Sumário: 1. Introdução; 2. O Controle Jurisdicional das Políticas Públicas à Luz da Jurisprudência dos Tribunais Superiores; 3 Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Os direitos sociais, espécie de Direitos Fundamentais, constituem aparato indispensável para uma vida digna do indivíduo e para o salutar desenvolvimento da sociedade. A efetivação de tais direitos implica prestação de serviços pela Administração Pública, que é executada por intermédio de políticas públicas.
Assim, entendemos as políticas públicas como o conjunto de metas e diretrizes que norteiam a ação do poder público no esforço de concretizar os direitos sociais, estabelecidos no artigo 6° da Constituição Federal, quais sejam: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.
Destarte, é possível asseverar que o desenvolvimento de políticas públicas é tarefa de relevante importância e dificuldade, sobretudo em países em desenvolvimento cujas carências sociais se alastram pelos diferentes âmbitos. É dever, portanto, do Poder Público melhor empregar o orçamento disponível a fim de atender, prioritariamente, as necessidades sociais que julgue mais prementes.
No entanto, o quadro nacional que se observa hodiernamente é de prestação insatisfatória das políticas públicas e desrespeito aos mais caros direitos dos cidadãos garantidos pela Carta Magna, tais como saúde e educação.
A insatisfação da população diante da prestação indevida dos serviços públicos tem gerado um número crescente de ações no Poder Judiciário a fim de obterem seus direitos garantidos pela constituição e não efetivados pela Administração Pública.
No presente estudo analisaremos, à luz da jurisprudência pátria, a possibilidade ou não do controle jurisdicional ser exercido sobre as políticas públicas e os limites existentes para tanto.
2. O CONTROLE JURISDICIONAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
A atividade administrativa, como bem se sabe é dotada de discricionariedade, ou seja, pode o administrador optar pelo meio mais conveniente e oportuno para o alcance das metas estabelecidas. Contudo, esta discricionariedade encontra limites nos princípios e normas de Direito Público.
Ao Estado foi atribuído um grau de liberdade a fim de expandir o leque de ações do administrador visando à satisfação dos interesses públicos, uma vez que ele atua em diversas áreas. Assim fica claro a importância da discricionariedade nestes casos.
Celso Antônio Bandeira de Melo define discricionariedade como:
“A margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que se cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal.” (2007, p.416)
Conforme Juarez Freitas, é possível definirmos discricionariedade legítima da Administração pública como:
“ (...)a competência administrativa (não mera faculdade) de avaliar e de escolher, no plano concreto, as melhores soluções, mediante justificativas válidas, coerentes e consistentes de conveniência e oportunidade (com razões juridicamente aceitáveis), respeitados os requisitos formais e substanciais da efetividade do direito fundamental à boa administração pública.” (2007, p. 22)
Deve a Administração Pública, na implementação das políticas públicas e em seus demais atos reger-se pela legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, motivação, proporcionalidade, respeitabilidade à participação social e plena responsabilidade a fim de que eles sejam legítimos.
Sabemos que nem sempre isso ocorre daí surge a necessidade de um controle efetivo desempenhado pelo Poder Judiciário. No entanto, grande é a divergência a respeito da possibilidade ou não do controle judiciário sobre as políticas públicas, que consiste em atividade discricionária da Administração Pública.
Freire Junior, em sua obra, apresenta argumentos contrários à legitimidade do Judiciário para controlar as políticas públicas:
“Admitirmos o controle judicial de políticas públicas significaria colocar o judiciário como um superpoder, visto que poderia sempre controlar, mesmo que por razões não tão confessáveis, os atos dos demais poderes. Implicando na quebra de igualdade e Separação dos Poderes. A constituição exige que as escolhas de aplicação de recursos públicos sejam feitas pelos representantes do povo, eleitos democraticamente e não por juízes. A Judicialização da política pode trazer graves prejuízos, especialmente no que tange a imparcialidade dos juízes, visto que o jogo político é incompatível com posições neutras ou imparciais.” (JÚNIOR, 2005, p. 73)
Para esta corrente a intervenção do Judiciário na Administração Pública fere a Separação dos Poderes, que devem ser independentes e harmônicos entre si. Outro argumento que justifica esse pensamento é que os juízes não são representantes do povo eleitos por voto e, portanto, não podem elaborar leis ou determinar onde os recursos públicos devem ser empregados.
Em que pese as críticas, o entendimento das cortes superiores a respeito deste assunto é pela legitimidade do Judiciário no controle das políticas públicas. Em decisão de Recurso Especial, disse a Ministra Eliana Calmon:
“O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade.” (BRASIL, STJ, REsp. 510.259/SP)
Outros julgados provenientes do STJ seguem a mesma linha.
