RESUMO: O presente artigo cuidou de verificar os aspectos concernentes ao custo financeiro do processo em casos de sucumbência recíproca, analisando a forma como vem sendo interpretado pela jurisprudência, baseando-se nos preceitos processuais, constitucionais e, sobremaneira, sob a ótica do princípio da isonomia na relação processual. Para tanto, este estudo extraiu informações a partir de pesquisa bibliográfica, através de fontes jurídicas disponíveis. O enfoque deste artigo foi dado à mitigação do princípio da isonomia, em desfavor do réu, na relação processual em caso de responsabilidade civil por danos morais.
Palavras-chave: Princípio da isonomia. Sucumbência. Relação Processual.
INTRODUÇÃO
Este primeiro ensaio acerca do custo financeiro do processo à luz do princípio da isonomia propõe uma análise legal sobre as custas processuais em caso de sucumbência recíproca na ação de reparação de danos morais, a qual foi paulatinamente modificada pela jurisprudência, o que culminou na edição, pelo Superior Tribunal de Justiça, da súmula 326.
Cuida-se de uma análise da mitigação do princípio da isonomia na aplicação do custo financeiro do processo entres as partes simultaneamente vencedoras e vencidas na demanda acima mencionada.
Nessa senda, é de se vislumbrar o que prima a Constituição Federal de 1988 acerca do princípio da isonomia entre os litigantes, bem como sobre a constitucionalidade das súmulas editadas pelo STJ, e até que ponto é saudável ao magistrado pautar suas decisões em tal entendimento.
O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NA RELAÇÃO PROCESSUAL
A busca pela igualdade consubstancia-se num anseio antigo da humanidade, o qual reputou-se vigorosamente consolidado com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, proveniente da Revolução Francesa.
Atualmente, esse sentimento vem exprimindo-se na constitucionalização do processo, uma vez que a inserção de normas constitucionais em assuntos que outrora eram típicos e exclusivos da regulamentação infraconstitucional vem sendo um fato cada vez mais constante.
Com vistas no âmbito internacional, outro expressivo avanço concernente ao princípio em aferição foi o Pacto de San José da Costa Rica[1], cujo tratamento mais afeto a esta matéria foi concedido em seu artigo 24, o qual preceitua o direito de todos à igual proteção da lei.
No Direito brasileiro não é diferente, nossa Constituição arrola, dentre os diversos princípios aplicáveis à relação jurídico-processual, a igualdade como sendo um direito fundamental.
Cintra et al, em comentários ao princípio da igualdade, mencionam:
A igualdade perante a lei é premissa para a afirmação da igualdade perante o juiz: da norma inscrita no art. 5º, caput, da Constituição, brota o princípio da igualdade processual. As partes e os procuradores devem merecer tratamento igualitário, para que tenham as mesmas oportunidades de fazer valer em juízo as suas razões. [2]
Todavia, tal princípio não deve ser concretizado de forma absoluta, haja vista fazer-se mister o tratamento desigual entre as partes quando uma encontrar-se em situação de desprivilegio em relação à outra, dentro da mesma relação processual. Assim, é de admitir-se, por exemplo, a competência para processar a ação de alimentos do foro do domicílio do alimentado, ou mesmo a isenção, ainda que condicional, ao pagamento das custas e despesas processuais à pessoa pobre na forma da lei.
Frise-se, por oportuno, que ao juiz compete verificar, diante do caso concreto, a necessidade de conferir tratamento desigual entre as partes com o fito de fazer valer o princípio da isonomia, propulsando uma benevolência justa.
Em sentido análogo, o eminente Szaniawski, em comentários acerca do assunto:
“É pela boa aplicação do princípio da proporcionalidade-igualdade que o magistrado irá realizar a interpretação da Constituição, ponderando os princípios e os direitos fundamentais que estejam em conflito aplicando-os aos interesses postos em causa. Através dessa ponderação e da pesagem dos direitos e interesses, verificará o magistrado para que lado deverá pender a balança e decidir qual dos interesses do caso concreto que, embora legitimamente tuteláveis, deverá ceder ao outro, sempre observando o meio menos gravoso à parte, quando por diversos modos poderá ser outorgado direito à outra”. [3]
Em sendo assim, não cabe ao magistrado à faculdade de aplicar, ou não, o referido princípio, quando houver um verdadeiro reclame do caso concreto, pois consiste o mesmo um direito das partes. Contudo, quando da sua efetivação, deve-se ele respaldar-se na atitude de cautela e prudência do homem médio.
