1 AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA
A autonomia privada surgiu no Iluminismo e encontrada no século XVIII, na primeira Revolução Industrial.
Após a Revolução Francesa, o contrato, expressão da autonomia da vontade privada, passou a ser o principal instrumento de regulação das relações jurídicas entre os particulares.
Nessa época, o Estado não reconhecia o poder do sindicato de editar normas para seus membros. Aliás, nos sistemas corporativos, o sindicato exercia atividade delegada de interesse público, pertencendo ao Estado e sofrendo, portanto, completa ingerência em sua atividade.
Por outro lado, nos regimes em que prevalece a liberdade sindical, o sindicato tem plena liberdade para ser criado, editar as normas, apenas observando as normas de ordem pública do Estado ou normas mínimas por ele prescritas.
Essa autonomia do sindicato é chamada de autonomia privada coletiva.
1.1 Conceito
É o poder derivado do Estado – ente soberano – e assegurado aos particulares para regularem suas relações mútuas, dentro de certos limites por meio de negócios jurídicos, especialmente os contratos.
As normas decorrentes da autonomia privada coletiva têm conteúdo próprio, que é determinado negativamente pelo Estado, ou seja, do que não pode ser feito, por ser área em só ele pode operar.
O interesse coletivo é o fundamento da autonomia privada coletiva. O sindicato defende interesse comum das pessoas. Contudo, não se confunde com o interesse público, que envolve toda a coletividade.
Na autonomia privada coletiva, o sindicato cria normas jurídicas decorrentes de sua autonomia, que dirão respeito a condições de trabalho para a categoria de empregados e empregadores envolvidos.
Além disso, a autonomia privada coletiva não se confunde com a negociação coletiva de trabalho. Teixeira Filho faz exata distinção entre os institutos:
A negociação coletiva de trabalho (...) é efeito decorrencial daquela (autonomia privada) e sua manifestação concreta. A autonomia privada coletiva é o poder social dos grupos representados autoregularem seus interesses gerais e abstratos, reconhecendo o Estado a eficácia plena dessa avença em relação a cada integrante dessa coletividade, a par ou apesar do regramento estatal – desde que não afronte norma típica de ordem pública. (TEIXEIRA FILHO, 2005, p. 1189).
1.2 Natureza Jurídica
A natureza jurídica da autonomia coletiva é enfrentada sob dois ângulos. Terá natureza pública nos regimes em que o Estado controla totalmente o sindicato ou este exerce atividade delegada, como nos regimes corporativistas.
Ao contrário, nos regimes democráticos e pluralistas, será privada, pois o Estado não interfere ou intervém o sindicato. Esse é o caso do Brasil a partir da Constituição de 1988.
1.3 Divisão
A autonomia privada coletiva é dividida na auto-organização, na autonomia negocial, na autotutela e na representação de interesses.
A auto-organização decorre da possibilidade das pessoas ingressarem, permanecerem ou saírem livremente do sindicato. Já a autonomia administrativa compreende a eleição dos dirigentes sindicais, a expedição de atos administrativos internos.
A autonomia negocial é a possibilidade de o sindicato participar das negociações coletivas em que o resultado é uma norma coletiva. A Convenção e o Acordo são instrumentos da autonomia negocial.
A autotutela significa que o ordenamento autônomo coletivo é auto-suficiente para resolver os conflitos entre as partes, não podendo, no entanto, afastar a jurisdição do Estado. Assim, o sindicato aplica sanções a quem viola suas normas.
Autonomia privada coletiva se verifica também quando há a representação de interesses da categoria em questões judiciais ou administrativas.
1.4 Sujeitos
Geralmente são os sindicatos. Todavia, há casos em que após os empregados de uma empresa comunicarem seu interesse de celebrar Acordo coletivo ao sindicato, federação e confederação e estes permanecerem inertes, poderão os trabalhadores assumir diretamente a negociação coletiva até o final.
1.5 Limites
A fonte de validade da autonomia privada está nas normas estatais. O Estado determina negativamente o conteúdo das normas extra-estatais.
Somente não haverá espaço para a autonomia privada coletiva onde incidir norma de ordem pública e de ordem geral, tutelares de direitos mínimos a serem assegurados.
Em países em que há uma determinação rígida da norma estatal, pouco espaço é deixado para a autonomia privada coletiva, que apenas opera no vazio da regra estatal.
