A improbidade administrativa é caracterizada pela desonestidade do agente público, que transgride normas jurídicas em benefício próprio ou de terceiros, prejudicando o Poder Público. Trata-se de má qualidade da administração que desenvolve. Em outras palavras, significa desobediência a um padrão de conduta ético normativamente imposto aos agentes públicos em sentido lato sensu (servidores ou não).
Benedicto de Tolosa Filho conceitua improbidade administrativa com muita propriedade, da seguinte forma:
Improbidade administrativa é a conduta antiética do agente do Poder Público, na condução da ‘coisa pública’, desviando-se dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, independentemente de causar lesão ao Erário ou de se enriquecer ilicitamente[1].
A probidade administrativa está consagrada na Constituição da República, com objetivo de punir o agente público que agir de maneira contrária à retidão de conduta exigida pelo ordenamento pátrio. Encontra previsão constitucional no artigo 15, inciso V, que prevê a perda ou suspensão dos direitos políticos quando o agente praticar ato que configure improbidade administrativa; no artigo 37, § 4°, que elenca as sanções a serem aplicadas pela prática de ato ímprobo, na forma e gradação previstas em lei; e, por fim, no artigo 85, o qual tipifica como crime de responsabilidade do Presidente da República a prática de conduta que atente contra a probidade administrativa.
Deixando o legislador constituinte originário para a legislação ordinária definir e regulamentar as conseqüências da prática de ato ímprobo, foi editada a Lei n° 8.429, de 02 de junho de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, de acordo com o tipo de ato ímprobo praticado (artigo 12).
Uma observação digna de nota neste estudo está no fato de as sanções previstas nos incisos do artigo 12 da referida lei independerem da efetiva ocorrência de lesão ao erário, consoante o disposto no artigo 21, inciso I, da Lei n° 8.429/92. Assim, a prática do ato de improbidade administrativa pode causar prejuízo aos cofres públicos, mas não o pressupõe.
Será objeto deste estudo a ação de improbidade administrativa como instrumento de recuperação do patrimônio público em geral, englobando todas as sanções previstas nos incisos do artigo 12 da Lei n° 8.429/92, e não apenas o “ressarcimento ao erário”, considerado espécie do gênero “recuperação do patrimônio público”.
Há discussão na doutrina quanto à natureza da ação de improbidade administrativa. No entanto, na esfera jurisprudencial consolidou-se, de forma majoritária nos Tribunais pátrios, a tese de se tratar de ação civil pública, disciplinada por lei própria, a Lei n° 8.429/92, utilizando subsidiariamente a regra processual da Lei de Ação Civil Pública – Lei n° 7.347/85.
A Lei n° 8.429/92 elenca três espécies de ação de improbidade administrativa, descritas respectivamente nos artigos 9°, 10 e 11, quais sejam: ação de improbidade decorrente de enriquecimento ilícito; ação de improbidade que importa em prejuízo ao erário; e ação de improbidade que atenta contra os princípios da Administração Pública.
Os incisos do artigo 12 da LIA preceituam sobre as sanções aplicadas de acordo com cada espécie de ação de improbidade, dentre as quais se encontra a condenação ao agente para ressarcir o dano causado ao erário pela prática do ato ímprobo, sempre que houver.
A princípio, parece que apenas os atos elencados no artigo 10 da referida lei enquadram-se no tema objeto deste estudo, porquanto somente esse dispositivo legal trata especificamente da ação que versa sobre a prática ou omissão de ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, dolosa ou culposa, a ensejar a perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens do Poder Público.
Entretanto, oportuno destacar a diferença existente entre ressarcimento ao erário e recuperação do patrimônio público.
O patrimônio público pode ser entendido de duas formas: (i) em sentido amplo – que abrange toda e qualquer espécie de lesão ou dano causado (por exemplo, de valor cultural, artístico e histórico); e (ii) em sentido estrito - que se restringe a lesionar o patrimônio econômico-financeiro. É nesse segundo conceito que se encontra a expressão “erário”.