“Se o Poder Público insiste em desconsiderar a norma, fazendo dessa previsão letra morta, caberá controle e intervenção do Judiciário, uma vez que, nestes casos, deixa-se o critério da razoabilidade para adentrar-se a seara da arbitrariedade, fato que, em último grau, caracteriza a omissão como ilegal. A partir do momento em que opta pela inércia não autorizada legalmente, a Administração Pública se sujeita ao controle do Judiciário da mesma forma que estão sujeitas todas as demais omissões ilegais do Poder Público, tais como aquelas que dizem respeito à consecução de políticas públicas.” (REsp 813408 / RS o Ministro Mauro Campbell Marques)
“ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO: NOVA VISÃO.
1. Na atualidade o império da lei e o seu controle a cargo do judiciário, autorizam que se examinem, inclusive as razões de conveniência e oportunidade do administrador.
2.legitimidade do MPF para exigir do município execução de política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de resolução do conselho Municipal dos direitos da criança e do adolescente.
3.Tutela específica para incluir a verba no próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e determinadas.
4.Recurso especial provido.” (BRASIL, STJ, Resp. nº 493.811/2004, 2009, Rel. Eliana Calmon)
Entendimento semelhante possui o STF.
“CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESIDÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA POR CRIANÇA NÃO ATENDIDA - LEGITIMIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” CONTRA O PODER PÚBLICO - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR OS DIREITOSDAS CRIANÇAS - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO - INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PROTEÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS SOCIAIS, ESCASSEZ DE RECURSOS E A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” - RESERVA DO POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL - PRETENDIDA EXONERAÇÃO DO ENCARGO CONSTITUCIONAL POR EFEITO DE SUPERVENIÊNCIA DE NOVA REALIDADE FÁTICA - QUESTÃO QUE SEQUER FOI SUSCITADA NAS RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO -PRINCÍPIO “JURA NOVIT CURIA” - INVOCAÇÃO EM SEDE DE APELO EXTREMO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. POLÍTICAS PÚBLICAS, OMISSÃO ESTATAL INJUSTIFICÁVEL E INTERVENÇÃO CONCRETIZADORA DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL. – (...) Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político- -jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. – (..,)A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à generalidade das pessoas. (ADI 4578 / AC – ACRE; Min. LUIZ FUX; 16/02/2012).”
Portanto, resta claro que o Poder Judiciário possui legitimidade para intervir sobre a Administração Pública na efetivação dos direitos sociais através da implementação de políticas públicas, sobretudo quando esta permanece inerte diante das necessidades da população.
3. CONCLUSÃO
A intervenção do Poder Judiciário na Administração Pública no que diz respeito a implementação das políticas públicas já foi alvo de divergência doutrinária e jurisprudencial, por defenderem que feriria o princípio da Separação dos Poderes. Contudo o entendimento que prevalece atualmente é de considerar legítima a interferência do Judiciário na implementação das políticas públicas, vez que se entende que ao se eximir da prestação, o Poder Executivo está violando a Constituição Federal.
Embora deva haver o respeito à discricionariedade própria do exercício dos Poderes Legislativo e Executivo na formação dessas políticas, deve-se ter em vista os limites desta discricionariedade, bem como os Direitos Fundamentais previstos na Carta Magna.
Visto que as políticas públicas visam à concretização de um rol de Direitos Fundamentais o controle exercido sobre elas consiste na averiguação do cumprimento do disposto da Constituição, a fim de alcançar maior efetividade na satisfação dos Direitos Fundamentais, observando as condições possíveis à Administração Pública.
4. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988.
________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 510.259, julgado em 23/08/2005, Rel. Eliana Calmon, São Paulo. Publicada em DJ 19.09.2005, p. 252.
________. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 493.811/2004, julgado em 11/11/2003, Rel. Eliana Calmon, São Paulo.
________. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n. 813408, julgado em 02/06/20093, Rel. Mauro Campbell Marques, Rio Grande do Sul.
________. Superior Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4578, julgado em 16/02/2012, Rel. Luiz Fux, Acre.
FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. São Paulo: Editora Malheiros, 2007.
FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle Judicial de políticas Públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.
Procurador Federal, Membro da Advocacia Geral da União. Graduado pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Pós-graduado em Direito do Trabalho. Pós-graduando em Direito Administrativo e Direito Penal.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Felipe Grangeiro de. Do controle jurisdicional sobre a discricionariedade da administração pública quando da implementação das políticas públicas à luz da jurisprudência dos tribunais superiores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35182/do-controle-jurisdicional-sobre-a-discricionariedade-da-administracao-publica-quando-da-implementacao-das-politicas-publicas-a-luz-da-jurisprudencia-dos-tribunais-superiores. Acesso em: 23 dez 2024.
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