2 NEGOCIAÇÃO COLETIVA
2.1 Conceito
Negociação coletiva é a que compreende todas que envolvem um empregador ou um grupo de empregadores ou organização de empregadores e uma ou várias organizações de trabalhadores visando fixar condições de trabalho e disciplinar as relações entre empregadores e trabalhadores.
A negociação coletiva é um processo que objetiva a realização da Convenção ou do Acordo Coletivo de trabalho.
2.2 Distinção
Distingue-se da Convenção e do Acordo coletivo, pois a negociação é um procedimento que visa superar as divergências entre as partes, enquanto aquelas são o resultado desse procedimento. Se a negociação for frustrada, não haverá a produção da norma coletiva. Contudo, poderá o sindicato ajuizar dissídio coletivo.
Além disso, a negociação é obrigatória, enquanto a Convenção e o Acordo facultativos.
2.3 Causas
Como o Estado inicialmente não cuidava de estabelecer um sistema de proteção aos trabalhadores, os próprios interessados passaram a reunir-se e criar as normas de trabalho. A partir do momento em que o Estado passou a intervir, a negociação coletiva acabou suprindo as lacunas da legislação estatal.
2.4 Funções
As funções da negociação coletiva podem ser jurídicas, nela englobando a função normativa, criando normas aplicáveis nas relações de trabalho, diversas das previstas em lei; a obrigacional, determinando obrigações e direitos para as partes; e a compositiva, como forma de superação dos conflitos, visando o equilíbrio e à paz social.
Também há a função política – consistente em incentivar o diálogo – a econômica – de distribuição de riquezas – a ordenadora e a social – ao garantir aos trabalhadores participação nas decisões empresariais. Da forma como segue, Amauri Mascaro define a função social:
Cumpre ainda (à negociação coletiva) uma função social de garantia de participação dos trabalhadores no processo de decisão empresarial, em proveito da normalidade das relações coletivas e de harmonia no ambiente de trabalho, dela se valendo inclusive a lei, que transfere para a negociação a solução de inúmeras questões de interesse social. (NASCIMENTO, 2002, p. 565).
O direito de negociar livremente é elemento essencial da liberdade sindical. Deve ser exercido pelos sindicatos, federações e confederações, sem restrição das autoridades públicas.
A negociação visa um procedimento de discussões sobre divergências entre as partes, procurando um resultado que será a Convenção ou o Acordo Coletivo. A negociação é o meio que vai conduzir à norma coletiva, sendo uma das fases necessárias para a instauração do dissídio coletivo, pois este somente é admitido se antes forem esgotadas as medidas tendentes à formalização da norma coletiva.
A negociação coletiva só não terá validade se for expressamente proibida pela legislação.
Funda-se a negociação na teoria da autonomia privada coletiva, visando suprir a insuficiência do contrato individual do trabalho. Tem um procedimento mais simplificado e rápido comparado com a lei. Ela é descentralizada, atendendo a peculiaridades das partes envolvidas e há uma periodicidade menor nas modificações.
Os sindicatos das categorias econômicas ou profissionais e as empresas não poderão se recusar à negociação. Porém, não são obrigados a concluir a avença.
A legitimidade para celebrar Convenções e Acordos é do sindicato ou da empresa. Não pode qualquer tipo de associação em substituição ao sindicato.
Não é exigido pela CLT que as Convenções e Acordos Coletivos sejam homologados para que tenham validade. Apenas é feito o arquivamento no Ministério do Trabalho de uma via da norma, a fim de que ela tenha vigência após três dias, conforme dispõe o § 1º do art. 614 da CLT.
2.5 Níveis
Geralmente, a negociação é feita por categoria, conforme reconhece a Constituição nos incisos II, III e IV do art. 8º.
Os sindicatos, federações, confederações são organizações sobrepostas, de diferentes níveis, que formam uma grande pirâmide de associações sindicais.
A Recomendação nº. 163 da OIT diz que as negociações coletivas devem se desenvolver em todos os níveis. No entanto, no direito brasileiro não é assim, uma vez que as negociações restringem-se ao nível dos sindicatos. Estes detém a exclusividade e o monopólio da negociação, quando existentes.
