A Constituição Federal e a Lei 8.666/93 estabelecem, como regra, a obrigatoriedade de licitar para a contratação de obras, serviços, compras, alienações, entre outras atividades. A regra alcança a Administração Pública direta, as autarquias, fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as entidades controladas pelos entes federados. Quanto à administração indireta e paraestatal, a questão é controvertida, conforme se demonstrará a seguir.
Nessa linha, o art. 119 da Lei 8.666/93 prevê que as entidades editarão regulamentos próprios, devidamente publicados e aprovados pela autoridade de nível superior a que forem vinculados, sujeitos, no entanto, à lei.
Com a nova redação dada ao art. 22, inciso XXVII, e ao art. 173, §1º, III, da CF pela EC 19/98, abriu-se a possibilidade de estabelecer procedimentos diferenciados para a administração direta, autárquica e fundacional e outro para as empresas públicas e sociedades de economia mista. A doutrina majoritária entende, todavia, que a regra desse último dispositivo não é auto-aplicável, dependendo de lei regulamentar. Como essa lei não foi editada até hoje, as empresas públicas e as sociedades de economia mista devem seguir a Lei 8.666/93.
Por isso, na condição de sociedade de economia mista, a Petrobrás, em tese, deveria se submeter às regras da Lei 8.666/93. Todavia, em virtude do disposto no art. 67 da Lei 9.478/97, foi editado o Decreto Presidencial n.º 2.745/98, através do qual foi aprovado o “Regulamento Licitatório Simplificado da PETROBRÁS”, conferindo a ela a possibilidade de promover licitações simplificadas.
Em que pese o Tribunal de Contas da União considere inconstitucional esse Decreto (por exemplo, Acórdãos TCU n.º 1312/2007, 920/2007 e Nº 2385/2006), o Supremo Tribunal Federal tem referendado a adoção do procedimento licitatório simplificado. A Ministra Ellen Gracie, ao apreciar o pedido liminar no MS n.º 26.808, suspendeu a execução de decisões do TCU que declaravam inconstitucional a aplicação do procedimento previsto no Decreto e determinavam a adoção da Lei 8.666/93.
A corrente que defende a constitucionalidade do Decreto sustenta que o procedimento simplificado visa atender a dinâmica do mercado de petróleo, um ambiente de livre competição com outras empresas e regido em função das condições do mercado; por isso, entende que o sistema de licitação da Lei 8.666/93 é incompatível com o contexto em que a empresa se insere, bem como com o princípio constitucional da eficiência. A propósito, na decisão liminar, a Ministra citou precedentes da Corte no sentido de que não cabe ao TCU declarar a inconstitucionalidade do Decreto 2.745/98, assim como não pode a Corte de Contas exigir o cumprimento da Lei n.º 8.666/93, sob pena de afronta ao princípio da legalidade e do regime de exploração econômica do petróleo, previsto no art. 177 da CF.
Em que pese seja o entendimento da Corte Suprema, a aplicabilidade do Decreto enfrenta severas críticas da doutrina, como a de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Sabendo-se, como se sabe, que a legislação de licitação é instrumento prestante para coibir favoritismos e corrupção nas licitações, em benefício de uma escolha respeitosa da isonomia e preordenada a obter o melhor negócio para o contratante governamental, entregar a disciplina delas ao próprio Poder Executivo ou às entidades que as vão realizar, como previsto tanto na lei da ANATEL, quanto na da ANP, é praticamente escancarar as portas para que sejam reguladas em termos propiciatórios de tudo aquilo a que se quer obstar e é, em suma, contravir a própria razão do art. 37, XXI, da Constituição Federal, o qual, desenganadamente, pressupõe lei, e não atos administrativos regentes de licitação. Tais disposições são, pois, manifestamente inconstitucionais.[1]
Feitas essa considerações peculiares em relação à Petrobrás, cabe a situação dos conselhos de classe quanto à submissão ao procedimento licitatório.
