I. Considerações iniciais
A aposentadoria dos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios está regulada no art. 40 da Constituição Federal de 1988. A norma constitucional garante ao servidor público o direito à inatividade remunerada, de forma voluntária, desde que cumprido o tempo mínimo de 10 (dez) anos de efetivo exercício no serviço público e 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, quando cumpridos:
a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher;
b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição.
O § 5º do citado art. 40, por sua vez, reduz em 5 (cinco) anos os requisitos de idade e de tempo de contribuição para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio. Vislumbra-se desse dispositivo que a aposentadoria especial exige que o servidor ocupe o cargo de professor e que “comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério”.
O significado da locução “funções de magistério” sempre causou controvérsia entre os destinatários da norma e a Administração Pública. No que tange à jurisprudência, por bastante tempo prevaleceu no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que o conceito deve abranger unicamente a atividade exercida em sala de aula. Essa foi a posição do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.253-9, na qual se julgou a constitucionalidade da Lei Complementar Estadual nº 156/99, do Estado do Espírito Santo. Ademais, a Corte decidiu a questão em acórdão assim ementado:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 2º DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL 156/99. APOSENTADORIA ESPECIAL. REDUÇÃO NA CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO. FUNÇÕES DE DIRETOR E COORDENADOR ESCOLAR. INCONSTITUCIONALIDADE.
1. O § 5º do artigo 40 da Carta Federal prevê exceção à regra constitucional prevista no artigo 40, § 1º, inciso III, alíneas "a" e "b", tendo em vista que reduz em cinco anos os requisitos de idade e de tempo de contribuição para "o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio".
2. Funções de magistério. Desempenho das funções exercidas em sala de aula. Não abrangência da atividade-meio relacionada com a pedagogia, mas apenas da atividade-fim do ensino. Dessa forma, os beneficiários são aqueles que lecionam na área de educação infantil e de ensino fundamental e médio, não se incluindo quem ocupa cargos administrativos, como o de diretor ou coordenador escolar, ainda que privativos de professor.
3. Lei complementar estadual 156/99. Estende a servidores, ainda que integrantes da carreira de magistério, o benefício da aposentadoria especial mediante redução na contagem de tempo de serviço no exercício de atividades administrativas. Inconstitucionalidade material. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.[1]
A uniformidade desse entendimento culminou na edição da Súmula nº 726/2003, determinando que “para efeito de aposentadoria especial de professores, não se computa o tempo de serviço prestado fora da sala de aula.”[2]
No entanto, contrariamente à posição jurisprudencial consolidada, o Poder Legislativo editou a Lei nº 11.301/2006. Essa lei alterou a Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), definindo, no art. 67, § 2º, que
para os efeitos do disposto no § 5o do art. 40 e no § 8o do art. 201 da Constituição Federal, são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico.
Com base nesse dispositivo, o legislador estabeleceu que magistério é gênero, do qual são espécies a docência, a direção de unidade escolar e a coordenação e o assessoramento pedagógico. Em outras palavras, as funções de magistério exigidas pelo art. 40, § 5º, da Constituição Federal de 1988 são a docência, a direção de unidade escolar e a coordenação e assessoramento pedagógico.
Imprescindível destacar que, entre outros, a Governadora do Estado do Rio Grande do Sul impugnou a nova redação do art. 67, § 2º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3772-2. Sustentou-se a existência de vício insanável de iniciativa (inconstitucionalidade formal) da Lei nº 11.301/2006 por invadir reserva constitucional do Poder Executivo no que se refere à elaboração de leis que disponham sobre servidores públicos, regime jurídico, provimento de cargos, e estabilidade e aposentadoria (art. 61, § 1º, inciso II, alínea “c”, da Constituição Federal de 1988).[3]
Alegou-se, também, que os regimes próprios de previdência social devem obedecer ao princípio do equilíbrio financeiro e atuarial em razão do disposto no caput do art. 40 da Constituição Federal de 1988 e art. 1º da Lei nº 9.717/98. A área de educação básica, que, segundo o disposto no art. 21, inciso I, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, é formada pela educação infantil, ensino fundamental e médio, representaria grande parcela das despesas de pessoal dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Por esse motivo, norma dessa natureza deveria, arguiu-se, ter origem e discussão inicial no Poder Executivo, em razão do ônus financeiro que acarretaria ao orçamento público desses entes. Sua edição exigiria reavaliação atuarial, ainda que tardia, e a fixação de novas alíquotas de contribuição do ente e de todos os segurados, para manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do regime.[4]
Entretanto, o Pretório Excelso considerou constitucional o referido dispositivo, conforme se extrai da ementa da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.772-2:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE MANEJADA CONTRA O ART. 1º DA LEI FEDERAL 11.301/2006, QUE ACRESCENTOU O § 2º AO ART. 67 DA LEI 9.394/1996. CARREIRA DE MAGISTÉRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL PARA OS EXERCENTES DE FUNÇÕES DE DIREÇÃO, COORDENAÇÃO E ASSESSORAMENTO PEDAGÓGICO. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 40, § 5º, E 201, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE, COM INTERPRETAÇÃO CONFORME.
I - A função de magistério não se circunscreve apenas ao trabalho em sala de aula, abrangendo também a preparação de aulas, a correção de provas, o atendimento aos pais e alunos, a coordenação e o assessoramento pedagógico e, ainda, a direção de unidade escolar.
II - As funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico integram a carreira do magistério, desde que exercidos, em estabelecimentos de ensino básico, por professores de carreira, excluídos os especialistas em educação, fazendo jus aqueles que as desempenham ao regime especial de aposentadoria estabelecido nos arts. 40, § 5º, e 201, § 8º, da Constituição Federal.
