Introdução
O presente trabalho tem por objetivo analisar o disposto no artigo 40, § 4º, III, da Constituição Federal, que autoriza a concessão de aposentadoria especial a servidores públicos que, nos termos definidos em lei complementar, exerçam atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
Analisar-se-á, ainda, em linhas gerais, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, mormente se, no referido comando constitucional, estaria incluído o direito à contagem diferenciada e averbação de tempo de serviço prestado em condições especiais por servidores públicos.
Do reconhecimento do direito à aposentadoria especial dos servidores públicos
São dois os regimes de previdência hoje previstos na Constituição Federal, os quais, embora apresentem pontos de convergência em alguns aspectos, com vistas à obtenção da maior uniformidade possível, tem fisionomia e destinatários próprios.
O primeiro – denominado regime geral da previdência social – tem a disciplina prevista nos artigos 201 e 202 da Constituição Federal, sendo aplicáveis aos trabalhadores em geral, pertencentes, em regra, à iniciativa privada e regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. O segundo – regime próprio de previdência social dos servidores públicos – se encontra no artigo 40 e parágrafos da Constituição Federal, destinando-se especificamente aos servidores públicos efetivos, regidos pelos respectivos estatutos funcionais[1].
No âmbito do regime próprio de previdência social dos servidores públicos, o § 4º, inciso III, do artigo 40 da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional n. 47/2005, estabelece o seguinte:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 4º. É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
I - portadores de deficiência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
II - que exerçam atividades de risco; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
III - cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) [original sem grifo]
Referido dispositivo, na medida em que condiciona o direito do servidor público (aposentadoria com adoção de requisitos e critérios diferenciados) à edição de lei complementar, consubstancia, de maneira inequívoca, norma constitucional de eficácia limitada.
Normas constitucionais de eficácia limitada, conforme clássica lição de José Afonso da Silva[2], são aquelas que, de imediato, no momento em que a Constituição é promulgada, não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional[3].
Ocorre que, até os dias atuais, não houve a edição da lei complementar mencionada no dispositivo constitucional em comento.
Diante da omissão do legislador infraconstitucional em editar a lei complementar viabilizadora do exercício, pelos servidores públicos, do direito à aposentadoria em atividade realizada sob condições especiais, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, na sessão de 30 de agosto de 2007, nos autos do Mandado de Injunção n. 721-7/DF, reconheceu a omissão legislativa e determinou a adoção do sistema do Regime Geral de Previdência Social, previsto no artigo 57 da Lei 8.213/91.
Vejamos a síntese do mencionado julgado:
MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada. MANDADO DE INJUNÇÃO - DECISÃO - BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA - TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR - ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral - artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91.
(MI 721, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 30/08/2007, DJe-152 DIVULG 29-11-2007 PUBLIC 30-11-2007 DJ 30-11-2007 PP-00029 EMENT VOL-02301-01 PP-00001 RTJ VOL-00203-01 PP-00011 RDDP n. 60, 2008, p. 134-142) [original sem grifo]
A título de contextualização, cumpre ressaltar que a decisão acima mencionada (MI 721-7/DF), de relatoria do Ministro Marco Aurélio, fora proferida poucos meses após a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca dos efeitos da decisão do mandado de injunção, quando, ao reconhecer a omissão do legislador no que concerne à regulamentação do direito de greve do servidor público, determinou a aplicação da Lei 7.783/89, que regulamenta o direito de greve na iniciativa privada, obviamente com algumas adequações (MI 670/ES, MI 708/DF e MI 712/PA).
Pelo caráter esclarecedor, colaciona-se excertos do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio[4]:
“Passados mais de quinze anos da vigência da carta, permanece-se com o direito latente, sem ter-se base para o exercício. Cumpre, então, acolher o pedido formulado, pacífica a situação da impetrante. Cabe ao Supremo, porque autorizado pela Carta da República a fazê-lo, estabelecer para o caso concreto e de forma temporária, até a vinda da lei complementar prevista, as balizas do exercício do direito assegurado constitucionalmente.
(...)
É tempo de se refletir sobre a timidez inicial do Supremo quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e harmonia entre os Poderes. É tempo de se perceber a frustração gerada pela postura inicial, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória do ato omissivo, resultando em algo que não interessa, em si, no tocante à prestação jurisdicional, tal como consta no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, ao cidadão. Impetra-se este mandado de injunção não para lograr-se simples certidão da omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes a nacionalidade, à soberania e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da Lei Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas consequências da inércia do legislador”. [original sem grifo]
Portanto, a partir do mencionado julgamento, o Supremo Tribunal Federal consolidou a sua jurisprudência, no sentido de assegurar, ante a ausência omissão legislativa, o direito do servidor público à obtenção da aposentadoria especial de que cogita do § 4º do artigo 40 da Constituição Federal, mediante adoção dos critérios preconizados no artigo 57 da Lei 8.213/91.
