O presente artigo se propõe a abordar os principais aspectos do depoimento pessoal e ressaltar sua importância no processo civil. Serão elencados ainda os princípios regentes deste meio de prova, os dispositivos legais e constitucionais que o disciplinam, bem como alguns posicionamentos jurisprudenciais sobre o tema.
O objeto da presente explanação, por sua relevância prática, ganha certo destaque e aprofundamento doutrinário, sem passar despercebido também pela jurisprudência dos tribunais pátrios, sobretudo os inferiores, tendo em vista que, por se tratar de reexame de prova, sua análise é inviabilizada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, diante do óbice do Enunciado nº 7 de sua jurisprudência predominante, bem como pelo Supremo Tribunal Federal, que também sumulou o impedimento no enunciado nº 279.
Apesar de o Código de Processo Civil lhe conferir tratamento sucinto, o tema é rico em detalhes, muitos dos quais serão abordados no presente artigo.
No tocante aos princípios aplicáveis, inicialmente vale pontuar que o depoimento pessoal se insere dentro do tema provas no processo civil e, inevitavelmente, sofre os reflexos de seus princípios norteadores, que regem e orientam todos os meios de provas admitidos em direito. Dentre os princípios do direito probatório, importa citar o da comunhão ou da aquisição processual, oralidade, imediatidade (constante do artigo 446, inciso II, do Código de Processo Civil¹) e identidade física do juiz (previsto no artigo 132 do Código de Processo Civil²). Também o depoimento pessoal é regido por princípios específicos, como o da pessoalidade e o da indelegabilidade. No ponto, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firmado no sentido de que, por se tratar de ato personalíssimo, não se admite o depoimento pessoal por procuração, ainda que o mandatário esteja munido de poderes especiais³.
Acerca do arcabouço normativo do tema, seria no mínimo incompleta qualquer abordagem sem uma prévia leitura constitucional. Assim, o estudo da matéria deve ser feito com os olhos postos no artigo 5º da Constituição Federal, sobretudo em seu inciso LV, que, ao tratar do princípio do contraditório, confere fundamento constitucional ao direito probatório, bem como no inciso LXIII, que contempla o direito ao silêncio. No ponto, é de se registrar que este direito, embora direcionado especificamente ao âmbito criminal, tem perfeita aplicação no processo civil, diante da elasticidade conceitual que lhe vem sendo conferida pela doutrina, bem como pela expressa previsão no Código de Processo Civil?.
Discorrendo sobre a previsão do direito ao silêncio na Constituição Federal e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), os autores Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira? registram que:
“...essas previsões restringem-se ao âmbito do processo penal. No direito brasileiro, o direito ao silêncio sobre fatos criminosos no âmbito civil está previsto apenas no nível infraconstitucional. Essa constatação, porém, não diminui sua importância: estendê-lo ao âmbito cível parece corolário inevitável da garantia constitucional, pois, de fato, não faria muito sentido permitir que, no cível, o sujeito fosse obrigado a depor sobre fatos havidos como criminosos, conduta que certamente teria alguma influência na formação do convencimento do juízo penal.”
Sob o prisma da legislação infraconstitucional, verifica-se que o Código de Processo Civil tratou da matéria nos artigos 342 e seguintes, sendo alvo de críticas doutrinárias não tanto pelos escassos dispositivos dedicados à tão importante matéria, mas, sobretudo, pela falta de técnica ao inserir sob o título de depoimento pessoal duas figuras jurídicas manifestamente distintas, quais sejam, o depoimento pessoal propriamente dito e o interrogatório.
Quanto ao conceito e natureza jurídica, antes de aprofundar as espécies de depoimento pessoal e demais características do instituto, mister se faz o conhecimento do calço teórico que o arrima. Assim, possível conceituá-lo como o testemunho da parte em juízo, quando requerido expressa e oportunamente pela parte contrária, para que preste esclarecimentos que poderão vir a interferir no convencimento do julgador.
