Resumo: Aborda-se o mandado de segurança impetrado em face de ato judicial no âmbito dos Juizados Especiais Federais, em específico as questões processuais que tangenciam a matéria, tais como competência para o julgamento, duplo grau de jurisdição e espécies recursais.
Palavras-chave: mandado de segurança, juizado especial federal, competência, recurso; duplo grau de jurisdição.
A recorribilidade das decisões judiciais, no sentido da previsão em abstrato dos respectivos meios de impugnação, decorre de um fator psicológico. É da natureza do ser humano não se conformar com situações contrárias às suas pretensões. Assim, o recurso serve, também, a um dos escopos da jurisdição, qual seja, a pacificação social, na medida em que a revisão dos julgados tende a produzir na consciência do jurisdicionado uma melhor aceitação do desfecho da ação.
José Carlos Barbosa Moreira lembra outro aspecto do sistema recursal: um mecanismo de correção de erros judiciais. Nas palavras do mestre carioca:
É dado da experiência comum que uma segunda reflexão acerca de qualquer problema frequentemente conduz a mais exata conclusão, já pela luz que projeta sobre ângulos até então ignorados, já pela oportunidade que abre para a reavaliação de argumentos a que no primeiro momento talvez não se tenha atribuído o justo peso. Acrescente-se a isso a circunstância de que, em regra, o julgamento do recurso compete a juízes mais experientes, em regime colegiado, diminuindo a possibilidade de passarem despercebidos aspectos relevantes para a correta apreciação da espécie. [1]
Mas a possibilidade de submeter a lide a um segundo órgão julgador na estrutura do Poder Judiciário parece estar longe de ser entendida como um direito universal. Em verdade, há forte dissenso doutrinário acerca do caráter do princípio do duplo grau de jurisdição, se tal se consubstanciaria numa garantia absoluta.
Conforme lembrado por Nelson Nery Júnior [2], a Constituição do Império de 1824, em seu art. 158[3], continha previsão expressa sobre a garantia do duplo grau de jurisdição, no sentido de que as causas sempre poderiam ser julgadas em segunda instância, pelos “Tribunais de Relações”.
O fato é que as Constituições republicanas que vieram em seguida não trouxeram arranjo similar, limitando-se a organizar o Poder Judiciário, com a previsão de Tribunais com competência recursal.
É nessa senda que DIDIER JR. e CUNHA [4] asseveram que o duplo grau de jurisdição pode ser extraído do postulado do devido processo legal e, dessa forma, está prestigiado na Constituição como princípio, que comporta exceções, e não como uma garantia absoluta.
Noutro giro, Humberto Theodoro Júnior afirma que não obstante não existir texto expresso na Constituição, “o duplo grau de jurisdição está ínsito em nosso sistema constitucional”.[5] Mas a defesa mais contundente do duplo grau de jurisdição, como sendo uma garantia do cidadão, vem do saudoso jurista baiano Calmon de Passos, cuja lição, por sua habitual maestria, merece transcrição:
Devido processo constitucional jurisdicional, cumpre esclarecer, para evitar sofismas e distorções maliciosas, não é sinônimo de formalismo, nem culto da forma pela forma, do rito pelo rito, sim um complexo de garantias mínimas contra o subjetivismo e o arbítrio dos que têm poder de decidir. Exige-se, sem que seja admissível qualquer exceção, a prévia instituição e definição da competência daquele a quem se atribua o poder de decidir o caso concreto (juiz natural), a bilateralidade da audiência (ninguém pode sofrer restrição em seu patrimônio ou em sua liberdade sem previamente ser ouvido e ter o direito de oferecer suas razões), a publicidade (eliminação de todo procedimento secreto e da inacessibilidade ao público interessado de todos os atos praticados no processo), a fundamentação das decisões (para se permitir a avaliação objetiva e crítica da atuação do decisor) e o controle dessa decisão (possibilitando-se, sempre, a correção da ilegalidade praticada pelo decisor e sua responsabilização pelos erros inescusáveis que cometer).