Surge, então, o seguinte questionamento: o entendimento consagrado pelo Supremo aplicar-se-ia às hipóteses em que o servidor público busca, não a concessão da aposentadoria especial, mas tão somente a contagem diferenciada e a respectiva averbação de tempo de serviço prestado em condições prejudiciais à saúde e à integridade física?
A questão da contagem diferenciada e a respectiva averbação de tempo de serviço prestado em condições prejudiciais à saúde e à integridade física
Por entender o direito à contagem diferenciada e a respectiva averbação de tempo de serviço prestado em condições prejudiciais à saúde e à integridade física – assim como o direito à própria aposentadoria especial – estariam abrangidas pelo comando contido no § 4º, III, do artigo 40 da Constituição Federal, fora questionada a omissão legislativa, perante o Supremo Tribunal Federal, por meio do Mandado de Injunção n. 2140/DF.
O Ministro Marco Aurélio, relator, entendendo que não haveria diferenciação entre as situações – concessão de aposentadoria especial e contagem diferenciada/averbação de tempo de serviço – reconheceu o direito do impetrante à contagem diferenciada de tempo de serviço prestado em condições insalubres, com observância do sistema do regime geral de previdência social.
Eis a síntese de seu entendimento[5]:
“dentre os critérios e requisitos especiais para a aposentadoria, estaria o direito à contagem diferenciada do tempo de serviço prestado em atividades que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Ponderou que, no tocante à aposentadoria especial, o Supremo tem limitado a eficácia das decisões proferidas em mandado de injunção, ao determinar que a Administração verifique o preenchimento, em concreto e de forma individual, dos requisitos para a inativação. Aduziu, ainda, que o entendimento firmado no julgamento do MI 795/DF (DJe de 22.5.2009) mostrar-se-ia linear, pois, durante o tempo em que não editada a lei reguladora do direito assegurado constitucionalmente, o critério a ser levado em conta seria, na integralidade, o da Lei 8.213/91. Assim, se os trabalhadores em geral podem ter considerado o tempo de serviço em atividade nociva à saúde, mediante conversão (Lei 8.213/91, art. 57, § 5º), não haveria justificativa para obstaculizar o tratamento igualitário aos servidores públicos enquanto não advier legislação específica”.
No entanto, tal entendimento não foi corroborado pelo Plenário do Supremo, que, por maioria, entendeu que não se extrai da norma contida no art. 40, § 4º, III, da Constituição Federal a existência de dever constitucional de legislar acerca do reconhecimento à contagem diferenciada e da averbação de tempo de serviço prestado por servidores públicos em condições prejudiciais à saúde e à integridade física. No caso, destacou-se que a jurisprudência da Corte limitar-se-ia à pronúncia do direito à aposentadoria especial dos servidores públicos[6].
Conclusão
Em conclusão, percebe-se que o Supremo Tribunal Federal, desde meados de 2007, possui entendimento consolidado no sentido de se assegurar aos servidores públicos o direito à obtenção de aposentadoria em atividade realizada sob condições especiais, prevista no § 4º, III, do artigo 40 da Constituição Federal, mediante aplicação, em virtude da omissão legislativa, da regras previstas na Lei 8.213/91.
Contudo, por entender que o referido preceito constitucional não assegura a contagem diferenciada do tempo de serviço prestado, bem como a conversão do período especial em tempo comum, a Suprema Corte entendeu inexistir dever de legislar neste particular.
Por consequência, a pretensão – de se ter garantida a contagem diferenciada do tempo de serviço e a conversão do período especial em período comum – mostrar-se-ia incompatível com a via do mandado de injunção, uma vez que o direito vindicado não estaria incluído no dispositivo constitucional.
Referências
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 583.
[2] SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 66.
[3] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 137.
[4] STF, MI 721/DF. Julgamento 30/08/2007. DJE n. 152, divulgado em 29.11.2007.
[5] STF. Informativo n. 633. Disponível em: <www.stf.jus.br> Acesso em: 03.04.2013.
[6] STF. Informativo n. 697. Disponível em: <www.stf.jus.br> Acesso em: 03.04.2013.
Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Oldack Alves da Silva. Servidor Público: direito à aposentadoria especial, mas não à contagem diferenciada de tempo de serviço prestado em condições especiais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 abr 2013, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34483/servidor-publico-direito-a-aposentadoria-especial-mas-nao-a-contagem-diferenciada-de-tempo-de-servico-prestado-em-condicoes-especiais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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