O nosso povo aguarda com ansiedade a elaboração de um novo Código Penal Brasileiro em substituição ao atual que, datado em uma época de quando os telefones eram acionados por manivelas e dependiam de uma atendente para que a ligação se completasse, já não atende com a necessária adequação e eficácia teleológica as expectativas geradas pela complexidade da realidade hodierna, notadamente no âmbito criminológico. A obsolescência de tal ferramenta jurídica ainda em uso é algo natural dado que a mesma foi criada para atender as demandas de uma realidade outrora pertinente, mas que atualmente não tem nenhum link com a que temos de encarar nos dias correntes. Surge agora uma oportunidade de se fazer algo em prol da sociedade com reflexos positivos para o exercício da cidadania de todas as pessoas de bem. http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.36044
A nação brasileira já exaurida em sua paciência por ser costumeiramente agredida em sua sensibilidade moral quando reportada, pelas mídias noticiosas, a crimes de extrema crueldade e covardia, com desfechos jurisdicionais posteriores beirando o escárnio, numa sinalização mais desumana ainda da desvalorização da vida que anima o cidadão inocente, honesto e justo, não suporta mais continuar a assistir esse filme de horror que conspira contra a fé na possibilidade de justiça e contra todos os valores que nos dignificam. Não se pode continuar minimizando a gravidade de ocorrências criminais do porte da que está se tornando freqüente, como seja, em semelhança, da do filho ou da filha que pretextando apossar-se da herança dos pais planeja assassiná-los e o faz a tiros ou a golpes de barras de canos com eles dormindo ou à socapa de surpresa. Depois de tudo, corrido o julgamento e levando em conta todos os benefícios que o conjunto de nossas leis disponibiliza ao parricida, da progressão de pena dentre outros, resulta o cumprimento da pena restritiva de liberdade em torno de três a cinco anos de cadeia sendo parte dela no semiaberto.
Há uma corrente de juristas que canta loas ao nosso ordenamento jurídico especialmente quanto a esta disposição do mesmo em propiciar uma punição nesse nível de brandura a elementos promotores de crimes que, pela extremada hediondez, os descredenciam a uma possível dignidade humana. Querem a força de tecnicismos e de um discurso jurídico empolado, pejado das citações de entidades “sagradas” buscadas no olimpo, onde pululam mais vaidades que sabedorias e pretensamente consubstanciado, quanto a seus fundamentos legitimadores, em supostas verdades sociológicas, antropológicas, polêmicas e muito discutíveis, convencer o povo de que a abordagem jus institucional em que o significado de uma vida humana, futilmente suprimida, tem que expressar-se jurisdicionalmente nos termos da banalização mais aviltante como é mostrado pelos resultados culminados no ajuizamento de crimes que, em países sérios no trato da legislação, consumam em pena de morte ou prisão perpétua. Basta! Não dá mais para continuar assim!
A oportunidade que se nos depara com o anteprojeto de reforma do Código Penal tramitando no Senado acontece já com muito atraso que nos tem custado um preço alto decorrente da impunidade reinante em nosso país. Uma vez chegada à ocasião devemos congratular-nos dado o ensejo de reformatar a lógica legislatória que nos organizará socialmente para o futuro próximo. O momento é também de muita preocupação porque se esta oportunidade for mal aproveitada e as mudanças imprescindíveis que possam mudar esse quadro anômico, que tanto angustia o nosso povo, não acontecerem então, outra oportunidade só virá a acontecer, quem sabe, daqui a cem anos.
Os aviamentos para a realização de tal tento poderiam estar sendo mais bem conduzidos. Várias perguntas de cujas respostas o mote orientador de tal empreendimento seria extraído, com certeza, são as seguintes: a reforma do código penal brasileiro deverá beneficiar a quem? Dito de outra forma: o caráter a ser impresso por ocasião da reforma do Código Penal deve estar condicionado a quais interesses? Na seqüência, uma segunda pergunta: que perfil de agente funcional teria legitimidade representativa para tocar os interesses da entidade alvo do empreendimento a ser realizado? A partir da definição de tais questões então iria se constituir a comissão encarregada da elaboração do anteprojeto. Ora, o futuro Código Penal terá que necessariamente beneficiar a sociedade brasileira, por conseguinte é a interesse dela que o referido código deve conformar-se.
