Resumo: Este trabalho trata da possibilidade de aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei 9.099/95 na esfera da Justiça Militar Estadual. Para elaboração do trabalho foi realizado uma análise sucinta da lei que regula os Juizados Especiais, bem como um breve estudo da instituição militar e da Justiça Militar. O foco da pesquisa é voltado para os policiais e bombeiros militares, sujeitos à aplicação do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar na esfera estadual. Neste sentido, foi preciso apresentar as opiniões de doutrinadores que defendem a compatibilidade da Lei 9.099/95 com a Justiça Militar Estadual, bem como as opiniões de doutrinadores consagrados que defendem a ilegalidade ou inconstitucionalidade da medida.
Palavras chave: Juizados Especiais Criminais – Justiça Militar Estadual – Despenalização de Condutas.
Abstract: This work deals with the possibility of application of despenalizadores institutes stipulated by law 9,099/95 in the sphere of Provincial military justice. For preparing the work has been done a brief analysis of the law which governs the Special Courts, as well as a brief study of the military institution and Military Justice. The focus of the research is focused on the military police and firefighters, subject to the application of the Military Penal Code and code of criminal procedure State Military sphere. In this sense, it was necessary to present the opinions of indoctrinators who defend the compatibility of law 9,099/95 with the State military justice as well as the opinions of indoctrinators consecrated persons who advocate the illegality or unconstitutionality of the measure.
Keywords: Criminal Justice Courts – Special Military State – Decriminalisation of pipelines.
Sumário: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I: CRIAÇÃO E COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. CAPITULO II: DOS INSTITUTOS DESPENALIZADORES PREVISTOS NA LEI 9.099/95. CAPÍTULO III: A JUSTIÇA MILITAR. CAPÌTULO IV: DO PODER JUDICIÁRIO. CAPÍTULO V: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL. CAPÍTULO VI: ESTRUTURA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL. CAPÍTULO VII: A LEI N. 9099/95 E A JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL. CONCLUSÃO. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.
INTRODUÇÃO
Segurança é por excelência, um direito subjetivo de cada pessoa e um dever jurídico/social do Estado Democrático de Direito, sendo legitimamente desejada por todos os setores sociais, que constitui condição fundamental da cidadania, obrigação constitucional do Estado e responsabilidade de cada um de nós.
A discussão sobre o papel da Polícia Militar – instrumento estadual especificamente voltado para a segurança pública – no gerenciamento da segurança, vem crescendo a cada ano.
Os policiais militares, responsáveis pela efetivação da segurança pública, ora gratificados com baixíssima remuneração, são pessoas normais como qualquer cidadão, possuindo família, sendo detentores de direitos e obrigações perante a sociedade.
Todavia, os integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militares, estão sujeitos a um regime jurídico penal diverso das demais pessoas. Cumpre dizer, que o Código Penal Militar é rigoroso ao extremo, com penas mais elevadas e com uma infinidade de crimes não previstos na legislação comum.
O objeto do presente estudo, refere-se à possibilidade da aplicação da Lei 9.099/95 no âmbito da Justiça Militar Estadual, principalmente no que tange aos institutos despenalizadores previstos em seu texto.
Deve-se ressaltar, que a lei reguladora dos Juizados Especiais Estaduais, contém em seu texto a previsão de não aplicação na Justiça Militar dos dispositivos previstos na Lei 9.099/95.
Todavia, antes de ser militar, tanto o policial quanto o bombeiro, são também cidadãos, dotados de direitos e deveres como todos, não devendo ser beneficiados ou penalizados pela sua condição de militar.
A possibilidade de aplicação da Lei 9.099/95 na Justiça Militar é muito discutida, sendo aceita e aplicada por alguns juízes, promotores e advogados que militam na área, como também vem sendo rechaçada por alguns operadores do Direito que entendem ser a Lei 9.099/95 inaplicável aos crimes previstos no Código Penal Militar por gritante afronta à legislação vigente.
Caso seja possível a aplicação dos dispositivos previstos na lei 9.099/95 nos crimes de competência da Justiça Militar, principalmente no que se refere aos benefícios despenalizadores previstos na Lei 9.099/95, tais como a transação penal e suspensão condicional do processo, verificar-se-á que o art. 90.A da referida lei, deve ser interpretado de forma relativa, devendo-se objetivar em quais casos os dispositivos previstos na lei dos Juizados Especiais serão aplicados na Justiça Militar.
Lado outro, não se vislumbrando a possibilidade dos benefícios previstos na Lei 9.099/95 no âmbito da Justiça Militar, notar-se-á que o art. 90.A da lei dos Juizados Especiais deve ser interpretado na sua literalidade, não se questionando a sua constitucionalidade ou aplicabilidade.
A presente pesquisa será desenvolvida a partir da técnica de pesquisa bibliográfica nos ramos do Direito Constitucional, Direito Penal, Direito Penal Militar, Processo Penal e Processo Penal Militar. O caráter explicativo mostrar-se-á presente durante toda a fundamentação do tema, assim como um eventual debate doutrinário.
A partir do enfoque da dogmática jurídica, será utilizada, inicialmente, uma pesquisa teórica que objetivará coletar, organizar e analisar informações provenientes de fontes jurídicas, tais como revistas especializadas e periódicos, dicionários jurídicos, artigos e internet, além dos meios e materiais mais convencionais utilizados como bibliografia (doutrina e obras teóricas), como também, buscar-se-á, entrevistas com juízes, promotores, servidores e advogados que oficiem ou atuem na Justiça Militar.
A pesquisa estender-se-á pela doutrina pátria, a legislação vigente, jurisprudências atuais e, essencialmente, pelos princípios constitucionais e penais. Tudo para demonstrar a aplicabilidade ou não dos institutos previstos na Lei 9.099/95 no âmbito da Justiça Militar Estadual.
