O fenômeno da negociação bilateral também alcança o universo agrário, onde a manifestação das vontades consegue gerar efeitos, sejam eles fáticos ou jurídicos, sobre a exploração e o cultivo rurais, modelando, assim, o espaço sócio-geográfico desse meio.
No plano fático, muito em função das desigualdades econômicas e sociais quase sempre presentes na grande maioria das sociedades durante grande parte de sua história, a concentração fundiária produz uma realidade perversa, em que uma das vontades (a mais fraca), massacrada por uma vida de escassez e necessidades, submete-se a condições de desvantagem, no que toca ao objeto acordado, em relação à outra (mais forte), configurando-se (e, até mesmo, agravando-se), assim, um quadro de exploração.
O âmbito jurídico de regulamentação dos contratos agrários, a depender da principiologia e fundamentação polítco-filosófica em que se arrima, é, por sua vez, um forte instrumento, que tanto pode ser afirmador e promotor desse quadro, ou, pelo menos, omisso em relação a ele, como, ao revés, uma ferramenta de combate a tal situação, com vistas a modificá-la.
O Brasil, um país predominantemente rural em grande parte de sua história, e que ainda hoje possui enorme parcela de sua população envolta em assuntos e relações agrários, tem especial interesse no tema relacionado aos contratos agrários.
Eles possuem, principalmente em virtude da atual exigência de cumprimento de sua função social, enorme relevo na conjuntura sócio-agrária de nossa sociedade, já que o sistema jurídico e valorativo pátrio vigente determina ser essa função, principalmente, a correção das desigualdades sociais no campo, a redução da concentração fundiária, o bem estar social, a racional e efetiva exploração das terras, dentre outros.
Assim, cabível é a análise do tratamento, pretérito e atual, dado por nosso ordenamento a esse tipo de contrato, bem como sua conceituação, características, sua principiologia, suas espécies, dentre outros temas a ele relacionados. É o que passaremos a fazer no presente estudo.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O histórico da regulamentação dada por nosso ordenamento jurídico aos contratos agrários tem, na verdade, como nota inicial, uma completa ausência dela, pelo menos até o advento do Código Civil de 1.916. É que a Lei de Terras de 1.850 foi silente ao respeito desse tema.
O momento normativo jurídico inicial dos acordos bilaterais agrários no Brasil, portanto, é o ano de 1.916, com a edição do diploma Civil constante da Lei nº 3.071. Mais especificamente: os artigos 1.211 a 1.215 (disposições especiais aplicáveis aos prédios rústicos) e 1.410 a 1.423 (regras referentes à parceria agrícola).
O tratamento dado por esse diploma civil às relações contratuais rurais, no entanto, ignorava a desigualdade de condições predominante entre proprietário e contratante explorador do imóvel, não criando qualquer mecanismo que seja de equiparação material entre as partes. O que não é surpresa, dada a inspiração filosófico-jurídica do Código de 1.916, apoiada numa concepção liberal ainda despojada de qualquer caráter social, que advogava a existência de uma igualdade formal, presumida, entre todos os membros da sociedade, e, em consequência, defendia uma mínima interferência do Estado na sociedade, principalmente no âmbito negocial, o que fazia ser levado ao nível do paroxismo máximas como a autonomia da vontade e o pacta sunt servanda.
Tal perspectiva jurídica foi alterada com a edição do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), que trouxe disposições específicas acerca dos contratos agrários, afastando, portanto, o Diploma Civil de 1.916. E foi alterada justamente no aspecto da não intervenção estatal na vontade das partes.
Com o Estatuto da Terra, o princípio adotado e objetivado foi o da igualdade material. Desta forma, o Estado, a partir da presunção da superioridade sócio-econômica do contratante proprietário em relação ao contratante trabalhador, passou a dar a este meios de equilibrar esta condição. É exemplo dessa alteração o artigo 93 do Estatuto da Terra, que inicia seu caput dispondo que “ Ao proprietário é vedado exigir do arrendatário ou do parceiro:”, o que demonstra uma mitigação na ideia da liberdade plena de contratar.
