1. Introdução
O presente artigo destina-se a analisar o âmbito de aplicação do art. 24, XIII da Lei nº 8.666/93 na Administração Pública, haja vista o climade insegurança jurídica sobre a correta aplicação da referida hipótese de dispensa de licitação, notadamente com o fim de contratardiretamenteinstituição brasileira, sem fins lucrativos e de reputação ilibada, incumbida regimental ou estatutariamente do desenvolvimento institucional.
Tal insegurança, a nosso ver, decorre do conceito amplo e juridicamente indeterminado do termo “desenvolvimento institucional”, o que poderia ser facilmente desvirtuado para viabilizar diversas contratações, sem o devido procedimento licitatório, que não atendam ao verdadeiro intento da lei.
Não por outro motivo, tais contratações tem sido objeto de criteriosa análise pelos órgãos de controle, e sobretudo, pelo Tribunal de Contas da União, que vem se posicionando de maneira bem restritiva em sua interpretação, inclusive através da criação de requisitos não previstos na lei.
2. Da licitação e das hipóteses de dispensa
A exigência de prévia licitação é requisito para a realização de contratos com a Administração Pública, admitindo-se seja ela afastada em situações regulamentadas em lei, nos termos do art. 37, XXI, da Constituição Federal, verbis(grifos nossos):
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Todavia, a previsão legislativa não obriga o agente administrativo a dispensar a licitação. O legislador apenas elenca no art. 24 da Lei nº 8.666/93 (e no art. 17) as hipóteses possíveis de dispensa do certame licitatório. Desse modo, quem opta por dispensar a licitação é o administrador que, munido de certa dose de discricionariedade, avalia se é conveniente para o interesse público realizar ou não o certame licitatório, observados os princípios constitucionais constantes do caput do próprio art. 37, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Assim, embora a dispensa de licitação seja uma faculdade inserida no âmbito da discricionariedade do administrador, este deve se certificar, justificadamente, de que a mesma será a melhor maneira de atender ao interesse público.
Em que pese alguns doutrinadores[1] defenderem a distinção entre dispensa de licitação e licitação dispensável, parece-nos que, em qualquer hipótese, o legislador apenas autoriza a dispensa de licitação pelo administrador, sendo esta uma decisão discricionária, já que, em último caso, sempre será possível realizar a licitação.
Neste sentido, vale transcrever trecho da obra do Professor Marçal Justen Filho[2]:
Não parece de maior utilidade a distinção entre licitação dispensada e dispensável. A diferença foi afirmada a propósito das hipóteses dos arts. 17 e 24, respectivamente. Segundo alguns, o art. 17 conteria situações em que a licitação foi dispensada pelo próprio legislador. Já o art. 24 traria autorização para dispensa de licitação por parte do administrador. Com todo o respeito, não se afigura procedente a distinção, a nosso ver. Em ambos os casos, o legislador autoriza contratação direta. Essa autorização legislativa não é vinculante para o administrador. Ou seja, cabe ao administrador escolher entre realizar ou não a licitação. Essa competência administrativa existe não apenas nos casos do art. 24. Aliás e se não fosse assim, o art. 17 conteria hipóteses de vedação de licitação. Significa reconhecer que é perfeitamente possível realizar licitação nas hipóteses do art. 17, desde que o administrador repute presentes os requisitos para tanto. Há autores que apontam diferenças interessantes entre as hipóteses.
Na hipótese em exame, a Administração possui a faculdade de dispensar a licitação para contratar instituição brasileiraincumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos, com fulcro no art. 24, XIII da Lei nº 8.666/93, in verbis:
Art. 24. É dispensável a licitação:
[...]
XIII - na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos;(Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
Em princípio, os requisitos legais para a contratação direta com base no dispositivo legal acima transcrito se restringem a: a) que a instituição seja brasileira; b) incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional ou, ainda, dedicada à recuperação social do preso; c) detentora de inquestionável reputação ético profissional; e) sem fins lucrativos.
No entanto, para o Tribunal de Contas da União, não basta que a instituição contratada preencha os requisitos impostos pelo inciso XIII do artigo 24 da Lei de Licitações. O objeto do correspondente contrato deve guardar estreita correlação com as atividades de ensino, pesquisa e desenvolvimento institucional especificadas no estatuto da entidade prestadora dos serviços, observado sempre a razoabilidade do preço cotado.
