1 INTRODUÇÃO
Em alguns Estados, há Vara Federal especializada em matéria agrária que possui competência em todo o Estado.
Ante a disposição interna que determina a competência absoluta (funcional) da Vara Federal da Seção Judiciária do Estado, em matéria agrária, com jurisdição em todo o Estado, esta era tida a competente para o processamento e julgamento da ação de desapropriação por interesse social para fim de reforma agrária.
Todavia, a interiorização da Justiça Federal fez surgir uma dúvida para os operadores do direito, qual seja, a de se instalação de Vara Federal na Subseção que abranja o imóvel rural expropriando faz com que haja o deslocamento da competência da Vara Especializada localizada na capital, para o foro do interior.
O objetivo do presente trabalho é analisar a questão relativa a qual o juízo competente para processar e julgar a ação de desapropriação por interesse social, para fim de reforma agrária, à luz da jurisprudência dos tribunais superiores.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Natureza real da ação de desapropriação
A ação de desapropriação por interesse social, para fim de reforma agrária, importa na transmissão da propriedade do imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social para o INCRA, a quem se impõe o pagamento de prévia e justa indenização, relativamente às benfeitorias úteis e necessárias, que devem ser indenizadas em dinheiro, e à terra nua, que deve ser indenizada em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei, conforme disposto no caput e no § 1º do art. 184 da Constituição Federal.
A 1ª Turma do STJ, no julgamento do REsp 46.899/SP[1], afirmou a natureza real das ações de desapropriação direta e indireta, por importarem na trasmissão da propriedade imobiliária para o ente público, a quem compete efetuar o pagamento pela aquisição da propriedade.
2.2 Incidência do art. 95 do CPC
O art. 95 do CPC preceitua que nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa.
Considerando o exposto no item anterior, o foro da situação da área desapropriada é competente para julgamento de ação de desapropriação, nos termos do art. 95 do CPC.
Trata-se de competência absoluta e, portando, inderrogável, de modo a incindir o princípio do forum rei sitae na fixação da competência da Vara Federal com jurisdição sobre o imóvel objeto da ação de desapropriação.
Nesse sentido são os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. FORO COMPETENTE. - A CHAMADA AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA E, NA SUA SUBSTANCIA, AÇÃO REIVINDICATÓRIA QUE SE RESOLVE EM PERDAS E DANOS, DIANTE DA IMPOSSIBILIDADE DE O IMÓVEL VOLTAR A POSSE DO AUTOR, EM FACE DO CARÁTER IRREVERSIVEL DA AFETAÇÃO PÚBLICA QUE LHE DEU A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. APLICAÇÃO DO ART-95 DO CPC. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (RE 102574, Relator(a): Min. SOARES MUNOZ, Primeira Turma, julgado em 19/10/1984, DJ 08-11-1984 PP-18772 EMENT VOL-01357-03 PP-00673 RTJ VOL-00112-01 PP-00433)
EMENTA: Competência. Ação fundada em direito real sobre imóvel (anulação de atos jurídicos, cancelamento de transcrição e reivindicação). Mesmo sendo réu o Estado, que normalmente responde perante vara especializada da Capital, deve prevalecer a competência do foro da situação do imóvel Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 90676, Relator(a): Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, Primeira Turma, julgado em 23/09/1980, DJ 10-10-1980 PP-08021 EMENT VOL-01187-02 PP-00540 RTJ VOL-00095-01 PP-00347)
2.3 Competência da Vara Federal de Subseção do interior diante da posterior criação Vara Federal especializada em matéria agrária na capital com competência em todo o Estado.
Já houve quem questionasse se, proposta a ação de desapropriação perante uma Vara Federal de Subseção do interior, haveria deslocamento da competência desta com a criação de uma Vara Federal especializada em matéria agrária na capital com competência em todo o Estado.
O Superior Tribunal de Justiça, instado a decidir a questão, manteve incólume a aplicação do art. 95 do CPC ao caso, consoante julgado a seguir ementado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. COMPETÊNCIA. VARA ESPECIALIZADA. SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA. 1. O foro competente para julgamento de ação de desapropriação é o da situação da área desapropriada. Não se desloca a competência de Vara Federal de Subseção do interior com a criação de vara especializada na capital. 2. Recurso especial não provido. (REsp 1027214/CE, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/08/2008, DJe 02/09/2008)
Tem-se, pois, que a competência para julgar feito relativo a ação de desapropriação é da Vara Federal com jurisdição sobre o imóvel objeto da ação, ainda que sobrevenha a criação de Vara Federal especializada em matéria agrária na capital com competência em todo o Estado.