A federação sindical não tem legitimidade para negociar e assinar os instrumentos normativos onde há sindicatos. Apenas onde a categoria não é organizada em sindicatos. As confederações não podem negociar diretamente entre si. O mesmo ocorre com as centrais. Sem a participação do sindicato, as cláusulas negociadas por entidades de grau superior não se aplicam na sua base territorial. (NASCIMENTO, 2002, p.567).
Apesar disso, as entidades de grau superior desenvolvem a articulação política da negociação e, de modo complementar, assinam, em conjunto com os sindicatos, as normas coletivas concretizadas.
Por outro lado, como acima citado, as federações podem negociar quando as categorias não são organizadas em sindicato.
3 CONVENÇÕES E ACORDOS COLETIVOS DE TRABALHO
Convenções Coletivas nasceram e se desenvolveram na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, difundindo-se pelos países industrializados.
Nas nações industrializadas, as Convenções foram surgindo dos fatos para as normas, de baixo para cima. Já nos países subdesenvolvidos, o fenômeno foi o inverso.
A expressão “Convenção Coletiva” surgiu com o Decreto 21.761/32, tendo por base a Lei francesa de 1919.
A Constituição de 1934 reconheceu pela primeira vez no âmbito da carta magna as Convenções Coletivas. Na seqüência, a Constituição de 1937 passou a adotar a expressão contrato coletivo, assim como a CLT quando aprovada, que explicitava que as normas coletivas apenas eram aplicadas aos sócios do sindicato, podendo ser estendidas a todos por decisão do Ministro do Trabalho.
Volta-se a reconhecer novamente as Convenções Coletivas de trabalho na Constituição de 1946, porém a CLT ainda se utilizava da denominação contrato coletivo.
Porém, o Decreto-lei 229/67 deu nova redação aos arts. 611 a 625 da CLT, passando a utilizar as expressões Convenção Coletiva e Acordo Coletivo, com efeito normativo para toda a categoria.
A Constituição de 1967 e a EC 1 de 1969 repetem o reconhecimento das Convenções Coletivas. Por sua vez, a Constituição de 1988 reconhece a Convenção e também o Acordo Coletivo.
Hoje, nas legislações da maioria das nações, a expressão Convenção Coletiva é a mais utilizada.
Assim, define o art. 611 da CLT que a Convenção e o Acordo têm caráter normativo, entre um ou mais sindicatos, definindo as condições de trabalho que serão aplicadas em relação a todos os trabalhadores dessas empresas (efeito erga omnes).
3.1 Acordo Coletivo de Trabalho
O art. 611, § 1º da CLT narra que os Acordos Coletivos são pactos entre uma ou mais empresas com o sindicato da categoria profissional, aplicáveis a essas empresas. Teixeira Filho assim define o Acordo Coletivo:
(…) os Acordos coletivos não são pactos intersindicais, mas Acordos em que há, de um lado, um sindicato, e, do outro, uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, e sua aplicação será no âmbito da empresa ou das empresas acordantes. (TEIXEIRA FILHO, 2005, p. 1209).
O ponto comum entre a Convenção e o Acordo são as estipulações de condições de trabalho que serão aplicadas aos contratos individuais dos trabalhadores, tendo efeito normativo.
Já a diferença se encontra nos sujeitos envolvidos, sendo que o Acordo é feito entre uma ou mais empresas e o sindicato da categoria profissional, enquanto que a Convenção é realizada entre sindicato da categoria profissional e o sindicato da categoria profissional.
Frise-se que essa diferenciação é feita pela legislação brasileira. Em outros países, nem sempre é feita esta distinção.
É importante ressaltar que as federações ou confederações, na falta das primeiras, poderão celebrar convenções, desde que as categorias não tenham sido organizadas em sindicato.
O art. 617 da CLT estabelece que os empregados de uma empresa que queiram fazer Acordo Coletivo, devem cientificar por escrito o seu sindicato o qual terá oito dias para assumir a direção das negociações. Esta mesma disposição se aplica para as empresas interessadas com relação ao seu sindicato.
Terminado o prazo referido em lei, os interessados podem dar conhecimento do fato à federação e, em sua falta, à confederação para que essa no mesmo prazo assuma a direção da negociação. Esgotado também esse prazo, permanecendo as entidades inertes, os interessados poderão prosseguir diretamente na negociação.
Todavia, o sindicato somente poderá celebrar o Acordo Coletivo se, por assembléia geral convocada pelo sindicato ou pelos trabalhadores, houver deliberação nesse sentido, observado o quorum previsto no art. 612 da CLT.