A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO CUSTO FINANCEIRO DO PROCESSO EM CASOS DE SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA: ANÁLISE DA SÚMULA 326 DO STJ
Conforme é sabido, o desenrolar de um processo ocasiona uma certa despesa, a fim de que sejam viabilizados os cumprimentos das citações, intimações e demais diligências. Essa despesa se traduz no pagamento das custas e emolumentos, e à parte a que couber suportar tal ônus, somente será isenta nos casos determinados pela Lei.
Em síntese, incumbirá o pagamento total das custas à(s) parte(s) que compõe(m) o pólo que fora sucumbente na ação, enquanto que estas custas serão rateadas quando parte autora e parte ré forem simultaneamente vencedoras e vencidas na demanda, consoante o disposto no art. 21, do CPC.
Entretanto, o parágrafo único do citado artigo flexibiliza esta regra ao dispor que se um litigante decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e honorários.
É assim estruturada a responsabilização pelo custo financeiro do processo para todo e qualquer tipo de ação. Ocorre, porém, que a jurisprudência vem aplicando esse dispositivo de forma diferente para um tipo específico de demanda: a que versa a propósito da reparação de danos morais.
Após diversos julgados, o Superior Tribunal de Justiça, editou a súmula 326, in verbis: “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.”
Assim, pelo que se infere, o autor, ainda que seja vencedor somente em parte no litígio, não suportará o ônus da sucumbência.
Ao tecer considerações acerca do custo do processo em casos de sucumbência parcial, ou recíproca, entre autor e réu, em razão da forma como esta vem sendo entendida no que se refere à ação por danos morais, o ilustre jurista Cândido Rangel Dinamarco assim expende:
Quando apenas em uma pequena parcela o crédito é reconhecido afinal, o Superior Tribunal de Justiça às vezes decide por negar a compensação entre os honorários incidentes sobre o capítulo de maior valor (improcedência) e o próprio crédito declarado no capítulo de menor valor (procedência), na consideração de que essa medida acabaria por frustrar a parcial vitória do autor. Essa orientação tem no entanto o inconveniente de estimular a litigiosidade irresponsável, ao permitir que a dedução de pedidos absurdos onere o réu ao contratar advogado com honorários proporcionais a esse valor e, ao fim, o autor temerário fique imune às conseqüências da situação criada por sua própria irresponsabilidade”. [4]
Correta a posição defendida pelo citado autor, no entanto é necessário ir mais além, haja vista o entendimento firmado pelo STJ não somente redundar na litigiosidade irresponsável, e sim, afetar um princípio básico da relação processual, qual seja, o princípio da isonomia.
Os julgados que ensejaram no assente entendimento basearam-se, em suma, nas alegações de que existe uma natural dificuldade quando da aferição da lesão moral sofrida, considerando-se meramente estimativa pelo autor, de modo que na eventualidade de ser fixado um quantum inferior, não o transforma em parcialmente vencido, e sim, vencedor.
O cerne da problemática está no tratamento desigual que é dado ao réu, pois, em considerando o caso de haver uma enorme discrepância entre o valor do pleito exordial e o da condenação, decaindo o promovido de parte mínima do pedido, ainda assim responderá pelo pagamento das custas e honorários sucumbenciais, sendo vítima de um enriquecimento sem causa.
Não há sentido em penalizar o suplicado dessa forma, uma vez que, igualmente ao autor, o processo imprime-lhe despesas, não sendo justo arcar sozinho com estas quando o valor estimado pelo autor foi minimamente acolhido.
Embora não seja tarefa fácil a quantificação do dano moral sofrido, a exorbitância na estipulação de seu valor pelo autor não deve ser amparada, pois suas conseqüências repercutem, sobretudo, na esfera patrimonial do réu, pois, além de ter que desembolsar o pagamento das custas sobre o valor atribuído à causa e ressarcir as que, apoiadas na mesma base de cálculo, foram suportadas pelo autor ao longo do processo, terá uma maior despesa com a contratação de profissionais para sua defesa, de início, uma vez que o pedido, inicialmente, revelará uma maior ameaça a seu patrimônio.
