Historicamente, em síntese, é possível listar três diferentes modelos de Administração Pública: a administração patrimonialista, a burocrática e a gerencial.
Administração Pública burocrática, que surgiu basicamente com o advento do Estado Liberal, busca romper com o modelo anterior, patrimonialista, pois separa os interesses pessoais do detentor do poder e os instrumentos colocados à disposição do Poder Público para garantir a satisfação do interesse público. Tem como objetivo defender a sociedade contra o poder arbitrário do soberano.
No modelo de Administração burocrática são adotadas uma série de medidas cujo objetivo é a defesa da coisa pública, em contraposição ao período patrimonialista antecedente, cuja característica principal é a confusão entre patrimônio público, Estado, e o patrimônio particular do detentor do poder.
O modelo burocrático enfatiza aspectos formais, controlando processos de decisão, estabelecendo uma hierarquia funcional rígida, baseada em princípios de profissionalização e formalismo. Os procedimentos formais são feitos por funcionários especializados, com competências fixas, sujeitos ao controle hierárquico. Há a profissionalização do funcionário burocrático, que exerce o cargo técnico em razão de sua competência, comprovada por processo de seleção. Afasta-se o nepotismo e as relações de apadrinhamento. O exercício de cargos públicos passa a ser uma profissão, com remuneração previamente conhecida pelo indivíduo e pela sociedade. Houve, nesse período, a criação das primeiras carreiras para funcionários públicos e a realização dos primeiros concursos públicos, efetuados no Governo Vargas, na década de 30.
Na Administração burocrática, inicialmente não havia controle finalístico ou de resultados, pois o foco era tornar a Administração Pública impessoal. Esses objetivos somente apareceram com o surgimento da Administração gerencial.
O texto constitucional de 1988, em sua redação original, traz inúmeras disposições que lembram características do modelo burocrático, enfatizando o controle entre os poderes, a instituição de Tribunais de Conta, estabelecendo princípios que regem a atuação administrativa, especificando garantias dos agentes públicos quanto ao sistema remuneratório, previdenciário, estabilidade, entre outras.
Nesse contexto, citamo, o disposto no art. 37, em sua redação original, que previa como princípios da Administração Pública a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade. Além disso, nos termos do inciso II, redação atual, a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. O inciso X especifica que a remuneração dos servidores públicos e o subsídio somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices. O inciso XV especifica que, salvo as exceções previstas, os vencimentos e subsídios ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis.
Um exemplo de que a Constituição Federal estabelece que o administrador não pode utilizar a máquina pública para se autopromover é a previsão do §1º do art. 37: “ A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.”
O princípio da legalidade, no modelo burocrático, possui máxima relevância na questão do controle exercido sobre a atuação do agente e da própria atuação do Estado, na medida em que somente pode atuar nos limites da previsão legal (princípio da legalidade estrita – ao administrador só é dado fazer o que a lei permite).
Com a passagem para o modelo de Administração Pública gerencial, presente em um Estado não mais prioritariamente produtor de bens e serviços, mas regulador da economia e da sociedade, tanto no aspecto econômico como de outras questões sociais relevantes, como o meio ambiente, o enfoque muda, passando para o controle de resultados pretendidos, atenuando os rígidos controles procedimentais do período antecedente.
A partir do momento em que houve a transformação do modelo de Estado Social para o Estado Regulador, a administração passou a se ocupar de funções gerenciais, de gestão do patrimônio e das tarefas do Estado. Desloca-se o foco do princípio da legalidade, do controle de procedimentos, para enfatizar o controle de resultado a ser obtido pela administração, com o cumprimento de metas e emprego eficaz do dinheiro público, havendo redução de custos e buscando-se o emprego eficaz do dinheiro público e, por consequência, aumentando a qualidade dos serviços prestados pelo Estado. Em síntese, a Administração Pública gerencial busca o atingimento de metas com a eficiência necessária.
O alicerce desse terceiro modelo de Administração Pública é o princípio da eficiência, o qual foi inserido no caput da Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional n.º 19, de 1998.
A Administração Pública gerencial revê as características principais do modelo burocrático, ou seja, as estruturas rígidas, a hierarquia, a subordinação, o controle de procedimentos, passando a direcionar a atuação para o controle de resultados pretendidos. Nesse contexto, o modelo gerencial possui maior ênfase no princípio da eficiência que, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, não pode ser concebido senão na intimidade do princípio da legalidade, porquanto a busca da eficiência jamais seria justificada pela postergação daquele que é o dever administrativo por excelência.[1]
Emerson Gabardo, em sua obra “Eficiência e Legitimidade do Estado”, assim contextualiza o princípio da eficiência:
No Brasil, a eficiência tornou-se princípio constitucional expresso a partir da Emenda Constitucional nº 19/98, que alterou a redação do caput do artigo 37. Isso não implica asserir que a reforma introduziu uma novidade no sistema administrativo nacional. O princípio constitucional da eficiência administrativa já se denotava implícito na Carga Magna. Assim sendo, é importante considerar que a natureza da eficiência como norma constitucional não compreenderá a essência neoliberal que permeou os trabalhos reformadores. A eficiência como mero símbolo ou valor ideológico não se confunde com a sua manifestação jurídico-normativa.[2]
Entre vários meios de atuação da Administração Pública gerencial, há a parceria com a sociedade civil e uma maior autonomia para as entidades administrativas. A eficiência da administração pública, a necessidade de reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços públicos prestados, tendo o cidadão como beneficiário, torna-se a meta do Estado, a essência da atividade desempenhada por este.
