SUMÁRIO: Introdução. 1. Os Medos do Risco: da Sociedade de Risco à Cultura do Medo. 2. A Fuga para o Direito Penal. 3. Os Riscos do Medo: da Expansão à Deslegitimação do Direito Penal. 4. A Necessidade de Racionalização. Considerações Finais.
Resumo: A modernidade dissolve os contornos da sociedade industrial e erige uma outra figura social, a sociedade de risco. As categorias que estruturavam as relações sociais até então são desfeitas e as respostas institucionais da época anterior deixam de ser convincentes. Os novos riscos geram novos medos, que fazem proliferar uma sensação geral de insegurança. Ante as novas demandas sociais, o Estado recorre ao Direito Penal e toda sua carga simbólica. O resultado é uma inflação penal sem precedentes, que reflete a perda de racionalidade e a inversão das funções legítimas do sistema. O presente estudo pretende, em um primeiro momento, situar o novo modelo social pautado pelo risco. A seguir, busca-se relacionar os novos medos à fuga para o Direito Penal, salientando a inflação legislativa decorrente de uma política criminal orientada à repressão e, no mais das vezes, ineficaz. Como resultado dessa dinâmica, destaca-se a perda da legitimidade de todo o sistema, daí decorrendo a premente necessidade de se partir em busca de critérios que devolvam racionalidade ao Direito Penal.
Palavras-Chave: Sociedade de risco. Cultura do medo. Expansão penal.
Abstract: Modernity dissolves the shapes of the industrial society and builds another social figure, the risk society. The categories that formerly structured social relations are now undone and the institutional responses of the past are no longer convincing. New risks generate new fears, which spread a social insecurity feeling. Faced with the new social demands, the State appeals to Criminal Justice and its entire symbolical load. The result is a huge raise of criminal law, as never seem before, that reflects the lost of rationality and a reversal of the legitimate functions of the system. This study aims, firstly, to situate the new social model guided by risk. Afterwards, it tries to relate the new fears to the break of Criminal Law, outstanding the legislative criminal law arising from a criminal policy guided by repression and, in most cases, being ineffective. As a result of this dynamic, it detaches the loss of legitimacy of the whole system, implying an urgent need to look up for criterias that bring back rationality to the Criminal Law.
Keywords: Risk society. Culture of fear. Criminal law arising.
Introdução
Uma das questões centrais do regime democrático – e da qual depende, em grande medida, sua própria sobrevivência – diz com a capacidade de suas instituições darem respostas satisfatórias às demandas sociais. Em uma sociedade abalada em suas antigas estruturas e permeada por novos medos, os reclamos populares voltam-se, essencialmente, à segurança. Em decorrência, vê-se uma mudança nas tradicionais funções do Estado, incumbido agora de apaziguar a sensibilidade pública diante do risco.
O expressivo aumento das demandas por mecanismos de proteção poderia conduzir a respostas não-jurídicas ou, se jurídicas, não necessariamente penais. No entanto, a realidade demonstra que ao crescimento dos perigos, tomados sempre em sua acepção negativa, corresponde uma inflação penal sem precedentes. Os riscos, ao lançarem novos desafios à democracia, fazem recair sobre o direito penal o peso de uma função de transformação da sociedade, havendo, porém, dúvida quanto à sua conformidade com o fundamento de todo o sistema. Em verdade, quando o futuro do direito penal passa a depender de sua capacidade de lidar com o risco, torna-se premente empreender esforços para sua relegitimação.
O escopo deste breve estudo é analisar a dinâmica existente entre este novo modelo social, denominado sociedade de risco, e a crise de legitimidade por que atravessa o direito e o sistema penal. Em um primeiro momento, pretende-se delinear a nova sociedade que emerge de um processo de modernidade reflexiva, o qual impôs profundas alterações nas bases da vida. Nesse sentido, intenta-se demonstrar a importância fundamental da noção de risco e o íntimo liame que se estabelece entre o sentimento geral de insegurança e as percepções inexatas e a sensação de impotência diante dele.
A seguir, busca-se relacionar os medos sociais à fuga para o direito penal, partindo do entendimento de que, associadas a outros elementos igualmente relevantes, as novas demandas redundam em uma inflação legislativa penal decorrente de uma política criminal orientada à repressão e de matiz precipuamente simbólico. Ao direito penal, mecanismo de controle social por excelência, pede-se que se reorganize e atue ante a falência dos processos de socialização; em conseqüência, acirra-se a perda de legitimidade e eficácia que lhe acompanha desde a gênese. É esta crise, portanto, que se pretende delinear, a fim de que se avente a possibilidade de se partir em busca de critérios que devolvam racionalidade ao Direito Penal, entendida esta não no sentido clássico de fundamento garantidor de certeza, mas como um direito coerente com a realidade social sobre a qual atua, efetivo na realização de suas finalidades e pautado pela valorização do ser humano.
1 Os Medos do Risco: da Sociedade de Risco à Cultura do Medo
Vive-se um momento de mudanças nas bases da vida, as quais atingem todas as esferas da sociedade. O processo de modernização implicou a intensificação e a multiplicação dos riscos. As categorias que pareciam estruturar as relações sociais até então perdem seus contornos, ao passo que as próprias idéias e respostas institucionais da época anterior deixam de ser convincentes. De um período de certezas e de crises controladas, emerge-se numa época de profunda crise de natureza civilizatória – cerne de uma verdadeira transformação paradigmática ora em marcha.[1]
De maneira similar ao que ocorreu no século XIX, quando o processo de modernização dissolveu a sociedade estamental agrária e elaborou a imagem estrutural da sociedade industrial, a modernidade dissolve hoje os contornos da sociedade industrial, erigindo, em seu lugar, uma outra figura social. As ameaças decorrentes de uma sociedade calcada do progresso e no desenvolvimento da ciência passam a ser percebidas, trazendo insegurança, e os perigos que a modernidade gerou para si mesma fazem emergir, de forma reflexiva[2], o que Ulrich Beck denomina de sociedade de risco.
Com efeito, o risco é a dinâmica mobilizadora de uma sociedade propensa a mudanças. Sua noção sempre esteve envolvida na modernidade, mas, no período atual, assume importância nova e peculiar, não porque se esteja em uma época mais perigosa ou mais arriscada que a das gerações precedentes, mas precisamente em razão de o equilíbrio entre riscos e perigos ter-se alterado. Se em toda a cultura tradicional houve inquietação ante os perigos externos, advindos da tradição ou da natureza, observa-se agora o predomínio do que Giddens denomina risco fabricado, ou seja, aquele criado pelo próprio impacto do avanço tecnológico, radicado em sua simultânea construção científica e social e cujo confronto não tem precedentes históricos. [3] Em síntese, os novos perigos – globais, impessoais e que escapam à percepção humana – são rebatizados de riscos e perspectivados como frutos do comportamento humano.
Tomada como construção sociocultural, a categoria de risco incorpora uma abordagem secularizada da vida e integra-se num entendimento racionalista da realidade. Pressupõe, pois, uma tentativa de domesticação das incertezas e inseguranças herdada do positivismo e que já não se coaduna com a complexidade da sociedade pós-industrial, na qual o passado perde sua força de determinação para o presente e, em seu lugar, aparece como causa para a vivência e a atuação o futuro, algo não existente, construído, fictício.