O termo parte deve ser entendido no sentido estritamente processual, para abranger: autor, réu, assistente litisconsorcial, opoente, nomeado à autoria, denunciado à lide e o chamado ao processo.
Apesar de constituir-se em testemunho da parte, o depoimento pessoal não se confunde com a prova testemunhal, em razão dos sujeitos que prestam as declarações em juízo. Como se viu, somente podem prestar depoimento pessoal aqueles que figurem como partes na relação jurídica processual, o que não abrange as testemunhas, que são sujeitos desinteressados na demanda, não submetidos aos efeitos imediatos da decisão final.
No que se refere à natureza jurídica, tem-se que o depoimento pessoal, ou depoimento da parte, como preferem alguns, é verdadeiro meio de prova, ou seja, é modo de se introduzir a prova em um processo. É importante espécie de prova oral, sendo qualificada por Sérgio Cruz Arenhart e Luiz Guilherme Marinoni? como a “mera declaração de ciência sobre fatos pretéritos”. Os renomados juristas registram a existência de entendimentos doutrinários manifestados no sentido de tratar-se de declaração de vontade e de comunicação de vontade, contudo, afirmam que tais não foram as opções adotadas pelo direito brasileiro. Arrematam o assunto afirmando que “não se pode negar que – ao menos preponderantemente – o depoimento pessoal representa verdadeira declaração de ciência, simples meio de prova, no qual a parte declara que sabe que tal fato aconteceu de certo modo.”?
Passando à finalidade, o meio de prova em análise tem como objetivo último a obtenção confissão, mas vale ressaltar, com base nas lições de Daniel Amorim Assumpção Neves?, que esta não é mais sua finalidade exclusiva. Historicamente, o depoimento pessoal apenas visava obter a confissão do depoente, pois este atua como sujeito interessado na decisão da causa, portanto, sujeito parcial e descomprometido com a verdade, fatos suficientes para macular a credibilidade da prova oral. Nos dias atuais, contudo, tal situação sofreu alteração. Ainda que a confissão permaneça como finalidade principal do depoimento pessoal, não se pode mais afirmar que é o seu único e exclusivo objetivo. Precisa é a observação do mencionado processualista:
“Ocorre, entretanto, que o contato pessoal do juiz com as partes pode, em razão da aplicação do livre convencimento motivado do juiz, esclarecer alguns fatos que não tenham chegado ao seu conhecimento somente após o filtro do patrono que subscreve as peças processuais. Não seria absurdo, portanto, imaginar uma situação em que o depoimento pessoal favoreça a parte que o prestou, devendo o juiz, entretanto, sempre levar em consideração o interesse direto da parte em se sagrar vitoriosa na demanda.”?
Aspecto que merece destaque dentro do tema abordado são as espécies de depoimento pessoal. Como já se mencionou, o Código Processual Civil não adotou a melhor técnica no trato da matéria, misturando em seus dispositivos, sobretudo nos artigos 342 e 343, o depoimento pessoal propriamente dito e o interrogatório, levando o operador jurídico a equívoco. Tais meios de prova possuem características próprias, manifestamente distintas, pelo que deveriam ter sido disciplinados de forma autônoma pelo referido código.
Como principais pontos de distinção, tem-se que:
- O depoimento pessoal depende de pedido da parte contrária (a parte não pode pedir o seu próprio depoimento) ou do Ministério Público quando atue como fiscal da lei. O interrogatório pode ser postulado pela parte ou determinado de ofício pelo juiz;
- o objetivo do depoimento pessoal é obter a confissão. O objetivo do interrogatório é o esclarecimento dos fatos, embora seja possível que nele haja uma confissão expressa;
- em regra, o depoimento realiza-se no momento da audiência de instrução e julgamento, ao passo que o interrogatório pode realizar-se em qualquer estágio processual, inclusive na fase recursal;
- é depoimento da parte é colhido apenas uma vez no processo, diferentemente do interrogatório, que pode ser realizado quantas vezes o juiz entender necessário, o que leva Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart a qualificá-lo como ato único ou múltiplo, “no sentido de que a parte pode ser ouvida várias vezes em um único processo”¹º.