2.4 Competência da Vara Federal de Subseção do interior criada após a Vara Federal especializada em matéria agrária na capital com competência em todo o Estado.
Outro questionamento que se impõe é se, proposta a ação de desapropriação perante a Vara Federal especializada em matéria agrária na capital com competência em todo o Estado, haveria deslocamento da competência desta com a criação de uma Vara Federal de Subseção do interior, com jurisdição sobre o imóvel objeto da ação.
In casu, o desaforamento favorece o andamento do feito, na medida em que o juízo com jurisdição sobre o imóvel desapropriado, em razão da maior proximidade das circunstâncias da causa, tem maior facilidade de proceder à instrução probatória.
Nesse sentido, é copiosa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. FORO DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL. ENCAMINHAMENTO DO FEITO PARA A VARA FEDERAL COM JURISDIÇÃO NA MUNICÍPIO ONDE LOCALIZADO O IMÓVEL LITIGIOSO. LEGALIDADE. APLICAÇÃO EFETIVA DO ART. 95 DO CPC. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO-PROVIDO. 1. Trata-se de recurso especial fundado na alínea “a” do permissivo constitucional, manejado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra em autos de agravo de instrumento tirado de ação expropriatória, onde o litígio busca definir a competência para o julgamento de ação expropriatória. A ação foi intentada originalmente na vara federal de competência agrária em todo o Estado (o imóvel litigioso está situado no Município de Jaguaruana/CE); contudo, com a superveniente instalação de vara federal no foro da situação do imóvel (15ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Ceará), para esse Juízo foram remetidos os autos. Contra essa decisão foi apresentado agravo de instrumento que, denegado, resultou no acórdão impugnado pelo Incra em recurso especial, sob a alegada violação dos artigos 87 e 95 do Código de Processo Civil, sob a tese de que a competência para o julgamento de processos de natureza agrária é absoluta, em razão da matéria, e exclusiva da vara especializada em direito agrário, não se aplicando o disposto no referido artigo 95 do CPC: “Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa [...].” 2. A matéria controversa está pontualmente delimitada e sua pretensão se apresenta manifestamente descabida, pelas razões seguintes: a) o imóvel expropriado está situado na jurisdição da 15ª Vara Federal – CE, Juízo para onde, adequadamente, foi encaminhado o feito; b) Resolução (n. 10) do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em perfeita sintonia com os dispositivos processuais aplicáveis, amparou a decisão do Juízo singular. Precedentes: CC 46.771/RJ, DJ 19/09/2005, Rel. Min. Denise Arruda; AgRg no REsp 464.392/DF, DJ 03/05/2004, Rel. Min. Denise Arruda; REsp 884.489/RJ, DJ 14/08/2007. 3. Recurso especial conhecido e não-provido. (REsp 955.105/CE, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/05/2008, DJe 23/06/2008)
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AO 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. DESAPROPRIAÇÃO. COMPETÊNCIA. CRIAÇÃO. VARA FEDERAL. SUBSEÇÃO DO INTERIOR. SITUAÇÃO DA ÁREA DESAPROPRIADA. DESLOCAMENTO. 1. Não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional quando todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia foram analisadas e decididas, ainda que de forma contrária às pretensões do recorrente. 2. Quanto à questão de fundo, a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o foro da situação da área desapropriada é competente para julgamento de ação de desapropriação. Inteligência do art. 95 do Código de Processo Civil. 3. Assim, revela-se possível o deslocamento da competência de Vara Especializada na capital com a criação de Vara Federal de Subseção do interior, porquanto, o desaforamento tem por objetivo promover o andamento do feito, na medida em que o juízo mais próximo ao local da área desapropriada terá maior acesso às circunstâncias que permeiam a causa, o que facilita a instrução probatória. 4. Recurso especial não provido. (REsp 1030793/CE, Rel. MIN. CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 25/03/2008, DJe 27/05/2008)