Apesar da participação do sindicato dos empregados ser obrigatória nas negociações coletivas, segundo Constituição Federal, a permissão da CLT para que os trabalhadores prossigam na negociação, conforme acima descrito, não foi revogada porque os interessados não poderão ficar esperando indefinidamente que o sindicato proceda nas tratativas que lhe interessam diretamente.
3.2 Natureza jurídica da norma coletiva
Sua natureza jurídica é controvertida. Há três teorias que tratam do tema, a seguir explicitadas.
A primeira é a teoria contratualista ou civilista que justifica a natureza jurídica da convenção de acordo com certos contratos civis, como o mandato, a estipulação em favor de terceiros, a gestão de negócios e o contrato inominado. É uma teoria de direito privado, retratando a autonomia privada das partes nos ajustes, o que revela um negócio jurídico.
A segunda é a teoria normativa que explica a natureza jurídica de acordo com o efeito da convenção, que será normativo, valendo para toda a categoria e não apenas para os associados do sindicato. Essa teoria tem um aspecto publicístico oriundo do corporativismo italiano. São exemplos dessa teoria normativa a teoria da instituição corporativa e da lei delegada.
A teoria mista é a que procura mesclar as teorias contratualistas com as teorias normativas, mostrando que a convenção tem dupla natureza: seria contratual quando da elaboração, pois há um acordo de vontades entre as partes; mas também seria normativa, valendo para toda a categoria, tanto sócios como não-sócios do sindicato.
Além disso, as normas coletivas têm um duplo efeito: contratual e normativo. Contratual porque há cláusulas obrigacionais que só vinculam os acordantes; e normativo, porque as cláusulas que estipulam condições de trabalho são de aplicação geral, a toda a categoria.
A teoria mista é considerada a que melhor explica a natureza jurídica da Convenção Coletiva pela doutrina.
3.3 Aplicação das normas coletivas
A aplicação da norma coletiva no Brasil é considerada de eficácia geral, ou seja, é observada em relação a toda a categoria.
A norma coletiva é aplicável no âmbito das categorias profissional e econômica convenentes, sócios ou não dos sindicatos. Desta forma, é aplicada a todos os empregados da empresa, indistintamente, assim como às empresas representadas pelo sindicato convenente. Neste caso é que se verifica o efeito erga omnes da Convenção ou Acordo Coletivo.
Contudo, sempre se aplicará a condição mais favorável ao trabalhador. O art. 620 da CLT diz que a norma mais favorável ao empregado estabelecida em Convenção prevalecerá sobre as estipuladas em Acordo. Por outro lado, se as cláusulas do Acordo forem mais favoráveis, estas é que serão aplicadas.
A aplicação de normas coletivas coexistentes no tempo compreende duas teorias. A primeira, teoria da acumulação, envolve a aplicação de cláusulas de normas coletivas diferentes em conjunto, utilizando-se da norma mais favorável ao trabalhador.
Com relação à segunda teoria, do conglobamento, essa diz respeito a se utilizar da norma coletiva mais favorável em seu conjunto, globalmente, e não cláusula por cláusula, isoladamente, conforme apregoa a teoria anterior.
Para a doutrina, prevalece a teoria do conglobamento, afirmando que é impossível que se fique pinçando cláusulas de várias normas coletivas ao mesmo tempo. Outro fundamento do qual fazem uso é a irregularidade de se criar uma nova norma, distinta das que forneceram as cláusulas aplicadas, sem passar pelo procedimento que lhe atribua validade.
3.4 Cláusulas obrigacionais e normativas das normas coletivas
As normas coletivas podem ser divididas em obrigacionais e normativas. O conteúdo obrigacional é constituído de matéria que envolve os sindicatos convenentes.
Em contrapartida, as cláusulas normativas versam sobre matéria que atinge os representados do sindicato e que irá ter reflexos em seus contratos de trabalho.
Ainda no que tange às cláusulas normativas, Amauri Mascaro destaca uma diferença entre as Convenções Coletivas e o contrato do direito comum:
(…) há um diferença entre o contrato do direito comum e as convenções coletivas do direito do trabalho, porque aqueles obrigam apenas os contratantes, que são as partes que diretamente os ajustam. As convenções coletivas têm um campo de aplicação que não se limita aos sindicatos. Projetam-se sobre todas as pessoas que os sindicatos representam: os empregados que pertencem à categoria de trabalhadores e as empresas que integram a categoria econômica dos empregadores. (NASCIMENTO, 2002, P. 575).