CAPÍTULO I: CRIAÇÃO E COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS
É certo que o Código Penal e o Código de Processo Penal brasileiros contam com mais de meio século.
Nesse período, os valores sociais e as condutas reprováveis pela sociedade se transformaram, sendo necessária então, uma reforma ou atualização de leis processuais que se tornaram obsoletas e disfuncionais.
Nota-se também, o grande aumento das lides processuais, especialmente lides penais. Isto se deve, não só pelo aumento considerável da população, mas também ao alto grau de complexidade atingida pela sociedade moderna.
Desta forma, foi preciso criar um novo dispositivo legal que viesse a renovar, ou pelo menos remediar um sistema processual ultrapassado e irracional, com o objetivo de evitar a morosidade do Judiciário e uma possível não prestação jurisdicional.
Com base na previsão da norma constitucional presente no artigo 98, inciso primeiro da Carta Magna, foi promulgada no ano de 1995, a lei que regula os Juizados Especiais. Esta lei foi destinada a desburocratizar e simplificar o sistema processual brasileiro.
Sendo criados os Juizados Especiais, no que se refere à matéria penal, este novo sistema processual seria competente para julgar as contravenções e os crimes de menor potencial ofensivo.
Assim sendo, no dia 26 de setembro de 1995, em obediência à Constituição da República, foi promulgada a lei que regula o funcionamento dos Juizados Especiais.
O ilustre doutrinador Júlio Fabbrini Mirabete, no capítulo primeiro do seu livro “Juizados Especiais Criminais”, faz a seguinte afirmativa sobre a criação dos Juizados:
“Estando em vigor há mais de 50 anos o Código de Processo Penal brasileiro, de há muito se tem sentido a necessidade de uma reforma das leis processuais com o fim de atualizar aqueles pontos em que a legislação se tornou disfuncional e ultrapassada, especialmente no que tange ao inadiável estabelecimento de ritos sumaríssimos para a apuração de contravenções e crimes de menor gravidade, submetidos a um processo arcaico, formalista e burocratizante que tem levado não só os estudiosos e aplicadores do Direito, mas também os leigos, a um sentimento de descrédito sobre a administração da Justiça Penal. As falhas da organização judiciária,a deficiência na formação dos juízes e advogados, a precariedade das condições de trabalho, o uso arraigado de métodos obsoletos e irracionais e o escasso aproveitamento de recursos tecnológicos levaram a uma sensação generalizada de que profundas modificações nas órbitas social, política e econômica exigiam providências emergências a fim de evitar uma crise institucional ou judicial, ou seja, uma “crise no Judiciário”. Severas eram as críticas contra a lentidão do Judiciário e a impunidade de infratores que obtinham a extinção da punibilidade em decorrência da morosidade dos processos.”[1]
Verifica-se que o ilustre doutrinador reafirma a importância da criação dos Juizados Especiais, relatando uma preocupação geral com a morosidade da prestação jurisdicional, tendo em vista que o sistema processual brasileiro é visto como arcaico e ultrapassado.
Como dito anteriormente, os Juizados Especiais Criminais teriam a competência para julgar as contravenções penais e os crimes de menor potencial ofensivo, aplicando para tanto, o rito sumaríssimo.
Verifica-se que referida competência é prevista no próprio texto da Lei 9.099, quando esta afirma que nos Juizados Especiais cabem a conciliação, o processo e a execução nas causas de sua competência.
Cumpre dizer, que em esfera penal, a conciliação abrange a composição e a transação penal.
Desta forma, compete aos Juizados Especiais, processar e julgar as infrações penais com menor reprovabilidade social.
Inicialmente, com o surgimento da lei, eram considerados crimes de menor potencial ofensivo aqueles cuja pena máxima não ultrapassasse 1 (um) ano.
Isto se dava, tendo em vista que a Lei 9.099/95 conceituava como crimes de menor complexidade, os crimes com pena até 1 (um) ano.
A Lei 10.259 promulgada em 12 de julho de 2001, que regula os Juizados Especiais Federais, passou a conceituar como crimes de menor potencial ofensivo aqueles com pena máxima até 2 (dois) anos.
Sendo assim, como já pacificado pela doutrina e jurisprudência pátria, compete aos Juizados Especiais Criminais Estaduais, julgar as contravenções penais e os crimes cuja pena máxima não ultrapasse 2 (dois) anos.
O insigne doutrinador Damásio de Jesus, assim se manifesta sobre o tema:
“Nos termos do art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95), em sua redação primitiva, devem ser consideradas infrações de menor potencial ofensivo, sujeitando-as à sua competência, os crimes aos quais a lei comine pena máxima não superior a um ano.Muito embora não tivéssemos ainda, na Justiça Federal, os Juizados Especiais Criminais, previstos no art. 98, parágrafo único, da Constituição Federal, com redação da Emenda Constitucional n. 22, de 18.3.1999, os Juízes Federais podiam aplicar os institutos da conciliação civil e transação criminal (arts. 74 e 76), da representação (art. 88) e da suspensão condicional do processo (art. 89), todos disciplinados pela Lei n. 9.099/95.A Lei n. 10.259, de 12.7.2001, criou os Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Federal, dispondo aplicar-se a eles a Lei n. 9.099/95 (art. 1.º), obedecidos dois princípios impostos pelo seu art. 2.º, caput e parágrafo único:1.º) Os Juizados Especiais Criminais Federais julgam exclusivamente infrações da competência da Justiça Federal (caput).2.º) Somente são de sua competência as infrações penais de menor potencial ofensivo (caput).Conceituando os crimes de menor potencial ofensivo, reza o parágrafo único do mencionado dispositivo:"Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa".Comparando os dispositivos, vê-se que, enquanto o art. 61 da Lei n. 9.099/95 consigna a pena máxima permissiva cominada aos crimes em quantidade não superior a um ano, a lei nova determina que o máximo da sanção detentiva não pode ser superior a dois anos. Cuidando as duas normas do mesmo tema, qual seja, conceituação legal de crime de menor potencial ofensivo, e adotando o critério de classificação de conformidade com a quantidade da pena, observamos que empregam valorações diferentes. Em face disso, de prevalecer a posterior, de direito penal material, que, mais benéfica, derroga a anterior (CF, art. 5.º, XL; CP, art. 2.º, parágrafo único), ampliando o rol dos crimes de menor potencial ofensivo”[2].