Os riscos selecionados no seio social como aqueles geradores de maior insegurança podem não ter qualquer relação com perigos reais; eles são culturalmente identificados como relevantes em razão das significações ameaçadoras que recebem. Assim, a existência, o alcance, a urgência e a interpretação do conteúdo dos riscos oscilam com a pluralidade de valores e de interesses envolvidos. Em decorrência, o discurso do risco converte-se numa estratégia política, numa forma de negociação dialética entre medos privados e perigos públicos.[4] Como observa o sociólogo Barry Glassner em seu estudo acerca da cultura do medo na sociedade norte-americana contemporânea,
[...] no mundo ocidental, nascemos e crescemos numa cultura do medo. A disseminação desse medo específico influencia o comportamento dos cidadãos e dita as políticas de segurança. É certo que o medo, baseado em avaliações reais, é um instrumento de auxílio ao escape ou enfrentamento de perigos reais. O falso medo, porém, aquele baseado em estimativas irrealistas, é fonte de sofrimento e determina políticas equivocadas.[5]
De fato, o temor nem sempre se funda em fatos concretos, mas antes em uma percepção subjetiva de uma possível ameaça, que se vê fomentada, muitas vezes, por campanhas orquestradas pelos meios de comunicação.[6] Segundo Zaffaroni, ainda que outorgue a si o papel de mera transmissora da realidade social, a mídia não se limita a proporcionar uma imagem falsa da realidade: ela a produz.[7] Ocorre que, se é preocupante concluir que a informação constrói a realidade social, mais ainda o é constatar que os acontecimentos que a definem não surgem de forma espontânea, mas como resultado de uma seleção programada e tendenciosa. Embora seja demasiado simplista a mera culpabilização da mídia como propulsora da disseminação do medo na sociedade atual, haja vista este nunca ter uma só origem, não se pode olvidar do seu papel protagonista numa sociedade em que a abundância e a rapidez das informações, por si sós, são fontes geradoras de insegurança.
Percepções inexatas e sensação de impotência findam por criar uma insegurança que não corresponde aos níveis de risco objetivo. Esta é, segundo Silva Sánchez, a dimensão subjetiva ou não-tecnológica da sociedade de risco. Os novos riscos trazem consigo uma forma especialmente aguda de vivê-los, fazendo proliferar uma sensação geral de insegurança. Trata-se, pois, de uma sociedade da insegurança sentida ou sociedade do medo.[8]
Não obstante, o risco não está exclusivamente associado à questão da sustentabilidade social, tendo íntima relação com a desagregação de grupos e de práticas sociais.[9] Com efeito, a crescente individualização também é produto da modernidade reflexiva. Com a crise do Estado de Bem-Estar, destradicionalizaram-se as formas de vida originadas pela sociedade industrial e, com isso, desmoronou-se o sistema intra-social de coordenadas da dinâmica social de até então.[10] À promessa não-cumprida do Estado-Providência de assegurar a satisfação das necessidades dos indivíduos e das famílias, tornando possível o desenvolvimento e o progresso, soma-se o medo e o sentimento de impotência espraiados no seio social; no lugar dos laços sociais tradicionais e das relações de proteção, aparecem constrições de mercado e de consumo; diante da fragilização das famílias e da percepção da própria convivência com o outro como fonte de riscos, instâncias secundárias e instituições públicas passam a configurar o curso da vida do indivíduo. Em suma, na sociedade de risco a solidariedade surge pelo medo e converte-se em força política.
O contra-projeto normativo da sociedade pós-industrial é a segurança. De fato, o seguro é a base a partir da qual as pessoas estão dispostas a assumir riscos.[11] Na medida em que aumenta a sensibilidade pública em face deles, surge uma necessidade política de atuação tranqüilizadora. Por conseguinte, o sistema axiológico da sociedade desigual é superado, agora, pelo sistema axiológico da sociedade insegura. E se a utopia da igualdade trazia em seu bojo mudanças sociais com fins positivos, a utopia da segurança, a seu turno, queda negativa e defensiva: já não se trata de alcançar algo bom, senão somente de evitar o pior.[12]
Está-se, pois, diante de uma sociedade orientada para uma restrição progressiva das esferas de atuação arriscada; um modelo social em que a liberdade de ação cede ante a liberdade de não padecer. Constata-se, com clareza, uma tendência ao retrocesso da incidência da figura do risco permitido, cujas fronteiras são constantemente reduzidas em razão da sobrevalorização da segurança.[13]
Insegura e individualizada, a sociedade clama por respostas rápidas que amenizem sua ansiedade. O Estado transforma-se, por conseguinte, em avalista e concretizador da segurança: suas principais funções passam a ser a avaliação e a administração dos riscos, enquanto a produção de bem-estar reduz-se à questão técnica do seu evitamento.
Contudo, a ponderação dos riscos, associada aos problemas sociais, envolve múltiplos aspectos estruturais. O processo de globalização[14], aqui, faz com que os riscos irradiem seus efeitos de forma desigual, originando diferentes modelos para sua gestão. Como observa Silva Sánchez, não se pode desconhecer a existência, no âmbito cultural, de uma verdadeira demanda por mais proteção; a partir daí, questão distinta é se determinada sociedade canalizará tal pretensão em termos mais ou menos irracionais como demanda por punição.
No âmbito da sociedade brasileira, além do acentuado sentimento de medo e insegurança, mormente diante da violência e do crime, o peso do autoritarismo social e a herança do regime ditatorial são elementos que aguçam a complexidade do cenário social. Com a redemocratização, o problema da segurança pública passa a se colocar como uma das principais demandas da opinião pública; contudo, mudanças efetivas esbarram nos resquícios da cultura repressiva de uma desigualdade extremamente desigual.[15]
Em verdade, a gestão política das ameaças está em descompasso com a crescente demanda por sua atuação positiva. Como conseqüência, as instituições do Estado não somente acolhem demandas irracionais sem qualquer reflexão, deixando de dispor de bases científicas seguras e de nelas introduzir elementos de racionalização, como ainda as realimentam em termos populistas.[16] Afigura-se, pois, um Estado da Prevenção ou da Segurança, no qual a produção normativa e os mecanismos de decisão tendem a se reorganizar permanentemente como resposta a uma situação de emergência estrutural.[17]
À falta de uma ética social que redunde na diminuição da sensação de insegurança, recorre-se ao Direito, que aparece, então, como a última moral compartilhada de uma sociedade deserdada por diferentes morais.[18] Por conseguinte, os limites do direito, ou seja, o seu futuro, passam a depender da sua estrutural incapacidade de lidar com o risco. Torna-se premente, a partir daí, a reorganização do poder e da legitimidade das sociedades contemporâneas.[19]
2 A Fuga para o Direito Penal
Toda sociedade necessita de uma disciplina que lhe assegure coerência interna. Para tanto, criam-se mecanismos que garantam e promovam a conformidade dos seus membros com as normas de conduta, ao que se denomina controle social. Em regra, os agentes de controle social informal são responsáveis pelo processo de socialização, mediante o qual se interiorizam, no indivíduo, as pautas de conduta transmitidas e aprendidas. Contudo, quando essa instância informal fracassa, entram em funcionamento as instâncias formais, que atuam de modo coercitivo e impõem sanções qualitativamente distintas das sanções sociais.
O atual enfraquecimento dos laços familiares e comunitários explica, em boa medida, a escassa confiança depositada no controle social informal. Na medida em que os conflitos e anseios sociais mais agudos não encontram guarida nem na ética social nem nos demais ramos do Direito, e ante a inidônea atuação do Poder Público para fazer frente às modernas exigências da sociedade, esses problemas são reconduzidos para o âmbito penal.[20] Dito de outro modo, em uma sociedade que carece de consenso sobre valores positivos, acaba recaindo sobre o direito penal, mecanismo de controle social formal por excelência, a missão fundamental de gerar consenso e reforçar a comunidade.
Ocorre que, se na sociedade industrial já não tinha vigência a disciplina necessária para manter relações sociais que, até então, davam origem a conflitos que seriam controláveis por meio do sistema penal, agora este último passa a ter que adequar seus recursos a novas contradições. Pede-se ao direito penal, que já sofria internamente problemas de legitimação e eficácia, que se reorganize diante do medo e que atue ante a falência dos processos de socialização, a fim de restaurar e manter a organicidade e a funcionalidade do sistema.[21] Ora, o direito penal existe para cumprir funções concretas na sociedade. Ele é disposto pelo Estado para a concreta realização de fins; toca-lhe, pois, uma missão política. Diante de uma nova dinâmica social, as funções e a eficácia do direito e do sistema penal convertem-se, portanto, em ponto central de discussão.[22] É que, nos moldes da teoria de Beck, a idéia da sociedade de risco suscita ao direito penal problemas novos e incontornáveis, para os quais ele não poderia, em tese, dar resposta valendo-se dos meios tradicionais do direito penal clássico.[23]
Para Zaffaroni, o controle penal caracteriza-se por uma eficácia instrumental invertida. Enquanto suas funções declaradas apresentam uma eficácia meramente simbólica, porque não são nem podem ser cumpridas, ele desempenha, latentemente, outras funções reais, não apenas diversas, mas inversas àquelas socialmente úteis declaradas em seu discurso oficial, as quais contribuem para reproduzir as relações desiguais de propriedade e poder. Assim, a função latente e real do sistema penal não seria o combate à criminalidade e a garantia de segurança pública e jurídica, e sim a reprodução das desigualdades e assimetrias sociais, por meio de uma construção seletiva da criminalidade. [24]
É precisamente o funcionamento ideológico do sistema penal que perpetua a ilusão de segurança por ele exercida, justificando socialmente sua importância e ocultando suas reais e invertidas funções. Noutros termos, não aparentando o que é nos aspectos menos relevantes, o sistema penal pode ser o que de fato é naquilo que importa: uma técnica de controle social a serviço daqueles que detêm o poder econômico e político.