Complementam o atual tratamento dado aos contratos rurais a lei 4.947/66 (artigos 13 a 15) e o Decreto 59.566/1966, ambos normas imbuídas do mesmo espírito encontrado na Lei 4.506/64.
Além disso, em decorrência de também tratarem-se de contratos, apesar de sua especificidade, bem como em virtude da previsão existente no artigo 92, §9º do Estatuto da Terra, o Código Civil de 2.002, apesar de não ter disposição direta aos contratos agrários, continua a eles se aplicando subsidiariamente.
E é justamente no Diploma de 2.002 que encontra-se norma de grande impacto no atual universo dos contratos brasileiros, qual seja, o de que eles devem cumprir e se limitar à sua função social (artigo 421).
Não obstante o considerável avanço legislativo no tratamento da matéria, mormente em comparação ao dado pelo Código de 1.916, é pertinente ponderar-se algumas críticas acerca da extensão dessa evolução. É que, levando-se em conta a vontade constitucional no tocante ao direito agrário, qual seja, a fixação do trabalhador rural à terra e a reforma agrária, com vistas à diminuição de nossa nociva concentração fundiária, é de se questionar o fato de os atuais contratos agrários representarem, na verdade, formas, primeiramente, de não aderência, pelo menos definitiva, do trabalhador à terra, já que este irá usar propriedade alheia e, segundo, de se excluir as propriedades objeto das avenças agrária da desapropriação para fins de reforma agrária, posto que possibilitam a sua produtividade.
3. PRINCÍPIOS BÁSICOS DOS CONTRATOS AGRÁRIOS
3.1. Princípio da autonomia da vontade
A autonomia da vontade é o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica. A produção destes efeitos pode ser determinada pela vontade unilateral, bem como pelo concurso de vontades. Qualquer indivíduo capaz pode, por íntima vontade, criar direitos e obrigações. As pessoas são livres para acertar as condições e circunstâncias que mais satisfazem seus interesses, estejam ou não previstos ou regulamentados por lei, gozando da mais ampla liberdade para celebrar os contratos da maneira mais útil e conveniente, atribuindo-lhes efeitos distintos dos que a lei lhes confere e, quiçá, modificando sua estrutura jurídica.
De conformidade com o princípio da autonomia da vontade, o homem é livre para contratar ou não contratar, bastando que o objeto da convenção seja lícito. Não se diz apenas que o contrato tem força de lei entre os contratantes; diz-se mais: o contrato é mais forte do que a lei. Somente a vontade pode fazer nascer uma obrigação e o princípio de que ora se trata exige que se encontre, à base de toda obrigação, uma vontade livre, já que esta é soberana e sem ela não há vínculo de qualquer natureza. Martinho Garcez Neto aduz que “a vontade é tão necessária para formar o delito, como para formar o contrato”.
3.2. Função social dos contratos
A função social da propriedade é um princípio maior, sob o qual se compreendem diversos fins, constituindo uma soma complexa. Não basta tornar a terra produtiva, ou distribuí-la garantindo o acesso à terra. É preciso tutelar as relações que tenham por objeto o solo, garantindo proteção às partes menos favorecidas, a proteção ambiental, o uso racional dos recursos, a proteção e resguardo das normas trabalhistas, porque no atingimento de todos esse objetivos é que se assegura a efetividade da função social da propriedade. Daí, ao ser elaborado um contrato agrário é necessário respeitar a função social da terra, garantindo assim a função dos contratos.
Atento a essa complexidade, o legislador ao elaborar o Estatuto da Terra (Lei 4504/64) e o executivo ao editar o Decreto 595566, não se limitaram a dispositivos gerais, indo adiante dentro da disciplina dos contratos agrários, cientes da imperiosa necessidade de disciplina especial nessa espécie contratual. Essa especialidade, caracterizada pela permanente presença de um caráter protetivo e publicístico ressalta em diversos pontos como no informalismo, prazos mínimos, cláusulas obrigatórias, redações legais, direito de preferência, dentre outros pontos.