Assim, dispõe a Súmula nº 250 do Tribunal de Contas da União (grifos nossos):
A contratação de instituição sem fins lucrativos, com dispensa de licitação, com fulcro no art. 24, inciso XIII, da Lei n.º 8.666/93, somente é admitida nas hipóteses em que houver nexo efetivo entre o mencionado dispositivo, a natureza da instituição e o objeto contratado, além de comprovada a compatibilidade com os preços de mercado.
Aliás, nesse sentido, o TCU tem proferido inúmeras decisões. Cabe lembrar passagem que se encontra no Acórdão nº 1.616/2003 – Plenário, no sentido de que “a jurisprudência desta Corte já afirmou que, para a contratação direta com base na norma supra, não basta que a entidade contratada preencha os requisitos estatutários exigidos pelo dispositivo legal, é necessário também, que o objeto a ser contratado guarde estreita correlação com as atividades de ensino, pesquisa ou desenvolvimento institucional.”
3. Do objeto da contratação e da relação com o desenvolvimento institucional. Alguns exemplos admitidos pelo Tribunal de Contas da União.
Considerando-se o conceito juridicamente indeterminado da expressão “desenvolvimento institucional”, é importante valer-nos da lição da doutrina especializada. Neste sentido, valemo-nos mais uma vez de trecho da obra do Professor Marçal Justen Filho[3]:
Existe maior dificuldade no tocante ao conceito de “desenvolvimento institucional”, inclusive por efeito de uma espécie de autorreferibilidade do dispositivo. Ali se incluem as instituições que promovem o desenvolvimento de outras instituições. Deve-se reputar que o dispositivo alude às instituições sociais e políticas. Talvez o maior aprofundamento sobre esse dispositivo seja propiciado pelo exame, adiante realizado, do vínculo de pertinência entre o objeto do contrato e a função da instituição.
Jurisprudência do TCU
“... no conceito de ‘desenvolvimento institucional’, esta Corte ressalta que essa expressão não pode ser interpretada em sentido amplo, a fim de evitar a contratação, sem maiores critérios, desses órgãos/entidades mediante dispensa de licitação (Decisão nº 30/2000 – Plenário)”. (Acórdão nº 3.546/2006, Plenário, rel. Min. Marcos Bemquerer)
Para o Professor Jorge Ulysses Jacoby Fernandes[4], o interesse público impõe restrição ao termo, através dos seguintes dizeres:
De todas as expressões utilizadas no inciso pelo legislador, o “desenvolvimento institucional” foi a mais ampla. Se a doutrina se debate, até agora, por açambarcar e analisar as acepções da palavra instituição, a rigor, “desenvolvimento institucional” compreenderia crescimento, progresso, de qualquer coisa em que possa estar compreendido o termo instituição. Cuidam do desenvolvimento institucional tanto uma empresa que possui um centro de controle de qualidade, como uma faculdade, sindicato ou associação de moradores, qualquer “instituição”, portanto, que se dedique a um fim. Por óbvio, impõe o interesse público a restrição ao termo, a fim de que o mesmo se harmonize com o ordenamento jurídico.
Por fim, o Professor Jessé Torres Pereira Júnior contribui com o seguinte entendimento[5]:
A lei licitatória cumpre, neste inciso, a ordem do art. 218 da Constituição Federal, que incumbe o Estado de promover e incentivar “o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas”. A determinação do § 4º do preceito constitucional nitidamente inspira este hipótese de dispensabilidade, ao cometer à lei, imperativamente, o dever de apoiar e estimular “as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de recursos humanos...”
Desta forma, cabe à Administração Pública, além do cumprimento dos requisitos legais, certificar-se de que o serviço pretendido está intrinsicamente identificado com o desenvolvimento institucional apontado acima, de modo a restar justificado o afastamento do dever de licitar no respectivo procedimento administrativo.
Neste ponto, vale alertar para o voto do Ministro Relator Ubiratan Aguiar no Acórdão TCU nº 994/2006 – Plenário, no seguinte sentido (grifos nossos):
A instrução elaborada no âmbito da 4ª Secex registrou várias deliberações deste Tribunal acerca das contratações diretas com fundamento no art. 24, inciso XIII, da Lei nº 8.666/93. De todas extrai-se o entendimento de que o referido dispositivo não se presta a amparar contratações de instituições de ensino, pesquisa ou desenvolvimento institucional tão-somente em razão dessa natureza específica. O objeto que se pretende contratar deve manter estreito vínculo com ensino, pesquisa ou desenvolvimento institucional. De outra forma, seria a permissão para que essas instituições atuassem no mercado de prestação de serviços, dentro do que deveria ser a mais absoluta lógica das relações econômicas, com o privilégio de não precisarem submeter-se à concorrência com outros prestadores de serviço, igualmente capacitados.