- no momento do depoimento pessoal, o advogado da parte contrária pode formular perguntas ao depoente e o faz por intermédio do juiz, sendo que no interrogatório, somente o magistrado está habilitado a realizar os questionamentos;
- por fim, a confissão ficta é aplicada como sanção para a parte que não comparecer, ou comparecendo, se recusar a depor, o que não sucede no interrogatório. Neste ato, a recalcitrância do sujeito em comparecer ou prestar os esclarecimentos não poderá ser punida com a confissão, mas nada obsta que tal conduta seja valorada como abusiva, e, consequentemente, sujeita à punição por litigância de má-fé, nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, sem prejuízo de eventual sanção por crime de desobediência.
Quanto às características do depoente, o referido meio de prova, conforme mencionado, é de ato da parte, de caráter personalíssimo, que, em regra, não pode ser prestado por procurador.
Há duas situações que têm merecido destaque na doutrina e jurisprudência. São elas: o depoimento pessoal prestado por representante do incapaz e da pessoa jurídica.
Como se sabe, tais pessoas carecem de capacidade processual, não podendo, por si mesmas, integrar o um dos pólos da ação, pois lhes falta a chamada legitimatio ad processum.
No ponto, vale registrar o entendimento de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart¹¹:
“Ora, se o representante não é parte, parece claro que não pode ele ser sujeito do depoimento pessoal. Isso se justifica, na medida em que não se pode confundir a condição de representante com a de parte – pena de admitir-se o depoimento pessoal também do pai do menor, do curador do enfermo etc.”
O representante do incapaz ou da pessoa jurídica não é verdadeiramente parte no processo. Assim, a princípio, não pode figurar como depoente, que conforme, visto, exige a qualidade de parte processual.
Tal conclusão se aplica à situação do representante do incapaz. O entendimento majoritário firmou-se no sentido de que não se admite o depoimento pessoal deste representante que, uma vez depondo, o fará na qualidade de testemunha.
De outro lado, a jurisprudência¹² tem admitido o depoimento pessoal do representante ou preposto da pessoa jurídica, ainda que este não integre seu quadro de empregados. Tal entendimento tem por fim a aceitação e obtenção da confissão pela pessoa jurídica, sendo necessário que seu representante ou preposto esteja munido de poder especial para confessar.
No que se tange ao procedimento, conforme já mencionado, o depoimento pessoal exige pedido da parte contrária ou do Ministério Público atuante como fiscal da lei, sendo vedada sua determinação de ofício pelo magistrado.
É entendimento corrente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que o juiz, na qualidade de destinatário da prova, pode indeferir sua produção, se considerá-la inútil ou protelatória, desde que o faça motivadamente. Neste caso, não estará caracterizado o cerceamento de defesa, salvo se em seguida, especialmente em julgamento antecipado da lide, o juiz declare extinto o processo sem exame do mérito, por falta de prova, cuja produção ele mesmo inviabilizou.
Neste sentido:
1. Não configura o cerceamento de defesa o julgamento da causa sem a produção de prova testemunhal e depoimento pessoal do autor. Hão de ser levados em consideração o princípio da livre admissibilidade da prova e do livre convencimento do juiz, que, nos termos do art. 130 do Código de Processo Civil, permitem ao julgador determinar as provas que entende necessárias à instrução do processo, bem como o indeferimento daquelas que considerar inúteis ou protelatórias. Revisão vedada pela Súmula 7 do STJ.
2.Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 136341 / SP; Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO; 4ª Turma; DJe 13/12/2012)
A orientação desta Corte é no sentido de que ocorre cerceamento de defesa quando, pleiteada a prova pelo interessado e não deferida ou realizada, o magistrado, julgando antecipadamente a lide, aprecia o pedido a favor do autor ou do réu, ao fundamento da ausência de provas das alegações da parte.