Os arts. 92 do Estatuto da Terra e 11 do Decreto 59566 caracterizam o informalismo. O primeiro admite a avença tácita, o segundo a forma verbal. Sem dúvida, os contratos agrários não podem ter necessidade de formalismo pois via de regra as partes são homens afeitos às lides campeiras e poucos versados nas letras da lei.
Estão previstos prazos mínimos para os contratos agrários no artigo 13, II, alínea a do Decreto 5956/66 e nos arts. 95, inc. XI, alínea b e 96, inc. V, alínea b do Estatuto da Terra. Os prazos mínimos de 3, 5 ou 7 anos, existem não só para proteção do agricultor, dando-lhe segurança e estabilidade, mas também para proteção do solo e do seu potencial produtivo, conforme bem frisa Paulo Tormim Borges ao afirmar que "prazo mínimo é estabelecido principalmente para evitar o mau uso da terra".
O caráter publicístico presente nos contratos agrários também se faz sentir em cláusulas obrigatórias que limitam a liberdade contratual. Daí o artigo 12 do Decreto 59566/66 que enumera onze cláusulas obrigatórias. Da mesma forma, o art. 13 nos traz uma série de vedações legais. Também o Estatuto da Terra, art. 95 inc. XI, elenca cláusulas obrigatórias no intuito de formar um sistema de proteção que elida a exploração das partes e promova a função social da propriedade pelo racional aproveitamento do solo.
3.3. Princípio da boa fé
Com o princípio da boa-fé vigente em nosso Novo Código Civil, objetivamente, cada pessoa deve ajustar sua conduta ao arquétipo de conduta social vigente. Boa-fé objetiva é um ‘standard’ um parâmetro genérico de conduta. Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação ‘refletida’, pensando no outro, no parceiro atual, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, gerando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização de interesses das partes.
À luz da doutrina, há marcante diferença entre boa-fé subjetiva e objetiva: em sua concepção subjetiva, corresponde ao estado psicológico do agente; enquanto que a boa-fé objetiva se apresenta como uma regra de conduta, um comportamento em determinada relação jurídica de cooperação.
Na boa-fé subjetiva, portanto, o indivíduo se contrapõe psicologicamente à má-fé, convencendo-se a não estar agindo de forma a prejudicar outrem na relação jurídica.
O princípio da boa-fé objetiva impõe uma regra de conduta, tratando-se de um verdadeiro controle das cláusulas e práticas abusivas em nossa sociedade. A boa-fé assume feição de uma regra ética de conduta e tem algumas funções como: fonte de novos deveres de conduta anexos à relação contratual; limitadora dos direitos subjetivos advindos da autonomia da vontade, bem como norma de interpretação (observar a real intenção do contraente) e integração do contrato.
Este princípio impõe que os contratantes exerçam a faculdade de contratar observando a ética, agindo de forma correta e com bons propósitos, tanto no ato da avença, quando durante a sua execução. Nesse sentido, não se admite um contrato em que uma das partes, maldosamente ou se aproveitando da ingenuidade ou ignorância da outra parte, ponha no contrato cláusulas que venham provocar injustamente prejuízos em decorrência dos efeitos do pacto.
Os contratantes deverão agir com probidade e honradez, observando sempre a integridade de caráter, de modo a manter o equilíbrio e a justiça para ambos na avença.
Conforme Ricardo Lorenzzeti (1998, p. 551) o contrato deixou de ser visualizado como um representativo de interesses antagônicos, divisando-se um affectio contractus, tornando os contraentes como se fossem parceiros.
3.4. Pacta sunt servanda
Pacta sunt servanda é o Princípio da Força Obrigatória, segundo o qual o contrato obriga as partes nos limites da lei. É uma regra que versa sobre a vinculação das partes ao contrato, como se norma legal fosse, tangenciando a imutabilidade. A expressão significa “os pactos devem ser cumpridos”.
É importante observar que esse principio sofreu uma certa limitação em razão do princípio da função social do contrato, na medida em que as partes ao contratarem devem respeitar suas vontades, e também a vontade de terceiros que podem ser afetados por aquele contrato.
