I. Considerações iniciais
Com base na ideia de descentralização administrativa surgiu o que Hely Lopes Meirelles classificou como descongestionamento administrativo e, como subespécie dele, a atuação administrativa mediante execução indireta[1].
A execução indireta das obras e serviços da Administração, mediante contratos com particulares, pessoas físicas ou jurídicas, tem por finalidade aliviá-la das tarefas executivas, garantindo, assim, a melhor realização das suas atividades específicas (planejamento, coordenação, supervisão e controle), bem como evitar o desmensurado crescimento da máquina administrativa.[2]
No plano ideal, o particular participa da licitação, assina o contrato e presta o serviço à Administração Pública. No plano prático, contudo, após regular processo administrativo, é extremamente comum a Administração Pública aplicar e executar medidas punitivas contra o particular.
No intuito de garantir que essas medidas punitivas não sejam exageradas e desproporcionais, a lei garante ao particular o direito de, a qualquer tempo, apresentar pedido de revisão administrativa. Esse é o tema deste ensaio.
II. Pedido de revisão administrativa
A Lei nº 8.666/93 regulou o processo administrativo sancionador aplicável aos contratos administrativos de forma que ele tivesse começo e fim. No tópico anterior, desenvolveu-se a possibilidade de eventual ilegalidade ser discutida com o manejo de petição ao poder público. Nesse momento será abordado o pedido de revisão administrativa da sanção aplicada.
A previsão legal da revisão administrativa da penalidade foi realizada pelo art. 65 da Lei nº 9.784/99, que assim dispõe:
Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.
Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção.
Extrai-se desse dispositivo a seguinte regra: desde que surjam fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada (condição), ela poderá ser revisada (conseqüência). Gize-se que não basta o surgimento de fatos novos ou circunstâncias relevantes. É imprescindível que sejam “suscetíveis de justificar a inadequação na sanção aplicada”. A palavra-chave é inadequação.
Nesse campo, ainda que não se concorde com definição desse instrumento como recurso, é relevante a lição de José dos Santos Carvalho Filho:
Quando a lei se referiu a inadequação da sanção teve em mira admitir dois modos de interpretação: 1º) não deveria ter sido aplicada sanção (embora o tenha sido); 2º) a sanção deveria ter sido aplicada com graduação mais leve.
Na primeira dessas hipóteses, o recurso de revisão, sendo julgado procedente, induz a conclusão de que nenhuma sanção deveria ter sido aplicada, e isso em virtude da comprovação de que inocorreu infração ou ilícito administrativo que pudesse servir como fato gerador da punição. (...)
A segunda indica que o fato gerador da punição ocorreu, mas dele emanaria sanção mais leve do que a aplicada anteriormente.[3]
O referido autor prossegue destacando a possibilidade, quiçá o dever, de se aplicar o princípio da proporcionalidade:
Trata-se aqui de campo fértil para a aplicação do princípio da proporcionalidade, no qual, entre seus pressupostos, avulta aquele que impõe que a pena não seja tão grave quanto o exige a conduta, vale dizer, é vedado que os meios sejam desproporcionais aos fins administrativos. Se determinada conduta exige certa sanção, e outra mais grave é aplicada, o gravame sofrido pelo punido não guarda correlação com o objetivo punitivo da lei. Há, portanto, aqui também hipótese de inadequação punitiva.[4]
A hipótese de impugnação à penalidade aplicada com o manejo de pedido de revisão administrativa pressupõe, então, a tramitação de regular processo administrativo sancionador - caso contrário deve-se utilizar o direito de petição - e o surgimento de fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada. Dessa forma, deve ser dirigido à autoridade que, por último, realizou julgamento (normalmente aquela que conheceu o recurso).
