O artigo 273, do Código de Processo Civil prevê o instituto da antecipação de tutela, nos seguintes termos:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
...
§2º não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
A lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994, trouxe para a sistemática processual brasileira o instituto jurídico da antecipação de tutela com o objetivo de conferir maior efetividade à prestação jurisdicional, já que,antes do advento do referido diploma legal, não raro, a parte que era vencedora na lide não tinha a sua pretensão satisfeita em razão do longo tempo de duração do processo.
A finalidade do instituto em exame é a de que o jurisdicionado possa receber a prestação postulada em juízo de maneira mais rápida, desde que isso não se dê em detrimento do princípio segurança jurídica.
Com efeito, fazia-se mais do que necessário que se estabelecesse um procedimento capaz de conferir maior celeridade à entrega da prestação jurisdicional para a parte em juízo, com vistas a elidir a possibilidade de que a demora viesse a comprometer o resultado útil do processo, fulminando, ante o dano irreparável, o direito do autor.
Neste contexto, é facultado ao juiz conceder ao demandante um provimento em sede de tutela antecipada, para que seja resguardado o bem jurídico objeto da lide, quando a parte fizer requerimento neste sentido e preencher os requisitos estabelecidos pelo artigo 273, que são: a prova inequívoca e verossimilhança da alegação; o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou quando restar comprovado o abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório por parte do réu.
Prova inequívoca deve ser entendida como aquela apta a demonstrar a viabilidade do direito pretendido, ao passo que a verossimilhança da alegação está relacionada com a verdade e a clareza daquilo que é apresentado pelo réu para embasar o pedido formulado em juízo.
Assim, a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação são requisitos cumulativos que devem ser analisadas em conjunto, não podendo ser dissociados, uma vez que um depende da outro.
O ilustre Humberto Teodoro Júnior define a prova inequívoca como aquela:
“... capaz, no momento processual, de autorizar uma sentença de mérito favorável à parte que invoca a tutela antecipada, caso pudesse ser a causa julgada desde logo.” [1]
O dano irreparável ou de difícil reparação é aquele quepõe em risco de grave prejuízo ou de lesãoanormal o direito postulado em juízo pela parte, não bastandopara a sua caracterização o mero receio subjetivo para que seja autorizado o deferimento da medida antecipatória.
O requisito estabelecido no inciso II visa elidir o abuso do direito de defesa e a procrastinação do feito por parte do réu, obrigando as partes litigantes a agirem com boa-fé. O doutrinador Teori Albino Zavascki diferencia as duas situações nos seguintes termos:
“... a referência a abuso do direito de defesa demonstra que o legislador está referindo-se a atos praticados para defender-se, ou seja, a atos processuais. Por isso, por abuso do direito de defesa hão de ser entendidos os atos protelatórios praticados no processo (v.g., os do art. 14, III e IV). Já o manifesto propósito protelatório, há de ser assim considerado o que resulta do comportamento do réu - atos e missões - fora do processo, embora, obviamente, com ele relacionados.”[2]
O deferimento da antecipação de tutela pelo juízo demanda uma análise rigorosa do preenchimento dos requisitos, para evitar que, ao invés de assegurar o resultado útil do processo para a parte autora, acabe por atropelar os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, concedendo medidas que comprometem a segurança quanto à justiça da decisão, acabando por banalizar o instituto da antecipação da tutela.
Outro requisito para que se conceda a medida de antecipação da tutela é de natureza negativa, que consiste no pressuposto de reversibilidade da decisão. Não é possível concessão da medida sempre que for impossível o restabelecimento da situação anterior no caso de reforma da decisão. Neste sentido leciona Teori Albino Zavascki:
“No particular, o dispositivo observa estritamente o princípio da salvaguarda do núcleo essencial: antecipar irreversivelmente seria antecipar a própria vitória definitiva do autor, sem assegurar ao réu o exercício do seu direito fundamental de se defender, exercício esse que, ante a irreversibilidade da situação de fato, tornar-se-ia absolutamente inútil, como inútil seria, nestes casos, o prosseguimento do próprio processo”.[3]
No mesmo sentido é a lição deSérgio Cabral dos Reis, Hussei Laone Baggioto Moreira, a saber:
“Por se tratar de uma medida que toma por base uma cognição sumária, não sendo ela confirmada ao término do processo, seria o ideal que houvesse a possibilidade de que se retornasse ao status quo ante, preservando o direito da parte contrária, vitoriosa ao final do pleito.” [4]
Em assim sendo, na hipótese de haver o risco de ser irreversível o provimento, a tutela não poderá ser concedida.Neste sentido são os ensinamentos do saudoso Calmon de Passos, para quem:
“Admitir a antecipação do provimento que será irreversível é transformar em definitiva a sua execução que dessa natureza não se pode revestir ou colocar o executado, dada a falta de caução, sem garantia de ressarcimento.”[5]
Para que o juízo conceda a tutela antecipada é imprescindível que haja pedido expresso do autor neste sentido, sendo defeso ao Juiz antecipar a tutela de ofício, exatamente porque na hipótese de requerê-la, o postulanteatrai para si o ônus de restaurar o status quo ante, por meio da reversão dos efeitos da decisão provisória, circunstância que é de pleno conhecimento daquele que pleiteia a antecipação.