Dispensar ou restringir qualquer dessas garantias não é simplificar, deformalizar, agilizar o procedimento privilegiando a efetividade da tutela, sim favorecer o arbítrio em benefício do desafogo de juízos e tribunais. Favorece-se o poder, não os cidadãos, dilata-se o espaço dos governantes e restringe-se o dos governados. E isso se me afigura a mais escancarada anti-democracia que se pode imaginar. [6]
Não obstante a celeuma no âmbito doutrinário, não há maiores controvérsias na jurisprudência, sendo que nosso Tribunal maior, o STF, já afirmou, em mais de uma oportunidade, que no ordenamento jurídico pátrio não foi reservado ao jurisdicionado a garantia absoluta do duplo grau de jurisdição. [7]
Porém, existem situações em que o duplo grau de jurisdição é obrigatório, no sentido de que a sentença só transita em julgado após ser revista pelo Tribunal ad quem. Trata-se do reexame necessário, que por muito tempo foi tratado como um recurso, interposto de ofício pelo próprio juiz sentenciante.
Ocorre que de recurso, o reexame necessário não tem nada, ou quase nada, não podendo ser acatado como tal. Sobre o tema, vale conferir a lição de Leonardo José Carneiro da Cunha:
De fato, além de não atender ao princípio da taxatividade, o reexame não está sujeito a prazo, faltando ao juiz legitimidade e interesse em recorrer. A isso acresce a circunstância de não haver o atendimento ao requisito da regularidade formal, a exigir do recorrente a formulação do pedido de nova decisão e a demonstração das razões de fato e de direito que o fundamentam. Não se atende, ademais, ao princípio da voluntariedade, mercê do qual o recurso, para ser interposto, depende de provocação espontânea de um dos legitimados, eis que decorre do princípio dispositivo, não devendo decorrer de obrigação ou imposição legal.[8]
Em que pese existir doutrina minoritária que defenda o reexame necessário como sendo um recurso, fato é que o Código de Processo Civil tratou do instituto no capítulo referente à coisa julgada, reservando aos recursos um título específico. Assim é que, nos termos do art. 475 do CPC, estão sujeitas ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público, bem como as que julgarem procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública.
Na senda do exposto acima, interessa ao presente ensaio registrar que a Lei nº 12.016/2009, que cuidou de disciplinar o mandado de segurança individual e coletivo, em seu art. 14, §1º, estabeleceu que, uma vez concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição.
Contudo, em caso de competência originária de Tribunal ou Turma Recursal do Juizado Especial para julgamento do mandamus, não será prolatada uma sentença propriamente dita, mas sim um acórdão. E os “acórdãos (CPC 163), mesmo nos casos de competência originária de tribunal, por serem decisões colegiadas não estão sujeitos ao reexame obrigatório”.[9]
Pois bem. A competência para julgamento do mandado de segurança em face de ato tido por ilegal ou abusivo, praticado por juiz que oficia nos juizados especiais, é da Turma Recursal, conforme o entendimento consolidado no pleno do STF:
Ementa: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA O EXAME DE MANDADO DE SEGURANÇA UTILIZADO COMO SUBSTITUTIVO RECURSAL CONTRA DECISÃO DE JUIZ FEDERAL NO EXERCÍCIO DE JURISDIÇÃO DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. TURMA RECURSAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. I - As Turmas Recursais são órgãos recursais ordinários de última instância relativamente às decisões dos Juizados Especiais, de forma que os juízes dos Juizados Especiais estão a elas vinculados no que concerne ao reexame de seus julgados. II – Competente a Turma Recursal para processar e julgar recursos contra decisões de primeiro grau, também o é para processar e julgar o mandado de segurança substitutivo de recurso. III – Primazia da simplificação do processo judicial e do princípio da razoável duração do processo. IV - Recurso extraordinário desprovido.
(RE 586789, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 16/11/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-039 DIVULG 24-02-2012 PUBLIC 27-02-2012)
O STJ, perfilhando o entendimento firmado no Supremo, restringe a competência para conhecimento do mandamus ao âmbito do próprio juizado especial:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
RECURSO INTERPOSTO EM FACE ACÓRDÃO QUE NÃO CONHECEU DA IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA, POR IMPUGNAR ACÓRDÃO DE TURMA RECURSAL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. É pacífico no âmbito desta Corte Superior de Justiça, bem como do Supremo Tribunal Federal, que deve a própria Turma Recursal dos Juizados Especiais apreciar o mandado de segurança impetrado contra atos de seus próprios membros. Precedentes.