(AgRg nos EDcl no REsp 1334299 / SC; Ministro SIDNEI BENETI; T3; DJe 06/12/2012)
Uma vez admitida a prova pelo juiz, deve ser realizada a intimação pessoal do depoente, não sendo possível intimá-lo na pessoa de seu advogado. Será expedido o mandado de intimação que, nos termos do art. 343, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil¹³,deve advertir o intimado, expressamente, acerca da pena de confissão ficta, ou seja, que diante de seu não comparecimento ou da recusa em depor serão presumidos como verdadeiros os fatos contra ela alegados.
Tal prova será produzida, em regra, na audiência de instrução e julgamento, como segunda prova a ser realizada, ou seja, após a oitiva dos esclarecimentos dos peritos, se esta for necessária. O depoimento da parte segue, no que for compatível, o procedimento adotado para a oitiva de testemunha, por força da previsão contida no artigo 344, caput, do Código Processual Civil¹?. Na assentada, quando ambas as partes devam prestá-lo, primeiro depõe o autor e, depois, o réu, providenciando o juiz para que uma não assista o depoimento da outra. No que tange às perguntas, primeiro são feitas pelo juiz e, depois, pelo advogado da parte contrária, por intermédio daquele.
Apresentadas as principais características do depoimento pessoal, é tempo de concluir, mas não sem antes registrar que, diante do livre convencimento motivado do julgador, ao juiz é dado extrair da prova as consequências que lhe parecerem pertinentes, desde que para tanto, motive sua decisão.
Diante deste sistema de valoração da prova, resta notória a importância do depoimento pessoal, pois, ainda que a confissão não seja alcançada, certamente algum efeito é passível de ser extraído das declarações da parte, seja ele favorável ou não ao depoente.
Sem dúvida, as impressões pessoais do juiz sobre o ato atuarão na formação de seu convencimento, e nesse cenário de colheita pessoal, imediata e oral da prova, o alcance da verdade dos fatos fica cada vez palpável.
Referências:
¹ Art. 446. Compete ao juiz em especial:
...
II- proceder direta e pessoalmente à colheita das provas;
...
²Art. 132 - O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor. (Alterado pela L-008.637-1993)
Parágrafo único - Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas. (Acrescentado pela L-008.637-1993)
³ Resp 623575/RO; Relatora: Min. Nancy Andrighi; Terceira Turma; DJ 07/03/2005.
? O art. 345 do CPC prevê escusa genérica do dever de depor ao admitir que, diante de justo motivo, o juiz dispense o depoente de responder o que lhe foi questionado, ao passo que o art. 347 do mesmo código prevê situações específicas autorizadoras do silêncio.
? Didier Júnior, Fredie; Braga, Paula Sarno e Oliveira, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2. 8ª ed. Salvador: Jus Podium, 2013, pág. 122.
? Marinoni, Luiz Guilherme e Arenhart, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. Curso de Processo Civil – Volume 2. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pág. 317.
? Idem.
? Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. 5ª ed. São Paulo: Método, 2013, págs. 436 e 437.
? Idem, pág. 437.
¹º Obra citada, pág. 314.
¹¹ Obra citada, pág. 315.
¹² Resp 191078/MA; Relator: Ari Pargendler; Terceira Turma; DJ 09/10/2000.
¹³ Art. 343, § 1º - A parte será intimada pessoalmente, constando do mandado que se presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor.
¹? Art. 344 - A parte será interrogada na forma prescrita para a inquirição de testemunhas.
Advogada na área cível e consumerista. Pós-graduada em direito público pelo Instituto de Educação Superior Unyahna - IESUS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, Carolina Sales e. O depoimento pessoal no processo civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 mar 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34242/o-depoimento-pessoal-no-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
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