4. CARACTERÍSTICAS DOS CONTRATOS AGRÁRIOS
Os contratos agrários possuem algumas características, em geral, comuns a maioria dos contratos de direito civil. São elas:
ñ Consensuais: os direitos e obrigações das partes surgem com o simples consentimento das partes, aperfeiçoando-se com a integração das declarações de vontade dos declarantes. Porém, para o registro do contrato e nos casos de financiamento, é evidente e necessário que sejam feitos por escrito.
ñ Bilaterais: as partes se obrigam reciprocamente, com interdependência entre as obrigações.
ñ Onerosos: ambas as partes visam obter benefícios numa relação de equivalência, com obrigações de ambas as partes, o que apenas não ocorre no comodato.
ñ Formais: ao menos em sua maioria, uma vez que devem ser escritos e registrados. Contudo, não há unanimidade neste aspecto, até porque a lei não exige forma especial para a sua formação e validade.
Como já vimos anteriomente a formalidade nao é característica própria dos contratos agrários, já que estes não podem ter necessidade de formalismo pois via de regra as partes são homens afeitos às lides campeiras e poucos versados nas letras da lei.
5. CONCEITO DE CONTRATO AGRÁRIO
Segundo o professor Octávio Melo Alvarenga (apud MARQUES, 2007): “Por contrato agrário devem ser entendidas todas as formas de acordo de vontade que se celebrem, segundo a lei, para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos vinculados à produtividade da terra”. Perceba-se que com este conceito, o autor quis abarcar tanto os contratos típicos quanto os atípicos, desde que se relacionem coma exploração da terra.
Já na lei (Regulamento nº 59.566/66, arts. 3º e 4º) trazem definição de contratos agrários típicos, a saber: o Arrendamento e a Parceria.
Art. 3º Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nêle ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel , observados os limites percentuais da Lei. (grifo nosso)
§ 1º Subarrendamento é o contrato pelo qual o Arrendatário transfere a outrem, no todo ou em parte, os direitos e obrigações do seu contrato de arrendamento.
[...]
Art. 4º Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso especifico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nêle ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa vegetal ou mista; e ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal, mediante partilha de riscos do caso fortuito e da fôrça maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei (artigo 96, VI do Estatuto da Terra). (grifo nosso)
Convém mencionar que a Lei n.º 11.443/07 alterou o art. 96 do Estatuto da Terra, modificando, por consequência, o conceito de parceria rural. Senão vejamos:
§ 1o Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes dele, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha, isolada ou cumulativamente, dos seguintes riscos:
I - caso fortuito e de força maior do empreendimento rural;
II - dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais estabelecidos no inciso VI do caput deste artigo;
III - variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural.
6. TIPOS DE CONTRATOS AGRÁRIOS
Pela atual legislação, os contratos agrários classificam-se em contratos nominados ou típicos, que alcançam os contratos de arrendamento e parceria, e os contratos inominados ou atípicos, dos quais são exemplos o comodato, a empreitada, o compáscuo, o “cambão”, o “fica” etc. Estes últimos, mesmo não havendo regra especial definida na lei, devem, como condição de validade e no que lhes for aplicável, cumprir as regras obrigatórias estabelecidas para os contratos de parceria e arrendamento. É o reza art. 39 do Decreto nº 59.566/66.
7. ELEMENTOS OU CLÁUSULAS OBRIGATÓRIAS
Exige-se nos contratos agrários além das disposições referentes ao objeto e ao acordo de vontade, comuns a qualquer pactuação negocial, a presença de determinados elementos considerados obrigatórios por expressa disposição legal. São obrigações que resultam ou retiram seu fundamento do princípio da função social dos contratos, que, como não poderia ser diferente, irradia seus efeitos também na seara do direito agrário, em especial, nos contratos agrários.
Pois, conforme acentua Mezzomo; Coelho (2003, grifo nosso),
a função social da propriedade é um princípio maior, sob o qual compreendem-se diversos fins, constituindo uma soma complexa. Não basta tornar a terra produtiva, ou distribuí-la garantindo o acesso à terra. Além disso é preciso tutelar as relações que tenham por objeto o solo, garantindo proteção às partes menos favorecidas, a proteção ambiental, o uso racional dos recursos, a proteção e resguardo das normas trabalhistas, porque no atingimento de todos esses objetivos é que se assegura a efetividade da função social da propriedade.