Assim, a parte normativa da norma coletiva são as regras que tratam sobre o conteúdo, celebração e extinção de relações privadas de trabalho. Exemplo de cláusula normativa é a que assegura aumento salarial para a toda a categoria.
Constituem parcelas obrigacionais as disposições criadoras de direitos e deveres laborais entre as partes que participaram da avença. Multa para o sindicato que descumprir a Convenção tem caráter obrigacional, pois foi assumida pelo sindicato como pessoa jurídica.
Além disso, as cláusulas obrigacionais podem ser típicas e atípicas. As primeiras correspondem aos deveres de paz e de influência e as atípicas de mecanismos de administração da norma coletiva.
O dever de paz é a renúncia do sindicato de fazer novas exigências durante a vigência da norma coletiva, bem como não fazer grave estando em vigor norma coletiva. Já o dever de influência corresponde ao esforço do sindicato para que seus representados não descumpram o dever de paz.
3.5 Incorporação das cláusulas normativas nos contratos de trabalho
Há extinção das cláusulas obrigacionais com o término da vigência da norma coletiva. Contudo, quanto às cláusulas normativas, existem duas correntes que analisam o tema: uma justificando a incorporação das cláusulas e outra ponderando pela não incorporação.
A primeira corrente, defendida por Délio Maranhão, Segadas Vianna, dentre outros, afirma que as novas condições de trabalho não podem vir a prejudicar o empregado, com fulcro no art. 468 da CLT. Considera que as normas coletivas findas produzem direito adquirido para os trabalhadores, com imediata incorporação das vantagens ali deferidas aos contratos de trabalho.
Assim, para essa corrente, os empregados admitidos após o término da vigência da norma coletiva não receberiam a incorporação das vantagens dessa norma. Contudo, para os antigos, haveria incorporação.
Já a segunda corrente é defendida por autores como Wilson Batalha e Antônio Álvares da Silva. Sustentam que as normas coletivas têm prazo certo de vigência e que as condições ajustadas valem para o respectivo prazo de vigência.
Vinha prevalecendo a primeira corrente. Todavia, com a Súmula 277 a segunda corrente foi prestigiada, pois o precedente jurisprudencial refere que a sentença normativa vigora no prazo assinado, não integrando de forma definitiva os contratos de trabalho. Apesar de se referir apenas às sentenças normativas, a súmula passou a ser aplicada analogicamente em relação aos Acordos e Convenções Coletivas.
O segmento da doutrina que defende a segunda corrente critica a primeira dizendo que o art. 468 da CLT não serve como argumento sobre a inalterabilidade das disposições previstas, pois está previsto no capítulo que trata do direito individual, portanto fora do concernente ao direito coletivo do trabalho.
Além disso, a Constituição estabeleceu algumas regras de flexibilização que reforçam a idéia da não incorporação das cláusulas nos contratos de trabalho. Por exemplo, a possibilidade de o salário ser reduzido por Convenção ou Acordo Coletivo e a possibilidade de compensação ou redução da jornada por norma coletiva. Assim, há previsão na Constituição de alteração para pior das condições de trabalho mediante negociação coletiva, prestigiando a autonomia privada coletiva dos convenentes.
Portanto, as normas coletivas podem ter tanto regras para melhorar ou não as condições de trabalho. Ou seja, o que rege a negociação coletiva são concessões recíprocas: há outorga de certos benefícios e supressão de outros, sendo que no conjunto podem ter sido atribuídos melhores benefícios aos trabalhadores.
Outrossim, a segunda corrente faz uso de outro argumento. Afirma que da exigência de as normas coletivas terem obrigatoriamente prazo de vigência, contida no art. 613, II, da CLT, extrai-se que a validade dessa se dá, apenas, no período de sua vigência.
No que tange a possibilidade da alteração das normas coletivas para pior, deve ser destacado, contudo, que as cláusulas de Acordo ou Convenção Coletiva não podem ser modificadas em Dissídio Coletivo, consoante resguarda a parte final do § 2º do art. 114 da CF. Isso somente pode se dar em posterior Acordo ou Convenção Coletiva.