Para um melhor entendimento do assunto, cabe destacar o conceito de patrimônio como sendo o conjunto de bens, direitos e obrigações de uma determinada pessoa (seja ela física ou jurídica), destinado à realização de seus fins. Especificamente quanto ao conceito de patrimônio público, este vem descrito na própria legislação vigente, especificamente no artigo 1º, § 1º, da Lei da Ação Popular - Lei 4.717/65, como sendo o conjunto de bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico, pertencentes aos entes da administração pública direta e indireta.
Pela conjugação dos conceitos transcritos no parágrafo anterior, pode-se dizer que o patrimônio público, numa acepção mais ampla, é o conjunto de bens e direitos que pertence a toda coletividade (ambiental, artísitico, cultural e moral), e não a um determinado indivíduo ou entidade, razão pela qual se caracteriza como direito difuso e transindividual. Desse modo, tratando-se de direito difuso e coletivo, conclui-se que a ação civil pública é o instrumento hábil para a recuperação do patrimônio público em geral, mais especificamente a ação civil pública de improbidade administrativa, reafirmando, inclusive, o entendimento jurisprudencial dominante.
A “recuperação do patrimônio público”, portanto, trata-se de expressão mais abrangente que “ressarcimento ao erário”, na medida em que compreende, além dos bens e direitos públicos de valor econômico, também os direitos e bens de valor artístico, cultural e histórico, sem contar daqueles de conteúdo imaterial e moral, ao passo que o ressarcimento ao erário é espécie do gênero recuperação do patrimônio público, limitando-se aos bens e direitos de valor econômico, ou seja, aos recursos financeiros do Estado.
Nesse diapasão, Mônica Nicida Garcia leciona que:
A efetiva responsabilização penal, civil e administrativa daqueles que causam lesão ao patrimônio público é, nesse contexto, fundamental para a proteção e preservação do patrimônio público, e deve ser sempre perseguida, seja pelos próprios órgãos da Administração Pública, seja pelo Ministério Público, por meio de ações penais, ações de improbidade administrativa, processos administrativos e ações civis de ressarcimento de danos.[2]
(grifos inexistentes no original)
Isso porque a ação de improbidade administrativa, sendo uma espécie de ação civil pública, regulada por lei específica, é o meio processual mais eficaz de proteger a probidade, honestidade, decência e retidão no serviço público, uma vez que possibilita a aplicação de sanções graves independentemente de ocorrência de dano efetivo ao erário.
O fato de apenas as hipóteses descritas no artigo 10 da Lei n° 8.429/92 ensejar, em regra, prejuízo ao erário e, portanto, o respectivo ressarcimento aos cofres públicos, não significa que as situações listadas nos artigos 9° e 11 da referida lei não enseja imposição de pena que visa à recuperação do patrimônio público em sentido amplo.
Assim, mesmo nas situações em que a prática do ato ímprobo importe em ação de improbidade administrativa decorrente de enriquecimento ilícito do agente ou em virtude de violação aos princípios da Administração Pública (situações descritas nos artigos 9°e 11 da Lei n° 8.429/92 respectivamente), há interesse do Poder Público em promover medidas que visam à recuperação do patrimônio público, nos termos dos artigos 14, 16 e 17 da Lei n° 8.429/92, in literis:
Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade. (gn)
Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público. (gn)
Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.
Inclusive, por oportuno destacar que a lei, em momento algum, restringiu a atuação da pessoa jurídica de direito público apenas às hipóteses em que a prática de atos de improbidade administrativa importe em prejuízo ao erário, previstas no artigo 10 da Lei n° 8.429/92. Ao contrário, o Capítulo V, que trata do procedimento administrativo e do processo judicial, refere-se a todas as condutas ímprobas, expostas nos artigos 9°, 10 e 11, da referida lei. Se o legislador não restringiu o alcance da norma, não cabe ao intérprete restringi-la.
Assim, se o agente descumpre os deveres éticos e morais, que importe em enriquecimento ilícito, em dano ao erário ou que viole os princípios da Administração Pública, a pessoa jurídica interessada ou o Ministério Público poderão adotar medidas para correção do ato ímprobo praticado, uma vez que em qualquer das espécies de improbidade configurada, haverá um prejuízo ao patrimônio público lato sensu.
