I. Considerações iniciais
A Lei nº 8.666/93 garante ao particular contratado pela Administração Pública o direito de recorrer contra a aplicação de penalidade decorrente de descumprimento de contrato originado em certame licitatório. Contudo, na maioria das vezes, o recurso hierárquico não chega à autoridade máxima do órgão penalizador, pois, em regra, a segunda instância é a autoridade regional.
Assim, o tema deste ensaio é o manejo do direito de petição como meio de levar ao conhecimento da autoridade máxima do órgão público a aplicação indevida de penalidade administrativa.
II. Direito de petição
Depois de serem esgotadas as vias recursais com resultado desfavorável, o particular pode manejar uma impugnação à aplicação de penalidade administrativa exercendo seu direito constitucional de petição aos poderes públicos. A praxis demonstra que esta estratégia de defesa se mostra mais eficaz quando a petição é direcionada à autoridade máxima do órgão na hipótese de ela não ter participado do julgamento administrativo[1] em razão da estruturação das competências do órgão, embora possa ser dirigido à autoridade que julgou o recurso. Contudo, por se tratar de sucedâneo recursal e não recurso propriamente dito, a matéria passível de discussão nessa espécie de impugnação é restrita.
O direito de petição aos poderes públicos está consagrado como Direito Fundamental no art. 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição da República de 1988:
TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
Poder-se-ia argumentar que o art. 5º da Constituição Federal elenca direitos fundamentais da pessoa humana, ou seja, que não se incluiriam as pessoas jurídicas. Essa orientação, inclusive, já foi defendida por Pontes de Miranda[2]. Contudo, atualmente não há mais espaço para este debate, pois vários direitos previstos nos incisos do art. 5º referem-se às pessoas jurídicas, como a proteção às associações. Essa é a orientação de Alexandre de Moraes[3], da qual também comunga José Afonso da Silva:
(...) a pesquisa no texto constitucional mostra que vários dos direitos arrolados nos incisos do art. 5º se estendem às pessoas jurídicas, tais como o princípio da isonomia, o princípio da legalidade, o direito de resposta, o direito de propriedade, o sigilo da correspondência e das comunicações em geral, a inviolabilidade de domicílio, a garantia do direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, assim como a proteção jurisdicional e o direito de impetrar mandado de segurança. Há até direito que é próprio de pessoa jurídica, como o direito à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintos (logotipos, fantasias, p. ex.).[4]
Assim, as pessoas jurídicas também podem fazer uso do direito de petição, que, na esfera infraconstitucional, foi regulamentada pela Lei nº 9.784/99. O art. 6º estabelece os requisitos do requerimento inicial:
Art. 6o O requerimento inicial do interessado, salvo casos em que for admitida solicitação oral, deve ser formulado por escrito e conter os seguintes dados:
I - órgão ou autoridade administrativa a que se dirige;
II - identificação do interessado ou de quem o represente;
III - domicílio do requerente ou local para recebimento de comunicações;
IV - formulação do pedido, com exposição dos fatos e de seus fundamentos;
V - data e assinatura do requerente ou de seu representante.
Parágrafo único. É vedada à Administração a recusa imotivada de recebimento de documentos, devendo o servidor orientar o interessado quanto ao suprimento de eventuais falhas.
Note-se que a lei não exige mais que os requisitos mínimos para que se estabeleça uma relação jurídica processual entre o administrado e a Administração Pública. Não exige nenhuma formalidade específica e, por vezes, admite a solicitação oral, que, reduzida a termo, será tombada em processo administrativo. Merece destaque a previsão do parágrafo único, que veda à Administração “a recusa imotivada de recebimento de documentos”, em clara proteção ao cidadão.
Dos requisitos do citado art. 6º tem relevância para esta análise o inciso IV, que exige a formulação do pedido com exposição dos fatos e de seus fundamentos. Na defesa prévia e no recurso interposto durante o processo administrativo sancionador, inclusive pela regra da eventualidade, toda a matéria de defesa deverá ser alegada. Como o direito de petição não é um recurso, a matéria passível de discussão é mais restrita. Necessariamente, o particular deverá trazer ao conhecimento da autoridade administrativa alguma ilegalidade no procedimento administrativo sancionador, pois essa pode ser conhecida de ofício.
Assim, a tese defensiva deverá se basear no dever de a Administração anular seus atos no caso de ilegalidade, conforme previsão do art. 53 e do art. 63, § 2º, ambos da Lei nº 9.784/99:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 63. (...)
§ 2o O não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa.
Para a doutrina,
o §2º esclarece que a ocorrência de uma das hipóteses de não conhecimento de recurso sobre determinada matéria não impede que a Administração Pública exerça seu dever de autotutela dos seus atos. Significa dizer, em última análise, que prazo para submissão de uma ilegalidade ao Poder Público encerra-se, na prática, com o escoamento do prazo prescricional judicial, que, via de regra, é de 5 (cinco) anos, por força do Decreto nº 20.910 e demais normativos.[5]
O enunciado da Súmula nº 473 do Egrégio Supremo Tribunal Federal também é, há muito tempo, um marco no exercício do dever-poder de a Administração anular os próprios atos quando eivados de ilegalidade.
Nesse diapasão, não se tratando de recurso, não se opera o efeito devolutivo a ele inerente, que permite uma cognição plenária (= conhecimento de toda a matéria pela instância superior). A tramitação deste instrumento, destarte, tem respaldo legal com cognição sumária (restrita), já que a análise administrativa se limita à possibilidade de anular de ofício eventual ilegalidade.
Assim, se não resta dúvida de que o particular poderá utilizar o direito de petição para debater a ocorrência de ilegalidade na aplicação de sanção, também se revela inquestionável a impossibilidade de autoridade administrativa realizar pura e simplesmente um novo julgamento, ainda que não concorde com o proferido pela autoridade hierarquicamente inferior. A Lei nº 8.666/93 prevê o começo e o fim do processo administrativo sancionador em relação aos contratos administrativos. Garante-se a dupla instância administrativa, mas também se protege a segurança jurídica, com o encerramento do processo administrativo, para evitar a utilização ad eternum de medidas impugnativas, com exceção das ilegalidades passíveis de conhecimento de ofício.
IV. Considerações finais
Conclui-se, destarte, que o direito de petição aos poderes públicos é medida excepcional, que deverá debater não o mérito do julgamento administrativo como se recurso fosse, mas a ocorrência de ilegalidade, de modo que o seu acolhimento não resulta na reforma da decisão que aplicou a penalidade, senão na sua decretação de nulidade.
[1] É o caso, p. ex., do INSS, no qual, em regra, o Gerente Executivo decide sobre a aplicação de penalidade em primeira instância, e o Superintendente Regional, em segunda.
[2] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, 1970, apud SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 194.
[3] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 30.
[4] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 195.
[5] FIGUEIREDO, Lúcia Valle (Coord.). Comentários à lei federal de processo administrativo (Lei nº 9.784/99). 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 254.
Procurador Federal. Chefe da Divisão de Patrimônio Imobiliário e Coordenador-Geral de Matéria Administrativa Substituto da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, Direção Central em Brasília/DF. Especialista em Direito Público pela Universidade Potiguar (UnP). Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito - pela Universidade de Passo Fundo, RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JARDIM, Rodrigo Guimarães. O exercício do direito de petição contra a aplicação de penalidade no contrato administrativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 mar 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34339/o-exercicio-do-direito-de-peticao-contra-a-aplicacao-de-penalidade-no-contrato-administrativo. Acesso em: 23 dez 2024.
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