Ademais, no Acórdão TCU nº 984/2008 – Plenário, onde se concluiu pela irregularidade da contratação direta de serviços de consultoria da FINATEC pela Caixa Econômica Federal, com fulcro no art. 24, XIII da Lei nº 8.666/93, determinou-se o seguinte (grifos nossos):
9.8. determinar à Caixa Econômica Federal que:
9.8.1. na contratação de serviços de consultoria, como aqueles que foram examinados nesta representação, objeto de contrato firmado com a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), realize licitação, a qual somente pode ser dispensada se forem preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 24, inciso XIII, da Lei 8.666/1993 e desde que, comprovadamente, haja nexo entre esse dispositivo, a natureza da instituição contratada e o objeto contratual, este necessariamente relativo a ensino, a pesquisa ou a desenvolvimento institucional;
Em síntese, o que deve ser observado é se a instituição brasileira a ser contratada preenche os requisitos constantes do art. 24, inciso XIII, da Lei 8.666/93 e se o objeto possui liame com as finalidades da instituição, que deve possuir, por si só, as condições necessárias para realizar os serviços contratados.
Ressalte-se a impossibilidade da contratação de serviços de consultoria comumente realizados pela iniciativa privada. Há sempre que restar caracterizado que o objeto pretendido com a contratação desses serviços, apesar de ser possível obtê-lo no mercado, é singular e deve refletir o desenvolvimento institucional da contratada.
Por outro lado, o Tribunal de Contas da União[6] já se posicionou favoravelmente à possibilidade da terceirização da realização de concurso público, mediante contratação direta, com fulcro no art. 24, XIII da Lei nº 8.666/93, desde que presentes os requisitos legais. Assim, vejamos:
[...] a jurisprudência da Casa é no sentido da possibilidade da terceirização da realização do concurso público, mediante licitação ou contratação direta, observando-se que a licitação continua sendo a regra geral e a contratação direta, exceção, que, como tal, somente deve ser adotada quando houver o preenchimento dos requisitos do art. 24, XIII da Lei nº 8.666/93, devendo a administração contratante deixar evidenciada, ainda, a correlação entre o objeto contratado e o seu desenvolvimento institucional.
No Acórdão TCU nº 1561/2009 - Plenário, reforça-se a tese de que é permitida a contratação direta com base no art. 24, XIII da Lei nº 8.666/93, de instituição para promoção de concurso público, desde que observados os requisitos do mencionado artigo, bem como demonstrado, com critérios objetivos, no plano estratégico do órgão ou em instrumento congênere, a essencialidade do preenchimento do cargo objeto do concurso público para o seu desenvolvimento institucional.
4. Da viabilidade de competição
Sobre a viabilidade de competição, em que pese alguns doutrinadores concluam que, no caso de haver mais de uma instituição que preencha os requisitos do art. 24, XIII, o objeto deveria ser licitado, em atenção ao princípio da isonomia, vale registrar o posicionamento do ilustre Professor Jorge Ulysses Jacoby Fernandes, ondechega a citar o entendimento do TCU[7]:
Cabe obtemperar que a licitação não é o único meio de garantir a efetividade dos princípios de isonomia e da impessoalidade. Segundo, o legislador pátrio não pode abrir, ao seu talante, possibilidades de contratação direta sem acatamento ao princípio da licitação se não tiver a sustentá-lo outro princípio, também consignado na Constituição Federal.
É importante lembrar que a inviabilidade de competição só é requisito para a contratação direta por inexigibilidade, conforme expressamente estabelece o art. 25. Não se pode criar, pela via doutrinária, palavras que não existem na lei! Logo, mesmo existindo várias instituições com igualdade de condições – se forem exatamente iguais, o que é pouco provável-, a escolha pode ser feita por uma pesquisa de preços, por exemplo. Mais adequado seria que a justificativa da escolha do contratado tivesse relação com a capacidade da instituição e o objeto do contrato, e não só com o preço.