Segundo Lucas Rocha Furtado, os conselhos de classe deverão obedecer aos ditames da Lei n.º 8.666/93: “Devem igualmente observar os parâmetros da Lei nº 8.666/93 os conselhos responsáveis pela fiscalização das profissões regulamentadas em função de sua natureza autárquica.” [2]. Ou seja, essas entidades estão obrigadas a observar as normas de direito administrativo relativas às licitações. Essa obrigação decorre de decisões emanadas do TCU, ratificadas em julgamentos do STF (MS 21.797-RJ, Min. Carlos Velloso, 09/03/2000).
Excepciona-se, todavia, a OAB, em virtude do entendimento formado pelo STF na apreciação da ADI n.º 3026/DF (STF, Min. Eros Grau, DJ 29/09/2006). Nessa ação, o Supremo apreciou a constitucionalidade do art. 79, §1º, Lei 8.906/94, definindo que a OAB é entidade autônoma e independente, prestadora de serviço público, não sujeita às regras do art. 37 da CF, nem ao controle e vinculação à Administração Pública. A decisão, todavia, enfrenta duras críticas da doutrina, pois, segundo Di Pietro:
(...) criou uma fórmula mágica para subtrair a OAB do alcance das normas constitucionais pertinentes à Administração Pública indireta, quando essas normas imponham ônus ou restrições, sem, no entanto, retirar-lhe os privilégios próprios das demais pessoas jurídicas de direito público.[3]
Já as Organizações Sociais (OSs) e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) têm tratamento semelhante quanto à obrigatoriedade de licitar. Nos Acórdãos 353/2005 e 1777/2005, ambos do Plenário, o Tribunal de Contas da União definiu que essas entidades, mantidas com recursos públicos, estão obrigadas a licitar quando ajustam contratos de execução com terceiros.
No âmbito federal, o Decreto n.º 5.504/2005 determina que os instrumentos de convênios que envolvam repasse de recursos da União contenham cláusula a fim de que as obras, compras, serviços e alienações com essas verbas sejam contratados mediante processo de licitação. O mesmo Decreto dispõe que para aquisição de bens e serviços comuns, será obrigatória a utilização da modalidade do Pregão, preferencialmente na forma eletrônica, nos termos da Lei n.º 10.520/2002 e do Decreto n.º 5450/2005. Esse último Decreto, por sua vez, prevê que se submetem às suas regras “as entidades qualificadas como Organizações Sociais, na forma da Lei n.º 9.637, de 15 de maio de 1998, e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, na forma da Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, relativamente aos recursos por elas administrados oriundos de repasses da União, em face dos respectivos contratos de gestão ou termos de parceria”.
Logo, há obrigatoriedade das Organizações Sociais e das OSCIPs, que recebem recursos federais, realizarem licitação em virtude da cláusula contida no convênio, termo de parceria ou outro instrumento firmado, e não em razão da aplicação imediata da Lei 8.666/93 ou do Decreto n.º 5.504/2005. Nessa linha, o entendimento de Lucas Furtado: “(...) a obrigação do parceiro privado de realizar a licitação, preferencialmente na modalidade de pregão eletrônico, é de natureza contratual.” [4]
Feitas essas considerações, conclui-se que a Petrobrás está sujeita a procedimento licitatório simplificado previsto no Decreto 2.745/98; os conselhos de classe, com exceção da OAB, obedecem à lei geral de licitações, em razão da sua natureza autárquica, assim como as Organizações Sociais e as OSCIPs, com a ressalva de que a obrigatoriedade dessas entidades licitar ocorre quando o recurso for repassado pela União, em decorrência de cláusula que compulsoriamente deverá integrar o instrumento firmado com a Administração Federal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2009, 864 p.
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes. Contratação direta sem licitação. 7.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008, 770 p.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009, 730 p.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2009, 1102 p.
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 178.
[2] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 27.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 432.
[4] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 26.
Procurador Federal. Subprocurador-Geral do INSS. Especialista em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Especialista em Direito Público pela UNIDERP. Bacharel em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASSEPP, Alexandre Azambuja. O dever de licitar das entidades paraestatais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 abr 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34458/o-dever-de-licitar-das-entidades-paraestatais. Acesso em: 23 dez 2024.
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