RESUMO: O estudo pauta-se nas normas presentes na Constituição Federal, Lei 8.666/93, Lei 10.520/02, Decreto n. 3.931/01, bem como na doutrina sobre o instituto do carona e a obrigação constitucional de licitar. Dar-se enfoque especial ao surgimento, conceito, e legalidade do sistema de carona enquanto exceção ao dever de licitar, apontando os aspectos negativos desse instituto licitatório para a Administração Pública e licitantes.
Palavras-chave: Carona. Dever de Licitar. Administração Pública
SUMÁRIO: 1.Introdução; 2. Arcabouço constitucional e legal; 2.1 do lineamento constitucional do dever licitar; 2.2 Carona: surgimento e conceito; 3. O instituto do carona e o dever constitucional de licitar; 4. Conclusão; Referências.
1.INTRODUÇÃO
O processo de contratação pública é a forma pela qual a Administração Pública seleciona, isonomicamente, um interessado em contratar com o Poder Público capaz de satisfazer a sua necessidade pelo melhor custo-benefício como vista a atender o desenvolvimento nacional sustentável.
Nesse sentido, a Constituição de Federal de 1988 estabeleceu que o processo de contratação pública dever ser precedido de licitação, conforme art. 37, XXI:
Art. 37. (...)
(...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações
Para regulamentar a atividade contratual do Estado foram criadas duas leis fundamentais: a Lei n.8.666/93 e a Lei n. 10.520/02, as quais inseriram no regime jurídico da contratação pública seis modalidades licitatórias, quais sejam: concorrência, tomada de preço, concurso, convite, leilão, e pregão.
Ocorre que, nos últimos tempos tem se tornado comum a contratação pública por intermédio da adesão às atas de registro de preços por órgãos ou entidades que não participaram da licitação, tal procedimento é qualificado vulgarmente como carona.
2. ARCABOUÇO CONSTITUCIONAL E LEGAL
2.1 DO LINEAMENTO CONSTITUCIONAL DO DEVER LICITAR
O dever de licitar imposto ao Poder Público tem previsão constitucional no art. 37, XXI, tendo como pressuposto o tratamento isonômico que dever ser estendido a todos.
Nessa perspectiva, a Administração Pública, em regra, não tem a liberdade de escolher livremente os seus contratados, salvos em situações específicas indicadas no próprio regime jurídico licitatório em que se realiza a contratação direta.
Sobre a temática, leciona Renato Geral Mendes (2008, p. 15):
Portanto, o que justifica a exigência de um processo formal e estruturado é o tratamento isonômico que deve ser garantido pelo Poder Público. Assim, o processo da contratação pública, tal como foi definido pela legislação vigente, justifica-se em razão de ter a Administração dispensar tratamento isonômico a todos os interessados.
Nessa senda, José dos Santos Carvalho Filho registra o dever de licitar como princípio da obrigatoriedade da licitação, e diz que (2011, p. 219): “Diante de semelhante princípio, não pode a Administração abdicar do certame licitatório antes da celebração de seus contratos, salvo em situações excepcionais definidas em lei.”
Ademais, se coadunam com a obrigação de licitar os princípios constitucionais da moralidade e publicidade previstos no art. 37, caput, CF e controle externo de gestores públicos previsto no art. 71, II e VI.
2.2 CARONA: SURGIMENTO E CONCEITO
O instituto do carona foi criado pelo Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, que regulamentou o Sistema de Registro de Preço, e no seu art. 8º, previa desde a redação original:
Art. 8º A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem.
No campo das licitações, carona qualifica-se como situação em que um órgão ou entidade do Poder Público que não tenha participado do processo licitatório no qual se utilizou o sistema de registro de preço possa contratar bens e serviços através de sua inclusão na ata de registro de preços, desde que comprovada a vantagem dessa adesão.
Nessa perspectiva, conforme menciona o artigo 1°, parágrafo único, inciso II do Decreto 3.931/2001, a ata de registro de preços é um documento vinculativo, de caráter obrigacional, em que estarão registrados os valores, fornecedores, órgãos participantes e condições a serem praticadas, durante eventual fornecimento, conforme especificações do edital e das propostas apresentadas pelos participantes do certame.
3. O INSTITUTO DO CARONA E O DEVER CONSTITUCIONAL DE LICITAR
Como cediço, o regime jurídico pátrio prevê que todo contrato administrativo dever precedido de licitação, exceto nos casos específicos em que a administração pública utiliza-se da contratação direta, prevista nos arts 24 e 25 da Lei 8.666/94.
A sistemática de adesão às atas de registro de preço permite que órgão ou entidade de natureza de direito público contrate sem que tenha participado do certame licitatório.
Assim, quando um órgão ou uma entidade que não licitou contrata com o licitante vencedor, temos uma violação ao dever de licitar previsto no texto constitucional e na própria lei geral de licitação não prevê tal situação
Em artigo intitulado “Fim da carona”, Renato Geraldo Mendes destaca que:
É importante lembrar que o dever constitucional de licitar tem uma razão de ser. A licitação é o procedimento que deve, de modo formal, assegurar condições de isonomia a todos aqueles que desejam contratar com a Administração.