Foi com o intuito de proteger às partes menos favorecidas nas relações contratuais agrárias, marcadas pela força do proprietário de terras, que o legislador entendeu por bem regular de modo mais incisivo alguns aspectos desses contratos, dando-lhe um caráter protetivo e publicístico em alguns aspectos, de que são exemplo as cláusulas obrigatórias, ora analisadas. Tendo sempre em vista o “princípio de proteção social e econômica do elemento menos forte da relação contratual (art. 13, V, da Lei 4.947/66), impedindo assim que o fraco seja explorado pelo forte e poderoso”. (OPTIZ; OPTIZ, 2009, p. 318).
Entre os diversos dispositivos legais que tratam dessa matéria citamos os arts. 93 a 96 do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), art. 13 do Regulamento do Estatuto da Terra (Dec. 59.566/66) e art. 13 da Lei 4.947/66.
O art. 13, III, da Lei 4.947/66, estabelece a obrigatoriedade de cláusulas irrevogáveis estabelecidas pelo INCRA, que visem à conservação de recursos naturais, tais como conservação do solo, matas, águas, pesca ou caça pertencentes à propriedade rural envolvida no contrato. Importante ressaltar a obrigatoriedade de cumprimento das normas do Código Florestal (Lei 4.771/65), que se aplica de modo subsidiário quando não houver disposição específica nas leis especias sobre a matéria ora analisada, conforme expressamente autoriza o Regulamento do Estatuto da Terra (art. 13, II, b).
Tendo em vista a proteção e conservação dos recursos naturais, o art. 13, II, a, do Regulamento fixa prazos mínimos em função da atividade para vigência dos contratos agrários, são eles: i) 03 anos em atividade de exploração de lavoura temporária e ou de pecuária de pequeno e médio porte e para todos os casos de parceria, independentemente do tipo de atividade; ii) 05 anos para atividade de exploração de lavoura permanente e ou de pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal; 07 anos para atividade de exploração florestal. Tais prazos são fixados não apenas com o objetivo de proteger o solo e seu potencial produtivo, mas também com o intuito de dar segurança e estabilidade ao produtor rural. Dessa regra combinada com o disposto no art. 95, II do Estatuto da Terra, dessume-se que o prazo mínimo de vigência de todo e qualquer contrato agrário é de 03 anos, ainda que não haja menção expressa no contrato.
O preço nos contratos agrários submete-se a determinadas limitações legais visando impedir a exploração da parte economicamente vulnerável. Assim expressa o Estatuto da Terra a respeito (art. 95, XII):
a remuneração do arrendamento, sob qualquer forma de pagamento, não poderá ser superior a 15% (quinze por cento) do valor cadastral do imóvel, incluídas as benfeitorias que entrarem na composição do contrato, salvo se o arrendamento for parcial e recair apenas em glebas selecionadas para fins de exploração intensiva de alta rentabilidade, caso em que a remuneração poderá ir até o limite de 30% (trinta por cento)
Tal limite de remuneração deve ser obrigatoriamente observado na contratação ainda que o acerto negocial seja silente a esse respeito. Há que se ressaltar ainda, a obrigatoriedade de previsão no contrato da forma ajustada para indenização das benfeitorias realizadas no imóvel rural pelo contratante.
O art. 93 do Estatuto da Terra veda a exigência no contrato de prestação de serviços gratuitos pelo arrendatário ou parceiro. A razão da norma proibitiva parece restar evidente diante de tudo que já dissemos a respeito da proteção da parte mais fraca da relação contratual, visa a norma evitar a exploração do arrendatário ou parceiro pelo arrendador ou parceiro outorgante, impedindo com isso, a instituição de servidão, flagrantemente incompatível com o regime Constitucional e legal vigente.