CAPITULO II: DOS INSTITUTOS DESPENALIZADORES PREVISTOS NA LEI 9.099/95
Despenalizadores são os institutos aplicáveis em substituição à uma eventual e futura pena.
Enriquecendo o Direito Penal brasileiro, a lei 9.099/95 inovou ao prever em seu texto a composição de danos, a transação penal e a suspensão condicional do processo.
2.1 – Da Composição de Danos
O rito dos Juizados Especiais prevê, antes mesmo de iniciada a Ação Penal, ou antes até de ofertada a denúncia, a designação de uma audiência conciliatória preliminar.
Esta audiência tem por objetivo inicial, a possibilidade de acordo entre acusado e vítima.
Acordo este, de natureza civil, podendo até, em substituição à ação penal que eventualmente seria proposta, acordarem os interessados no sentido do acusado, fazer, não fazer, ou até mesmo prestar obrigação pecuniária em favor da vítima ou ofendido.
Cumpre ressaltar que esta composição, deve ser homologada pelo magistrado, desde que o Ministério Público, que antes de ser órgão acusador é fiscal da lei, não verifique a impossibilidade de realização do acordo.
Isto feito, o procedimento criminal que nem sequer virou ação penal será arquivado, mantendo-se a primariedade do acusado.
De grande importância é ressaltar que, caso a composição seja descumprida pelo acusado, não será possível iniciar a ação penal, devendo a vítima executar o acordo na esfera cível.
2.2 – Da Transação Penal
A lei 9.099/95 em seu artigo 76 prevê a efetivação do instituto denominado transação penal.
A transação penal é mais um instituto que visa a despenalização de condutas e a possibilidade de medidas alternativas às penas privativas de liberdade.
Todavia, ao contrário da composição cível, a transação penal não é um acordo entre autor e vítima, mas sim, um “acordo” entre Ministério Público e acusado.
Cumpre ressaltar, que a transação penal é um momento secundário, sendo verificada após a recusa da composição de danos que deve ser anteriormente proposta. Exceto nos casos em que na há a possibilidade de composição cível.
Deve-se esclarecer, que o aceite da transação penal pelo autor do fato, não importa em confissão do suposto crime praticado, mantendo-se a primariedade do acusado.
Importa dizer, que apesar de não gerar reincidência criminal, a transação penal somente poderá ser concedida novamente ao mesmo acusado, após 5 (cinco) anos do cumprimento do benefício anteriormente concedido.
Muito se discutiu, sobre ser a transação penal uma faculdade do Ministério Público, podendo este, propor ou não o benefício. Todavia, a jurisprudência moderna entende que a transação penal é direito subjetivo do acusado que preenchendo os requisitos objetivos, terá direito ao benefício.
Com isso, entendendo que a transação penal é direito subjetivo do acusado, ela deve ser ofertada, até mesmo nas ações penais de iniciativa privada, não devendo prevalecer o entendimento que só seria possível a aplicação deste benefício nas ações penais públicas.
Desta forma, como direito subjetivo do acusado, a transação penal é mais um dos institutos despenalizadores trazidos pela lei 9.099/95.
2.3 – Da Suspensão Condicional do Processo
Um importante instituto trazido para o Direito Processual Penal brasileiro pela lei que regula os Juizados Especiais Criminais é a suspensão condicional do processo, também conhecido como sursis processual.
Este é mais um dos institutos de despenalização, a fim de evitar, nos crimes de menor potencial ofensivo, uma eventual imposição e/ou execução de pena.
Como dito anteriormente, o que está em voga, é a idéia de não penalizar, mas antes de tudo, de reintegrar, ressocializar o transgressor, reconduzindo-o à sociedade, como membro integrante da mesma.
Neste sentido, é o ensinamento do ilustre doutrinador Mirabete, quando expõe:
“Toda vez que essa integração social possa se obtida fora das grades de um cárcere, e independentemente do cumprimento de outra sanção penal, recomendam a lógica e a melhor política criminal que não seja o autor do fato punido ou mesmo submetido ao processo, desde quês e o obrigue ao cumprimento de determinadas exigências. A suspensão condicional do processo é um dos meios de conceder crédito de confiança ao criminoso primário, estimulando-o a que não volte a delinqüir.
Além disso, é medida profilática de saneamento, evitando que o indivíduo que resvalou para o crime por circunstâncias, às vezes independente de sua vontade, não se submeta ao processo desde que cumpra as condições a ele impostas.
A suspensão condicional do processo, também denominada sursis processual, consiste, assim, em sustar-se a ação penal após o recebimento da denúncia, desde que o réu preencha determinados requisitos e obedeça a certas condições durante o prazo prefixado.”[3]
É importante deixar claro, que a suspensão condicional do processo, assim como a transação penal, é direito público subjetivo do acusado e não faculdade do Ministério Público.
Da mesma forma que a transação penal, na suspensão condicional do processo o acusado não perde a primariedade. Todavia, ao contrário da transação penal, não é necessário que o acusado aguarde o prazo de 5 (cinco) anos para ser beneficiado novamente, bastando apenas, ter cumprido todas as condições do benefício anteriormente concedido.