A constatação de que a eficácia das funções declaradas do direito penal é sobretudo simbólica e legitimadora, ao invés de instrumental[25], vai ao encontro da tese de Beck de que a sociedade de risco não é uma sociedade revolucionária. Embora o reconhecimento dos riscos da modernização e o crescimento dos perigos neles contidos conduzam a uma mudança do sistema, isso não acontece na figura de uma revolução manifesta, mas sim silenciosa, como conseqüência da mudança na consciência de todos: uma mudança sem sujeitos e que conserva as elites e a velha ordem.[26]
De fato, todo instrumento de controle social possui efeitos simbólicos. Como lembra Meliá, os fenômenos de caráter simbólico fazem parte do direito penal, de modo que é incorreto restringir-se a sua acepção negativa; haver-se-ia de referir, porém, às normas com função meramente simbólica, dirigidas unicamente à opinião pública e com intuito de transmitir a impressão tranqüilizadora de um legislador atento e decidido. Quando o Estado já não pode ser entendido como mero guardião dos cada vez mais complexos processos sociais, porque intervém neles, a norma penal deixa de ser um meio para constituir a identidade da sociedade, para marcar os mínimos de convivência, ou, quiçá, para resolver problemas sociais: ela se torna a própria solução.[27] O simplismo é caro à Criminologia, porque se produz a ilusão de que a questão criminal é mera transgressão das normas penais, reduzindo sobremaneira a complexidade de seu objeto de estudo.
Assim, o déficit da tutela real é compensado com a criação, no público, de uma ilusão de segurança e de um sentimento de confiança no ordenamento e nas instituições cujas bases reais são cada vez mais escassas. Encerra-se aqui uma evidente contradição. Por um lado, ao se pretender que o direito penal cumpra um papel de proteção em face dos novos riscos, transforma-se-o em instrumento de prevenção político-social; por outro, quanto mais se incrementa essa função, mais a sociedade dá-se conta da falta de operatividade do sistema e da ausência de uma verdadeira e efetiva atuação nesse sentido. Com isso, resulta de concreto uma função puramente simbólica de proteção, quer perante os marginalizados, quer perante os próprios setores hegemônicos. Ao fim e ao cabo, a sustentação da estrutura do poder social por meio da via punitiva resta sendo fundamentalmente simbólica. [28]
Cingida a solução para a insegurança na ampliação da proteção penal, o sistema penal da sociedade de risco adota as formas da violência estatal legitimada para descarregá-la sobre as manifestações da nova pobreza e da exclusão, a fim de redistribuir um risco de criminalidade que se considera socialmente inevitável. Não se trata mais de ressocializar, corrigir ou prevenir, ônus que teria assumido o Estado de Bem-Estar. A nova sociedade configura seu sistema penal sobre novas verdades e novos fins, os quais se orientam à repressão. Mais que isso: não se trata apenas de punir exemplarmente cada violação da nova ordem, senão de criar alarde social para convertê-la em fonte de confiança nas instituições.[29]
Não obstante, observa-se um raro consenso sobre as virtudes do direito penal como instrumento de proteção dos cidadãos. Com efeito, o temor ao crime existe e tem como resultado uma série de reações radicais e negativas entre os integrantes da coletividade, que se plasmam na perda da confiança recíproca e numa acentuada propensão a expandir o âmbito do controle penal.
Dá-se, pois, uma reabilitação do recurso ao direito penal no âmbito do político, com demandas advindas não apenas da direita política, mas também do que se convencionou chamar de “esquerda punitiva”, a qual, de uma linha crítica que identificava a criminalização de determinadas condutas como instrumento para a manutenção do sistema econômico-político de dominação, ajustou-se ao discurso da insegurança e passou a defender a neocriminalização, inclusive para condutas características das classes subalternizadas.[30]
Mesmo o debate em torno dos direitos humanos centraliza-se em torno da penalização. Não se trata, porém, de um fenômeno isolado brasileiro, mas de uma tendência que acompanha ou se faz acompanhar da emergência de um novo modelo (penal e policial) de Estado. Os discursos e as práticas de direitos humanos chegam à população sob a forma de culpabilização, penalização e punição. O resultado inexorável, como bem observa Singer, é uma obsessão punitiva crescente. In verbis:
Nas acres crônicas da insegurança e do medo do crime, nos fatos e acontecimentos que sugerem a fragilidade do Estado em velar pela segurança dos cidadãos e proteger-lhe os bens materiais e simbólicos, nos cenários e horizontes reveladores dos confrontos entre defensores e opositores dos Direitos Humanos, inclusive para aqueles encarcerados, julgados e condenados, tudo converge para um único e mesmo propósito: punir mais, com maior eficiência e exemplaridade.[31]
No plano dogmático, há quem afirme a impossibilidade de se pedir ao direito penal que se arvore em instrumento de tutela perante os novos riscos, seja porque não haverá efetividade na proteção penal, seja porque se perderá na prossecução e na defesa consistente dos direitos, liberdades e garantias individuais. Como frisa Figueiredo Dias, para tal proteção deve intervir não o direito penal – razão pela qual se haveria de recusar de pronto a construção de um “direito penal do risco” – mas outros ramos de direito e, sobretudo, outros meios de controle social não-jurídicos.[32] Nessa linha, fazer recair sobre o direito penal uma função promocional de mudança e transformação da sociedade não estaria de acordo com o fundamento de legitimação da sua intervenção. Dito de outro modo, revelar-se-ia franca a inidoneidade do direito penal para fazer frente aos típicos problemas da sociedade de risco.[33]
Noutro sentido, há quem afirme que, para uma melhor proteção dos bens jurídicos típicos da sociedade de risco, o instrumento mais adequado seria o direito penal, com toda sua carga simbólica. Emergem, aqui, teorias funcionalistas, cujo fundamento é a estabilidade do sistema social e segundo as quais o direito tem por função precípua garantir a orientação de ações e a estabilidade de expectativas.
De acordo com Jakobs, a sociedade moderna necessita da criação de mecanismos que permitam a redução da complexidade que lhe é característica. Em decorrência, existem as normas, que são a estrutura dessa sociedade. Para que a sociedade realmente exista, as normas devem ter vigência; para que a sociedade seja estável, é imprescindível a estabilização daquelas. Partindo dessa perspectiva, o direito seria a estrutura da relação entre pessoas, e não um muro de proteção colocado ao redor de bens. A seu turno, o direito penal passaria a ter a função de garantir a expectativa de que não se produzam ataques a bens; ele garantiria, portanto, a vigência da norma, que nada mais é do que a proteção de uma expectativa. O delito, então, seria a desautorização da norma, que revela a falta de fidelidade ao ordenamento jurídico. O fato e a pena encontram-se, aqui, no mesmo plano: o fato é a negação da estrutura da sociedade; a pena, a marginalização dessa negação, ou seja, a confirmação da estrutura. A função do direito penal, portanto, seria sempre alcançada com a execução da pena, haja vista ser ela a confirmação da configuração da sociedade. Os demais efeitos não seriam essenciais ao fim da pena; não porque sejam secundários, mas porque não são levados em consideração.[34]
Tendo em vista que o bem aparece exclusivamente como pretensão do titular de que este seja respeitado, ele deixa de ser um objeto físico, transmudando-se em uma norma, uma expectativa garantida. Logo, a pessoa deixa de se caracterizar como titular ou não de um determinado bem; dependendo do contexto social, ela é vista como uma pessoa à qual compete ou não a evitação do risco. Na teoria funcionalista de Jakobs, como se vê, os riscos adquirem especial relevância, erigindo-se uma teoria da imputação objetiva, que torna fundamentais a distinção entre risco proibido e permitido e a questão do cumprimento dos deveres advindos da posição de garantidor.[35]
Em síntese, a fuga para o direito penal deixa de ser apenas um problema de legisladores superficiais e frívolos, porque passa a ter a cobertura ideológica de que carecia há muito tempo.[36] Olvida-se que a eficaz prevenção do crime não depende tanto da maior efetividade do controle social formal, senão da melhor integração ou sincronização do controle social formal e informal.[37] Para a satisfação do crescente clamor por segurança e para fazer frente às demandas por maior punição, criam-se leis penais, até chegar-se ao ponto em que qualquer fato conjuntural desemboca na necessidade de novas medidas. O resultado, como não poderia deixar de ser, é uma inflação penal sem precedentes.
