SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O antigo Código de menores; 2.1 Aspectos relevantes no interstício entre o Código de menores e o ECA; 3. O Estatuto da Criança e do Adolescente: Avanços e retrocessos; 4. Conclusão; Referências.
1. INTRODUÇÃO
O cenário político e social nacional, no início do século XX, era bastante conturbado, período onde se estabelece a preocupação com a criminalidade juvenil.nesse contexto nasce a primeira codificação exclusivamente voltada para tratar dos interesses das crianças e adolescente, qual seja o Código de menores, sancionado em 1927, o chamado “Código Mello Mattos”, em homenagem ao autor do projeto.
Nesse diapasão, o Estado assume a responsabilidade legal pela tutela da criança órfã e abandonada. A criança desamparada, nesta fase, fica institucionalizada, e recebe orientação e oportunidade para trabalhar. A primeira codificação voltada para os menores tornou-se um marco referencial, cumprindo papel histórico.
Todavia, com o passar dos anos, o Código de Menores, em determinado momento, tornara-se insuficiente, frente à realidade modificada. Na transição entre uma e outra realidade, sob novos mecanismos de atenção ao problema da criança, destaca-se a atuação dos Juízes de Menores.
Em seguida, com o processo de redemocratização, promulga-se a tão sonhada Constituição Cidadã de 1988, com significativos avanços. Nesse contexto privilegiado surge o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A nova realidade social e democrática alterava o direito posto. Por isso, torna-se impossível a comparação, fora de contexto, entre dois diplomas que refletem suas épocas. Pode-se dizer que os méritos do ECA não apagam o brilho da obra de Mello Mattos, tendo em vista que um preparou o caminho para o outro.
Assim sendo, ambos os diplomas, estão absolutamente vinculados ao avanços possíveis em seus respectivos períodos históricos. Não seria possível crianças e adolescentes sujeitos de direito, aptos à reivindicação e garantia, sem a anterior definição das obrigações sócio-estatais em favor do menor.
2. O ANTIGO CÓDIGO DE MENORES
O início do século XX foi um período de relevantes mudanças na sociedade brasileira, sobretudo na década de 20, o país atravessou uma fase de crise econômica e política da República Liberal, o que levou a um questionamento sobre o papel do Estado nas questões sociais. Neste período se inauguraram várias instituições para educação, repressão e assistência a crianças, conforme indicam Abreu e Martinez (1997, p. 28-9).
Neste contexto estabelece-se a preocupação com a criminalidade juvenil. Por detrás do pequeno delito se ocultaria a monstruosidade. Havia uma perspectiva higienista, com o viés da eugenia. Unem-se a pedagogia, a puericultura e a ciência jurídica para atacar o problema, tido como ameaçador aos destinos da nação: ‘o problema do menor.
Ocorre a conscientização quanto à gravidade das precárias condições de sobrevivência das crianças pobres. Havia epidemias, superstição materna e pátrio poder impermeável às orientações quanto às providências básicas de saúde e higiene. Era elevada a taxa de mortalidade infantil. No caso dos "expostos", entregues às Santas Casas de Misericórdia, o índice chegava a 70%.
Em 1927 é promulgado o primeiro Código de Menores do Brasil (Decreto nº 17943-A, de 12 de outubro de 1927) no qual a criança merecedora de tutela do Estado era o "menor em situação irregular". Silveira (1984, p. 57) entende que este conceito vem a superar, naquele momento histórico, a dicotomia entre menor abandonado e menor delinqüente, numa tentativa de ampliar e melhor explicar as situações que dependiam da intervenção do Estado. O Poder Judiciário cria e regulamenta o Juizado de Menores e todas suas instituições auxiliares. O Estado assume o protagonismo como responsável legal pela tutela da criança órfã e abandonada. A criança desamparada, nesta fase, fica institucionalizada, e recebe orientação e oportunidade para trabalhar.
Instituía a grande legislação, assim, a primeira estrutura de proteção aos menores, com a definição ideal para os Juizados e Conselhos de Assistência, trazendo clara a primeira orientação para que a questão fosse tratada sob enfoque multidisciplinar.
Sua obra tornou-se um marco referencial, cumprindo papel histórico. A idéia de uma legislação especial, com a característica de sistema, proporcionada por um Código, atribuindo deveres paternos, impondo obrigações estatais e criando estruturas, foi essencial.
2.1 Aspectos relevantes no interstício entre o Código de menores e o ECA
No período compreendido entre 1930 e 1945, cresce o centralismo do Estado assistencialista, denominado Estado Novo, especialmente a organização dos serviços públicos de atendimento, fazendo frente à evidente fragilidade das iniciativas privadas até então hegemônicas.
A revolução de 1930 inaugura politicamente o chamado "Estado social" brasileiro, que atende a muitas reivindicações históricas dos trabalhadores e da população em geral como legislação trabalhista, ensino básico obrigatório e seguridade social, apesar de que de forma a tentar cooptar movimentos sociais importantes num projeto político centralizador e paternalista.