Isto se deve, porque na transação penal a lei 9.099/95 diz expressamente em seu texto, que o acusado não poderá ser beneficiado com referido instituto no prazo de 5 (cinco) anos.
Entretanto, no que se refere à nova propositura do benefício da suspensão condicional do processo, o legislador ordinário se calou. Desta forma, com base no princípio de que a norma deve ser interpretada da forma mais favorável ao réu, não há óbice de concessão de novo benefício do sursis processual, logo após o cumprimento do benefício anterior.
Cumpre ressaltar, que o sursis processual não se confunde a suspensão condicional da pena. O primeiro instituto refere-se à sustação do processo, mantendo a primariedade do acusado. Já no segundo instituto, também conhecido como sursis penal, o acusado já foi condenado, deixando de ser primário, sendo suspensa a aplicação da sanção penal, desde que o acusado preencha e cumpra determinados requisitos.
CAPÍTULO III: DA JUSTIÇA MILITAR
Os motivos de surgimento da instituição militar são de necessária compreensão, pois os mesmos são importantes para entendimento da estrutura e manutenção não só do militarismo, como também, da própria Justiça Militar. Nos ensinamentos de Luiz Eduardo Pesce de Arruda, apud Roth, não seria possível compreender o papel de uma instituição sem que antes, se compreenda sua cultura.[4]
Constituições antigas, como a grega e romana, previam a existência de uma estrutura formada por homens “preparados e capazes” de proteger suas terras, seus senhores e monarcas e de conquistarem e incorporarem territórios. Eram os exércitos, que na Roma antiga, dominou quase a totalidade do mundo até então conhecido.
A estes homens eram assegurados direitos e deveres próprios, inerentes à sua função de combatente ou soldado (muito semelhante à idéia do militarismo), surgindo assim, de forma simples e singela um código do exército ou código militar, que na maioria dos casos, era de forma consuetudinária e não escrita, primando pela hierarquia e disciplina no corpo de seus seguidores.
No livro “A arte da Guerra”, datado de muitos séculos a.C. e até hoje festejado, Sun Tzu explica a importância da hierarquia e da disciplina do exército[5].
Verifica-se assim, que em sociedades consideradas mais simples, existiam instituições com as mesmas características das instituições militares modernas e que tais instituições eram regidas por uma norma ou código específico, que não era aplicado ao restante da sociedade.
Já o Brasil, somente em meados do século XVIII, com forte influência da coroa portuguesa, adotou o Código do Conde de Lippe, que atribuía as normas e condições para os então militares, sendo que referida norma vigorou até a proclamação da República.[6]
Criada por D. João VI, a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia, foi a primeira organização policial do Brasil, sendo uma instituição de natureza militar, voltada para a defesa da família real.
Em 1808, com o desembarque da família real no Brasil, era inevitável a estruturação de um sistema jurídico, podendo-se destacar, a criação do Conselho Supremo Militar e de Justiça.
Com o advento da República, surgiu o Código Penal da Armada, utilizado pelo Exército até meados do ano de 1899.
No último século, entre 1938 e 1969, vigorou o Código de Justiça Militar, surgindo depois, o até hoje vigente, Código Penal Militar.
A Constituição da República de 1988 traz, em seu artigo 92, inciso VI, a seguinte previsão: “Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário: [...] VI - Os Tribunais e juízes militares".[7]
Nota-se desta forma, o surgimento da justiça e da legislação específica ao militarismo, que de outra forma não poderia ser, uma vez que os valores inerentes à condição de militar são próprios e destacados dos valores da sociedade.
CAPÌTULO IV: DO PODER JUDICIÁRIO
A história da instituição militar ensina que esta sempre teve como primazia a manutenção da hierarquia e da disciplina militares.
Sendo assim, a legislação aplicada à Justiça Militar, possui em sua gênese, a hierarquia e disciplina como princípios basilares.
Todavia, o objetivo precípuo do Código Penal Militar é proteger a segurança externa do país, caracterizadora de sua soberania.
O Promotor de Justiça Jorge César de Assis, em seu Livro Comentários ao Código Penal Militar, ensina:
“O CPM elencou um rol de tipos penais militares, destinado a proteger a segurança externa do país, caracterizadora de sua soberania.
A soberania de um país tem reflexos no chamado direito penal internacional, dentro do qual estão envolvidos os Estados soberanos, em relações recíprocas, coordenadas principalmente pela Organização da Nações Unidas, dentre outras, como a Organização dos Estados Americanos, os países do Mercosul etc”[8].
Inobstante o sobredito, os Estados federados necessitam de instituições garantidoras de sua ordem interna e que representam a força, a ordem e resguardem a segurança estatal e a segurança da sociedade. Estas instituições, Policia e Bombeiros Militares, adquirem assim, o status de militar, antes atribuídos, somente aos integrantes das Forças Armadas.
Todavia, a Policia Militar e o Corpo de Bombeiros Militares são regidos e comandos pelos Estados membros, razão pela qual, se justifica a aplicação do Código Penal Militar na esfera estadual e não só, na esfera da União.
Assim surge a Justiça Militar Estadual, competente para julgar os crimes militares descritos no CPM, cometidos pelos policiais e bombeiros militares.
Assim prevê a Constituição da República, acerca da Justiça Militar Estadual:
“Art. 124 - Os Estados organizarão a sua Justiça, com observância dos artigos. 95 a 97 e também dos seguintes princípios:
(...)
XII - A Justiça Militar Estadual, organizada com observância dos preceitos gerais da lei federal (art. 5º, nº XV, letra f), terá como órgãos de primeira instância os Conselhos de Justiça e como órgão de segunda instância um Tribunal especial ou o Tribunal de Justiça.
