instrumento contratual, mas que tal faculdade encontre legitimidade no marco legal suplantado. Portanto, não basta a previsão no instrumento, mas que seja legítima a sua inclusão, em face do novo regime que se esvai.
E esta não é a situação dos contratos celebrados anteriormente à edição da Lei 8.630/93, conforme esclarecido no tópico anterior deste trabalho. Portanto, não há razoabilidade na aplicação do regime de transição, em face da própria limitação estabelecida pela Medida Provisória.
Conclusão
Enquanto espécie de contrato administrativo, o contrato de arrendamento portuário está submetido ao regime jurídico de direito público, devendo ser celebrado sempre por prazo determinado, nos termos da legislação incidente. Por sua vez, a prorrogação desses instrumentos encontra-se subordinada à supremacia do interesse público, razão pela qual pode-se sustentar o caráter hibrido do ato de desdobramento do prazo contratual. Não é ato meramente discricionário, tampouco simples ato vinculado. Condiciona-se à verificação da permanência da atualidade do serviço, em razão da necessidade de atendimento do interesse público, garantida a equação econômico-financeira que regula as relações jurídicas ocorrentes.
No presente trabalho, sustentou-se a ilegalidade da Resolução nº 1.837/ANTAQ, editada com a finalidade de garantir a vigência dos contratos de arrendamento portuário, formalizados antes da edição da Lei nº 8.630/93, sob o fundamento de que a omissão da administração pública na adequação determinada por seu art. 53 teria o condão de conferir o direito de nova prorrogação, mesmo no caso de contratos com prazos já desdobrados.
De igual maneira, restou afastada a possibilidade aplicação do regime de transição estabelecido pelo art. 49, da recente Medida Provisória nº 595/2012, sobre tais instrumentos, uma vez não se verificar a perfeita adequação da norma ao fato sociológico, dado que a transição na espécie incide sobre o regime que se esvai (da Lei nº 8.630/93) e da nova ordem jurídica dada pela MP. Não há sentido em aplicar a regra de transição sobre instrumentos celebrados antes da vigência da lei dos portos, mormente diante do fato de tais avenças não se sujeitaram ao procedimento licitatório, pedra de toque da administração pública, ex-vi Constituição Federal de 1988.
Demais disso, ressaltou-se o caráter de tal regra estabelecida pela MP – no âmbito de suas disposições transitórias – encontra-se submetida regra de interpretação estrita, dado que se consubstancia em norma de direito excepcional. Assim, não deve alcançar fatos que não aqueles especiais e particulares destinatários da regra. Considerou-se restritivo o disposto no § 2º, do art. 49, da MP 595, ante a exigência de previsão expressa da possibilidade de prorrogação, significativo não só da existência de cláusula contratual, mas da legitimidade ao tempo de sua inclusão.
É certo, contudo, que a Medida Provisória tramita no Congresso Nacional, tendo já recebido mais de 645 emendas parlamentares, que poderão alterar substancialmente o conteúdo jurídico nela insculpido. Porém, na redação original da Medida Provisória não há substrato jurídico capaz de abrigar a pretensão de, a pretexto de adequação dos contratos celebrados antes da vigência da Lei 8.630, promover sucessivas prorrogações (ou mais de uma única prorrogação legalmente admitida), em descompasso com o regime constitucional e legal da matéria.
[1] Vasconcellos, Carlos. VALOR ECONÔMICO. São Paulo. 26/10/2012, Seção Suplementos.
[2] Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª ed., São Paulo: MALHEIROS, 1999, pág. 305.
[3] Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, incidem os seguintes princípios: “dever inescusável do Estado de promover-lhe a prestação; da supremacia do interesse público; da adaptabilidade, ou seja, a sua atualização e modernização; universalidade; impessoalidade; da continuidade, entre outros”. In Direito Administrativo. 17ª ed, São Paulo: MALHEIROS, 2004, pág. 626.
[4] A superioridade das normas constitucionais, afinal, além de gerar a invalidade dos atos que as contrariam, também se expressa no efeito de condicionar o conteúdo de normas inferiores. São, nesse sentido, normas de normas. As normas constitucionais, situadas no topo da pirâmide jurídica, constituem o fundamento de validade de todas as outras normas inferiores e, até certo ponto, determinam o conteúdo material destas últimas. . In Curso de Direito Constitucional, 6ª ed., São Paulo: SARAIVA, 2011. pag. 76.
[5] Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, serviço público é “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.” Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: ATLAS, 2002, pág. 99.
[6] Posteriormente revogado pelo Decreto nº 4.543/2002.
[7] Art. 9º O contrato de arrendamento de que trata este Decreto constitui espécie do gênero contrato administrativo e se regula pelas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhe, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições do direito privado. (Decreto nº 4.391/2002, que regulamenta o arrendamento de áreas e instalações portuárias de que trata a Lei nº 8.630/93).
[8] Bem por isso, a própria Lei nº 10.233/2001 estabelece a obrigatoriedade de inclusão de cláusula no contrato de concessão, dispondo sobre a revisão tarifária, inclusive com a previsão de transferência aos usuários de perdas ou ganhos econômicos decorrentes de fatores que afetem custos e receitas e que não dependam do desempenho e da responsabilidade do concessionário (art. 35, § 1º).
[9] ROUBIER, apud FERRAZ, 1999, p. 56. FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. A Transição Constitucional e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 05.10.1988. Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política Revista dos Tribunais, São Paulo, v.7, p. 54-68, jan./mar. 1999.
[10] Direito constitucional e a efetividade de suas normas. 3ª ed., Rio de Janeiro: RENOVAR, 1996, págs. 411 e ss.
[11] Diniz, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do Direito. 8ª ed., São Paulo: SARAIVA, 1995, pág. 357.
[12] Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18ª ed., Rio de Janeiro: FORENSE, 2000, págs. 225.
Procurador Federal em exercício na Procuradoria da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). Com pós-graduação em Direito Processual Civil pela UNISUL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Carlos Afonso Rodrigues. Da Medida Provisória nº 595/2012 e sua repercussão na vigência dos contratos celebrados antes da Lei 8.630/93 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 jan 2013, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33722/da-medida-provisoria-no-595-2012-e-sua-repercussao-na-vigencia-dos-contratos-celebrados-antes-da-lei-8-630-93. Acesso em: 26 dez 2024.
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