Nesse contexto, as décadas de 30 e 40 foram marcadas pela ênfase na assistência, que se realizava prioritariamente em instituições fechadas. As críticas a este modelo seguiram toda sua trajetória e propuseram várias mudanças até a década de 50, quando as denúncias de superlotação, maus tratos, corrupção, se fizeram mais fortes (Rizzini, 1997-c, p. 44-5).
Surgem, assim, as primeiras iniciativas de assistência asilar, de corte mais preventivo. Este confronto entre discursos e práticas assistenciais de tipo asilar e preventivo, a partir de posturas ora jurídicas, ora médicas ou educativas, expressou o movimento mais geral de busca de uma ordem política, econômica e social coerente com a construção da república.
Até 1935, os menores abandonados e infratores eram, indistintamente, apreendidos nas ruas e levados a abrigos de triagem. Em 1940, se edita o atual Código Penal Brasileiro, onde a idade para a imputabilidade penal se define aos 18 anos. Em 1942 se cria o SAM (Serviço de Assistência ao Menor), órgão do Ministério da Justiça, de orientação correcional-repressiva. O SAM se estruturou sob a forma de reformatórios e casas de correção para adolescentes infratores e de patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos para menores carentes e abandonados. O SAM é reconhecido por muitos autores como a primeira política pública estruturada para a infância e adolescência no Brasil. Surgem, também, nesta época, diversas casas de atendimento sob as ordens da primeira dama, ou seja, diretamente ligadas ao poder central.
Em 1964 os militares tomam o poder num golpe de Estado e começam uma ditadura que se prolonga até a primeira metade da década de oitenta. Em relação às políticas e práticas sobre a infância desamparada, este fato supõe um marco que justifica a identificação do início de uma nova fase histórica, que se estende até o final da década de 80.
Esta fase se inicia com a extinção do SAM e a criação da Funabem (Fundação Nacional do Bem-estar do Menor) e das Febems (Fundação Estadual do Bem-estar do Menor) em cada estado da Federação. A Funabem foi criada a partir das lutas de organismos não governamentais contra a ineficácia do SAM, e conforme as diretrizes oriundas da Declaração da ONU dos Direitos da Criança. Mas o sistema concreto institucional foi criado no espírito da Doutrina da Segurança Nacional, que militarizou a disciplina dentro dos internatos que, a partir de agora, já encerram definitivamente suas portas para a sociedade. A trajetória da criança ia da polícia diretamente até as unidades de recepção da Febem.
Na década de 70 algumas iniciativas começaram a ser tomadas para superar a ineficácia dos modelos do Estado de atenção à criança, tanto por parte da Igreja Católica como do próprio Parlamento. Pouco a pouco, estas iniciativas, associadas ao incremento de grandes problemas sociais como o aumento da violência, analfabetismo e exploração sexual infanto-juvenil, foram minando a legitimidade do caráter autoritário e excludente das políticas para a infância que predominaram nas décadas de 60 e 70. Neste período, surgem novos agentes sociais como movimentos populares de defesa dos direitos das crianças, e outros.
No Brasil, as legislações sempre propugnaram a proteção total da infância, proibindo castigos físicos e direcionando a assistência para caminhos mais abertos que fechados. As práticas, entretanto, sempre privilegiaram o modelo asilar. Mas, nesta fase, se reforça uma política de contenção institucionalizada de corte militarista que, legitimada como política de Promoção Social, logrou sobreviver sob um novo Código de Menores editado em 1979. Este Código já contém a doutrina da proteção integral, mas baseada no mesmo paradigma do menor em situação irregular da legislação anterior.
O Código de Menores de 1979 traz um dispositivo de intervenção do Estado sobre a família, que abriu caminho para o avanço da política de internatos-prisão. O princípio de destituição do pátrio poder baseado no estado de abandono, através da sentença de abandono, possibilitou ao Estado recolher crianças e jovens em situação irregular e condená-los ao internato até a maioridade.
Nesta fase, as instituições passam a ter maior importância que os próprios menores, no sentido em que a disciplina interna e a segurança externa aos muros eram os principais critérios de eficácia dos programas de assistência aos menores.
Os movimentos críticos das políticas para a infância até então vigentes, da década de 70, chegam à década de 80 já apontando para o esgotamento da legislação recém imposta do Código de Menores e da Política Nacional do Bem-estar do Menor.
Com o passar dos anos, o Código de Menores, em determinado momento, tornara-se insuficiente, frente à realidade modificada. Na transição entre uma e outra realidade, sob novos mecanismos de atenção ao problema da criança, destaca-se a atuação dos Juízes de Menores.
Já em 1986, organizações não governamentais de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, influenciadas e influentes no projeto da Convenção dos Direitos da Criança da ONU, iniciaram um movimento em direção a introdução do conteúdo do documento das Nações Unidas na Constituição Federativa do Brasil (CF).
Nesta época, os meninos e meninas de rua se consolidam como símbolo da situação da infância e adolescência desamparadas no Brasil, tanto pela sua importância em termos quantitativos como pela sua crescente organização e conseqüente intervenção no panorama político nacional, com apoios internacionais.