(...)
Art. 183 - As polícias militares instituídas para a segurança interna e a manutenção da ordem nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são consideradas, como forças auxiliares, reservas do Exército.
Parágrafo único - Quando mobilizado a serviço da União em tempo de guerra externa ou civil, o seu pessoal gozará das mesmas vantagens atribuídas ao pessoal do Exército”.[9]
Cumpre dizer, que esta justiça especializada gratifica-se pela celeridade da prestação jurisdicional, proporcionando grande respaldo necessário para base das instituições militares estaduais.
CAPÍTULO V: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL
A Justiça Militar Estadual possui competência normativa para processar e julgar as ações judiciais contra atos disciplinares e os crimes militares definidos em lei, desde que todos tenham sido praticados por policiais e bombeiros militares, sendo a sua jurisdição restrita ao território de seu Estado.
Quanto ao crime militar, este possui as mesmas características do crime comum, resguardadas as suas peculiaridades e especificidades.
Devido à especialidade da matéria, o crime militar pode ser entendido como a infração penal prevista em lei penal militar própria, que ameaça ou efetivamente lesiona bens jurídicos inerentes à destinação constitucional da instituição militar.
Relembrando o conceito analítico determinante do crime, como sendo o fato típico, antijurídico e culpável, o crime militar é o fato típico, antijurídico e culpável na esfera especial da Justiça Militar, que visa na sua gênese, pela preservação dos princípios da hierarquia e disciplina dentro de uma ordem jurídica própria.
A importância da hierarquia e disciplina está refletida em toda a instituição militar. Valores estes, indissociáveis da carreira militar, o que justifica a existência de crimes propriamente militares, não previstos na legislação penal ordinária.
Desta feita, crime militar é aquele cometido por militares, na esfera estadual ou das Forças Armadas, previsto no Código Penal Militar.
Nas lições de Jorge César de Assis, crime militar:
“É toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares. Distingui-se da transgressão disciplinar porque esta é a mesma violação, porém na sua manifestação elementar e simples. A relação ente crime militar e transgressão disciplinar é a mesma que existe entre crime e contravenção penal”.[10]
5.1 – Características do Crime Militar
Há uma distinção do crime militar em próprio e impróprio, sendo tal diferenciação importante para a compreensão do presente trabalho.
5.1.1 – Do Crime Militar Próprio
Segundo a lição de Jorge Alberto Romeiro[11], são crimes propriamente militares aqueles que só podem ser praticados por militares, ou que exigem do agente a condição de militar.
Nas lições de Jorge César de Assis:
“Crime Militar Próprio – são chamados crimes propriamente militares aqueles cuja prática não seria possível senão por militar, porque essa qualidade é essencial para que o fato delituoso se verifique.
Portanto, são propriamente militares: o motim e a revolta – arts. 149 a 153.
(...)
Considerando-se, portanto, que a caracterização de criem militar obedece atualmente, ao critério ex vi legis, entendemos que s.m.j, crime militar próprio é aquele que só é previsto no Código Penal Militar e que só pode se praticado por militar”.[12]
5.1.2 – Do Crime Militar Impróprio
Crimes impropriamente militares devem ser compreendidos como os que podem ser praticados por qualquer cidadão civil ou militar, mas que, quando praticados por militar, em certas condições, a lei considera como crime militar, desde que previstos no Código Penal Castrense.
Jorge César de Assis ensina mais uma vez:
“Crime militar impróprio – São aqueles que estão definidos tanto no Código Penal Castrense quanto no Código Penal comum e, que, por um artifício legal tornam-se militares por se enquadrarem em uma das várias hipóteses do inc. II do art. 9º do diploma militar repressivo. São compreensão normal da função de militar”.[13]
São impropriamente militares crimes como o homicídio, a lesão corporal, os crimes contra a honra, etc.
CAPÍTULO VI: ESTRUTURA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL
A Constituição da República prevê em seu texto a possibilidade dos Estados criarem Tribunais Militares estabelecendo como requisito objetivo, o efetivo de sua Polícia Militar ser superior ao número de 20.000 integrantes.
Apenas três Estados, sendo eles, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, preencheram referida condição, possuindo assim, Tribunais Militares próprios.
Nesta feita a Justiça Militar Estadual é Composta por um Juiz Civil Togado e, quatro oficiais da Policia Militar ou do Corpo de Bombeiros Militares, formando-se assim o Conselho Permanente de Justiça, sendo que referido Conselho alterna-se a cada três meses. Deixa-se claro que um militar somente será julgado por um Conselho formado por oficiais de patente superior a sua, sendo certo que, caso o Conselho Permanente de Justiça possua oficiais com patente inferior ou igual a patente do militar julgado, será formado um Conselho Especial, previamente já designado.
Os crimes militares praticados contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares serão, segundo a Emenda Constitucional 45/2004, julgados pelo juiz civil togado, singularmente e, nos demais casos, o julgamento caberá ao Conselho de Justiça.
Em situação assemelhada ao Tribunal Constitucional do Júri, após as alegações da acusação e da defesa e as eventuais réplicas e tréplicas, o Conselho votará decidindo se o militar julgado será punido e, qual a eventual punição a ser dada ao militar.
Importa ressaltar, que o voto do juiz togado não prevalece sobre os votos dos oficiais-juízes militares que compõem o Conselho, sendo certo que muitas vezes, a decisão do Conselho de Justiça não é unânime.
Como grau de recurso, conforme dito anteriormente, o julgamento será realizado pelo Tribunal de Justiça Militar, com funcionamento nos mesmos moldes do Tribunal de Justiça comum. Todavia, os julgadores deste solene tribunal são juízes e não desembargadores, podendo ser militares de alta patente, juízes togados e nos casos do quinto constitucional, representantes do Ministério Público e da Ordem dos Advogados.