Os agentes de categorias funcionais mais pertinentes que encarnam o perfil para representá-la em seus interesses mais prementes são aqueles que exercem cargos públicos cujos proventos remuneratórios são emanados da receita orçamentária do Estado que é suprida pelo cidadão contribuinte. Neste perfil estão incluídos principalmente os promotores de justiça, os juízes, os desembargadores, os procuradores de justiça, todos nas esferas federal, estadual e municipal. A comissão que foi instituída é formada majoritariamente por advogados da iniciativa privada de militância laboral exercida em função de uma específica clientela que percentualmente no universo geral da sociedade compreende uma cifra diminuta, por conseguinte, em termos relativos, sem uma representatividade que justifique uma influência majoritária representando-a no propósito de definir a configuração do novo Código. Em que pese todo o respeito de que é merecedor o profissional operador da lei, no âmbito dos interesses privados, a dignidade de que se reveste o seu trabalho, a importância inquestionável e fundamental da sua atuação na arquitetura da disposição do Estado Democrático e de Direito, a grandeza do significado que encerra a sua atividade laboral, não podemos ignorar que o comprometimento que o liga ao universo que circunscreve toda uma gama de interesses na esfera particular e obedece a uma dinâmica diversa da observada no âmbito do interesse público, conflita com o que a sociedade deseja referente às mudanças a serem propostas no atual Código.
O compromisso do advogado no exercício de sua profissão é com o seu cliente, até mesmo por um imperativo ético, uma vez que ambos estão ligados por uma relação de caráter negocioso de extrema confiança em que uma parte se dispõe a fazer o que for necessário para que a outra seja contemplada com o melhor resultado possível. Convenhamos que o sucesso no âmbito dessa circunstância comumente, na maioria dos casos, frustra, inflige sofrimento difuso na sociedade, sobretudo, com muita intensidade, aos familiares das vítimas que, além do dano irreparável como estigma a atormentá-los pelo resto de suas vidas, amargam uma humilhação desonrosa pela forma como é banalizada a dor que carregam, expressa nas sentenças prolatadas consoante as nossas leis. Então é claro que uma comissão formada quase que só de advogados já estabelece um vício que compromete a sua imparcialidade e define inadequadamente, de forma injusta, a tendência que tomará no trato dos interesses a serem considerados. O advogado quando contempla a idealidade do que deveria vir a ser um Código Penal reformado não consegue abstrair-se das referências no que tange a papeis sociais, valores e ética profissional, todas inscritas num campo restrito de consideração, por força tanto da inércia do seu hábito intelectual como do natural sentimento corporativo que abraça tudo que venha favorecer a um proveitoso mercado de serviços no qual os seus préstimos possam ser oferecidos com todas as vantagens possíveis a sua clientela. Então, no mínimo, essa condição gera uma suspeição de caráter ideológico sobre quem quer que venha representar a sociedade no lato senso. A rigor, entendo que deveria ser constituída outra comissão mais heterogênea integrada preponderantemente de promotores de justiça, juízes, desembargadores, procuradores de justiça, nas esferas federal, estadual e municipal, além de outros agentes públicos que representam a sociedade por que trabalham no Estado por ela e para ela por força do próprio cargo de que se investem. Poderiam ser incluídas também pessoas de outras formações acadêmicas representando os mais diversos setores organizados da sociedade. A inclusão de um advogado militante do setor privado compondo a comissão já seria o suficiente para que o caráter democrático da iniciativa não ficasse comprometido. Nestes termos seria uma comissão mais legítima.
O que me causa muita espécie em algumas disposições legislatórias proposta no novo Código Penal é a incoerência de espírito que entremeia o espectro valorativo de fundo que deveria conferir unidade deontológica ao animus legis. É de estarrecer que a punição prevista para os crimes contra vida perpetrados aos animais tenha precedência numa escala de importância aos mesmos cometidos aos seres humanos. Realizar uma rinha de galo, por exemplo, geraria uma pena com até doze anos de prisão, em comparação com a pena de homicídio culposo que levaria o autor a ficar preso durante quatro anos. Eu diria que até mesmo o homicídio doloso, em termos relativos, considerando a artimanha ensejada pelos benefícios previstos no mesmo Código, em que a pena na prática pode ficar entre três a cinco anos de cadeia, está em espantosa desvantagem em relação aos crimes contra os animais irracionais. Confesso que quando andando por aí cruzo, ocasionalmente, com um cachorro vira-lata sinto-me tomado de certo despeito por pertencer a uma espécie não tão valorizada, pelos juristas reformadores, quanto às demais existentes. Eu até concordaria com essa consideração valorativa referente aos animais irracionais se o código previsse prisão perpétua ou pena de morte para os homicídios dolosos com todas as qualificações e agravantes. Mas se os juristas encarregados do referido anteprojeto não se dispuseram nem a aumentar, pelo menos, de trinta para sessenta anos, o tempo máximo de reclusão a ser cumprido, então o nosso otimismo nas mudanças esperadas fica seriamente abalado. Aliás, entendo que a mudança exatamente neste ponto, por uma questão de respeito à sociedade que financia todo o aparato estatal e não aceita mais sujeitar-se a essa situação de anomia que eterniza uma dinâmica de impunidade com o consequente aumento exponencial da violência urbana, tenha que ser uma exigência central inegociável. É o que esperamos dos nossos senadores quando procederem às alterações imprescindíveis no anteprojeto.