2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RMS 29.553/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 05/12/2012)
A matéria veio a ser sumulada através do enunciado nº 376 do STJ, que possui a seguinte redação:
Súmula 376 – Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial.
A lógica adotada pelo STF e pelo STJ parte do pressuposto de que os Juizados Especiais compõem um microssistema judicial e, dessa forma, as decisões proferidas devem ser apreciadas nesse recinto, seja para fins de reforma, manutenção ou cassação. Daí a impossibilidade de interposição de recurso, ou medida judicial que sirva de sucedâneo, para órgão judicial externo. Em síntese, tanto a decisão proferida por juiz de primeiro grau do Juizado Especial, quanto aquela que é pronunciada pela Turma Recursal, e que desafiar a impetração de mandado de segurança, atrairá a competência para julgamento do próprio órgão colegiado.
Impende ressaltar que a Súmula nº 690 do Supremo Tribunal Federal[10], que permitia a impetração de habeas corpus no STF em face de decisão de turma recursal de juizados especiais criminais foi revogada. Com base nesse enunciado, admitia-se, também, a impetração de mandado de segurança no Supremo, tirado de decisão de juiz ou Turma de Juizado, o que, contudo, foi suplantado em razão do cancelamento do verbete.[11]
No rito ordinário da justiça comum, uma vez impetrado o mandado de segurança no juízo de primeiro grau, a sentença que venha a ser proferida está sujeita a ser impugnada por meio de recurso de apelação, nos termos do art. 14 da Lei nº 12.016/2009.[12] Já quando o mandamus é impetrado perante o próprio Tribunal, o respectivo Acórdão, que venha a denegar a segurança pleiteada, poderá ser atacado por Recurso Ordinário dirigido ao STJ, conforme previsto na alínea “b” do inciso II do art. 105 da Constituição Federal.[13]
É o Recurso Ordinário em Mandado de Segurança que garantirá o duplo grau de jurisdição nas impetrações originárias em órgãos colegiados, nos dizeres do próprio STJ:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ORDINÁRIO. REGULARIZAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO. ART. 13 DO CPC. ADMISSIBILIDADE.
1. Trata-se na origem de writ que visa ao pagamento da GAAJ aos associados do agravante, investidos em cargos da carreira de apoio às atividades jurídicas do Distrito Federal, independentemente de estarem em exercício na Procuradoria Geral local. O Acórdão do Tribunal de origem denegou a Segurança. Não se conheceu do respectivo Recurso Ordinário porquanto subscrito por advogado sem instrumento de mandato.
2. O Recurso Ordinário é corolário do exercício do duplo grau de jurisdição, em ações de competência originária do Tribunal local, promove ampla devolutividade e não está sujeito às restrições típicas dos apelos extraordinários. Confiram-se, sobre o tema, os EDcl no RMS 31.946/PA, Segunda Turma, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe 11.11.2010.
3. Precedentes do STJ admitem a regularização da representação em instâncias tidas por ordinárias, conforme disposto no art. 13 do CPC (...)
4. Agravo Regimental provido para determinar o processamento do Recurso Ordinário.
(AgRg no Ag 1423858/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 13/04/2012)
Com dito acima, no caso dos Juizados Especiais, no que toca às impugnações das decisões proferidas em sede de Mandado de Segurança contra ato praticado por seus membros, não há possibilidade de interposição e recurso de apelação, eis que a competência para o julgamento da ação constitucional é do órgão de segunda instância, qual seja, a Turma Recursal. Assim, resta saber se é possível apresentar Recurso Ordinário, em paralelismo ao que ocorre quando a segurança é denegada por Tribunal Regional Federal. A resposta é negativa, segundo o STJ. Veja-se, a título de exemplo, o seguinte julgado:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROPÓSITO INFRINGENTE. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO.
TURMA RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE.
1. O recurso ordinário só será cabível em mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, Distrito Federal e Territórios, estando excluídas, portanto, as decisões das Turmas ou Conselhos Recursais dos Juizados Especiais.
2. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se nega provimento.