Cumpre dizer, que aos juizes togados que oficiam na Justiça Militar Estadual, são assegurados os mesmos direitos e prerrogativas inerentes ao juiz comum, sendo a diferenciação, de forma mais singela, apresentada somente em razão da especialidade da matéria militar.
CAPÍTULO VII: A LEI N. 9099/95 E A JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL
A Lei 9.099/95 cria e disciplina os Juizados Especiais Cíveis e Criminais cumprindo a disposição prevista na redação da Constituição da República.
Com o surgimento da lei que regula os Juizados Especiais, a Justiça Militar Estadual, que integra o Poder Judiciário Estadual e que, na maioria dos Estados, tem o segundo grau de jurisdição exercido por Câmaras Especializadas dos Tribunais de Justiça, verificou a possibilidade de aplicar a celeridade para o julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo previstos no Código Penal Militar, viabilizando a composição, a transação e a suspensão do processo.
Conforme dito, de início, a lei 9.099/95, principalmente os artigos 76 e 89, fora aplicada no âmbito da Justiça Militar Estadual quando do julgamento de crimes de menor potencial ofensivo.
Damásio E. De Jesus ao comentar o artigo 89 da Lei nº 9.099/95, defende que a Suspensão condicional do processo é aplicável aos delitos militares arrolados pelo artigo 89 da lei especial, sendo a competência da Justiça Militar.[14]
A justificativa para aplicação de início, seria o fato de que a não aplicabilidade da Lei, no tocante aos artigos 76, 88 e 89, por parte dos juízes militares poderia incorrer no cerceamento do direito do acusado.
Neste sentido, além da aplicação do princípio da isonomia entre militares e civis, busca-se a celeridade da Justiça Castranse.
Todavia, a lei 9.839/99 acrescenta à redação da lei 9.099/95 o artigo 90-A, que em seu texto, veda a aplicação da lei que regula os Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Militar: Art. 90-A. AS disposições desta lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar.[15]
Sendo assim, a partir de então, a lei 9.099/95 não seria mais aplicável no âmbito da Justiça Militar, devendo-se esclarecer, que os benefícios anteriormente concedidos seriam mantidos, com base no princípio da irretroatividade da norma penal mais severa.
“Como visto, nossos Tribunais Superiores decidiam que, embora não sendo possível a criação de Juizados Especiais na Justiça Militar, aplicavam-se nas ações penais os institutos criados pela lei 9.099/95, ou seja, a composição civil, a transação, a representação para crimes de lesões corporais leves e culposas e a suspensão condicional do processo. Não tiveram sucesso, assim, as decisões de outros Tribunais, inclusive militares, que decidiam de forma diversa. Entretanto, com a edição da lei. 9.839/99, que acrescentou o art. 90-A á lei 9.099/95, ficou expressamente proibida a aplicação de qualquer dos dispositivos dessa lei no âmbito da Justiça Militar”.[16]
Cumprir salientar, que o Código Penal Militar não prevê qualquer pena como substitutiva da pena privativa de liberdade, razão pela qual, é de suma importância a verificação da possibilidade dos dispositivos previstos na lei 9.099/95 na Justiça Militar.
Com a vedação expressa da aplicação na Justiça Militar, os dispositivos da lei 9.099/95 não deveriam ser observados pelos juízes militares.
Entretanto, verifica-se a tendência cada vez mais crescente de aplicação na Justiça Militar, dos benefícios despenalizadores previstos na lei 9.099/95.
Neste sentido, é o entendimento de Luiz Flávio Gomes:
“O princípio da igualdade impõe tratamento igual para os iguais no que diz respeito aos delitos previstos também no código comum; logo, sob pena de odiosa discriminação, merecem o mesmo tratamento dado aos civis.
(...)os crimes militares próprios (que estão definidos exclusivamente no Código Penal Militar) podem (e devem) justificar tratamento especial. Os impróprios (que estão previstos também no Código Penal Comum), no entanto, de modo algum justificam qualquer diferenciação, sob pena de abominável discriminação”.[17]
No entendimento de Dalabrid, lê-se:
“Dentro deste contexto, não há como afastar a aplicação das mediadas despenalizadoras previstas na Lei 9099/95 para os casos de crimes impropriamente militares, devendo, pois, a restrição imposta pela Lei 9839/99 ser aplicada com exclusividades aos crimes propriamente militares, em relação aos quais a inacessibilidade aos institutos consensuais revela-se razoável, porquanto atingem dada sua singularidade, valores próprios e específicos do militarismo, inconfundíveis com aqueles que ostentam diferente natureza e grau de ofensividade”[18].
Ainda nesta obra, o citado autor aduz:
“Ocorre que, a partir da Lei 10259/2001, com a reformulação do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, assim considerados os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos ou multa (art 2º), aquela restrição foi afastada, tornando perfeitamente possível a aplicação da transação no âmbito da Justiça Castrense”[19].
Verifica-se com isso, o entendimento atual da possibilidade de aplicação no âmbito da Justiça Militar dos dispositivos despenalizadores previstos na lei 9.099/95.
Todavia, cumpre salientar que o entendimento atual é no sentido de aplicação dos benefícios despenalizadores somente aos crimes militares impróprios, ou seja, somente nos casos em que o crime é previsto tanto no Código Penal ordinário, quanto no Código Penal castrense.
Isto porque, os crimes militares próprios são específicos e inerentes à função de militar, razão pela qual, é a inaplicabilidade da lei 9.099/95 para referidos crimes.
Em contrapartida, destaca-se teses contrárias a aplicabilidade desta lei na esfera militar estadual até mesmo para os crimes militares impróprios.