3 Os Riscos do Medo: da Inflação à Deslegitimação do Direito Penal
A visão do direito penal como único mecanismo eficaz de socialização resulta numa tendência legislativa e político-criminal no sentido da expansão da criminalização. Valendo-se de uma delimitação discursiva arbitrária e ignorando a inadequação da racionalidade tradicional, o significativo aumento dos tipos penais suscita não apenas conflitos com princípios fundamentais e clássicos da ciência penal, mas também sérios e graves problemas de legitimação do poder de punir do Estado, quer quanto à sua fundamentação, quer quanto aos seus limites.
Ora, por trás da letra da lei está a norma, que traduz uma decisão política. Assim, determinada conduta passa a ser criminosa tão-somente porque o Poder Público, artificialmente, colocou-lhe tal etiqueta. Da categoria praticamente infinita de atos ilícitos, o legislador seleciona aqueles que devem ser sancionados penalmente, conferindo-lhes, por conseguinte, o caráter de delito.[38] O crime, portanto, é um ente jurídico, enquanto a seletividade, já na criminalização primária, demonstra não constituir característica conjuntural, mas estrutural do exercício de poder de todo o sistema penal.[39]
Nesse sentido, a opção político-criminal em favor de uma maior atuação do instrumento punitivo é influenciada por diversos fatores, dentre os quais a ausência de um referente material idôneo para dotar de conteúdos vinculantes os bens jurídicos que fundamentam o exercício do poder de punir. O reflexo, porém, é um só: o incremento do número de condutas criminalizadas. De fato, como observa Juarez Tavares, foi sob a vigência desse modelo penal intervencionista que praticamente toda a legislação penal brasileira das últimas décadas foi produzida.[40] O resultado é a existência de mais de mil tipos penais, decorrentes das freqüentes e parciais alterações da parte especial do Código Penal e, ainda, da constante edição de leis especiais, que tornam evidente a inflação legislativa[41], ou, nos dizeres de Luisi, a dimensão elefantíaca da legislação penal, causa primeira da crise de todo o sistema.[42]
A busca de respostas rápidas às exigências sociais – que logo se transformam em programas político-criminais e, em seguida, em decisões legislativas – é uma das causas da atual febre legislativa. Em nível teórico, os legisladores deveriam deixar-se influir somente pelas tradições e convicções populares dotadas de fundamentação antropológica real, sólida e racional, rejeitando, portanto, quaisquer preconceitos irracionais e arroubos emocionais gerados pelos meios de comunicação na opinião pública.[43] Na prática, porém, a criminalização é usada pelo legislador como aparente solução para as demandas sociais. Pressionado pela opinião pública diante de problemas de grande envergadura e sem que esteja disposto ou disponha de meios eficazes para resolvê-los, ele recorre ao expediente fácil da lei penal, aspirando seus efeitos simbólicos.[44] A operação, ao contrário do que possa parecer, logra êxito com freqüência, porque a imagem que prevalece na sociedade quanto ao funcionamento do sistema penal está totalmente afastada da realidade.[45]
De fato, a imagem que o legislador faz do sistema penal e de seus efeitos sociais deriva fundamentalmente dos pressupostos implícitos na doutrina penal, os quais nem sempre correspondem à realidade social. Em decorrência, legisla-se com bases conceituais abstratas, desligadas das implicações que práticas punitivas trazem consigo no momento da criminalização secundária, ou seja, quando a lei penal é aplicada na rotina diária dos julgados. Por um lado, deixam-se de lado as nocivas conseqüências sociais de um encarceramento massivo em condições infra-humanas; de outro, elevam-se os problemas interpretativos dos operadores do direito e deslegitima-se a atividade jurisdicional, cada vez mais limitada em suas possibilidades de efetivar o programa de mínima intervenção punitiva.[46]
Por outro lado, o aumento progressivo da criminalidade e da exclusão social e a perda da soberania estatal no mundo globalizado provocam um deslocamento do poder soberano do Estado para o âmbito penal. Observa-se a crescente inconsistência ou perda da capacidade estatal no campo de produção e aplicação do direito, em decorrência de uma cultura jurídica defasada quanto aos fenômenos que pretende regular.[47] Surgem, desse modo, discursos normativos penais de emergência, nos quais se observa um total desprezo pelos direitos e garantias fundamentais e uma negligência à nova valoração constitucional e seus mais elementares reflexos na legislação infraconstitucional.
Ora, ao perder seu poder autônomo, o Estado nacional não consegue fazer reformas estruturais. Simula fazê-lo, então, por meio da edição de leis. Trata-se do que Zaffaroni denomina de judicialismo e que Baratta define como direito penal jurisprudencial.[48] Os problemas de referido fenômeno derivam da sua própria existência, haja vista ser ele o meio pelo qual o legislador procura transferir para as decisões judiciais a responsabilidade política que não pode – ou não quer – assumir com as decisões programáticas que lhe corresponderiam, esperando que venham do juiz, então, as decisões programadas aos casos individuais. Enquanto as sociedades modernas promovem uma demanda por justiça inédita em termos quantitativos e qualitativos, a Justiça não apenas tem que multiplicar suas intervenções, mas também responder a novas demandas.[49]
Em verdade, há uma tendência legislativa ao casuísmo e ao ativismo, produzida essencialmente por argumentos de oportunidade, agilidade e finalidade.[50] O direito penal aparece, assim, como mecanismo de gestão eficiente de determinados problemas, sem conexão alguma com valores. Seus princípios basilares, em conjunto, são contemplados como sutilezas que se opõem a uma solução real dos problemas, e as questões éticas da penalização e punição dos comportamentos desviantes são suplantadas por questões pragmáticas e administrativas.[51]
Normalmente, quando se apresenta um projeto de lei, deve-se indicar seu financiamento. Tal exigência, que impõe uma restrição considerável à liberdade legislativa, nunca se aplica ao setor vinculado às decisões sobre o alcance do direito penal. Pode-se criminalizar sem levar em conta o custo ou o preço que se paga. Na mesma medida, quanto mais sérias as dificuldades orçamentário-financeiras do governo, mais forte a pressão para que uma maior quantidade de ações seja tipificada, tendo em vista que a criminalização permite adiar a atenção dos custos. Em verdade, porém, manter criminalizadas determinadas condutas no momento atual importa em gastos desnecessários, quer porque se elevam os custos do delito, quer porque se converte o sistema penal em um aparato sobrecarregado e irracional.[52] Ademais, inflacionando as tipificações, os órgãos legislativos não fazem mais do que aumentar o arbítrio seletivo dos órgãos executivos do sistema penal e seus pretextos para o exercício de um maior poder controlador.[53] Em síntese, a inflação penal, em vez de fortalecer a tutela, resulta inevitavelmente em uma diminuição da eficiência.
