I - INTRODUÇÃO
O Direito Administrativo é um ramo particularmente repleto de princípios, pois a proteção dos interesses da coletividade deve estar sempre norteando as atitudes da administração, em geral, e do administrador, em particular.
Segundo o dicionário, princípio é o “momento em que alguma coisa tem origem; causa primária; teoria; preceito”. (Hidelbrando de Lima, 1971)
José Cretella Júnior define princípio da seguinte forma:
“O vocábulo princípio, na linguagem corrente, tem o sentido de ‘aquilo que vem antes de outro’, ‘origem, começo’, ‘momento em que se faz uma coisa pela primeira vez’. Princípio contrapõe-se a fim, assinalando marco inicial, no tempo e no espaço.” (Cretella Júnior, 1999, p.28)
Estudar os princípios de uma ciência é conhecer a fundo a base da própria ciência, sua formação e sua evolução.
A Constituição Brasileira consagrou alguns princípios norteadores da administração pública quando, em seu art. 37, caput, assim dispõe:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”
Além disso, o art. 3o da Lei 8.666/93, que regula as licitações e contratos administrativos, traz uma gama de princípios a serem seguidos pela Administração na consecução da probidade administrativa, sendo considerado o dispositivo de maior destaque na Lei. Ipsi Literis:
“Art. 3o. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos.”
Para Maria Sílvia Zannela Di Pietro:
“A própria licitação constitui um princípio a que se vincula a Administração Pública. Ela é decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público e que se constitui em um restrição à liberdade administrativa na escolha do contratante; a Administração terá que escolher aquele cuja proposta melhor atenda ao interesse público.”(Di Pietro, 1999, p.294)
II - PRINCÍPIOS DA LICITAÇÃO: GERAIS E ESPECÍFICOS
1. Princípio da Supremacia e Indisponibilidade do Interesse Público:
Embora não esteja expressamente disposto na Lei de Licitações, o princípio da supremacia do interesse público sobre os interesses particulares está implícito nas próprias regras do Direito Administrativo e configura-se, nos dizeres de Hely Lopes Meirelles, “como um dos princípios de observância obrigatória pela Administração Pública...”(. Hely Lopes, 1997,p.95). Ao deixar de tutelar apenas os direitos individuais e passar a se preocupar com interesses da sociedade, a Administração deve sempre ser norteada por aquele princípio.
Intimamente ligado ao princípio da supremacia encontra-se o da indisponibilidade do interesse público. Ao administrador é dada a tarefa de zelar pelos interesses da coletividade. Assim, esse gerenciador não pode dispor daqueles interesses em detrimento da proteção aos dos particulares.
Nos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“indisponibilidade dos interesses públicos significa que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à disposição de quem quer que seja, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis.” (Celso Antônio, 1992, p.23)
2. Princípio da Legalidade
À Administração só é dado o direito de agir de acordo com o determinado pela lei. Este é o principal corolário do princípio da legalidade e “constitui um das principais garantias de respeito aos direitos individuais” (Di Pietro, 1999, p.67)
Dessa forma, por mais simples que seja o ato que venha praticar a Administração, este deve está baseado e protegido por uma norma (lato sensu), caso contrário não terá eficácia.
3. Princípio da Moralidade
Esse princípio, expressamente representado tanto na Constituição Federal quanto na lei no 8.666/93, é alvo de crítica por parte da doutrina. Segundo Maria Sílvia, alguns doutrinadores não o reconhecem, posto ser um “princípio vago e impreciso, ou que acaba por ser absorvido pelo próprio conceito de legalidade” (Di Pietro, 1999, p.77)
Data máxima vênia, o princípio da moralidade se constitui em importante norte para o Administrador Público, pois a administração não pode tomar postura que desabone a boa conduta de seus atos.
A boa-fé deve consubstanciar os atos praticados pelo Administrador. A sempre valiosa lição de Di Pietro é esclarecedora no sentido de que “o princípio deve ser observado não apenas pelo administrador, mas também pelo particular que se relaciona com a Administração Pública.” (Di Pietro, 1999, p.79)
Aliais, é tão clara essa separação entre legalidade e moralidade que, sendo o ato atentatório aos princípios da moralidade, mesmo que esteja revestido de legalidade, este não deve ser tomado pela Administração, pois a moralidade seria pressuposto de validade do ato. Nesse diapasão, é a lição dos grandes doutrinadores do Direito Administrativo.[1]
4. Princípios da Impessoalidade e da Igualdade
A impessoalidade dos atos administrativos é pressuposto da supremacia do interesse público. Quebrada a isonomia no tratamento com os particulares, o administrador deixa de observar o interesse da coletividade, bem maior e objeto principal do Direito Administrativo.