Em seguida, como resultado do processo de redemocratização, promulga-se a tão sonhada Constituição Cidadã de 1988, com significativos avanços. Nesse contexto privilegiado surge o Estatuto da Criança e do Adolescente e inicia-se o conseqüente reordenamento institucional, com a criação da Fundação Centro Brasileiro para a Infância e a Adolescência, em substituição à Funabem, mas com a tarefa peculiar e transitória de fomentar a organização nacional, estadual e municipal dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares.
A promulgação da Constituição da República, em 1988 e do ECA, em 1990, marcam o início de uma nova fase, que pode ser chamada de desinstitucionalizadora, caracterizada pela implementação de uma nova política que se baseia numa legislação que rompeu com paradigmas anteriores de atenção à criança desamparada. Esta fase persiste até os dias atuais.
3. O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA): avanços e retrocessos
A Constituição Federal dispõe acerca das políticas sociais como instrumentos de garantia dos direitos sociais, que por sua vez integram o rol dos direitos e garantias fundamentais. Em seu artigo 227 trata dos deveres da família, da sociedade e do Estado de assegurar, com prioridade absoluta, os direitos das crianças e dos adolescentes.
O referido artigo deu origem ao ECA e o art. 228 define a idade de imputabilidade penal aos dezoito anos, lançando as bases, de acordo com a Convenção dos Direitos da Criança da ONU e documentos afins, do conteúdo dos direitos das crianças e adolescentes brasileiros.
Nogueira (1996, p.715-6) resume o conteúdo do ECA, destacando algumas linhas gerais. A proteção e a garantia dos direitos das crianças e adolescentes se faz, no ECA, através de uma linha de promoção de direitos (artigos 7 a 69), uma linha de efetivação de políticas públicas estatais e comunitárias (artigos 86 a 97) e, finalmente, determinando o processo de reordenamento institucional em função de sua implementação.
O ECA sistematiza, ainda, uma linha de defesa de direitos através da instituição de medidas de proteção (artigos 98 a 102), a explicitação do devido processo legal para apuração de atos infracionais praticados por adolescentes (artigos 103 a 128) e a instituição de um elenco de medidas jurídicas, administrativas e judiciais, de proteção desses direitos (artigos 129-1130 e 208 a 258).
Veronese (1996) destaca o caráter inovador do ECA na parte referente ao acesso à justiça, que é a proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos referentes às crianças e adolescentes. É o que garante, ao menos formalmente, o acesso à educação e à serviços de saúde, por exemplo, a grande parte da população infantil e, também, aos adolescentes privados de liberdade.
A responsabilidade da família e da comunidade em garantir os direitos das crianças aparece, de forma declarativa, na parte geral e, de forma prescritiva, na parte especial, quando se normatizam as medidas pertinentes aos pais ou responsáveis e os crimes e infrações administrativas.
Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente seja considerado como uma codificação bastante avançada, o sistema organizacional não encontra-se devidamente estruturado, ainda há árdua batalha para a criação dos Conselhos Tutelares e dos Conselhos de Direitos, para seu aparelhamento e para conscientização de Conselheiros e autoridades.
4. CONCLUSÃO
Diante do exposto, pode-se concluir que a primeira codificação direcionada para menores, o Código de Menores, instituído em 1927, estava voltado para suprir as necessidades de proteção à criança e ao adolescente, de acordo com as balizas do cenário político, econômico e social da época.
Nesse sentido, após a instituição do Código “Mello Matos” até a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (1927 a 1990), o cenário político e social no Brasil passou por diversas transformações que culminaram no processo de redemocratização e promulgação da ‘Constituição Cidadã’ em 1988, e por consectário a instituição do ECA.
Entre as duas codificações, sessenta e três anos da conturbada história nacional se passaram, trazendo muitos avanços à tutela da infância e da adolescência, tais como a implementação de diversas medidas de proteção aos menores, que contam com a fiscalização do Ministério Público e da Defensoria Pública. Contudo, ainda há muito por se fazer em relação à estruturação do sistema tutelar nacional, e às políticas públicas voltadas para a proteção dos menores.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Denilson Cardoso de; COUTINHO, Inês Joaquina Sant'Ana Santos. 80 anos do Código de Menores. Mello Mattos: a vida que se fez lei. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1673, 30 jan. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10879>. Acesso em: 22 abr. 2013.
FAJARDO, Sinara Porto. Retórica e realidade dos Direitos da criança no Brasil. Abmp. Diponível em <http://www.abmp.org.br/textos/2501.htm>. Acesso em: 21 abr. 2013.
Bacharela em Direito pela Faculdade Guanambi; desde 2007 exerce o cargo efetivo de técnico judiciário do Tribunal Regional Eleitoral De Alagoas, removida para o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAES, Janiere Portela Leite. O Código de Menores e o Estatuto da Criança e do Adolescente: avanços e retrocessos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35183/o-codigo-de-menores-e-o-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-avancos-e-retrocessos. Acesso em: 22 dez 2024.
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