Caminhos que com maior efetividade e menor custo poderiam empregar-se para atacar muitos conflitos, apesar do consenso amplamente majoritário dos juristas sobre sua conveniência, raramente são incluídos na agenda política, sem que, no entanto, o sistema ofereça justificativas racionais para tal preterição.[54] As tendências mais modernas e humanizadoras do direito penal, tais como a descriminalização e a despenalização, não fazem parte da realidade concreta dos defensores da indiscriminada utilização do direito penal. Há uma ambivalência nas orientações político-criminais, bem evidenciada em relação às infrações bagatelares: ora se propugna por soluções descriminalizadoras e despenalizadoras, ora se adota clara orientação criminalizadora.[55]
Nessa linha, vê-se uma vultuosa quantidade de tipos penais que tutelam bens e interesses jurídicos que, fosse observado o princípio da intervenção mínima do direito penal, poderiam ser protegidos por medidas de natureza não-penal. O direito penal, convertido em instrumento de governo, perde-se na fronteira que o separa do direito administrativo sancionador. Os tipos penais emergentes tendem a se parecer, na sua forma, cada vez mais com as normas de intervenção do Poder Público, distanciando-se dos requisitos clássicos da lei e transformando-se em instrumento de gestão de situações particulares e riscos excepcionais. Afigura-se, aqui, o fenômeno da administrativização do Direito Penal.[56]
Em verdade, o apego a uma concepção democrática formalista apenas possibilita a solução do problema da legitimação formal de quem decide, o que faculta a qualquer norma ser vigente e válida, independentemente do seu conteúdo. Por conseguinte, muitos delitos que são excessivos no sistema e cujas normas que lhes dão sustento são despidas de qualquer fundamento antropológico permanecem sendo sancionados.
Diante dessa ausência de controle quanto ao conteúdo da norma, o bem jurídico tem sido reduzido a uma categoria formal de que o Poder Público se vale para tutelar os bens que entende, na sua ótica ideológica, mais relevantes e necessários de preservação.[57] Segundo Meliá, a atual atividade legislativa desenvolvida em matéria penal coloca, ao lado do elenco de normas penais ditas “clássicas”, um conjunto de tipos penais para cuja legitimação unicamente cabe fazer referência a bens jurídicos de caráter vago, dificilmente suscetíveis de descrição.[58] Deixando de cumprir seu papel de limite à criminalização, o princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos assume um moderno e positivo papel, materializado em sua progressiva instrumentalização e condizente com exigências hipertrofiadas de intervenção penal.
Olvidando da necessidade da ofensa ao bem jurídico ou, no mínimo, do perigo concreto de lesão àquele, passa-se a utilizar com freqüência uma técnica de construção de tipos penais excessivamente preventivista. A gênese dessa tendência à antecipação do delito, característica do direito penal moderno, funda-se na concepção de que, em se pretendendo a proteção efetiva de bens jurídicos, não se pode renunciar à penalização de condutas geradoras de perigo abstrato.[59] Por conseguinte, o legislador contempla situações em que o perigo se presume e difunde delitos de mera desobediência à norma, desatendendo não apenas ao princípio da lesividade, mas também ao caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal.
Quanto mais se desenvolvem teoricamente as premissas básicas de uma racional política criminal condizente com o caráter fragmentário e subsidiário do direito penal, mais espaço ocupa, na prática, a intervenção máxima. O direito penal torna-se cada vez mais omnicompreensivo, o que indica uma supressão cada vez maior da área da liberdade pessoal; noutros termos, a urgência traz consigo um novo tipo de risco: o da insegurança jurídica. Essa destacada tendência legislativa e político-criminal no sentido da expansão da criminalização, porém, não suscita apenas conflitos com princípios fundamentais e clássicos da ciência penal, senão também sérios e graves problemas de legitimação do poder de punir do Estado, quer quanto à sua fundamentação, quer quanto aos seus limites.[60]
4. A Necessidade de Racionalização
A justificação geral do direito – resolver problemas de coordenação que surgem em qualquer sociedade desenvolvida – não implica esteja justificado cada tipo particular de direito, e, muito menos, qualquer instituição ou norma jurídica.[61] Nesse sentido, um direito penal legítimo e, portanto, justificado, pressupõe a realização de sua função minimizadora do poder punitivo estatal, o que faz dele instrumento da democracia. Essa legitimação, porém, só pode ser alcançada a partir de uma construção racional, não no sentido clássico de fundamento garantidor de certeza, mas como um direito coerente com a realidade social sobre a qual atua, efetivo na realização de suas finalidades e pautado pela valorização do ser humano.
Se há um razoável consenso no sentido de que o discurso jurídico-penal é falso, sua sustentação e permanência se devem, em boa parte, à incapacidade de ser substituído por outro diante da necessidade de se defenderem os direitos de algumas pessoas.[62] A ponderação entre a necessidade iniludível da presença do direito penal como instrumento eficaz de solução de conflitos sociais e o grave custo social decorrente de sua intervenção indica que seu desaparecimento, como quer o pensamento utópico, não é mera questão de tempo. Conquanto represente tão-somente um dos meios ou sistemas normativos existentes, o direito penal simboliza o sistema mais formalizado, com estrutura mais racional e com mais elevado grau de divisão de trabalho e de especialidade funcional.[63]
Ocorre que o direito penal se manteve, por dois séculos, ancorado nos postulados básicos do Estado liberal. A dogmática jurídica, durante todo o século XIX e parte do século XX, baseou-se na idéia de supremacia da lei, expressão da vontade geral. Existindo um legislador superior em racionalidade e em conhecimento, cabia ao jurista tão-somente conservar o corpo de regras já estabelecido pelos Códigos: no campo prático, aplicando as leis formuladas, no âmbito teórico, descrevendo-as. O positivismo, portanto, logrou limitar a função do jurista à aplicação do direito, no intuito de alcançar uma ilusória neutralidade e um pretenso incremento na racionalidade. Nesse contexto, a criação do Direito foi relegada a plano secundário: tratava-se de questão meramente política.[64]
Com isso, reduziu-se a legitimação externa ou política do direito penal à interna ou jurídica. Confundiu-se sua justiça com sua mera existência e, em decorrência, passou-se a concebê-lo como mera técnica auto-referencial de defesa e controle social. Convertida a uma disciplina puramente técnica, de forma deliberada olvidou-se de seus fundamentos e de referentes axiológicos externos. Assim, só a lei positiva, o direito já posto, e não a legislação ou o direito por fazer, tornou-se o horizonte exclusivo das disciplinas penais.[65]
Ao atingir o apogeu de sua importância, a lei, submetida apenas à vontade dos detentores da soberania, foi privada de sua estreita vinculação com a razão. Aos poucos, situou-se a racionalidade na jurisdição, reservando para a legislação nada além da legitimidade derivada da autoridade. Com essa premissa, desenvolveram-se largamente teorias da argumentação jurídica centradas no campo da aplicação do direito.
Contudo, ao assumir o arbítrio irracional do legislador, tentando matizá-lo com princípios limitadores no momento da aplicação do direito, a reflexão jurídico-penal viu-se encurralada em uma estratégia equivocada, porque a racionalidade judicial é inalcançável sem uma prévia racionalidade legislativa.[66] Com efeito, a racionalidade legislativa, ou ao menos certo grau dela, é um pressuposto necessário para a aplicação racional do direito.[67] Tendo em vista que o legislativo opera dentro do sistema jurídico, mas aberto a critérios de legitimação externa, ao legislador incumbe uma tarefa mediadora entre política e direito.[68] Resta, pois, perquirir se a legislação pode alcançar um nível de racionalidade equiparável ao da jurisdição.
Atualmente, a posição central da lei na configuração do ordenamento jurídico encontra-se em momento de séria crise.[69] O controle de constitucionalidade do Estado de Direito constitucional, longe de se limitar a submeter a lei aos desígnios da Constituição, desencadeou um protagonismo da jurisdição face à legislação.[70] Não obstante, a nova dinâmica da sociedade, ansiosa por segurança ante os novos riscos advindos das atividades sócio-tecnológicas de benefício ambivalente, desencadeou um fenômeno de inflação penal sem precedentes.