Nas ações em que se discute o direito do autor a perceber determinado benefício da Seguridade Social é muito comum o pagamento das prestações em sede de tutela antecipada e quando, ao final da ação, a sentença conclui pela improcedência do pedido, declarando sero INSS a parte vencedora e cassando a decisão anterior, o juízo impede a autarquia de cobrar os valores devidos, sob o argumento de que se trata de prestação de natureza alimentar e o beneficiado agiu de boa-fé, razão pela qual os valores percebidos são irrepetíveis.
Há que se ponderar que o artigo 273 quando estabelece o requisito negativo da reversibilidade da medida não traz qualquer exceção para os casos de verbas de natureza alimentar, sendo certo que a Lei 8213/91, em seu artigo 115, autoriza de forma expressa o INSS a proceder aos descontos no valor do benefício, nos seguintes termos:
“Art. 115: “Podem ser descontados dos benefícios:
...
II - pagamento de benefício além do devido;
...
§ 1o Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé.”
A análise do dispositivo acima transcrito conduz ao inequívoco entendimento de que a questão da boa-fé só possui relevância para a forma como será adimplida a dívida que o beneficiário passa a ter para com o INSS, se parcelada, na hipótese de ter agido de boa-fé, ou se será pago de uma única vez, quando o valor recebido tiver decorrido da má-fé de quem o recebeu.
O autor que postula a antecipação de tutela tem conhecimento de que se trata de medida precária, provisória, passível de alteração posterior e, por isso mesmo, a obrigatoriedade de restabelecimento do estado anterior não compromete a ordem pública, tampouco há que se falar que tal imposição viola o princípio da segurança jurídica.
O princípio que vem a ser violado na hipótese de acatar-se a impossibilidade de ressarcimento ao erário é o da supremacia do interesse público perante o privado, já que o patrimônio público suportará o prejuízo decorrente da antecipação concedidae o interesse privado do beneficiário ficará preservado, prestigia-se este, em detrimento daquele.
Conclui-se, deste modo, que as medidas que antecipam a tutela nas ações que discutem benefícios da Seguridade Social são plenamente reversíveis e a decisão do juízo no sentido de obstaculizar a cobrança por parte da Autarquia Previdenciária não encontra amparo na legislação vigente.
Bibliografia
PASSOS, J.J. Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 3. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense: 2000.
REIS, Sérgio Cabral dos, BAGGIOTO Hussei Laone Moreira. Tutela processual dos direitos: a superação da irreversibilidade fática dos efeitos da tutela antecipada. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10668&revista_caderno=25>. Acesso em: 03 jan. 2012.
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol II. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2003.
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997.
ZAVASCKI, TeoriAlvino. Antecipação de tutela e colisão de direitos fundamentais, In: Sálvio de Figueiredo Teixeira, Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva. 1996
[1]THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol II. 34. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2003. p. 566.
[2]Zavascki, TeoriAlvino. Antecipação de tutela e colisão de direitos fundamentais, In: Sálvio de Figueiredo Teixeira, Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva. 1996. p. 153-154.
[3]ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 97.
[4]REIS, Sérgio Cabral dos, BAGGIOTO Hussei Laone Moreira. Tutela processual dos direitos: a superação da irreversibilidade fática dos efeitos da tutela antecipada. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10668&revista_caderno=25>. Acesso em: 03 jan. 2012.
[5]PASSOS, J.J. Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 3. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense: 2000. p. 44.
Procuradora Federal; Procuradora-chefe da Procuradoria Federal no Estado de Minas Gerais; Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Ivana Roberta Couto Reis de. A reversibilidade das medidas que antecipam a tutela nas ações contra a Seguridade Social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 mar 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34077/a-reversibilidade-das-medidas-que-antecipam-a-tutela-nas-acoes-contra-a-seguridade-social. Acesso em: 23 dez 2024.
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