Observa-se o que diz Eliezer Martins:
“Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo”.[20]
No sentido de incompatibilidade da Lei 9.099/95 com a Justiça Militar, tem-se ainda o entendimento de Jorge César de Assis:
“A lei 9.09/95, instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, regulamentando assim o art. 98, inc. I da Carta Magna, fonte geradora dos referidos Juizados Especiais da Justiça do Distrito Federal e da Justiça Estadual.
Dentre os vários aspectos do novo diploma legal, discute-se sua aplicabilidade na Justiça Militar.
De nosso turno, consideramos a lei dos Juizados inteiramente incompatível com a Justiça Militar, seja federal ou estadual. É a própria lei que assim estabelece em seu art. 1º, ao dispor serem “os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, órgãos da Justiça Ordinária(...).
Justiça ordinária é Justiça comum. A Justiça Militar é Justiça Especial, onde se aplica um Direito Especial, o Direito Penal Militar”.[21]
Verifica-se com isso, a divergência de opiniões entre doutrinadores consagrados.
Há também, o entendimento de quem defenda a criação de um Juizado específico para Justiça Militar, sendo este o entendimento do digno magistrado Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, Juiz Militar que Oficial nas Auditorias Militares do Estado de Minas Gerais.
Assim ele reflete sobre a lei 9.099/95:
“Pode-se afirmar, que a nova Lei quando bem aplicada significará uma resposta aos anseios populares, pois a maioria das pessoas desconhece o significado de prescrição, decadência, procedimentos, mas acredita no Poder Judiciário e na efetiva aplicação da norma, como instrumento de Justiça e paz social.
Na busca do aprimoramento do Poder Judiciário, a criação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas Criminais na Justiça Militar (Federal ou Estadual) seria um aprimoramento da Justiça Castrense, que deve ser célere na resposta ao ilícito praticado pelo infrator. Mas a Justiça Especializada não está afastada das modificações que vem ocorrendo no campo do direito penal em relação as penas. Deve-se observar, que o militar encontra-se amparado pela Constituição Federal, estando diferenciado apenas pela atividade desenvolvida, mas a sua liberdade é a mesma que assegurada pelo Estado ao funcionário civil ou aos demais cidadãos”.[22]
Caso seja possível a aplicação dos dispositivos previstos na lei 9.099/95 nos crimes de competência da Justiça Militar, principalmente no que se refere aos benefícios despenalizadores previstos na lei, tais como a transação penal e suspensão condicional do processo, verificar-se-á que o art. 90.A da referida lei, deve ser interpretado de forma relativa, devendo-se objetivar em quais casos os dispositivos previstos na lei dos Juizados Especiais serão aplicados na Justiça Militar
De outra forma, não se vislumbrando a possibilidade de aplicação dos benefícios previstos na lei 9.099/95 no âmbito da Justiça Militar, notar-se-á que o art. 90.A da lei dos Juizados Especiais deve ser interpretado na sua literalidade, não se questionando a sua constitucionalidade ou aplicabilidade.
Por fim, cumpre dizer que embora as diferentes posições, não há pacificação do dilema, devendo a presente discussão, como na maioria das vezes acontece, ser decidida e difundida pela jurisprudência dominante, independente da redação da lei.
CONCLUSÃO
O presente trabalho foi realizado com o simples e despretencioso objetivo de levantar algumas considerações sobre a aplicabilidade da Lei 9.099/95 no âmbito da Justiça Militar Estadual.
Na propedêutica do trabalho, foi exposta de forma sucinta e singela, a importância da Policia Militar e do Corpo de Bombeiros Militares para garantia da segurança pública, explicando que estes militares estão sujeitos a um regime penal próprio e especial.
Ainda na introdução, antecipando o que seria discutido durante o trabalho, foi dito que apesar da condição de militar, os policiais e bombeiros são antes de tudo, cidadãos comuns e que apesar do princípio da isonomia, a legislação militar que lhes é imposta é bem mais severa do que a prevista no Código Penal ordinário.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, abordou-se inicialmente a criação dos Juizados Especiais.
Nesta fase, ficou explicitado no texto do trabalho o entendimento de diversos autores que festejam as normas de caráter despenalizador.
Normas estas, que devido às suas características, tendem a prevalecer em detrimento das penas privativas de liberdade, uma vez que estas não cumprem com pelo menos um dos seus objetivos, a saber, a ressocialização ou reeducação do condenado criminalmente.
Demonstrada a importância das normas alternativas à pena-prisão, passou-se a demonstração dos princípios e objetivos dos Juizados Especiais, da competência processual dos Juizados, sendo que em seguida, foi possível uma breve abordagem pelos institutos despenalizadores trazidos pela Lei 9.099/95, tais como a composição de danos, a transação penal e suspensão condicional do processo ou sursis processual.
Após, no transcurso normal do trabalho, a instituição militar foi apresentada, demonstrando a sua existência em sociedades antigas e menos complexas, bem como a sua importância para uma sociedade organizada moderna.
Da mesma forma, o trabalho abordou o surgimento e a importância da Justiça Militar propriamente dita, esclarecendo a necessidade de um ordenamento jurídico-normativo próprio, uma vez que princípios como hierarquia e disciplina estão presentes de forma mais branda na sociedade civil, ao contrário do que é percebido nas instituições de cunho militar.
Na seqüência, o estudo caminhou para a análise da competência processual da Justiça Militar Estadual, oportunidade na qual fora apresentado o conceito de crime militar e a diferenciação entre crime militar próprio e crime militar impróprio.