Meliá destaca a perda notável de influência dos teóricos do direito penal sobre o legislador nos últimos anos.[71] No mesmo sentido, Beck sustenta que o incremento dos riscos e perigos advindos da modernização deu origem a posturas críticas e céticas ante a racionalidade técnico-científica. Diante do sentimento de desconfiança em relação às propostas especializadas, houve uma revalorização das aproximações vulgares aos problemas sociais.[72]
A evolução em direção a uma progressiva perda da influência exercida por especialistas na fase pré-legislativa e a conversão da opinião pública em agente criador de programas sociais constitui, na visão de Ripollés, um retrocesso ante as propostas destinadas a incrementar a racionalidade dos processos de decisão legislativa. A esse fato, porém, deve-se agregar a tendência à eclosão de leis meramente simbólicas, a qual não apenas exerce um efeito de apelo, como também facilita o acesso e traduz a acolhida de demandas populares no sentido do incremento da intervenção penal. [73]
À falta de um conjunto normativo delimitador da essência da lei penal, resultado da ausência de reflexão a respeito, consolidou-se uma legislação penal conjuntural, oportunista e simbólica, intimamente ligada às deficiências da técnica legislativa e a interesses eleitoreiros. Tomada como instrumento de transformação ou manipulação social à custa da infringência de princípios básicos do direito penal, a lei penal não apenas perdeu racionalidade, como também se condicionou ao casuísmo judicial. Diante desse quadro, como alerta Figueiredo Dias, afigura-se imprescindível repensar todo o paradigma da razão técnico-instrumental, a fim de que se delimite e vincule, nos termos dos postulados de uma racional política criminal, premissas básicas que justifiquem não apenas a aplicação, mas também a criação da lei penal.[74]
Essa racionalidade que se pretende, porém, não coincide com o fundamento garantidor de certeza ou uma rigorosa validade universal para solução de problemas de qualquer espécie, como pretendia o racionalismo clássico. Aqui, o termo expressa a existência de uma interação da lei com um setor da realidade social, havendo correspondência e coerência entre ambos. No campo penal, ela consistiria na capacidade de elaborar uma decisão legislativa que atenda a dados relevantes da realidade social e jurídica sobre os quais incide.[75] A racionalidade no âmbito da criação do direito não se esgotaria, portanto, em sua coerência interna, haja vista envolver também seu valor de verdade quanto à nova operatividade social.[76] Dito de outro modo, o discurso jurídico-penal será tido como racional se for coerente e verdadeiro.[77]
A racionalidade legislativa penal, portanto, seria o ponto de chegada de uma teoria da argumentação jurídica desenvolvida no plano do procedimento legislativo penal.[78] Ela não poderia ser cingida, porém, aos pressupostos de intervenção do direito penal, senão também ao seu próprio conteúdo, porque não se trata de exclusivamente delimitar e restringir ao máximo as condições e requisitos do poder punitivo do Estado, mas também de controlar seu exercício.[79] Como lembra Roxin, a construção de um sistema frutífero exige ordem e clareza conceitual, proximidade à realidade e orientação por fins político-criminais.[80]
Partindo do caráter acessório, subsidiário e fragmentário da lei penal incriminadora, mas verificando a insuficiência de referidos limites negativos à atuação do legislador[81], resta que as condições a serem cumpridas pela lei para sua valoração positiva deveriam ser vistas de fora das redes conceituais jurídicas tradicionais.[82] De fato, as teorias justificadoras tradicionais não lograram impor limites à atividade legislativa estatal penal, porque não explicam quando se deve punir, ficando em aberto a questão de saber sob que pressupostos está autorizado o Estado a castigar. Ressentem, pois, de um critério material ao poder punitivo estatal.
Em síntese, para alcançar um modelo de legislação que aborde racionalmente o problema da criminalização de determinada conduta, seria preciso partir da concepção do processo legislativo como um processo de decisão, a fim de aproximá-lo ao máximo da teoria da decisão racional.[83] Se o que se pretende é a relegitimação de todo o sistema penal, não se pode cingir a solução ao momento da aplicação da lei, não obstante seu papel fundamental, e às vezes ainda tímido, no sentido de declarar inconstitucionalidades e filtrar a seletividade ínsita ao Direito Penal. Noutros termos, a relegitimação de todo o sistema exige estruturas que excedam os limites do direito positivo e busquem uma abordagem interdisciplinar.
Considerações Finais
O sistema penal é uma complexa manifestação de poder, cujo exercício sempre quis mostrar-se legítimo, ou seja, planejado racionalmente. Constituindo-se como uma forma de violência, o poder punitivo seria contido pelo direito penal, incumbido de servir de instrumento de contenção dos abusos dos particulares e das arbitrariedades do poder estatal. Noutros termos, ao direito penal cumpriria, simultaneamente, as funções de limitar o poder de intervenção do Estado e de combater o delito.
Assim, se o discurso jurídico-penal fosse racional e o sistema penal atuasse em conformidade a ele, este seria, então, legítimo. Em sentido oposto, o mero exercício de poder, ainda que revestido da forma de lei penal, careceria de legitimidade. A autolegitimação oficial, portanto, não obstaculiza a constatação da grave crise de legitimidade experimentada pelo moderno sistema penal.
Nesse passo, o que é inegável é que as transformações do Estado contemporâneo produziram uma crise de legitimação. No âmbito da deslegitimação do sistema penal como estrutura racional de controle social, podem ser destacadas tendências discursivas, fomentadas precipuamente pelo sensacionalismo da imprensa, tais como o retribucionismo puro, a relegitimação sistêmica, a intervenção mínima e o abolicionismo.[84] O ponto central de crítica ao sistema penal converge, no entanto, para a ausência de racionalidade, a qual se manifesta pela inexistência de coerência interna, quer quanto à adequação entre fins teoricamente delimitados pela dogmática lógico-jurídica, quer com relação à concretude da operatividade da estrutura, dissonante do discurso programado.
O maior sintoma da crise no sistema legal e funcional de garantias é representado pelo fenômeno da inflação penal. A pretensão de satisfação das necessidades de justiça faz com que haja um surto legislativo que relega ao direito penal uma função meramente simbólica. Em decorrência, os vínculos com os pressupostos de previsibilidade mínima, racionalidade e cognição são desfeitos. Usado de forma excessiva, desproporcional, desumana, desigual, ou apelando para a responsabilidade objetiva, o direito penal torna-se arbitrário e, portanto, ilegítimo.[85]
Ao invés de negá-la, valendo-se de uma delimitação discursiva arbitrária e ignorando a inadequação da racionalidade tradicional, é preciso confrontar a crise por que passa todo o sistema. Para tanto, faz-se necessário mudar as próprias concepções de racionalidade, conhecimento e práxis, assim como o modo de pensar as estruturas institucionais. Esta tarefa, contudo, não se cinge ao Judiciário e à aplicação das leis vigentes, porque deve principiar por uma atividade que lhe é pressuposto e condição prévia: o processo de criação da lei penal.
Se, por um lado, é preciso buscar uma resposta relegitimadora do direito e do sistema penal, por outro se faz urgente atentar para a atividade legislativa no âmbito penal, porque uma lei penal consistente em uma decisão racional ameniza as dificuldades decorrentes da sua posterior aplicação e possibilita a consecução das tarefas ínsitas a uma dogmática crítica. É que, conquanto a percepção das funções veladas do direito penal e da conseqüente falsidade do seu discurso seja patente, tal não implica a defesa de seu imediato desaparecimento. A constatação de sua deslegitimação enquanto meio racional de solução de conflitos no seio social torna explícita, antes da premência de sua extinção, a urgência de sua reabilitação. Trata-se, pois, de tentar devolver ao direito penal critérios de racionalidade, os quais devem permear tanto sua criação como sua aplicação.
Em última análise, o desafio que hoje se impõe ao direito penal diz com a superação de sua estrutural incapacidade de lidar com o risco, sem que se torne ele, porém, mero remédio para quaisquer anseios sociais por uma segurança já utópica. Nesse sentido, é preciso imprimir esforços para encontrar subsídios para que a decisão legislativa atente e se coadune aos dados da realidade sobre a qual atua, a fim de que se erija um direito penal racional, antropologicamente fundado e, portanto, legítimo.
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[1] HESPANHA, Pedro. Mal-Estar e Risco Social num Mundo Globalizado: novos problemas e novos desafios para a teoria social. In: A Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002. p. 163-164.