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INSTALAÇÃO DE NOVAS VARAS FEDERAIS. REDISTRIBUIÇÃO DE PROCESSOS. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO. NATUREZA REAL. ARTIGO 95 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. FORO DE SITUAÇÃO DO IMÓVEL. FORUM REI SITAE. 1. A perpetuatio jurisdictionis tem como ratio essendi a competência territorial relativa, no afã de fixar-se no domicílio do réu, no momento da demanda, ainda que o demandado altere a posteriori o seu domicílio. 2. A competência para as ações fundadas em direito real sobre bem imóvel (CPC, art. 95, in fine) é absoluta e, portando, inderrogável, de modo a incindir o princípio do forum rei sitae, tornando-se inaplicável o princípio da perpetuatio jurisdictionis. 3. A superveniente criação de Vara Federal, situada no local do imóvel, desloca a competência para esse Juízo, na forma do art. 87, do CPC, que assim dispõe: Art. 87 - Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia. 4. A competência absoluta do local do imóvel justifica-se em razão da melhor aptidão do juiz de determinado território para exercer a sua função, cuja competência transmuda-se de relativa para absoluta, em face da natureza pública do interesse que a informa. Precedentes: (REsp 936.218/CE, DJ 18.09.2007; AgRg no REsp 958544/PE, DJ 19.10.2007 Resp. REsp. 549.508/SP, DJ. 19.12.2005; Resp. 819225/PR, DJ.16.10.2006; CC. 46771/RJ, DJ. 19.09.2005; CC. 5008/DF, DJ. 14.12.1993) 5. Nesse sentido, é cediço em sede de abalizada doutrina: "A determinação da competência em razão da situação da coisa, ou, mais precisamente, em razão da situação do imóvel, cria o chamado forum rei sitae, herança romana, da época imperial. Justifica-se pela evidente conveniência do andamento do processo no foro da situação do imóvel sobre que versar a lide e que se manifesta na diminuição de despesas e de tempo na prática de certos atos e por possibilitar ao juiz da causa o exame direto das coisas sobre que incidir a sua decisão. Com efeito, em quase todas ações relativas a imóvel se produzem vistorias, que são provas de fatos ou circunstâncias inerentes a este, as quais não poucas vezes reclamam a presença do juiz. Demais, é aconselhar-se que, nessas ações, o juiz, 'a fim de se esclarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa', se valha da chamada inspeção judicial e se locomova até o imóvel sempre que julgar isso necessário 'para melhor verificação ou interpretação dos fatos que deva observar' (Cód. Proc. Civil, arts. 440 e 442, nº I). O Código de Processo Civil de 1939 instituía o forum rei sitae para as ações relativas a imóvel, isto é, para as ações ditas imobiliárias. Restringiu o Código atual a competência daquele foro para as ações reais imobiliárias. (Moacyr Amaral Santos. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 1º volume, 5ª ed., Editora Saraiva, 1977, p. 199). 6. Recurso especial desprovido. (REsp 885.557/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/12/2007, DJe 03/03/2008 LEXSTJ vol. 224, p. 176)
Transparece, portanto, que, mais uma vez, a regra do art. 95 do CPC, foi aplicada.
3 CONCLUSÃO
Do quanto se expôs, conclui-se que, ante a natureza real da ação de desapropriação, por aplicação da regra do art. 95 do CPC, a Vara Federal da Subseção Judiciária em cuja jurisdição está situado o imóvel rural expropriando, é competente para processar e julgar a ação de desapropriação por interesse social, para fim de reforma agrária, sendo irrelevante a posterior criação de Vara Federal especializada em matéria agrária na capital com competência em todo o Estado, notadamente porque a esta, se criada antes, cabe redistribuir os processos para as Varas do interior, em observância ao princípio do forum rei sitae.
REFERÊNCIAS
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 9. ed. Salvador: Juspodivm, 2008, vol. I.
DESTEFENNI, Marcos. Manual de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2012.
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
NERY JÚNIOR, Nélson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Turma. REsp n. 46.899/SP. Relator: Ministro César Asfor Rocha. Publicado no DJ de 6 de junho de 1994.
Procurador Federal, pós-graduado em Direito Constitucional do Trabalho e pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Federal da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Iuri Cardoso de. Notas sobre a competência para processar a julgar ação de desapropriação por interesse social para fim de reforma agrária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 maio 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35291/notas-sobre-a-competencia-para-processar-a-julgar-acao-de-desapropriacao-por-interesse-social-para-fim-de-reforma-agraria. Acesso em: 23 dez 2024.
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