Observa-se, portanto, que o ato ímprobo necessariamente causa prejuízo ao patrimônio público lato sensu, porém pode ou não acarretar dano ao patrimônio público estrito sensu (ao erário). Não obstante seja um dos meios de apenar a prática do ato de improbidade administrativa, o ressarcimento ao erário sem dúvida é o mais eficaz quando houver dano ao erário, na medida em que afeta a esfera patrimonial do agente.
Registra-se, no entanto, que na grande maioria das vezes, a conduta ímproba será enquadrada nas três categorias de atos, sendo difícil conceber que um agente público tenha enriquecido ilicitamente sem causar prejuízo ao erário e sem atentar contra os princípios da administração pública.
Para garantir a recomposição integral do patrimônio público lesado, o artigo 7°, parágrafo único, da Lei n° 8.429/92 disciplina a possibilidade de o Ministério Público e do órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada solicitar judicialmente a indisponibilidade dos bens do agente investigado, a fim de garantir a futura execução.
Prescreve o aludido dispositivo legal:
Art. 7° (...)
Parágrafo Único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.
No entanto, não se pode perder de vista que a o pedido de indisponibilidade dos bens exige a configuração do periculum in mora, ou seja, não basta eventual possibilidade; ao contrário, é necessário que exista a probabilidade da ocorrência do dano, bem como o fundado receio de que, enquanto se aguarda a decisão definitiva, possa ocorrer fatos que prejudiquem a apreciação da ação principal.
Assim, embora a legislação tenha prestigiado de forma mais eficiente os atos de improbidade administrativa que importem enriquecimento ilícito e que causam prejuízo ao erário, até pela maior gravidade em relação aos atos que violem os princípios da Administração Pública, ainda assim em todas as três espécies de ação de improbidade é possível a recuperação do patrimônio público, inclusive com adoção da medida de indisponibilidade.
Destarte, observa-se deste estudo que a ação de improbidade administrativa deve ser utilizada como instrumento de recuperação do patrimônio público em sentido amplo, englobando todas as sanções previstas nos incisos do artigo 12 da Lei n° 8.429/92 e não apenas o ressarcimento ao erário que, conforme analisado, é uma das espécies do gênero recuperação do patrimônio público.
Apesar de árdua e complexa a tarefa do Poder Público de recuperar o patrimônio público desviado pela prática de atos incompatíveis com o ordenamento jurídico, é um desafio para que os órgãos competentes para o ajuizamento das ações civis públicas de improbidade administrativa adotem medidas judiciais que assegurem uma correta aplicação dos recursos públicos, a fim de combater a prática de atos, pelos agentes públicos, que importem em prejuízo ao erário, tendo como objetivo a ser seguido o interesse público.
TOLOSA FILHO. Benedicto de. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa. Forense, Rio de Janeiro, 2003. p. 42.
GARCIA. Mônica Nicida Responsabilidade do Agente Público. 2. ed. Fórum, Belo Horizonte, 2007.
Escrito em janeiro de 2010 e atualizado em março de 2013.
[1] TOLOSA FILHO. Benedicto de. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa. Forense, Rio de Janeiro, 2003. p. 42.
[2] GARCIA. Mônica Nicida Responsabilidade do Agente Público. 2. ed. Fórum, Belo Horizonte, 2007. p. ???
Procuradora Federal atuante na Procuradoria-Seccional Federal em Santos. Exerceu a chefia de divisão de ações prioritárias, bem como a Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos, ambas da Procuradoria-Geral Federal; atuou como tutora do Curso de Especialização em Direito Público da Universidade de Brasília-UNB/CEAD em parceria com a Escola da Advocacia-Geral da União-EAGU e pós-graduada em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina-UNISUL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CANCELLA, Carina Bellini. Ação de improbidade administrativa como instrumento de recuperação do patrimônio público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 mar 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34153/acao-de-improbidade-administrativa-como-instrumento-de-recuperacao-do-patrimonio-publico. Acesso em: 23 dez 2024.
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