A Administração Pública gerencial deve ser permeável à maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil e deslocar a ênfase dos procedimentos – meios, para os resultados - fins. Essas entidades passam a ser denominadas de terceiro setor, podendo também ser chamada de entidades paraestatais, na medida em que atuam ao lado do Estado. Maria Sylvia Di Pietro ensina que:
Os teóricos da Reforma do Estado incluem essas entidades no que denominam de terceiro setor, assim entendido aquele que é composto por entidades da sociedade civil de fins públicos e não lucrativos; esse terceiro setor coexiste com primeiro setor, que é o Estado, e o segundo setor, que é o mercado. Na realidade, ele caracteriza-se por prestar atividade de interesse público, por iniciativa privada, sem fins lucrativos; precisamente pelo interesse público da atividade, recebe em muitos casos ajuda por parte do Estado, dentro da atividade de fomento; para receber essa ajuda, tem que atender a determinados requisitos impostos por lei que variam de um caso para outro; uma vez preenchidos os requisitos, a entidade recebe um título, como o de utilidade pública, o certificado de fins filantrópicos, a qualificação de organização social. (...) Normalmente, celebram convênio com o poder público, para formalizar a parceira.[3]
A ampliação da participação democrática inserida com a administração gerencial é um dos meios de defender a coisa pública. Portanto, a Administração Pública deve enfatizar resultados, contrapondo-se à ideologia do formalismo e do rigor técnico da burocracia tradicional.
Com a adoção do modelo de Estado Gerencial no Brasil, o que ocorreu, basicamente, com o advento da Emenda Constitucional n. 19, de 1998, ganhou importância à participação das entidades não governamentais na realização de políticas públicas.
A prestação de serviços públicos não exclusivos do Estado, ou seja, não correspondentes à manifestação de uma feição do poder do Estado, como o poder de polícia, ganhou novos modelos. Trata-se do estabelecimento de parceria com o Terceiro Setor para prestação de serviços como saúde, educação, pesquisa científica, fomento, entre outros.
A prestação de serviços público por intermédio de agentes não estatais, atuando sob formas menos rígidas e sujeita ao controle estatal quanto aos resultados, é aplicação prática do princípio da eficiência. Tal mudança visa, na verdade, ao acréscimo de qualidade na prestação dos serviços públicos sociais, perdida com a crise de financiamento que levou à derrocada do Estado Social.
Segundo José dos Santos Carvalho Filho[4],
O primeiro grande passo para mudar o desempenho do Estado como prestador de serviços foi o Programa Nacional de Desestatização, instituído pela lei nº 8.031, de 12/4/1990. Posteriormente, essa lei foi revogada pela Lei nº 9.491, de 9/9/1997, que, embora alterando procedimentos previstos na lei anterior, manteve as linhas básicas do Programa.
Assim, através de um programa de privatizações transfere-se para o setor privado a tarefa da produção, em princípio, mais eficiente. Ainda, por um programa de publicização, desloca-se para o setor público não-estatal a produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle. O Estado continuará como promotor dos serviços básicos, subsidiando-os, buscando o fortalecimento das funções de regulação e de coordenação do Estado.
Na Administração Gerencial entra a figura dos entes de cooperação, que colaboram com o Estado e são chamados também de entes paraestatais. Alguns autores costumam chamá-los de terceiro setor. Como estão fora da administração, sua natureza jurídica é de pessoa jurídica de direito privado. Essas pessoas jurídicas não podem ter fins lucrativos, não foram criadas para o lucro, que, se eventualmente, acontecer, deve ser aplicado nas funções institucionais, mas não é seu principal objetivo.
Maria Sylvia Di Pietro, ao analisar o chamado “terceiro setor”, explica que,
Nesse mesmo sentido de entidades paralelas ao Estado, podem ser incluídas, hoje, além dos serviços sociais autônomos, também as entidades de apoio (em especial fundações, associações e cooperativas), as chamadas organizações sociais e as organizações da sociedade civil de interesse público.
(...)
Em todas essas entidades estão presentes os mesmos traços: são entidades privadas, no sentido de que são instituídas por particulares; desempenham serviços não exclusivos do Estado, porém em colaboração com ele; recebem algum tipo de incentivo do poder público; por essa razão, sujeitam-se a controle pela Administração Pública e pelo Tribunal de Contas. Seu regime jurídico é predominantemente de direito privado, porém parcialmente derrogado por normas de direito público. Integram o terceiro setor, porque nem se enquadram inteiramente como entidades privadas, nem integram a Administração Pública, direta ou indireta. Incluem-se entre as chamadas organizações não governamentais (ONGs). Todas essas entidades enquadram-se na expressão entidade paraestatal.[5]
Referências bibliográficas:
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21.ed.,Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
GABARDO, Emerson. Eficiência e Legitimidade do Estado: uma análise das estruturas simbólicas do direito político. Barueri, SP: Manole, 2003.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 110.
PIETRO, Maria Sylvia Di. Direito Administrativo. 15.ed., São Paulo: Atlas, 2003.
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 110.
[2] GABARDO, Emerson. Eficiência e Legitimidade do Estado: uma análise das estruturas simbólicas do direito político. Barueri, SP: Manole, 2003, p. 185.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15. Ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 413/414.
[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21.ed.,Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 331.
[5] PIETRO, Maria Sylvia Di. Direito Administrativo. 15.ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 413/414.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARTURI, Claudia Adriele. Os modelos de Administração Pública: patrimonialista, burocrática e gerencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 maio 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35190/os-modelos-de-administracao-publica-patrimonialista-burocratica-e-gerencial. Acesso em: 23 dez 2024.
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