Imperioso anotar que a ideia de fato novo não se limita a fato ocorrido após a decisão administrativa sancionadora. Com efeito, à expressão fato novo deve ser atribuído o mesmo significado de documento novo para fins de ajuizamento da ação rescisória, abarcando, também, o documento que, embora existente antes do julgamento administrativo, não pôde ser utilizado por circunstâncias alheias à vontade daquele que, no pedido de revisão, pretende a sua análise[5].
A expressão circunstância relevante, por sua vez, enquadra-se na doutrina dos conceitos jurídicos indeterminados, entendidos como aqueles “cujos termos são ambíguos ou imprecisos - especialmente imprecisos -, razão pela qual necessitam ser completados por quem os aplique”[6]. A definição de circunstância relevante dependerá, então, da interpretação no caso concreto, tanto do requerente como da autoridade que irá conhecer o pedido de revisão.
Para facilitar a compreensão e evitar uma lacuna conceitual, ilustra-se a hipótese com um caso concreto. Discute-se, atualmente, o alcance da penalidade de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos, prevista no art. 87, inciso III, da Lei nº 8.666/93.
Até março de 2011, poder-se-ia considerar remansosa a interpretação de que a referida penalidade limitava-se ao órgão que a aplicou. Significava dizer que, no caso de a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) aplicar a pena de suspensão temporária a determinado particular, este estaria suspenso de licitar e impedido de contratar unicamente com a ANAC, mas poderia fazê-lo com os demais órgãos públicos. Esse posicionamento era adotado uniformemente pelo Tribunal de Contas da União (TCU) nas decisões do Plenário (Acórdão nº 835/2005), Primeira e Segunda Câmaras (Acórdãos nº 1.727/2006 e nº 3.858/2009, respectivamente).
Adveio, porém, um clima de insegurança jurídica quando a Primeira Câmara do TCU, no Acórdão n.º 2.218/2011, de 12/04/2011, estendeu o alcance da penalidade de suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar a toda a Administração Pública, direta e indireta. Diante desse panorama nebuloso, os gestores, receosos de responsabilização pelos tribunais de contas, adotaram a posição mais rígida. Essa alteração de posicionamento da Corte de Contas é um exemplo de circunstância relevante suscetível de justificar a inadequação da sanção aplicada, pois um gestor que aplicou a penalidade do art. 87, III, da Lei nº 8.666/93, enquanto vigorava a posição interpretativa mais branda, pretendia impedir o particular de contratar apenas com o seu órgão, ao passo que a mudança da orientação jurisprudencial passou a impedi-lo de licitar com toda a Administração Pública, nas três esferas governamentais.
Por fim, importante registrar que o manejo do pedido de revisão administrativa mostra-se seguro, pois o parágrafo único do art. 65 da Lei nº 9.784/99 prevê expressamente que “da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção”.
III. Considerações finais
De todo o exposto, mostra-se relevante destacar que a lei não abandou o particular após o encerramento do processo administrativo que aplicou a penalidade contratual. O legislador manteve-se atento à possibilidade de a sanção contratual tornar-se mais grave em razão de acontecimentos posteriores à sua aplicação, cabendo ao interessado utilizar essa importante ferramenta sempre que julgar necessário.
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 738.
[2] Ibidem, p. 739.
[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal: Comentários à Lei nº 9.784 de 29/1/1999. 4.ed.rev.ampl.atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 335.
[4] Ibidem, p. 335.
[5] GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 409.
[6] GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, 2003, apud MAFFINI, Rafael. Direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 74.
Procurador Federal. Chefe da Divisão de Patrimônio Imobiliário e Coordenador-Geral de Matéria Administrativa Substituto da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, Direção Central em Brasília/DF. Especialista em Direito Público pela Universidade Potiguar (UnP). Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito - pela Universidade de Passo Fundo, RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JARDIM, Rodrigo Guimarães. O pedido de revisão de penalidade contratual decorrente de processo administrativo punitivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 abr 2013, 08:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34472/o-pedido-de-revisao-de-penalidade-contratual-decorrente-de-processo-administrativo-punitivo. Acesso em: 23 dez 2024.
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