[2] Essa seria a modernização reflexiva, a qual traz consigo a possibilidade de uma (auto) destruição criativa da era da sociedade industrial, sendo que o ‘sujeito’ dessa destruição criativa não é a revolução, tampouco a crise, mas a vitória da modernização ocidental. Cf. MORAES, Márcia Elayne Berbich de. Um Direito Penal do Risco para uma Sociedade de Risco? (uma discussão dentro da perspectiva penal ambiental). Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 2, n. 9, 2003, p. 117.
[3] A idéia de risco parece ter-se estabelecido nos séculos XVI e XVII, e foi originalmente cunhada por exploradores ocidentais ao partirem para suas viagens pelo mundo. A palavra risco era usada para designar a navegação rumo a águas não-cartografadas, ou seja, tinha orientação espacial. Mais tarde, passou a ser transferida para o tempo, para designar o cálculo das conseqüências prováveis; mais além, passou a se referir a uma ampla esfera de outras situações de incerteza. Assim, risco não é o mesmo que infortúnio ou perigo; refere-se a infortúnios ativamente avaliados em relação a possibilidades futuras, de forma que a palavra só passa a ser amplamente utilizada em sociedades orientadas para o futuro. O conceito de risco, pois, pressupõe uma sociedade que tenta ativamente romper com seu passado – característica primordial da civilização industrial moderna. GIDDENS, Anthony. O Mundo em Descontrole. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 33-37.
[4] BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo: hasta una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998. p. 37-40 e CARAPINHEIRO, Graça. A globalização do risco social. In: A Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002. p. 198.
[5] GLASSNER, Barry. Cultura do Medo. São Paulo: Francis, 2003. p. 12. A análise do sociólogo norte-americano demonstra inegável similaridade com a realidade cultural brasileira no tocante aos medos disseminados na sociedade, em especial, quanto ao crime e à violência. Segundo ele, hoje se teme cada vez mais o que se deveria temer cada vez menos, em parte em decorrência da disseminação do temor que influencia o comportamento dos cidadãos e que acaba ditando as políticas de segurança.
[6] CERVINI, Raúl. Os Processos de Descriminalização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, passim.
[7] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p.127-132. A influência da mídia é uma constante no pensamento do jurista argentino. Para ele, os meios de comunicação e, em especial, a televisão, são elementos indispensáveis ao exercício do poder de todo o sistema penal, porque criam a ilusão dos sistemas penais, quer em nível transnacional, quer em nível das conjunturas nacionais.
[8] SÁNCHEZ, Jesús-Maria Silva. A Expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 30-38.
[9] CARAPINHEIRO, Graça. A globalização do risco social. In: A Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002. p. 201-202.
[10] BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo: hasta una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998, passim.
[11] GIDDENS, Anthony. O Mundo em Descontrole. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 34-35.
[12] BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo: hasta una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998, passim.
[13] SÁNCHEZ, Jesús-Maria Silva. A Expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 42-44.
[14] Aqui entendido numa acepção paradigmática, não apenas como uma crescente interdependência entre sociedades nacionais, mas como verdadeira desterritorialização do social e do político, no sentido de que a coincidência entre sociedade e Estado vai-se desvanecendo e as formas de atividade social e econômica, de trabalho e de vida, deixam de ter lugar dentro do quadro do Estado-Nação. HESPANHA, Pedro. Mal-Estar e Risco Social num Mundo Globalizado: novos problemas e novos desafios para a teoria social. In: A Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002. p. 164.
[15] Para Azevedo, os principais obstáculos à redemocratização ainda não foram removidos, com destaque para o militarismo, crise econômica, dívida externa, conseqüências sociais do ajuste estrutural, permanência das atitudes tradicionais, burocracia partidarista, corrupção e narcotráfico, fatores que incrementam a delinqüência e o sentimento de insegurança. AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Criminalidade e Justiça Penal na América Latina. Sociologias, Porto Alegre, ano 7, n. 13, jan.-jun. 2005, p. 219-229.
[16] SÁNCHEZ, Jesús-Maria Silva. A Expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 23-24.
[17] PINTO, Emerson de Lima. A Criminalidade econômico-tributária: a (des)ordem da lei e a lei da (des)ordem. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 55.
[18] SÁNCHEZ, Jesús-Maria Silva, op. cit., p. 58 e ROJO, Raúl Enrique. Por una Sociología Jurídica, del Poder y la Dominación. Sociologias, Porto Alegre, v. 7, n. 13, jan-jun. 2005. p. 64.
[19] CARAPINHEIRO, Graça. A globalização do risco social. In: A Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002. p. 199-200.
[20] GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice. O Direito Penal na Era da Globalização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.p. 108.
[21] BERGALLI, Roberto. Relaciones entre control social y globalización: Fordismo e Disciplina. Post-fordismo y Control Punitivo. Sociologias, Porto Alegre, ano 7, n. 13, jan.-jun. 2005. p. 204 e MIRANDA, Alessandra da La Vega. Transação Penal, Controle Social e Globalização. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004. p. 90.
[22] BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Revam, 2001. p. 20.
[23] FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. O Direito Penal entre a ‘sociedade industrial’ e a ‘sociedade do risco’. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 9, n. 33, jan.-mar. 2001, p. 43.
[24] ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 63 et. seq.
[25] ANDRADE, Vera Regina Pereira de, op. cit., p. 292-293.
[26] BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo: hasta una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998. p. 87.
[27] MELIÁ, Manuel Cancio. Dogmática y política criminal en una teoria funcional del delito. In: El funcionalismo en derecho penal: libro homenaje al profesor Günther Jakobs. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 98.
[28] ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 76.
[29] BERGALLI, Roberto. Relaciones entre Control social y Globalización: Fordismo e Disciplina. Post-Fordismo y Control Punitivo. Sociologias, Porto Alegre, ano 7, n. 13, jan.-jun. 2005. p. 204-205.
[30] MELIÁ, Manuel Cancio. Dogmática y política criminal en una teoria funcional del delito. In: El funcionalismo en derecho penal: libro homenaje al profesor Günther Jakobs. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 105.
[31] SINGER, Helena. Direitos Humanos e Volúpia Punitiva: o Caso do Brasil. Oficina do CES, Coimbra, n. 117, maio, 1998. p. 5. A hipótese de Singer é a de que a luta pelos direitos humanos no Brasil não supera seu isolamento porque tem carregado uma contradição básica: o debate em torno dos valores de liberdade, felicidade e igualdade está se restringindo ao tema da penalização, que é fundamentalmente conservador.
[32] DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 73.
[33] GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice. O Direito Penal na Era da Globalização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 120.
[34] JAKOBS, Günther. ¿Qué Protege el Derecho Penal: bienes jurídicos o la vigencia de la norma? In: El funcionalismo en derecho penal: libro homenaje al profesor Günther Jakobs. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 54-56 e LYNETT, Eduardo Montealegre. Estudio Introdutorio a la obra de Günther Jakobs. In: El funcionalismo en derecho penal: libro homenaje al profesor Günther Jakobs. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 25.
[35] LYNETT, Eduardo Montealegre, op. cit., p. 34-35.
[36] SÁNCHEZ, Jesús-Maria Silva. A Expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 22.
[37] GOMES, Luiz Flávio e GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.124.
[38] GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice, op. cit., p. 41-42.
[39] Esta seleção é produto de um exercício de poder que se encontra nas mãos dos órgãos executivos. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, passim.
[40] Apud GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice. O Direito Penal na Era da Globalização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 33 e TOLEDO, Francisco de Assis. A Modernização das Leis Penais. Justiça Penal. São Paulo, n. 3, 1995, p. 204.
[41] A expressão é de Carnelutti, que sustenta que seus efeitos são análogos aos da inflação monetária, pois “desvalorizam as leis e, no concernente às leis penais, aviltam a sua eficácia preventiva geral”. Apud LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003. p. 42.