Além disso, Amauri Mascaro traz uma terceira corrente, segundo a qual há cláusulas que se incorporam e outras que não, sendo necessário, para tanto, distinguir as cláusulas entre obrigacionais e normativas:
É necessário distinguir entre cláusulas obrigacionais e cláusulas normativas. Aquelas não se incorporam pela sua natureza e estas sim. Obrigacionais são as cláusulas que, como o nome indica, fixam obrigações diretamente entre as entidades estipulantes, os sindicatos e as empresas, como o compromisso de criar uma comissão para determinado fim. Normativas são as cláusulas sobre normas e condições de trabalho, com o adicional de horas extras. (NASCIMENTO, 2002, p. 576).
Todavia, essa terceira corrente acima ventilada praticamente se confunde com a primeira, haja vista que essa não faz distinção entre cláusulas obrigacionais e normativas e baseia sua teoria na incorporação levando em conta somente as cláusulas normativas. Em síntese, resumem a mesma idéia.
Por fim, a corrente da não incorporação das normas coletivas ressalta que a adesão das cláusulas traz um desestimulo à negociação coletiva, pois nenhum empregador vai querer a integração em contrato de trabalho de algo que será permanente e não poderá mais ser negociado.
3.6 Condições de validade das normas coletivas
Primeiramente, a norma coletiva deve ser escrita, sob pena de nulidade. Trata-se de ato formal e não meramente consensual, como ocorre com o contrato de trabalho. Não pode sofrer emendas ou rasuras e ser impressa em tantas vias quantas forem as partes convenentes, além de uma para registro na Delegacia do Ministério do Trabalho.
Para sua validade, é necessário também que haja publicidade da norma. Todavia, não é necessária a sua homologação, bastando o depósito de uma via para registro e arquivo na Delegacia do Trabalho. Assim, a norma coletiva entra em vigor em três dias a contar da data da entrega na Delegacia.
Além disso, cópias autênticas da norma coletiva devem ser afixadas nas sedes dos sindicatos e nas empresas, em 5 dias após o depósito de uma das vias na Delegacia do Trabalho.
O prazo máximo de validade da Convenção ou Acordo Coletivo é de dois anos, conforme o § 3º do art. 614 da CLT. Na prática, porém, tem sido fixado no prazo de um ano.
Deve, ainda, a norma coletiva ser precedida de assembléia geral no sindicato, que será especialmente convocada para esse fim. O quorum é de 2/3 dos associados, se for caso de Convenção, e dos interessados, se for caso de Acordo. Na segunda convocação, deverá haver 1/3 dos membros.
A prorrogação, revisão, denúncia ou revogação de norma coletiva dependerá de aprovação em assembléia geral, conforme o art. 615 da CLT. Ressalte-se, entretanto, que o ato de denúncia, consistente na notificação por parte de um contratante à outra para evitar a prorrogação automática da norma coletiva finda, não ocorre em nossa legislação, pois a lei exige que a norma seja por prazo determinado.
Por fim, o Acordo ou Convenção Coletiva não pode limitar os direitos indisponíveis dos trabalhadores, sob pena de nulidade.
3.7 Descumprimento das normas coletivas
Em nossa legislação, é atribuído efeito normativo ao Acordo e à Convenção Coletiva, tendo, portanto, efeito erga omnes, não se restringindo aos sócios dos sindicatos.
O art. 613, VIII, da CLT determinou as penalidades aplicáveis ao descumprimento às normas coletivas, que podem ir desde multa ao empregador, sindicato ou trabalhador, até mesmo a suspensão dos direitos sindicais.
Se houver celebração de contrato de trabalho contrário às disposições de Convenção ou Acordo Coletivo, aos infringentes poderá ser aplicada multa. Irá se beneficiar da multa a parte que puder imputar a infração à outra. No entanto, há necessidade de prévia fixação dessa multa no convênio violado.
O art. 444 da CLT estabelece que as partes podem convencionar tudo o que não contravenha o direito mínimo estabelecido em lei, norma coletiva e sentença normativa. Assim a determinação do contrato de trabalho que contrarie cláusula de Convenção ou Acordo Coletivo, será nula, conforme art. 619 da CLT.
