Resumo: Impõe-se que a interpretação a ser dada às medidas que salvaguardem o direito à ampla defesa no processo penal brasileiro seja ampliativa, o que, sob a ótica do sistema acusatório, é medida imperiosa. Visualiza-se, pois, que a exceção de pré-cognição, embora não encontre amparo expresso na lei, mitiga o rigor da interpretação dada ao art. 396 do Código de Processo Penal, precisamente na miscelânea que exusrgiu a partir da sua análise com o art. 399.
Palavras-chave: Recebimento da denúncia. Exceção de pré-cognição. Aplicabilidade. Jurisprudência do STJ.
1. Introdução
A Lei 11.719/2008, sob os auspícios dos constantes reclamos da doutrina processual penal pátria, perpetrou consideráveis alterações no procedimento criminal. A bem da verdade, o legislador brasileiro, sabedor do viés ontológico insofismavelmente inquisitório que tinge o Código de Processo Penal, confeccionado que foi ao arrepio da roupagem axiológica que veste o Estado Democrático de Direito, tomou por relevo, a fim de – tentar – contornar esse panorama, perpetrar pequenas reformas.
Em outros termos, vinque-se que, em vez de tentar levar a cabo um Código de Processo Penal fidedignamente elucubrado sob a ótica das razões vazadas a partir do sistema acusatório, como bem recomendado pelo Poder Constituinte, o legislador optou por se valer da sistemática de reformas em blocos. Cuida-se de opção que deita raízes em terreno pantanoso, uma vez que tenta manipular o corpo ultrapassado do Código de Processo Penal, em romântica aspiração de adequá-lo à realidade fática, sem sepultar por terra o seu espírito impregnado pelos valores do sistema inquisitório.
É de se dizer, pois, que muito se discutiu, em doutrina e jurisprudência, sobre o momento em que a peça acusatória seria recebida no procedimento criminal: trata-se de embate criado a partir da pontual reforma de 2008, que, nos arts. 396 e 399, deu azo a duas interpretações antagônicas, as quais, na práxis, reverberariam em infindáveis gravames/benesses para o acusado.
Exsurge, diante desse conturbado cenário, o fenômeno da exceção de pré-cognição.
2. Desenvolvimento
A par da controvérsia suso assinalada, urge enfatizar que os Tribunais Superiores já sedimentaram os seus entendimentos no sentido de que o recebimento da denúncia deverá ser analisado a partir de uma exegese ontológica do art. 396. Logo, deverá ser desconsiderado, para fins do momento processual em que a denúncia é recebida, o art. 399.
Assim, cumpre frisar que, após o ajuizamento da denúncia, deverá o juiz recebê-la (ou não), momento em que deverá ser citado o acusado para, posteriormente, apresentar a sua resposta à acusação (ou defesa preliminar, não obstante a celeuma doutrinária ainda persistente sobre a nomenclatura a ser timbrada à peça em comento).
Lado outro, impende afirmar que a exceção de pré-cognição exsurge exatamente a partir desse panorama. Ou seja, a fim de mitigar a apertada interpretação que desconsidera a aplicação do art. 399 para fins de recebimento da peça acusatória, o STJ, por bem, entendeu possível que a parte acusada se manifeste antes do recebimento da denúncia sobre as matérias que guardem (em relação a ele, recebimento) ligação.
Em síntese: a exceção de pré-cognição é essencialmente ligada, em sua razão existencial, à defesa preliminar de outras ritualísticas da seara criminal, nas quais é possível arguir matérias que impeçam o próprio recebimento da denúncia (v.g.: Lei de Drogas; Lei dos Juizados Especiais Criminais; crimes afiançáveis praticados por funcionário público; Lei 8.038/90; Lei de Improbidade Administrativa).
Quadra acentuar que por meio da exceção de pré-cognição a defesa pode, sponte propria, peticionar no sentido de que a peça acusatória seja rejeitada, não obstante a ausência de autorização legal nesse tocante. Em outros termos: trata-se de instrumento atípico, de inspiração criativa pautada na jurisprudência do STJ, que alarga os meios de defesa do acusado no afã de que ele não se submeta a processos penais estritamente temerários.
