No período compreendido entre o final da I Guerra Mundial e a Reforma do Estado havia o dogma de que este deveria nutrir todas as necessidades da sociedade, gerindo-as unicamente com o aparelhamento público, cabendo aos particulares tão somente financiá-las, sem maiores responsabilidades.
Todavia, na década de 90, com a instabilidade acarretada pelo sistema econômico, financeiro, social e administrativo, reduziu-se drasticamente a dimensão do Estado sem, contudo, diminuir sua carga. A solução foi um modelo inverso ao anterior, que propiciasse ao particular a assunção de responsabilidades públicas, tendo em vista o sucateamento e endividamento do Poder Público.
Sob o contexto da inaptidão do Estado, que deriva, principalmente, da incapacidade do setor público de financiar o desenvolvimento econômico, desencadeou-se uma série de medidas, entre elas, a parceria público-privada, almejando investimentos para diminuir a lacuna existente nos serviços de infra-estrutura.
Tal relação contratual consiste no compartilhamento de riscos entre os setores público e privado objetivando executar projetos que englobam vultosos aportes de receitas a médio e longo prazo.
Entretanto, os investidores privados ainda mostram-se recalcitrantes em alocar recursos no setor público, uma vez que há dúvida se as aplicações retornarão em função da descontinuidade dos governantes que não cumprem os compromissos das administrações anteriores.
Com o propósito de acautelar os interesses particulares e tendo em mira incentivar a participação do setor privado concedendo maior segurança nas relações negociais, surge, dentre outros, a arbitragem – meio alternativo de pacificação social – para dirimir eventuais conflitos de interesses, conforme previsão expressa no artigo 11, III, da Lei n.° 11.079/2004.
Dessa maneira, o setor privado jamais assumiria tais riscos e responsabilidades se não lhe fosse oportunizado resguardar-se com algumas garantias, visando reduzir a preponderância estatal, entre elas, a previsão de arbitragem para dirimir os conflitos decorrentes do contrato de parceria público-privada, porquanto é de sua essência a celeridade, presteza, segurança, eficiência e resolução das disputas através de árbitros especializados em determinadas áreas.
Esse instituto não é uma inovação trazida à baila por essa lei, visto ser um dos mais antigos e eficientes instrumentos utilizados para a solução amigável e imparcial através de árbitros, nos quais as partes resolvem os seus embates.
Nesse jaez, a parceria público-privada apresenta-se como uma espécie de contrato administrativo, dotado de especificidades que o distingue dos demais.
De outro norte, seria legítimo e, quiçá intuitivo, lembrar o regime dos contratos administrativos mediante atribuição de prerrogativas à Administração Pública a implicar os ditames da unilateralidade, com sujeição do outro contratante.
Entretanto, a parceria público-privada consolida uma evolução da relação negocial da Administração Pública, baseada no aumento da base negocial.
Verifica-se a modificação do panorama da atuação da Administração Pública, que começa a consentir a realização de acordos com os administrados, renunciando aos poderes da unilateralidade e imperatividade, empenhando-se em atrair cooperação dos administrados para o desempenho de sua tarefa.
A premissa exposta acerca da atividade negocial da Administração faz ruir a intensidade da verticalização inserta nas suas relações contratuais típicas com o particular, revelando a igualdade e o equilíbrio das posições, a fim de atrair o setor privado e instituir efetiva relação de parceria. Assim, assiste-se ao estreitamento de laços entre o regime de Direito Público e Privado.
Nesse contexto, como ressaltado, a Administração Pública aspira atrair o parceiro privado, possuidor de investimentos, com a arbitragem e outras garantias previstas na lei.
É preciso examinar, ainda, as questões que possam ser submetidas à arbitragem no tocante aos contratos administrativos, especificamente, nas parcerias público-privadas, perscrutando o verdadeiro sentido de disponibilidade e patrimonialidade.
A par disso, a disponibilidade reside nos atos negociais realizados pela Administração Pública, nas ocasiões que dão azo à discricionariedade tanto da origem como da extinção do negócio, porém, jamais interferirão nos atos administrativos eivados de autoridade, impositivos, de império, ou como preferem de puissance publique. A patrimonialidade refere-se aos direitos que encerram feição expressa em valor econômico não apenas os imediatamente revelados pela aferição em pecúnia como também os que possam ser transformados, convertidos e avaliados monetariamente.
Ademais, a indisponibilidade cinge-se ao interesse público primário, de âmbito coletivo, ao passo que no interesse público secundário, respeitante ao ente estatal enquanto pessoa jurídica capaz de abranger direitos, sua esfera de atuação é mais licensiosa.
Portanto, não se confunde disponibilidade dos direitos patrimoniais com indisponibilidade do interesse público.
Ora, mesmo a par de direitos totalmente indisponíveis, existem outros que dependem de uma reflexão com base em diversos valores constitucionais, que em dada oportunidade são mais relevantes, tornando possível seu desfazimento. De acordo com o novo paradigma do contratualismo administrativo, o interesse público não está mais ao talante da Administração, mas sim no juízo de valoração proporcional dos bens, valores e direitos fundamentais em jogo.
Por conseguinte, por vezes a Administração Pública desfaz-se de algum direito patrimonial, sem que isso denote a disposição do interesse público, ao invés, esse só é alcançado mediante a cedência daquele.
Desse modo, o que realmente deve ser realçado nos contratos firmados pelo Poder Público é a natureza dos interesses, bens e direitos colocados em questão.
Conclui-se, então, que não há óbice na convenção de arbitragem nos contratos celebrados pela Administração Pública, inexistindo afronta ou violação do princípio da indisponibilidade do interesse público, quando o pacto redundar na disponibilidade de direitos patrimoniais.
FONTE DE PESQUISA
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Advogada da União, lotada na Procuradoria da União em MT, (ex-procuradora do município de Natal).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAIVA, Marianne Cury. Da juridicidade da arbitragem nos contratos de parcerias público-privadas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35013/da-juridicidade-da-arbitragem-nos-contratos-de-parcerias-publico-privadas. Acesso em: 23 dez 2024.
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