O instituto da responsabilidade civil, em virtude de vir sendo utilizado por alguns de forma desidiosa, como uma espécie de “ganhar dinheiro” às custas alheias, deve ser cuidado com bastante cautela e proteção.
A SÚMULA 326 DO STJ SOB A ÓRBITA CONSTITUCIONAL
A prerrogativa do Superior Tribunal de Justiça de editar súmulas está disposta no artigo 122 de seu Regimento Interno. Esse instituto é conferido pelo Estado Democrático de Direito para que haja uma maior segurança jurídica, já que visa uniformizar o entendimento jurisprudencial.
Nesse cerne, deve uma súmula, tanto em sua essência quanto em sua forma, ir ao encontro dos preceitos legais, sobretudo, constitucionais.
Com efeito, quanto à essência, é de se constatar que a súmula 326 do STJ, embora tenha refletido o entendimento de diversos julgados, pecou ao conferir tratamento privilegiado em favor do autor em detrimento do réu.
Conforme anteriormente explicitado, em certos casos é autorizado o tratamento desigual entre as partes, no entanto a procedência desse modo só deve ser instituída quando na relação material essas partes também forem desiguais.
Ora, não vislumbra-se uma coerência isonômica, consoante os moldes constitucionais, no assente entendimento sumular, onde o autor bastando vencer parte mínima do requerido, não sofrerá o ônus da sucumbência, enquanto que o réu, ainda que vencido apenas em parte mínima sofrerá com o custeio de todo o processo.
De acordo com o constitucionalista Uadi Lammêgo Bulos[5], as súmulas não apresentam características de ato normativo, assim, não se sujeitam ao controle de constitucionalidade difuso, bem como estão excluídas do âmbito da jurisdição abstrata do Superior Tribunal Federal.[6]
Partindo-se dessas premissas, denota-se a ineficiência quanto ao controle de constitucionalidade das súmulas, o que é de grande importância, pois, embora não vinculem o julgamento do magistrado, são capazes de ensejar na reforma de elementos da decisão deste. Em outras palavras, a consolidação da jurisprudência de um tribunal em razão de assuntos controvertidos podem resultar numa afronta aos princípios constitucionais e até à leis ordinárias, sem que para tanto haja uma eficaz repressão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aplicação do princípio da isonomia na relação processual configura-se como uma tarefa revestida de um certo grau de dificuldade, uma vez que nem sempre o poder judiciário consegue ponderar sua sobreposição à realidade dos litígios.
Com efeito, o que se conjeturou buscar com o presente tema foi uma reflexão acerca de como esse princípio vem sendo aplicado ao caso concreto, mais especificamente no âmbito do custo financeiro da ação de responsabilidade civil por danos morais.
REFERÊNCIAS
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008.
Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 59
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 59
Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos. Pacto de San José de Costa Rica, em 22.11.1969 - ratificada pelo Brasil em 25.09.1992.
SZANIAWSKI, Elimar. Apontamento sobre o princípio da proporcionalidade-igualdade. Revista Trimestral de Direito Civil, Vol. 5. Rio de Janeiro: Padma, 2000, p. 71.
[1] Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos. Pacto de San José de Costa Rica, em 22.11.1969 - ratificada pelo Brasil em 25.09.1992.
[2] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 59
[3] SZANIAWSKI, Elimar. Apontamento sobre o princípio da proporcionalidade-igualdade. Revista Trimestral de Direito Civil, Vol. 5. Rio de Janeiro: Padma, 2000, p. 71.
[4] DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de Sentença. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 93 e 94.
[5] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008.
[6] Nesse sentido: STF, pleno, ADIn 594-MC/DF, rel. Min. Carlos Velloso, decisão de 19.02.1992.
Advogada. Bacharelado em Ciências Jurídicas - Centro Universitário de João pessoa - UNIPÊ. Pós-Graduação em Direito Público na Universidade Anhanguera - Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Aprovada no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, em 1ª lugar na Paraíba. Já foi nomeada como Procuradora do Estado de Minas Gerais e também como Técnica Judiciária do Tribunal de Justiça da Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDES, Fernanda Vasconcelos. O custo financeiro da ação de indenização por danos morais à luz do princípio da isonomia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 fev 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33859/o-custo-financeiro-da-acao-de-indenizacao-por-danos-morais-a-luz-do-principio-da-isonomia. Acesso em: 22 dez 2024.
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