(EDcl no Ag 959.393/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/11/2011, DJe 29/11/2011)
O Superior Tribunal de Justiça realiza uma leitura restritiva do art. 105, II, “b”, da Constituição, da mesma forma que o faz em relação ao inciso III do mesmo art. 105 da CF,[14] no que toca à (im)possibilidade de interposição de Recurso Especial em face de Acórdão baixado por Turma Recursal. Vedada a via do Recurso Ordinário para as decisões proferidas pelas Turmas, resta subjugado, o duplo grau de jurisdição, pois não há outro recurso ou sucedâneo apto a ser manejado na via ordinária.
Na senda do entendimento consolidado no âmbito do STJ, é razoável concluir que não haverá duplo grau de jurisdição nos mandados de segurança impetrados em face de ato praticado por juiz que atua no Juizado Especial Federal, por ausência de previsão legal ou constitucional de um recurso ordinário. Em tese, seria possível o aviamento de recurso extraordinário dirigido ao STF, pois o inciso III do art. 102 da Constituição Federal não contém qualquer espécie de seletividade quanto ao órgão judicial prolator da decisão judicial, bastando que a causa seja decidida em “única ou última instância”. É claro que teriam que ser superados vários obstáculos processuais que se encontram nesse caminho, como o reconhecimento de repercussão geral, a não ocorrência de afronta indireta ou reflexa à Constituição, não se tratar de revolvimento de matéria de fato, entre outros. Mas é justamente aqui que reside a incongruência da limitação do direito de recorrer, tal como criada pela jurisprudência: veda-se a recorribilidade ordinária, mas permite-se, em tese, e com todos os seus percalços, a via extraordinária. É legítima essa supressão de um direito pelo poder (jurisdição)?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, vol V. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
CALMON DE PASSOS, J.J. Direito, Poder, Justiça e Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 4ª ed. São Paulo: Dialética, 2006, p. 173-174.
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil, vol. 3. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2010.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007 p. 712.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição. 10 ed. Revista dos Tribunais: 2010.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1. 41ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
NOTAS:
[1] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, vol V. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 237.
[2] NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição. 10 ed. Revista dos Tribunais: 2010, p. 284.
[3] Art. 158. Para julgar as Causas em segunda, e ultima instancia haverá nas Provincias do Imperio as Relações, que forem necessarias para commodidade dos Povos.
[4] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil, vol. 3. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2010, pp. 25-26.
[5] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1. 41ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 514.
[6] CALMON DE PASSOS, J.J. Direito, Poder, Justiça e Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp- 69-70 in DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil, vol. 3. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 22.
[7] EMENTA: I. Duplo grau de jurisdição no Direito brasileiro, à luz da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos. 1. Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado à órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária. 2. Com esse sentido próprio - sem concessões que o desnaturem - não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de única instância ordinária, já na área cível, já, particularmente, na área penal. 3. A situação não se alterou, com a incorporação ao Direito brasileiro da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), na qual, efetivamente, o art. 8º, 2, h, consagrou, como garantia, ao menos na esfera processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de "toda pessoa acusada de delito", durante o processo, "de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior". 4. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação. II. A Constituição do Brasil e as convenções internacionais de proteção aos direitos humanos: prevalência da Constituição que afasta a aplicabilidade das cláusulas convencionais antinômicas. 1. Quando a questão - no estágio ainda primitivo de centralização e efetividade da ordem jurídica internacional - é de ser resolvida sob a perspectiva do juiz nacional - que, órgão do Estado, deriva da Constituição sua própria autoridade jurisdicional - não pode ele buscar, senão nessa Constituição mesma, o critério da solução de eventuais antinomias entre normas internas e normas internacionais; o que é bastante a firmar a supremacia sobre as últimas da Constituição, ainda quando esta eventualmente atribua aos tratados a prevalência no conflito: mesmo nessa hipótese, a primazia derivará da Constituição e não de uma apriorística força intrínseca da convenção internacional. 2. Assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição e menos exigente que o das emendas a ela e aquele que, em conseqüência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b). 3. Alinhar-se ao consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos tratados a ela incorporados, não implica assumir compromisso de logo com o entendimento - majoritário em recente decisão do STF (ADInMC 1.480) - que, mesmo em relação às convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais, preserva a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis ordinárias. 4. Em relação ao ordenamento pátrio, de qualquer sorte, para dar a eficácia pretendida à cláusula do Pacto de São José, de garantia do duplo grau de jurisdição, não bastaria sequer lhe conceder o poder de aditar a Constituição, acrescentando-lhe limitação oponível à lei como é a tendência do relator: mais que isso, seria necessário emprestar à norma convencional força ab-rogante da Constituição mesma, quando não dinamitadoras do seu sistema, o que não é de admitir. III. Competência originária dos Tribunais e duplo grau de jurisdição. 1. Toda vez que a Constituição prescreveu para determinada causa a competência originária de um Tribunal, de duas uma: ou também previu recurso ordinário de sua decisão (CF, arts. 102, II, a; 105, II, a e b; 121, § 4º, III, IV e V) ou, não o tendo estabelecido, é que o proibiu. 2. Em tais hipóteses, o recurso ordinário contra decisões de Tribunal, que ela mesma não criou, a Constituição não admite que o institua o direito infraconstitucional, seja lei ordinária seja convenção internacional: é que, afora os casos da Justiça do Trabalho - que não estão em causa - e da Justiça Militar - na qual o STM não se superpõe a outros Tribunais -, assim como as do Supremo Tribunal, com relação a todos os demais Tribunais e Juízos do País, também as competências recursais dos outros Tribunais Superiores - o STJ e o TSE - estão enumeradas taxativamente na Constituição, e só a emenda constitucional poderia ampliar. 3. À falta de órgãos jurisdicionais ad qua, no sistema constitucional, indispensáveis a viabilizar a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição aos processos de competência originária dos Tribunais, segue-se a incompatibilidade com a Constituição da aplicação no caso da norma internacional de outorga da garantia invocada.
(RHC 79785, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/2000, DJ 22-11-2002 PP-00057 EMENT VOL-02092-02 PP-00280 RTJ VOL-00183-03 PP-01010)
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ARTIGO 5°, PARÁGRAFOS 1° E 3°, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. EMENDA CONSTITUCIONAL 45/04. GARANTIA QUE NÃO É ABSOLUTA E DEVE SE COMPATIBILIZAR COM AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL. PRECEDENTE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Agravo que pretende exame do recurso extraordinário no qual se busca viabilizar a interposição de recurso inominado, com efeito de apelação, de decisão condenatória proferida por Tribunal Regional Federal, em sede de competência criminal originária. 2. A Emenda Constitucional 45/04 atribuiu aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que aprovados na forma prevista no § 3º do art. 5º da Constituição Federal, hierarquia constitucional. 3. Contudo, não obstante o fato de que o princípio do duplo grau de jurisdição previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos tenha sido internalizado no direito doméstico brasileiro, isto não significa que esse princípio revista-se de natureza absoluta. 4. A própria Constituição Federal estabelece exceções ao princípio do duplo grau de jurisdição. Não procede, assim, a tese de que a Emenda Constitucional 45/04 introduziu na Constituição uma nova modalidade de recurso inominado, de modo a conferir eficácia ao duplo grau de jurisdição. 5. Alegação de violação ao princípio da igualdade que se repele porque o agravante, na condição de magistrado, possui foro por prerrogativa de função e, por conseguinte, não pode ser equiparado aos demais cidadãos. O agravante foi julgado por 14 Desembargadores Federais que integram a Corte Especial do Tribunal Regional Federal e fez uso de rito processual que oferece possibilidade de defesa preliminar ao recebimento da denúncia, o que não ocorre, de regra, no rito comum ordinário a que são submetidas as demais pessoas. 6. Agravo regimental improvido.