Necessário, contudo, contextualizar tal regra com as peculiaridades das relações campesinas, como bem observa Optiz; Optiz (2009, p. 318)
não pode constar do contrato qualquer exigência nesse sentido, mas nada impede que, livremente, tanto o arrendatário como o parceiro rural prestem serviços gratuitos. […] Natural que ocorra prestação de serviços gratuitos, sem ser um obrigação servil, por parte do arrendatário ou parceiro rural, pois muita coisa se faz numa propriedade, que não está no contrato, tais como pequenas reparações de estragos que não provenham naturalmente do tempo ou do uso […]. A finalidade da lei é obstar que o arrendador ou parceiro-outorgante abuse da situação do arrendatário ou do parceiro-outorgado, fazendo trabalhar para si, gratuitamente.
Prossegue o art. 93, II, estatuindo que é proibida a presença de qualquer cláusula contratual que implique a exclusividade na venda da colheita ao proprietário das terras. Observe-se que a presença de tal cláusula não implica nulidade do contrato, mas deve tal cláusula ser tida por não escrita ou ineficaz, sendo expurgada do ato negocial.
“A regra, no entanto, não é absoluta, porquanto admite temperamentos, quando não seja a venda exclusiva. Deixa, por isso, margem à compra parcial da colheita pelo proprietário ou em condições iguais com terceiros.” (OPTIZ; OPTIZ, 2009, p. 318).
A regra abrange ainda a proibição de inserção de cláusula que obrigue o arrendatário ou parceiro-outorgado a beneficiar a produção em estabelecimento do arrendador ou parceiro-outorgante ou qualquer outro estabelecimento determinado por estes (art. 13, VII, b, do Dec. 59.566/66).
Para finalizar, é de curial importância mencionar que os direitos e vantagens estabelecidos na legislação que visem a proteção do contratante agrário hipossuficiente são irrenunciáveis (art. 13, IV, da Lei 4.947/66). Se, acaso conste no contrato cláusula que implique renúncia de um desses direitos, considerar-se-á tal cláusula como inexistente, devendo a mesma ser desconsiderada pelos contratantes.
8. AS PARTES
O Contrato Agrário é um contrato consensual, não solene, admitindo-se, portanto, a forma verbal, Vale lembrar que os contratos agrários dispostos na lei, é o contrato de arrendamento e parceria, que tem como finalidade a posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário (que detêm a posse ou tem a livre administração do imóvel rural) e aquele que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista. É o que encontra-se disposto em no artigo 1º do decreto no 59.566, de 14 de novembro de 1966, em que “O arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário, quem detenha a posse ou tenha a livre administração de um imóvel rural, e aquele que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista”.
Os contratos agrários são realizados entre o proprietário, o possuidor e entre quem vai exercer qualquer atividade agrícola, pecuária, agroindustrial. Flávia Martins disserta a respeito dos contratos agrários informando quantos as partes que compõe o contrato:
Arrendamento Rural é o ato jurídico celebrado entre o proprietário (possuidor, usufrutuário ou arrendador), que cede o imóvel, no todo ou em parte, a outro (arrendatário), que nela explorará uma atividade econômica, por prazo certo ou não, e por certo preço, para a exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista. (...) A Parceria Rural É o contrato agrário celebrado entre o parceiro-outorgante (proprietário ou usufrutuário do bem), que cede ao parceiro-outorgado, por tempo determinado ou não, o uso específico do imóvel rural, incluindo ou não as benfeitorias, outros bens ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercido a exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa vegetal ou mista, e/ou lhe entregue animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal, mediante partilha de riscos (caso fortuito ou força maior) do empreendimento rural e dos frutos e produtos ou lucros havidos, conforme previsão e percentuais da lei (art. 96, VI do Estatuto da Terra), no qual o parceiro-outorgado que participará do empreendimento com a sua mão-de-obra em sentido amplo. É comum o parceiro-outorgado participar com o conjunto familiar.
9. RENOVAÇÃO E DIREITO DE PREFERÊNCIA
Quanto a renovação do contrato agrário o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento em igualdade de condições com terceiros, entretanto seis meses antes de vencido do contrato, o proprietário,deverá notificá-lo para um novo arrendamento; caso não haja a notificação, o contrato será renovado tacitamente. No que concerne aos contratos de parceria, acabado o prazo, se o proprietário não quiser explorar diretamente a terra por sua conta, o parceiro, em igualdade de condições com terceiros, portanto terá preferência para firmar novo contrato de parceria.