Em importante acórdão, o TCU[8] firmou entendimento sobre essa questão e definiu que “atendidos os demais requisitos postos em lei” (art. 24, XIII), enseja a dispensa de licitação, mesmo quando a competição se revela viável”.
Desta forma, e seguindo o entendimento do ilustre mestre, a existência de mais de uma instituição que atenda aos requisitos do art. 24, XIII da Lei nº 8.666/93 não deve ser vista como fator impeditivo da contratação. Ora, referida exigência seria incompatível com a própria natureza do instituto da dispensa de licitação, e tornaria, na prática, inócuo o dispositivo legal, já que dificilmente o administrador teria condições seguras de atestar nos autos a inexistência de outra instituição em condições de realizar o serviço pretendido.
5. Da justificativa do preço
Em se tratando de hipótese de dispensa de licitação, e para fins de atendimento ao art. 26, § único, inciso III da Lei nº 8.666/93, o procedimento administrativo deverá ainda ser instruído com justificativa do preço.
Vale ressaltar que, de acordo com o entendimento do Tribunal de Contas da União, é preciso que reste demonstrada a razoabilidade do preço praticado no mercado, através da comparação da proposta ofertada pela instituição que a Administração pretende contratar com outras instituições que detenham condições de executar os mesmos serviços.
Neste ponto, vale destacar o seguinte trecho do Acórdão do Tribunal de Contas da União[9](grifos nossos):
[...] quando da contratação direta com fulcro no inciso XIII do art. 24 da Lei de Licitações, atente para a necessidade de haver nexo entre a natureza da entidade e o objeto contratado, além de comprovada razoabilidade de preços, conforme reiterada jurisprudência desta Corte.”
Ainda sobre a questão do preço de mercado, prossegue aquela Egrégia Corte de Contas[10]:
A contratação direta com fundamento no art. 24, XIII da Lei de Licitações deve ocorrer quando houver nexo entre esse fundamento, a natureza da instituição contratada e o objeto ajustado, além da compatibilidade entre o preço pactuado e o preço de mercado. Os instrumentos contratuais devem explicitar os preços a serem pagos pelos itens de serviços efetivamente executados, a fim de garantir que os mesmos sejam compatíveis com os preços de mercado.
Em relação à justificativa do preço, valemo-nos mais uma vez da lição do ilustre Professor Marçal Justen Filho[11]:
A validade da contratação depende da verificação da razoabilidade do preço a ser desembolsado pela Administração Pública. A regra não se vincula precipuamente à contratação direta – afinal, não se admite, em hipótese alguma, que a Administração Pública efetive contratação por valor desarrazoado. Ainda quando exista uma licitação, deve-se verificar se a proposta classificada em primeiro lugar apresenta valor compatível com a realização dos interesses protegidos pelo Direito. Proposta de valor excessivo deve ser desclassificada (Lei nº 8.666, art. 48).
Mas a questão adquire outros contornos em contratações diretas, em virtude da ausência de oportunidade para fiscalização mais efetiva por parte da comunidade e dos próprios interessados. Diante da ausência de competição, amplia-se o risco de elevação dos valores contratuais. Bem por isso, o art. 25, § 2º, alude à figura do “superfaturamento” como causa de vício da contratação.
Não por outro motivo, o Tribunal de Contas da União, no Acórdão nº 994/2006 - Plenário, que tratou da análise da contratação por dispensa de licitação com fulcro no art. 24, XIII da Lei nº 8.666/93, da Fundação Universidade de Brasília pelo INSS, constatou a seguinte irregularidade (grifos nossos):
c) ausência de justificativa de preços por parte do órgão, como exigida pela Lei nº 8.666/93, art. 26, § 1º, que permitisse comparar os preços apresentados pela FUB com os de empresas que prestam serviços de mesma natureza;
Diante da irregularidade constatada, o TCU determinou:
9.7.5 faça constar, nos processos de dispensa e de inexigibilidade de licitação, a justificativa de preço exigida pelo parágrafo único, inciso II, do art. 26 da Lei nº 8.666/93.