Hely Lopes afirma que:
“o princípio da impessoalidade, referido na Constituição de 88 (art. 37, caput), nada mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal.”( Hely Lopes, 1997, p.85)
Intimamente ligado ao princípio da impessoalidade encontra-se o da igualdade. Tal preceito, insculpido no preâmbulo da Carta Política de 1988, determina a competição entre os licitantes de forma igualitária. Sendo que à Administração Pública cabe tratar todos os administrados de forma a impedir favoritismos.
Considerando as licitações, esse princípio obriga à Administração tratar todos os licitantes de forma isonômica, preservando as diferenças existentes em cada um deles.
5. Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade
Pelo princípio da razoabilidade, a Administração, no uso da discricionariedade, deverá obedecer a critérios aceitáveis na prática de seus atos. A respeito dessa liberalidade do administrador público, assim expressa o prof. Celso Antônio:
“...Não significa, como é evidente, que lhe seja outorgado o poder de agir ao saber exclusivo de seu líbito, de seus humores, paixões pessoais, excentricidade ou critérios personalíssimos e muito menos significa que liberou a Administração para manipular a regra de direito de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicada”.( Celso Antônio, 1998, p.66)
Ou seja, se um ato for praticado sem a devida prudência e sensatez necessárias ao administrador, aquele será perfeitamente invalidável, visto ser eivado de nulidade.
Quanto ao segundo princípio, preceitua que as competências administrativas somente poderão tornar-se válidas quando exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas.
Na visão de Maria Sílvia, o princípio da proporcionalidade constitui um dos aspectos contidos no da razoabilidade. E explica que este preceito “... entre outras coisas, exige proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem que alcançar”(Di Pietro, 1999, p. 81). Assim, “o princípio da proporcionalidade não é senão uma faceta do princípio da proporcionalidade”. (Celso Antônio, 1998, p.68)
6. Princípios da Motivação e da Publicidade
O princípio da motivação determina que a Administração Pública exponha os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Somente através dos atos motivados é que se pode verificar se as condutas administrativas estão atendendo aos princípios informadores da legalidade, finalidade, razoabilidade e proporcionalidade. Apesar de não estar expressamente contido no artigo 37 da Constituição Federal, foi abarcado pela lei 8.666/93.
Com relação à publicidade, seu fim é permitir, além da participação de todos os interessados, que se fiscalize os atos de licitação. Qualquer cidadão pode denunciar irregularidades e pedir instauração de investigações administrativas no sentido de apurar se a atividade licitatória está de acordo com a Lei. Ela é obrigatória como meio conferido de eficácia da atividade administrativa.
O artigo 7º, § 8º, da Lei de Licitações, garante a qualquer cidadão ter acesso ao procedimento licitatório para tomar conhecimento dos quantitativos das compras e/ou serviços bem como de seus preços. Assim, não há licitação sigilosa (Lei 8.666/93, artigos 3º, § 3º, e 43, § 1º)
7. Princípios da Economicidade e Eficiência
Sendo o fim da licitação a escolha da proposta mais vantajosa, deve o administrador estar incumbido de honestidade ao cuidar coisa pública, não dispendendo, ao seu talante, recursos desnecessários. Relaciona-se com o princípio da moralidade bem como com o da eficiência, este inserido no texto constitucional pela Emenda n.º 19/98.
Marçal Justen Filho, no tocante ao princípio da economicidade assim afirma “... Não basta honestidade e boas intenções para validação de atos administrativos. A economicidade impõe adoção da solução mais conveniente e eficiente sob o ponto de vista da gestão dos recursos públicos”. (Justen Filho, 1998, p.66)
Como exposto, o princípio da eficiência foi recentemente introduzido em nosso texto constitucional, tendo influência direta sobre os casos de contratação direta, objeto do presente trabalho.