Normalmente, o empregado não descumpre norma convencional, a não ser que seja por necessidade. Por outro lado, o empregador, geralmente, procede com dolo, visando o não pagamento de salários ou vantagens concedidas. Atenta a isso, a CLT, no parágrafo único do art. 622, estipula que a multa que for imposta ao empregado não pode exceder da metade daquela que seja estipulada para a empresa.
3.8 Superveniência de convenção ou acordo coletivo sob a vigência de sentença normativa
Havendo sentença normativa em vigência e sendo criadas novas determinações sobre as condições de trabalho em Acordo ou Convenção Coletiva, estabelece-se uma espécie de conflito aparente de normas que se resolve conforme segue.
As normas coletivas são inferiores hierarquicamente à lei e a Constituição. Entre as normas coletivas, todas têm a mesma hierarquia, sendo que a diferença está apenas na fonte de produção.
Toda sentença normativa tem vigência até que outra norma coletiva de mesma abrangência a modifique ou revogue, aplicando-se, analogicamente, o art. 2º da Lei de Introdução do Código Civil.
A eficácia da sentença normativa é limitada no tempo: até que seja substituída por outra norma coletiva ou pelo decurso do prazo.
Logo, é possível haver a modificação das condições de trabalho por meio de Acordo ou Convenção Coletiva posterior a Dissídio Coletivo em vigor.
Contudo, o Acordo ou Convenção Coletiva não vão retroagir à data de vigência do Dissídio Coletivo, mas vão ter validade a partir da data em que foram pactuados, sendo que no período anterior vale o Dissídio.
Além disso, pelo princípio da especialização, o Acordo Coletivo deve ser observado se superveniente ao dissídio coletivo por conter normas específicas, que levam em conta condições particulares de cada empresa.
Em síntese, o Acordo ou Convenção Coletiva superveniente ao dissídio coletivo deve prevalecer sobre este último, por ser norma específica, além de privilegiar o sistema de autocomposição onde há concessões recíprocas, em detrimento à solução dos conflitos pelo Poder Judiciário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto, chegamos às seguintes constatações, com as quais encerramos o presente trabalho.
A autonomia privada coletiva não se confunde com a negociação coletiva. Pelo contrário, são totalmente distintos, sendo a última conseqüência e manifestação concreta da autonomia privada, enquanto que essa é o poder social dos representados autoregularem seus interesses gerais, desde que não haja infringência da lei.
Quanto às funções da negociação coletiva, foi evidenciado que além da precípua função jurídica, de estabelecer normas e obrigações entre as partes envolvidas, há ainda as funções políticas e a social, equivalentes em importância á primeira, mas que não se visualiza com freqüência nas relações coletivas de trabalho.
No que tange às cláusulas das normas coletivas, há duas espécies, as obrigacionais e as normativas. As cláusulas obrigacionais são aquelas que criam direitos e deveres entre as partes que participaram da negociação. Por outro lado, as cláusulas normativas são as regras que tratam sobre as condições de trabalho que irão reger as relações individuais de trabalho. Deve ser frisado, também, que a parte normativa se aplica a toda a categoria – efeito erga omnes -, enquanto a parte obrigacional apenas se aplica aos envolvidos na Convenção ou Acordo Coletivo.
Por fim, a discussão sobre a possibilidade da incorporação das cláusulas normativas nos contratos de trabalho traz dois entendimentos distintos, sendo prevalente aquele que estabelece que as cláusulas dispostas nas normas coletivas se aplicam aos contratos individuais de trabalho apenas durante a sua vigência, ou seja, a vantagem concedida pelo instrumento coletivo não se incorpora no contrato de trabalho após a sua supressão da Convenção ou Acordo Coletivo.
REFERÊNCIAS
1 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Nelson Mannrich. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
2 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
3 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
4 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 37. ed. São Paulo: LTr, 2012.
5 SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2000, v. 1 e 2.
6 ZIMMERMANN NETO, Carlos F.. Direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
Procurador Federal. Subprocurador-Geral do INSS. Especialista em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Especialista em Direito Público pela UNIDERP. Bacharel em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASSEPP, Alexandre Azambuja. Negociação coletiva e os instrumentos normativos negociados: acordo coletivo e convenção coletiva de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 mar 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34435/negociacao-coletiva-e-os-instrumentos-normativos-negociados-acordo-coletivo-e-convencao-coletiva-de-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Maria D'Ajuda Pereira dos Santos
Por: Amanda Suellen de Oliveira
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