[42] O termo é usado, aqui, para designar o profundo problema de legitimidade por que atravessa o Direito e o sistema penal ante uma nova realidade social, o qual se exterioriza, embora não unicamente, pela inflação legislativa penal. Cumpre referir, porém, a ressalva de Zaffaroni, para quem a palavra crise não pode ser usada como ponto de inflexão do fenômeno de contradição entre o discurso jurídico-penal e a realidade operacional do sistema penal. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p. 15. Também defendendo que não se trata de uma crise, senão de uma verdadeira e absoluta incapacidade operacional, cf. GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice, op. cit., p. 87.
[43] CERVINI, Raúl. Os Processos de Descriminalização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 83.
[44] SÁNCHEZ, Jesús-Maria Silva. Op. cit., p. 105.
[45] Assim CERVINI, Raúl, op. cit., p. 84.
[46] VIERA, Diego Camaño. Ley de Urgencia y Derecho Penal de la Emergencia. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 2, n. 6, p. 78-90, 2002. p. 83.
[47] BERGALLI, Roberto. Relaciones entre control social y globalización: Fordismo e disciplina. Post-fordismo y Control Punitivo. Sociologias, Porto Alegre, ano 7, n. 13, jan.-jun. 2005. p. 204.
[48] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Os Desafios do Poder Judiciário no Mundo. Porto Alegre, AJURIS, maio, 2005 (informação verbal) e BARATTA, Alessandro. Funções Instrumentais e Simbólicas do Direito Penal: lineamentos de uma Teoria do Bem Jurídico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 2, n. 5, 1994. p. 12.
[49] ROJO, Raúl Enrique. Por una Sociología Jurídica, del Poder y la Dominación. Sociologias, Porto Alegre, v. 7, n. 13, jan-jun. 2005, p. 71-72.
[50] CASAMIGLIA, Albert. Racionalidad y Eficiencia del Derecho. 2. ed. México: Fontamara, 1997. p. 34.
[51] SINGER, Helena. Direitos Humanos e Volúpia Punitiva: o Caso do Brasil. Oficina do CES, Coimbra, n. 117, maio, 1998. p. 08.
[52] CERVINI, Raúl. Os Processos de Descriminalização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 67.
[53] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.p. 27.
[54] CERVINI, Raúl, op. cit., p. 201.
[55] GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice. O Direito Penal na Era da Globalização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 48.
[56] SÁNCHEZ, Jesús-Maria Silva. Op. cit, p. 120.
[57] ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 63.
[58] MELIÁ, Manuel Cancio. Dogmática y política criminal en una teoria funcional del delito. In: El funcionalismo en derecho penal: libro homenaje al profesor Günther Jakobs. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 94.
[59] JAKOBS, Günther. ¿Qué Protege el Derecho Penal: bienes jurídicos o la vigencia de la norma? In: El funcionalismo en derecho penal: libro homenaje al profesor Günther Jakobs. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003. p. 49.
[60] GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice. O Direito Penal na Era da Globalização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 117.
[61] ATIENZA, Manuel. Tras la Justicia: una introducción al Derecho y al razonamiento jurídico. Barcelona: Editorial Ariel, 1993. p. 52.
[62] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p. 14.
[63] GOMES, Luiz Flávio e GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 121.
[64] RIPOLLÉS, José Luis, op. cit., p. 75.
[65] FERRAJOLI, Luigi. Sobre el Papel Cívico y Político de la Ciencia Penal en el Estado Constitucional de Derecho. Crimen y Castigo, v. 1, n. 1, Buenos Aires, 2001. p. 21-22.
[66] RIPOLLÉS, José Luis, op. cit., p. 83.
[67] ATIENZA, Manuel, op. cit., p. 241-242.
[68] RIPOLLÉS, José Luis. Op. cit., p. 89.
[69] Como observa Enterría, a fé na lei, atualmente, está bastante defasada; caiu-se num absolutismo regulador e opressor, gerador de incertezas e anomia moral, e não propriamente no esperado reino da liberdade. Ao que parece, porém, não há outra alternativa senão seguir sendo regidos por leis. O problema, agora, é melhorar sua qualidade, tanto em si mesma como em respeito a seus serviços aos direitos fundamentais. Cf. GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. Revolución Francesa y Administración Contemporánea. Madrid: Editorial Civitas, 1994, p. 124.
[70] Segundo Boaventura, este novo protagonismo judiciário traduz-se num confronto com a classe política e com outros órgãos de soberania, nomeadamente o poder executivo. A judicialização dos conflitos políticos traduz-se também na politização dos conflitos judiciários. Além disso, a notoriedade dos tribunais está relacionada com a explosão da litigiosidade, induzida pelas dívidas de consumo e pela pequena criminalidade, bem como com os sintomas de insegurança social que ora se percebem. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os Tribunais e as Novas Tecnologias de Comunicação e de Informação. Sociologias, Porto Alegre, v. 7, n. 13, jan.-jun. 2005. p. 97-98.
[71] MELIÁ, Manuel Cancio, op. cit., p. 95.
[72] BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo: hasta una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998. passim.
[73] RIPOLLÉS, José Luis. Op. Cit. p. 41-44.
[74] FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. O Direito Penal entre a ‘sociedade industrial’ e a ‘sociedade do risco’. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 9, n. 33, p. 45-48.
[75] RIPOLLÉS, José Luis. A Racionalidade das Leis Penais: teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 91-92.
[76] Para Zaffaroni, há dois níveis de verdade social: um abstrato, segundo o qual a planificação criminalizante pode ser considerada como o meio adequado para a obtenção dos fins propostos (adequação do meio ao fim), e um concreto, que exige que os grupos humanos que integram o sistema penal operem sobre a realidade de acordo com as pautas planificadoras assinaladas pelo discurso jurídico-penal. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p. 18-19.
[77] Portanto, a racionalidade aqui se refere aos posicionamentos sustentados por pressupostos mobilizados pelo pensamento e, que, teleologicamente, buscam uma validade objetiva. A expressão requer sempre precisão, por ensejar uma alta margem de equívoco, reflexo do seu emprego abusivo. Por essa razão e ante os limites deste trabalho, prescinde-se da totalidade da discussão a respeito, para reduzir o conceito de racionalidade com que se trabalha, assim como o faz Zaffaroni. Note-se, outrossim, que o conceito do jurista argentino vai ao encontro da definição de Ripollés, o qual, a seu turno, desenvolve sua tese a partir da concepção de Atienza. Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., p. 17-19.
[78] RIPOLLÉS, Jorge Luis, op. cit., p. 93.
[79] GOMES, Luiz Flávio e GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Criminologia. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 127.
[80] Para Roxin, se a teoria do delito for construída neste sentido, teleologicamente, cairão por terra todas as críticas que se dirigem contra a dogmática abstrato-conceitual, herdada dos tempos positivistas. Com efeito, transformar conhecimentos criminológicos em exigências político-criminais, e estas em regras jurídicas, é um processo, em cada uma de suas etapas, necessário e importante para a obtenção do socialmente correto. Veja ROXIN, Claus. Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 28-30.
[81] Salienta-se aqui que, para Ripollés, a fragmentariedade é princípio expansivo, não limitador: sua vinculação inicial aos objetos de tutela indiscutível e agressões sociais mais intoleráveis é levada a cabo para, a partir dali, saltar em direção ao emprego de todos os meios acessíveis no Estado de Direito. Ou seja, ela limita os objetivos de tutela para poder ampliar os meios de intervenção. RIPOLLÉS, José Luis. A Racionalidade das Leis Penais: teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 151.
[82] CASAMIGLIA, Albert. Racionalidad y Eficiencia del Derecho. 2. ed. México: Fontamara, 1997. p. 33-34.
[83] RIPOLLÉS, José Luis. A Racionalidade das Leis Penais: teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 14.
[84] MIRANDA, Alessandra da La Vega. Transação Penal, Controle Social e Globalização. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004. p. 171.
[85] A conclusão é de AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Criminalidade e Justiça Penal na América Latina. Sociologias, Porto Alegre, ano 7, n. 13, jan.-jun. 2005. p. 236-237.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Ambiental pela UFRGS e em Direito Previdenciário pela PUC-Minas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WEBER, Aline Machado. Dos Medos do Risco aos Riscos do Medo: breves notas sobre a expansão penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 fev 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33951/dos-medos-do-risco-aos-riscos-do-medo-breves-notas-sobre-a-expansao-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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