Carlos Pinto Coelho, citando o Professor Hely Lopes, assim resume o entendimento:
“ ... dever de eficiência é o que se impõe a todo o agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com a legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”. (Carlos Pinto Motta, 1998, p.35)
8. Princípios da Probidade Administrativa, da Vinculação ao Instrumento Convocatório e do Julgamento Objetivo
Sendo o primeiro dos princípios expressos na Lei n.º 8.666/93, a probidade administrativa consiste na honestidade de proceder ou na maneira criteriosa de cumprir todos os deveres que são atribuídos ou acometidos ao administrador por força de lei. É diretamente derivado do princípio da moralidade.
O sempre citado Prof. Marçal Justen Filho assim sintetiza seu entendimento:
“... A moralidade e a probidade administrativa são princípios de conteúdo inespecífico, que não podem ser explicados de modo exaustivo. A explicitação, nesse ponto, será sempre aproximativa. Extrai-se a intenção legislativa de que a licitação seja norteada pela honestidade e seriedade. Exige-se a preservação do interesse público acima do egoístico interesse dos participantes da licitação ou da mera obtenção de vantagens econômicas para a própria administração”. (Justen Filho, 1998, p.65)
Quanto à vinculação ao edital (ou convite), este constitui a “lei interna da licitação” e, por isso, vincula aos seus termos tanto a Administração como os particulares. Para Di Pietro “ ... trata-se de princípio essencial cuja inobservância enseja nulidade do procedimento”.(Di Pietro, 1999, 299) É, no dizer de Hely Lopes, o “princípio básico de toda licitação”. E continua o ilustre Professor:
“Nem se compreenderia que a Administração fixasse no edital a forma e o modo de participação dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realização do julgamento se afastasse do estabelecido, ou admitisse documentação e propostas em desacordo com o solicitado”.(Hely Lopes, 1997, p. 249)
Serão apenas admitidas as diferenciações já estabelecidas no edital, que são aquelas necessárias à seleção das qualidades subjetivas e objetivas consideradas ao atendimento do interesse público.
O princípio do julgamento objetivo é decorrência lógica do anterior. Impõe-se que a análise das propostas se faça com base no critério indicado no ato convocatório e nos termos específicos das mesmas. Por esse princípio, obriga-se a Administração a se ater ao critério fixado no ato de convocação, evitando o subjetivismo no julgamento. Está substancialmente reafirmado nos arts. 44 e 45 do Estatuto Federal Licitatório, que assim determinam:
“Art. 44. No julgamento das propostas, a Comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou no convite, os quais não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos por esta Lei.
Art. 45. O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelo órgão de controle”.
O que se almeja é, nos dizeres do eminente Celso Antônio, “impedir que a licitação seja decidida sob o influxo do subjetivismo, de sentimentos, impressões ou propósitos pessoais dos membros da comissão julgadora” (Celso Antônio, 1998, p. 338).
III - CONCLUSÃO
À guisa de conclusão, podemos afirmar, em apertada síntese, que os princípios aplicados às licitações são reflexos dos princípios do Direito Administrativo, essencialmente normatizado em sua estrutura. Ao selecionar particulares para prestação de serviços, a administração não pode nunca se escusar da observação dos princípios acima explicitados, seja por questão de moralidade, seja por questão de legalidade, pois os princípios das licitações, mais que uma questão moral é uma questão legal, ante suas disposições na Constituição Federal de 1988 e legislação infraconstitucional (Lei Federal nº 8.666/93, dentre outras).
IV - REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil/ colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto e Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt. São Paulo: Saraiva, 2000. 22ª ed.
CRETELLA JÚNIOR. José. Licitações e Contratos do Estado. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
DELGADO, José Augusto. Princípios aplicados à licitação. In UFSC: http://www.ufsc.br, 02 set. 2001.
DI PIETRO. Maria Sílvia Zanella. Direito Administrativo.11a ed. São Paulo: Atlas, 1999.
JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 8a ed. São Paulo: Dialética, 2000.
LIMA. Hidelbrando de. Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 11a ed. 23a tiragem. GAMMA; 1971.
MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22ª ed. Malheiros: São Paulo, 1997.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. 3a ed. Malheiros: São Paulo, 1992.
MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações & contratos. 7ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1998
Procurador Federal de 2ª Categoria. Chefe da Subprocuradoria Regional do INSS em Brasília. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, advogado, especialista em Direito Público pela mesma Universidade.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIJONILSON PAULO AMARAL VERíSSIMO, . Princípios gerais e específicos da licitação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 mar 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34022/principios-gerais-e-especificos-da-licitacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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