(AI 601832 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 17/03/2009, DJe-064 DIVULG 02-04-2009 PUBLIC 03-04-2009 EMENT VOL-02355-06 PP-01129 RSJADV jun., 2009, p. 34-38 RT v. 98, n. 885, 2009, p. 518-524)
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROMOTOR DE JUSTIÇA. CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 279-STF. PREQUESTIONAMENTO. PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. I. - O exame da controvérsia, em recurso extraordinário, demandaria o reexame do conjunto fático-probatório trazido aos autos, o que esbarra no óbice da Súmula 279-STF. II. - Ausência de prequestionamento das questões constitucionais invocadas no recurso extraordinário. III. - A alegação de ofensa ao inciso LIV do art. 5º, CF, não é pertinente. O inciso LIV do art. 5º, CF, mencionado, diz respeito ao devido processo legal em termos substantivos e não processuais. Pelo exposto nas razões de recurso, quer a recorrente referir-se ao devido processo legal em termos processuais, CF, art. 5º, LV. Todavia, se ofensa tivesse havido, no caso, à Constituição, seria ela indireta, reflexa, dado que a ofensa direta seria a normas processuais. E, conforme é sabido, ofensa indireta à Constituição não autoriza a admissão do recurso extraordinário. IV. - Não há, no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição. Prevalência da Constituição Federal em relação aos tratados e convenções internacionais. V. - Compete ao Tribunal de Justiça, por força do disposto no art. 96, III, da CF/88, o julgamento de promotores de justiça, inclusive nos crimes dolosos contra a vida. VI. - Agravo não provido.
(AI 513044 AgR, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 22/02/2005, DJ 08-04-2005 PP-00031 EMENT VOL-02186-08 PP-01496)
EMENTA: - Depósito para recorrer administrativamente. - Em casos análogos ao presente, relativos à exigência do depósito da multa como condição de admissibilidade do recurso administrativo, esta Corte, por seu Plenário, ao julgar a ADI 1.049 e o RE 210.246, decidiu que é constitucional a exigência desse depósito, não ocorrendo ofensa ao disposto nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Carta Magna, porquanto não há, em nosso ordenamento jurídico, a garantia ao duplo grau de jurisdição. Por isso mesmo, também o Plenário deste Tribunal, ao indeferir a liminar requerida nas ADIMCs 1.922 e 1.976, se valeu desse entendimento para negar a relevância da fundamentação da inconstitucionalidade, com base nesses dois incisos constitucionais acima referidos, da exigência, para recorrer administrativamente, do depósito do valor correspondente a trinta por cento da exigência fiscal definida na decisão recorrida. Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. - Por outro lado, inexiste ofensa ao artigo 5º, XXXV, "a", da Constituição, porquanto, no caso, não há pagamento de taxa, mas a exigência de depósito de parcela do valor da exação. Recurso extraordinário conhecido e provido.
(RE 356287, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 19/11/2002, DJ 07-02-2003 PP-00047 EMENT VOL-02097-07 PP-01334)
[8] CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 4ª ed. São Paulo: Dialética, 2006, p. 173-174.
[9] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007 p. 712.
[10] Súmula 690 – Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de “Habeas Corpus” contra decisão de Turma Recursal de Juizados Especiais Criminais.
[11] PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MS CONTRA ATO DE TURMA RECURSAL. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CANCELAMENTO DA SÚMULA 690/STF. INTERPOSIÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE APELAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 267/STF. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O enunciado nº 690 da Súmula do Supremo Tribunal Federal rezava que cabia ao STF o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais, entendimento também aplicável ao mandado de segurança, o qual restou superado, com o cancelamento do verbete, antes do julgamento do mandamus na origem.
2. A utilização do writ contra ato judicial deve se dar de forma excepcional, quando inexistentes meios aptos a evitar a lesão a direito. Incidência do enunciado 267 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
3. Recurso ordinário em mandado de segurança a que se nega provimento.
(RMS 26.520/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 12/04/2012, DJe 25/04/2012)
[12] Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.
[13] Constituição Federal – Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
II - julgar, em recurso ordinário:
b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão;
[14] Constituição Federal – Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
Procurador Federal. Bacharel em Direito e em Ciências Contábeis<br>Especialista em Direito Público e em Direito Processuaà l Civil. MBA em Gestão Pública.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RORIZ, Rodrigo Matos. Duplo grau de jurisdição, reexame necessário e mandado de segurança no Juizado Especial Federal - breves considerações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 abr 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34881/duplo-grau-de-jurisdicao-reexame-necessario-e-mandado-de-seguranca-no-juizado-especial-federal-breves-consideracoes. Acesso em: 23 dez 2024.
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