Vale apontar, todavia, que a conduta da Administração, de eventualmente eleger a melhor proposta técnica em detrimento do menor preço, possui respaldo em balizada jurisprudência, conforme os trechos das obras dos ilustres administrativistas Marçal Justen Filho e Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, a saber:
O dispositivo abrange contratações que não se orientam exclusivamente pelo princípio da vantajosidade. Muitas vezes, afirma-se que a contratação fundada no inc. XIII deve ser realizada pelo menor preço possível. Essa formulação não pode ser admitida, eis que tornaria inútil o dispositivo. Se a instituição dispusesse de condições de ofertar o menor preço possível, então bastaria realizar licitação com a participação inclusive de outras entidades que não preenchessem os requisitos previstos no dispositivo. (Marçal Justen Filho, in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Ed. Dialética, 14ª ed., 2010)
Ao ensejo, cabe antecipar, porém, que o inciso [art. 24, XIII] não exige que o preço seja compatível com o de mercado, aceitando-se justificativa para o descompasso entre o preço contratado e o praticado no comércio. Às vezes a vantagem auferida com a contratação direta não está no preço, mas em algum fator. (Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, in Contratação Direta sem Licitação, Ed. Fórum, 6ª ed., 2007)
No entanto, diante do entendimento do Tribunal de Contas da União acima exposto, caso o administrador não demonstre a compatibilidade do valor ora ofertado com os preços de mercado, assumirá por sua conta e risco, a reponsabilidade pelo não atendimento do requisito implícito previsto pela Egrégia Corte de Contas, a despeito do respeitável entendimento doutrinário acima exposto.
6. Da vedação da subcontratação
Vale registrar que, nas contratações diretas com fulcro no art. 24, XIII da Lei nº 8.666/93, não poderá haver subcontratação, já que para se dispensar uma licitação é exigível minimamente que a instituição eleita possua capacitação técnica para realizar, com seus quadros próprios, os serviços pretendidos.
Neste sentido, segue a Orientação Normativa da AGU nº 14/2009:
ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 14, DE 1º DE ABRIL DE 2009
Os contratos firmados com as Fundações de Apoio com base na dispensa de licitação prevista no inc. XIII do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993, devem estar diretamente vinculados a projetos com definição clara do objeto e com prazo determinado, sendo vedadas a subcontratação; a contratação de serviços contínuos ou de manutenção; e a contratação de serviços destinados a atender as necessidades permanentes da instituição.
Corroborando tal entendimento, vale destacar ainda a lição do Professor Marçal Justen Filho[12]:
Por certo, não se admite que o inc. XIII seja utilizado para contratações meramente instrumentais, nas quais a instituição empresta seu nome para a Administração obter certas utilidades sem promover a licitação. A constatação de que a estrutura própria da instituição é insuficiente para gerar a prestação adequada a satisfazer a necessidade estatal inviabiliza a aplicação do dispositivo.
Também este parece ser o entendimento do Tribunal de Contas da União[13]:
Nos casos em que seja cabível a dispensa de licitação com base no artigo 24, inciso XIII, da Lei nº 8.666/93, verifique, previamente, se a entidade selecionada dispõe, em seus quadros de pessoal de corpo técnico qualificado e em número suficiente para realizar, de forma direta, os serviços objeto do contrato, tal como estipulado no artigo 13, § 3º, do mesmo dispositivo legal, vedando-se expressamente, no respectivo termo de contrato, a subcontratação.
7. Conclusão
Diante dos diversos aspectos levantados a respeito da aplicação do art. 24, XIII da Lei nº 8.666/93 ao longo do presente trabalho,buscamos oferecer subsídios para uma decisão discricionária mais segura pelo administrador público, já que, em último caso, sempre será possível a realização da licitação para a contratação do objeto pretendido.
Como vimos, por ser a expressão “desenvolvimento institucional” de cunho bastante amplo e juridicamente indeterminado, houve a necessidade de interpretação restritiva do dispositivo legal pela doutrina e pelos órgãos de controle, notadamente, pelo Tribunal de Contas da União.
Além dos requisitos legais previstos no art. 24, XIII da Lei nº 8.666/93, o Tribunal de Contas da União, através de sua Súmula 250, previu a necessidade de demonstração do nexo efetivo entre o dispositivo legal, a natureza da instituição e o objeto contratado, além de comprovada compatibilidade com os preços de mercado.
Através de pesquisa realizada em diversos julgados da Corte de Contas, é possível verificar ainda que a contratação direta não se destina a serviço realizado comumente pela iniciativa privada, devendo o mesmo ser singular, além de refletir o desenvolvimento institucional da contratada.