E não se pode esquecer que o dever de conceder condições igualitárias de tratamento a todos os interessados em contratar com a Administração Pública está intimamente ligado ao modelo de Estado republicano adotado na Carta Magna. No Estado republicano, a coisa é pública, logo, a Administração nada mais faz senão administrar aquilo que é de todos. Sendo de todos, não se admite a concessão de privilégios ou vantagens a ninguém. Daí porque a própria Constituição assegura que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (…).
Sobremais, é importante frisar que o referido instituto foi criado via decreto federal, e como tal, deveria, prestar-se apenas a regulamentar a regular a lei, a fim de dar ela fiel execução.
Sobre os decretos regulamentares, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo lecionam que (2010, p 530) tais decretos:
São editados em função das leis que estejam regulamentando e, teoricamente, não inovam em nada o ordenamento jurídico, contendo apenas disposições que explicam, desdobrem, detalham o conteúdo da lei, sem exorbitá-lo (diz-se que os decretos regulamentares não podem ser contra legem nem praeter legem, mas, tão-somente, secundum legem).
Nessa caso, tem-se que o Decreto nº 3.931/2001 extrapolou a sua finalidade qual seja Regulamentar o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666/93, ao criar uma nova via para contratação pública através do instituto da carona.
Vale lembrar que, de acordo com art. 22, XXVII, da CF, a competência para legislar sobre normas gerais de licitação é privativa da União.
A Lei 8.666/93, por sua vez, não prevê a instituição desse sistema, que foi introduzido por meio de regulamento, subjugando assim o processo legislativo ao qual deveria se sujeitar.
Com efeito, estamos diante uma manifesta inconstitucionalidade e ilegalidade. A inconstitucionalidade decorre da contratação por adesão à ata de registro de preços de outro órgão ou entidade fere o dever de licitar imposto pelo art. 37, XXI, da Constituição da Federal que não foi atendido pelo órgão contratante, e, a ilegalidade configura-se por essa forma de contratação ter sido criada por decreto do executivo.
Nesse diapasão, para o magistério de Joel de Menezes Niebuhr (2006, p.19), o sistema de carona é inconstitucional e ilegal, por impor agravos veementes aos princípios da legalidade, isonomia, vinculação ao edital, moralidade administrativa, impessoalidade e economicidade.
Ademais, adoção da carona prejudica o princípio da competividade, uma vez que restringe a participação interessados em contratar com a Administração Pública, pois a cada adesão à ata, menos uma licitação deixa de ser realizada.
Desse modo, a possibilidade do Poder Público de contratar sem realizar o necessário e devido certame licitatório deixa de oferecer oportunidades a potenciais interessados em celebrar os contratos, com preços e condições mais vantajosas à Administração.
4. CONCLUSÃO
O regime de contratação pública está constitucionalmente vinculado à obrigação de contratar as obras, serviços, compras e alienações, em regra, por intermédio de procedimento administrativo licitatório regulamentado pelas Leis ns.8.666/93 e 10.520/02.
No entanto, o Decreto nº 3.931/2001 inobservou a referida regra constitucional ao permitir que contratações públicas fossem realizadas através da adesão à ata de registro de preço, sem necessidade que o órgão ou entidade interessada tivesse participado de certame licitatório.
Embora exista há mais de uma década no regime de compras públicas, o instituto da carona não se coaduna com regime de contratação pública, pois fere a sua própria razão de ser desta qual seja obrigação de licitar, assegurando a igualdade entre os licitantes, com fito de atender as necessidades administrativas do Poder Público.
REFERÊNCIAS
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. Rio de Janeiro, 2008.
MENDES, Renato Geraldo. O Regime Jurídico da Contratação Pública. Curitiba: Zenite, 2008.
NIEBUHR, Joel de Menezes. “Carona” em Ata de Registro de Preços: Atentado veemente aos princípios do Direito Administrativo. ILC – Informativo de Licitações e Contratos, n°143. Curitiba: Zênite. Jan. 2006. p. 13-19.
SAMPAIO, Ricardo Alexandre. O fim do carona. Blog Zenite, Curitiba-PR. 26 jun. 2012. Disponível em < http://www.zenite.blog.br/o-fim-do-carona-finalmente/>. Acesso em: 10 fev. 2013.
SANTOS, José Carvalho dos Filho. Manual de Direito Administrativo. 20 ed. rev e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Estagio na Defensoria Pública da União em São Luís-MA - DPU/MA.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Mayara dos Santos. O instituto do carona no regime jurídico das contratações públicas e o dever constitucional de licitar. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 fev 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33871/o-instituto-do-carona-no-regime-juridico-das-contratacoes-publicas-e-o-dever-constitucional-de-licitar. Acesso em: 23 dez 2024.
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