Em seguida, o trabalhou trouxe a estruturação da Justiça Militar Estadual, sendo esta composta por Auditorias Militares, nas quais funcionam o Conselho Permanente de Justiça, formado por um juiz civil togado e quatro juízes militares, sendo estes, oficiais da Policia Militar ou do Corpo de Bombeiros Militares.
Importa lembrar, que em grau de recurso, o Estado de Minas Gerais assim como o Estado de São Paulo, possui o Tribunal de Justiça Militar. Nos Estados onde o não há o Tribunal de Justiça Militar, os recursos são julgados por câmaras especializadas dos Tribunais de Justiça de cada Estado.
Caminhando para o fim da pesquisa, foi abordada no trabalho a possibilidade de aplicação dos benefícios trazidos pela lei que regula os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Militar Estadual.
Nesta fase do trabalho foram apresentados posicionamentos de doutrinadores consagrados que defendem a possibilidade de aplicação dos referidos benefícios, mesmo após a promulgação da Lei 9.839/99.
Os ilustres doutrinadores que seguem esta linha de raciocínio defendem a possibilidade de aplicação de benefícios como a transação penal e a suspensão condicional do processo no âmbito da Justiça Militar, tendo como argumento o princípio da isonomia.
Cumpre destacar, que o posicionamento destes doutrinadores é no sentido de compatibilidade da Lei 9.099/95 com Justiça Militar no que se refere aos crimes militares impróprios, uma vez que os crimes militares próprios são específicos e inerentes à condição e estrutura do militarismo.
Por outro lado, também foi exposto no texto, o posicionamento de doutrinadores que dizem ser incompatíveis os institutos previstos na Lei 9.099/95 com a estrutura da legislação militar, ao argumento de que esta é especial, sendo que há previsão expressa no sentido de vedação de aplicação da lei dos Juizados na esfera militar.
Foi apresentado também, o posicionamento do insigne magistrado Paulo Tadeu, Juiz oficiante na Justiça Militar Estadual de Minas Gerais, que apresenta como solução para o presente impasse, a criação dos Juizados Especiais Militares.
É certo que, apesar da divergência doutrinária, o entendimento jurisprudencial caminha para a possibilidade de aplicação dos institutos despenalizadores no âmbito da Justiça Militar Estadual, principalmente nos crimes militares impróprios, existindo forte resistência, até mesmo entre os estudiosos mais vanguardistas, de aplicação da Lei 9.099/95 quando se tratar de crimes militares próprios.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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TZU, Sun. A Arte da Guerra. adaptação de James Clavell. trad. José Sanz. 28º edição. Record, 2002.
[1] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais, pág. 23. 5ª edição. Atlas. São Paulo, 2002.
[2] JESUS, Damásio E de . Ampliação do Rol de Crimes de Menor Potencial Ofensivo e Suspensão Condicional do Processo. São Paulo, 2002. documento disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3217. acesso em 01 de outubro de 2007.
[3] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais, pág. 273. 5ª edição. Atlas. São Paulo, 2002.
[4] ROTH, Ronaldo João. Justiça Militar e as Peculiaridades do Juiz Militar na Atuação Jurisdicional. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2003. p.82.
[5] TZU, Sun. A Arte da Guerra. adaptação de James Clavell. trad. José Sanz. 28º edição. Record, 2002.
[6] CORREA, Getulio (org.). Direito Militar, História e Doutrina Artigos Inéditos. Ed. AMAJME, 2002. Pág. 101
[7] BRASIL, Constituição da República. Disponível no site www.stf.gov.br. acesso em 13 de setembro de 2007.
[8] ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar (Parte Especial). Vol. 2. 3ª ed. Juruá Editora. Curitiba, 2006. pág. 17.
[9] BRASIL, Constituição da República. Disponível no site www.stf.gov.br. acesso em 13 de setembro de 2007.
[10] ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar (Parte Geral). Vol.1. 5ª ed. Juruá Editora. Curitiba, 2006. pág. 37.
[11] ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar, SP: Saraiva 1994, p. 05.
[12] ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar (Parte Geral). Vol.1. 5ª ed. Juruá Editora. Curitiba, 2006. pág. 38.
[13] ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar (Parte Geral). Vol.1. 5ª ed. Juruá Editora. Curitiba, 2006. pág. 37
[14] JESUS, Damásio E. de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. São Paulo: Ed. Saraiva 1995. JESUS, Damásio E. de. ob. cit. p. 31.
[15] BRASIL, Lei 9.099/95. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, e dá outras providências. Disponível no site www.stf.gov.br. acesso em 13 de setembro de 2007.
[16] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais, pág. 417. 5ª edição. Atlas. São Paulo, 2002.
[17] GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do processo Penal. 2ª Ed. Revista dos Tribunais, 1997. p. 282.
[18] DALABRIDA, Sidney Eloi. A Lei n 9099/95 e a Justiça Militar. (Artigo publicado na Revista “Direito Militar” n 36 Jul-ago/2002.p.16.
[19] Idem, p.17
[20] MARTINS, Eliezer Pereira. Direito Constitucional Militar. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em: www.jusnavegandi.com.br Acesso em: 26 de setembro. 2007.
[21] ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar. pág. 269. 5ª ed. JURUÁ, Curitiba 2006.
[22] ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Aplicação da lei 9.099/95 na Justiça Militar. Belo Horizonte, 2006. documento disponível em http://recantodasletras.uol.com.br/textosjuridicos/626298. acesso em 13 de setembro de 2007.
Doutorando em Direito Penal pela PUC Minas. Mestre em Filosofia pela FAJE/MG. Advogado Criminalista.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Francisco José Vilas Bôas. Justiça Militar e o julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 abr 2013, 07:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34542/justica-militar-e-o-julgamento-dos-crimes-de-menor-potencial-ofensivo. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: Sócrates da Silva Pires
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