Ademais, a Lei nº 8.666/93, no art. 26, § único, inciso III,exige a devida justificativa do preço para os processos de dispensa de licitação, a qual deve ser realizada com base em pesquisa de mercado. Como vimos, há entendimento doutrinário em sentido contrário, defendendo que a vantagem auferida na contratação direta não está no preço, mas sim em algum outro fator. No entanto, tal entendimento não segue a linha de atuação do Tribunal de Contas da União, podendo gerar risco ao administrador.
Por fim, para a regular contratação direta com fulcro no art. 24, XIII da Lei nº 8.666/93, deve restar expressamente afastada a possibilidade de subcontratação, já que para se dispensar a licitação, entende-se que é minimamente exigível que a instituição possua condições técnicas, por si só, de executar o serviço pretendido pela Administração. Caso contrário, o correto será realizar o devido procedimento licitatório.
8. Bibliografia
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 jun. 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm.> Acesso em: 05fev. 2013.
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BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 114/1999.Plenário. Relator: Ministro Marcos Vinicios Vilaça. Sessão de 21/07/1999. Disponível em: <http://contas.tcu.gov.br/pt/MostraDocumento?qn=2>. Acesso em: 05fev. 2013.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1.614/2003. Plenário. Relator: Ministro Augusto Sherman Cavalcanti. Sessão de 29/10/2003. Disponível em: <http://contas.tcu.gov.br/portaltextual/MostraDocumento?qn=1&doc=1&dpp=20&p=0>Acesso em: 05 fev. 2013.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 50/2007. Plenário. Relator: Ministro Benjamin Zymler. Sessão de 31/01/2007. Disponível em: <http://contas.tcu.gov.br/portaltextual/MostraDocumento?qn=2&doc=1&dpp=20&p=0>Acesso em: 05 fev. 2013.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 690/2005.2ª Câmara. Relator: Ministro Lincoln Magalhães da Rocha. Sessão de 03/05/2005. Disponível em: <http://contas.tcu.gov.br/portaltextual/MostraDocumento?qn=3&doc=2&dpp=20&p=0>Acesso em: 05 fev. 2013.
FERNANDES, Jorge Ulysses Jacoby. Contratação Direta sem Licitação. 6. ed.Belo Horizonte: Fórum, 2007.
FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010.
JUNIOR, Jessé Torres Pereira. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 6. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2003.
[1] Adotam essa diferença, dentre outros:JÚNIOR, Jessé Torres Pereira. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública, 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 258-259; e FERNANDES, Jorge Ulysses Jacoby. Contratação Direta sem Licitação. 6. ed. São Paulo: Fórum, 2007, p. 217 e ss.
[2] FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14. Ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 300.
[3] FILHO, Marçal Justen. Op. cit.,p. 327
[4] FERNANDES, Jorge Ulysses Jacoby. Contratação Direta sem Licitação. 6. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 487
[5] JÚNIOR, Jessé Torres Pereira. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública, 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 284-285
[6]Acórdão TCU nº 2.149/2006, 2ª Câmara, Rel. Min. Ubiratan Aguiar
[7] FERNANDES, Jorge Ulysses Jacoby. Op. cit.,p. 502
[8] Acórdão TCU nº 114/1999 – Plenário. Relator: Min. Marcos Vinicios Vilaça
[9]Acórdão TCU nº 1.614/2003, Plenário, Relator: Min. Augusto ShermanCavalcanti
[10] Acórdão TCU nº 50/2007, Plenário, Relator: Min. Benjamin Zymler
[11]FILHO, Marçal Justen. Op. cit., p. 391
[12]FILHO, Marçal Justen. Op. cit., p. 329
[13] Acórdão TCU nº 690/2005 – 2ª Câmara, Relator: Lincoln Magalhães da Rocha
Procuradora Federal. Procuradora-Chefe da Fundação Biblioteca Nacional. Graduada em Direito pela UERJ. Pós-graduada em Direito do Estado e da Regulação pela FGV-RIO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Fernanda Mesquita. A dispensa de licitaçãocom fulcro no art. 24, XIII da Lei nº 8.666/93: análise de sua aplicação à luz do entendimento do Tribunal de Contas da União Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 fev 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33788/a-dispensa-de-licitacaocom-fulcro-no-art-24-xiii-da-lei-no-8-666-93-analise-de-sua-aplicacao-a-luz-do-entendimento-do-tribunal-de-contas-da-uniao. Acesso em: 23 dez 2024.
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