A renovação pode ocorrer reiteradas vezes desde que preenchidos os requisitos da lei, podendo sobrevir não só sobre contratos originários como decorridos de anteriores renovações.
Ha de se ressaltar que o prazo mínimo legal está disciplinado no art. 13,II do Decreto nº 59.566/66, para as diversas modalidades de arrendamento, com prazo mínimo de 3 anos de arrendamento para lavoura temporária e/ou pecuária de pequeno e médio porte (art. 13,II,a); prazo mínimo de 5 anos, nos casos de arrendamento em que ocorram atividades de exploração de lavoura permanente e ou de pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de matérias primas de origem animal;e por fim prazo mínimo de 7 anos, nos contratos em que ocorra atividade de exploração florestal.
Tanto o arrendatário quanto o parceiro-outorgado tem preferência na alienação do imóvel arrendado, assim como preferência para a renovação do contrato agrário. Benedito Ferreira Marques ensina que:
Nas hipóteses de Alienação do imóvel, devem ser observadas das regras básicas: (1) O arrendatário tem direito têm o direito de preferência na aquisição, em igualdade de condições com terceiros; e (2) no caso do arrendatário não adquirir, o mesmo sendo notificado para exercer o direito de perempção, o contrato não será desfeito, substituindo até o seu final o da ultimação da colheita.
10. EXTINÇÃO DOS CONTRATOS
A disciplina da extinção dos contratos agrários encontra-se disciplinado no artigo 25 ao artigo 34 do decreto 59566/66 dando tratamento específico às causas de extinção dos contratos agrários.
O Artigo 26 enumera as possibilidades de extinção dos contratos:
· Pelo término do prazo do contrato e do de sua renovação;
· Pela retomada;
· Pela aquisição da gleba arrendada, pelo arrendatário;
· Pelo distrato ou rescisão do contrato;
· Pela resolução ou extinção do direito do arrendador;
· Por motivo de for maior, que impossibilite a execução do contrato;
· Por sentença judicial irrecorrível;
· Pela perda do imóvel rural;
· Pela desapropriação, parcial ou total, do imóvel rural;
· Por qualquer outra causa prevista em lei.
9.1 Término do Prazo.
O término do prazo é a modalidade de extinção natural do contrato agrário. No qual possui como regra geral, que terminado o prazo do contrato, deve ele ser devolvido ao proprietário. A regra, no entanto, tem exceções, que é o direito de preferência à renovação, atribuído ao arrendatário. O término somente extingue o contrato quando o arrendatário não quer mais continuar na posse do imóvel, seja pela renovação automática, seja prorrogação convencional, ou legal.
9.2 Retomadas.
A retomada do imóvel encontra-se elencadas nas hipóteses do artigo 22, parágrafo 2º do Decreto 59566/66, abrangendo três situações distintas:
· Exploração direta;
· Cultivo direto e pessoal (art. 7º e 8º do Decreto59566/66);
· Cultivo através de descendente do arrendador (art. 95, V, do Estatuto da Terra);
Quando houver pretensão à retomada, deve esta ocorrer pela via judicial, pois se exige a comprovação da boa-fé do pedido. Devendo preceder à retomada por uma notificação, com antecedência de no mínimo seis meses, por parte do proprietário, sob pena de renovação automática.
É importante ressaltar a retomada por Cultivo direto e pessoal disciplinada nos artigos 7º e 8º do Decreto59566/66, por ser, aquele em que o beneficiário da exploração (o proprietário, e seu conjunto familiar) residindo no imóvel e vivendo em mútua dependência assume riscos do empreendimento, custeando despesas necessárias.
9.3 – Distrato
O distrato é a ruptura do contrato em que houve lesão ou infringência de obrigação, A rescisão é facultativa, segundo o artigo 27 do Decreto 59566/66, em que o inadimplemento das obrigações assumidas por qualquer das partes, e a inobservância de cláusula asseguradora dos recursos naturais, dará lugar facultativamente à rescisão do contrato, ficando a parte inadimplente obrigada a ressarcir a outra das perdas e danos causados.