Constitui-se um fenômeno universal o fascínio que os psicopatas serial killers exercem sobre uma legião considerável de pessoas, promovendo sobre as mesmas uma empatia que se expressa nas formas mais bizarras culminadas por propostas de casamento lhes endereçadas por cartas enviadas de mulheres arrebatadoramente apaixonadas por eles. Não há ainda estudos científicos conclusivos sobre fenômenos dessa natureza que venham pôr uma luz reveladora sobre o que realmente acontece quando pessoas, de ambos os gêneros, aparentemente normais, se identificam com tais monstruosidades a ponto de defendê-las de forma aguerrida, dispondo-se a qualquer investida, mesmo moralmente abjeta, e sujeitando-se até mesmo a execração pública para livrá-los do devido e justo fim que a consciência saudável preceitua. O fato é que muitas pessoas possivelmente com este tipo de desarranjo neuro psíquico, atuantes nos mais diversos setores sociais de trabalho, acabam por exercerem, com potencial considerável de eficácia, influência na determinação da forma institucional com que se devem conduzir as questões criminológicas. É preciso entender que ser redentor com uma abordagem desmedidamente “generosa”, “bondosa”, “magnânima”, “misericordiosa” no trato institucional com elementos de constatável periculosidade, psicopatas, - os sanguinários – implica ser carrasco implacável de todos os inocentes que constituem a sociedade, futuras vítimas dessas bestas assassinas. É uma equação simples. Não dá para redimir todos, psicopatas – os sanguinários - e cidadãos inocentes.
Albert Einstein por ocasião de uma de suas manifestações de pensamento expressou a seguinte constatação: o que nos causa mais desolação, neste mundo perigoso e infernal em que vivemos, não é a crueldade dos maus e sim a indiferença dos bons expressa em seu silêncio. Na oportunidade da reforma do nosso Código Penal, que está em processo e deveria ser sucedida também da reforma do retrógrado Código Processual Penal, todos nós brasileiros devemos nos empenhar sobremaneira, através principalmente das redes sociais de comunicação, para pressionar os nossos legisladores no Congresso Nacional com vista à efetivação de mudanças realmente consequentes que possam dar cobro a essa cultura de banalização a respeito da vida humana assim como conter a disposição inercial da violência que insiste em compor nosso ambiente urbano. É imperativo que viremos a página do cinismo e da hipocrisia institucionalizada e refaçamos com seriedade uma estrutura jurisdicional que possibilite aos nossos magistrados o nobre afã de promoverem uma justiça institucional digna do respeito e admiração de toda a sociedade, o que na atual circunstância isto fica prejudicado em razão deles se encontrarem reféns de um ordenamento jurídico ultrapassado e não voltado a proteger o cidadão mas a pegar leve com o transgressor ou o bandido. O que não pode deixar de ser alterado para o Código que a sociedade aguarda a exemplo de um náufrago em alto mar que aspira alcançar uma balsa salva-vidas são as seguintes questões pontuais: a) Redução da maioridade penal de 18 para 14 anos como ocorre em países de primeiro mundo em que o rigor na aplicação da lei condiciona-se às circunstâncias em que o delito ocorreu juntamente com a gravidade do mesmo especialmente se for crime contra a vida; b) abolição do regime de progressão de pena para os crimes contra a vida humana, tipificados como hediondo; c) tempo máximo de reclusão permitido por lei de 30 para 60 anos. Se acontecer ao menos essas alterações a reforma do Código terá se justificado. http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-buraco-negro-do-relativismo,42124.html
Profº de Filosofia c/ Pós-Graduação em Filosofia da Ciência e da Linguagem. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, José da Silva. A reforma do Código Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 abr 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34479/a-reforma-do-codigo-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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