Descortina-se, nesse vértice, uma afirmação de assaz importância: muito embora seja possível que a mesma matéria objeto da exceção de pré-cognição seja ventilada ao longo do processo de conhecimento penal, ou mesmo em sede de habeas corpus trancativo, o indigitado meio atípico de arguir tópicos defensivos é mais célere (aprioristicamente...), econômico, e permite que o juiz obste o processamento de acusações temerárias, fadadas ao fracasso, e que tão somente irradiariam os prescindíveis influxos deletérios do processo penal sob a ótica existencial do acusado.
Um exemplo pode ser aventado para que seja, faticamente, observado o manejo da exceção de pré-cognição: em razão das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha (art. 12, III), é possível que o defensor tenha ciência de uma denúncia que já foi oferecida, mas que ainda não foi recebida, justamente porque, devido à existência de medidas protetivas pretéritas, ele já vinha acompanhando aquele feito.
Esclareça-se: de ordinário, o acusado e/ou o seu defensor não terá conhecimento da existência do processo no momento em que a peça acusatória é ofertada e, posteriormente, recebida, porquanto ainda não houve o ato de citação. Não obstante, caso tenha sapiência dessa demanda, poderá, entre o oferecimento e o recebimento da peça acusatória, valer-se do instituto da exceção de pré-cognição.
Noutra toada, frise-se que se deve entender que a exceção de pré-cognição encontra embasamento normativo no direito constitucional de petição, no sistema acusatório que deve reger o processo penal, no princípio da busca da verdade pelo juiz e, sobretudo, na ampla defesa. Não se deve descurar, igualmente, que o magistrado, ao aceitar o manejo de uma exceção de pré-cognioção, estará alinhavado à duração razoável do processo, à economia processual e à celeridade, princípios vetores da atual administração judiciária (lembre-se: ao ser aceita uma exceção de pré-executividade, meio incidental atípico, por via oblíqua não será necessário o aforamento de um habeas corpus...).
Malgrado o que foi asseverado no parágrafo acima, não é esse o entendimento encampado pelo Superior Tribunal de Justiça. Em mais de uma assentada (v.g.: HC 23857/SP e RHC 24138), aquela Corte já se manifestou no sentido de que a exceção de pré-cognição não encontra amparo legal no ordenamento jurídico brasileiro, de modo que não é forçoso que o juiz dela tome conhecimento.
Deflui-se, em suma, que, à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível que seja manejada a exceção de pré-cognição, mas cabe ao juiz, e tão somente a ele, decidir se irá apreciar – ou não – aquela matéria aviada no referido instrumento.
3. Conclusão
A exceção de pré-cognição é um instrumento atípico de defesa, utilizado de forma incidental à relação processual que está na iminência de ser perfectibilizada, permitindo que a parte acusada obste, de antemão, o prosseguimento de um processo temerário. O instrumento em cotejo mitiga o rigor da corrente que estabelece ser o recebimento da peça acusatória analisado à luz do art. 396. Isso porque a segunda vertente, que aduz que o recebimento deve ser analisado em cotejo com o art. 399, traz a reboque consigo anseios no sentido de permitir à parte aventar matérias que obstem o próprio recebimento daquela peça.
Insta salientar que, embora não encontre amparo coercitivo na jurisprudência do STJ, é possível que o magistrado, salvaguardando-se no entorno de diversos princípios de matiz constitucional, aprecie exceção de pré-cognição aventada, o que satisfaz, ao fim e ao cabo, todos os dogmas regentes do ambicionado sistema acusatório. É medida que se impõe, desejável, alvissareira e em consonância com o Estado Democrático de Direito.
4. Referências bibliográficas
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal: esquematizado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
JÚNIOR, Asdrubal. A exceção de pré-cognição na esfera processual penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 247, 11 mar. 2004 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4929>. Acesso em: 26 mar. 2013.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
Advogado, OAB/RN 8897. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera - UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARIAS, Gregory Victor Pinto de. A aplicabilidade da exceção de pré-cognição no processo penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 mar 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34389/a-aplicabilidade-da-excecao-de-pre-cognicao-no-processo-penal-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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