9.4 Desapropriação.
A desapropriação é tema constitucional, disciplinado no artigo 5º - XXIV (a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição) e no artigo 184 da Constituição (compete a União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei). O artigo 30 do Decreto 59566/66 informa que caso ocorra a desapropriação, fica assegurado ao arrendatário o direito à redução proporcional da renda ou o de rescindir o contrato.
9.5 Falta de Pagamento
A falta de pagamento pode incidir a simples mora ou configurar-se em inadimplência capaz de dar margem à rescisão. É o que disciplina o artigo 32 do decreto 59566/66, porem o parágrafo único do referido dispositivo diz que no caso do inciso III, poderá o arrendatário devedor evitar a rescisão de contrato e o conseqüente despejo, requerendo no prazo da contestação da ação de despejo, seja-lhe permitido o pagamento do aluguel ou renda e encargos devidos, as custas do processo e os honorários do advogado do arrendador, fixados de plano pelo Juiz.
9.6 Abandono do Cultivo
Havendo abandono, total ou parcial, está inviabilizado o uso do imóvel, por parte do proprietário, por isso, havendo abandono, tem interesse o proprietário em despejar o contratante relapso, que não faz de sua terra produtiva. É de importância maior ressaltar que a propriedade no referido caso, não cumpre o que está disposto no 5º, inciso XXIII, a função social da propriedade.
9.7 Mudança de Destinação.
O inciso II do artigo 41 do Decreto 59566/66, disciplina que "o arrendatário deve utilizar o imóvel arrendado para o fim convencionado, ou presumido, e a tratá-lo com o mesmo cuidado como se fosse seu, não podendo mudar sua destinação contratual". Caso ocorra a mudança de destinação, irá incorrer no que dispõe o artigo 32, V, o arrendador poderá promover o despejo, pois ao imóvel rural se confere destinação própria e específica.
9.8 Morte do arrendatário.
Nos casos em que o arrendatário é o conjunto familiar, a morte do seu chefe não será causa de extinção do contrato, havendo naquele conjunto outra pessoa devidamente qualificada que possa prosseguir na execução do mesmo, caso o arrendatário não seja o conjunto familiar e não possua pessoa que possa prosseguir na execução do contrato, extingui-se o mesmo.
11. CONSIDERAÇÕES FINAIS
12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. DECRETO No 59.566, DE 14 DE NOVEMBRO DE 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D59566.htm>. Acesso em 23.nov.2011.
BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Disponível em:<http://www.planalto. gov. br/ccivil_03/leis/L4504.htm>. Acesso em: 27 nov. 2011.
BRASIL. Lei nº 4.947, de 06 de abril de 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L4947.htm>. Acesso em: 26 nov. 2011.
BRASIL. LEI Nº 11.443, DE 5 DE JANEIRO DE 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11443.htm>. Acesso em 23.nov.2011.
MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário Brasileiro. 7. ed. rev. e ampl. – São Paulo – Atlas, 2007.
MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Extinção Anômala dos Contratos: revogação, resolução, resililção e rescisão. Site do Curso de Direito da UFSM. Santa Maria-RS. Disponível em: <http://www.ufsm.br/direito/artigos/ civil/anomala.htm>. Acesso em: 25 nov 2011.
MEZZOMO, Marcelo Colombelli; COELHO, José Fernando Lutz. A função social da propriedade nos contratos agrários. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4125>. Acesso em: 28 nov. 2011.
OPTIZ, Silvia C. B; OPTIZ, Oswaldo. Curso completo de direito agrário. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
SILVA, Flávia Martins André da. Contratos agrários de arrendamento e parceria. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, no 175. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1221>. Acesso em: 25 nov 2011.
SOUSA, Izaias Resplande. Arrendamento Rural. Disponível em: <http://www. boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1221>. Acesso em: 25 nov 2011.
Servidor Público Federal - INSS - Graduando em Direito pela UFMA - MA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTRO, Paulo Henrique Pinheiro. Imposto de Exportação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 mar 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34307/imposto-de-exportacao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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