III - Ação direta julgada parcialmente procedente, com interpretação conforme, nos termos supra.[5]
A jurisprudência logo acompanhou a novel posição do Supremo Tribunal Federal, como se verifica das seguintes decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Estado que promoveu a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.772-2:
APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA ESPECIAL PARA PROFESSOR. 1. Diante da garantia inscrita no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, o esgotamento prévio da via administrativa não se constitui em requisito para o ajuizamento de ação ordinária. 2. Conforme definido pelo Egrégio STF, no julgamento da ADI n. 3772, a aposentadoria especial para professores (CF, art. 40, inciso III, alínea b ¿ com redação anterior à EC n. 20/98), pressupõe o efetivo exercício do magistério, ainda que fora de sala de aula e em funções que não se relacionem diretamente com a regência de classe, de acordo com o disposto na Lei n. 11301/2006. PRELIMINAR CONTRA-RECURSAL REJEITADA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70025993163, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogério Gesta Leal, Julgado em 04/12/2008).[6]
APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. AÇÃO ORDINÁRIA. APOSENTADORIA ESPECIAL PARA PROFESSOR. Conforme definido pelo Egrégio STF, no julgamento da ADI n. 3772, a aposentadoria especial para professores (CF, art. 40, inciso III, alínea b ¿ com redação anterior à EC n. 20/98), pressupõe o efetivo exercício do magistério, ainda que fora de sala de aula e em funções que não se relacionem diretamente com a regência de classe, de acordo com o disposto na Lei n. 11301/2006. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70026615815, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 27/11/2008).[7]
APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. AÇÃO ORDINÁRIA. APOSENTADORIA ESPECIAL PARA PROFESSOR. Conforme definido pelo Egrégio STF, no julgamento da ADI n. 3772, a aposentadoria especial para professores (CF, art. 40, inciso III, alínea b ¿ com redação anterior à EC n. 20/98), pressupõe o efetivo exercício do magistério, ainda que fora de sala de aula e em funções que não se relacionem diretamente com a regência de classe, de acordo com o disposto na Lei n. 11301/2006. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70026511113, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogério Gesta Leal, Julgado em 13/11/2008).[8]
Assim, não resta dúvida que qualquer negativa da Administração Pública em conceder aos ocupantes do cargo de professor, em exercício nas funções de direção de unidade escolar e de coordenação e assessoramento pedagógico, o benefício da aposentadoria especial do professor estará eivada de vício de ilegalidade, pois o art. 67, § 2º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação está em pleno vigor e é de observância obrigatória.
III. Considerações finais
Apesar do tempo em que a Súmula nº 726 do Supremo Tribunal Federal produziu efeitos, diante dos argumentos trazidos neste estudo, inclusive a mudança de posição do órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, não há mais espaço para a Administração Pública, em qualquer esfera, recusar o direito dos professores que exercerem a direção de unidade escolar e a coordenação pedagógica à aposentadoria especial com tempo reduzido em 5 (cinco) anos.
Com efeito, durou muito uma posição que atenta contra o próprio sentido da norma, que é maximizar a promoção do ensino em todos os seus aspectos. Organizar a escola é tarefa sobremaneira complexa. Prestar a coordenação e o assessoramento pedagógico, geralmente com alunos que têm dificuldades, é uma obrigação relevantíssima. Não há educação sem a organização da unidade escolar; não há educação sem coordenação pedagógica e não há educação sem professores. Assim, nada mais correto que a três situações tenham o mesmo tratamento pacificado pela lei.
[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.253-9. Requerente: Governador do Estado do Espírito Santo. Requerido: Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo. Relator: Ministro Maurício Corrêa. Brasília, 25 de março de 2004. Disponível em <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 04 abr. 2013.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 726. Brasília, 26 de novembro de 2003. Disponível em <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 04 abr. 2013.
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.772-2. Requerente: Procurador Geral da República. Requerido: Presidente da República. Relator original: Ministro Carlos Britto. Relator para acórdão: Ministro Ricardo Lewandowski. Brasília, 29 de outubro de 2008. Disponível em <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 04 abr. 2013.
[4] Ibidem.
[5] Ibidem
[6] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70025993163. Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: Sonia Helena Ulrich. Relator: Desembargador Rogério Gesta Leal. Porto Alegre, 04 de dezembro de 2008. Disponível em <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 13 abr. 2013.
[7] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70026615815. Recorrente: Teresinha Marlei Knewitz da Silva. Recorrido: Secretário Municipal de Desenvolvimento e Gestão de Recursos Humanos do Município de Canoas. Relator: Desembargador Rogério Gesta Leal. Porto Alegre, 27 de novembro de 2008. Disponível em <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 13 abr. 2013.
[8] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70026511113. Recorrente: Emília Amaral Ximendes. Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Desembargador Rogério Gesta Leal. Porto Alegre, 13 de novembro de 2008. Disponível em <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 13 abr. 2013.
Procurador Federal. Chefe da Divisão de Patrimônio Imobiliário e Coordenador-Geral de Matéria Administrativa Substituto da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, Direção Central em Brasília/DF. Especialista em Direito Público pela Universidade Potiguar (UnP). Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito - pela Universidade de Passo Fundo, RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JARDIM, Rodrigo Guimarães. Aposentadoria especial para as funções de magistério: a pacificação legislativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 abr 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34684/aposentadoria-especial-para-as-funcoes-de-magisterio-a-pacificacao-legislativa. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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