I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa[1] a palavra “conciliar” possui diversos significados: pôr em harmonia; pôr de acordo; congraçar (reatar relações, fazer as pazes); reconciliar( tornar amigos,restituir à graça de Deus); aliar, unir, combinar; atrair, captar, conseguir ficar em paz, em harmonia, consigo mesmo.
A pacificação social está no rol dos objetivos fundamentais da República (art. 3º, I daConstituição Federal), sendo uma das atribuições do magistrado, como agente político, a implementação de alternativas jurisdicionais, adequadas e céleres, para a consecução desse objetivo (art. 5º, LXXVIII, também da CF).
O Conselho Nacional de Justiça disponibiliza em seu site[2] a seguinte definição:
“É um meio alternativo de resolução de conflitos em que as partes confiam a uma terceira pessoa (neutra), o conciliador, a função de aproximá-las e orientá-las na construção de um acordo. O conciliador é uma pessoa da sociedade que atua, de forma voluntária e após treinamento específico, como facilitador do acordo entre os envolvidos, criando um contexto propício ao entendimento mútuo, à aproximação de interesses e à harmonização das relações”.
Dessa forma, a conciliação pode ocorrer tanto dentro de um processo judicial como fora dele, nas hipóteses de conflitos ainda não judicializados.
O histórico da Conciliação no Brasil é marcado por idas e vindas. Prevista nas Ordenações Manuelinas (1514) e Filipinas (1603, Livro III, Título XX, § 1º), a Conciliação continuou presente no art. 161 da primeira Constituição Imperial[3], ao proclamar que “Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliação não se começará processo algum”.
Na segunda metade do século XIX, porém, a conciliação foi esquecida, não tendo sido prevista pelo Código de Processo Civil de 1939. Só em 1974 com um novo Código de Processo Civil se ressuscitou tal instituto.
A Conciliação voltou ao ordenamento jurídico brasileiro devido a inúmeros motivos, quais sejam: sobrecarga dos tribunais; complexidade da estrutura da Justiça Comum, pouco ou nenhum acesso do povo à Justiça; despesas altas com os processos; solução rápida para os litígios; decisões são mais bem aceitas; alternativa de pacificação social.
Hoje, no Brasil, a conciliação está prevista nos Juizados Especiais Cíveis - Lei 9.099/95; na Lei de Arbitragem – Lei 9.307/96; no atual Código de Processo Civil – Lei 5.869/73, nos Juizados Especiais Federais – Lei 10.259/2001, dentre outros instrumentos.
Imperioso ressaltar, entretanto, que é na Justiça do Trabalho onde esse instrumento mais se fortaleceu e tem sido levado à prática, já que a conciliação sempre foi objetivo precípuo do processo do trabalho, sendo ainda considerada um princípio dessa matéria jurídica[4].
Feitas as considerações iniciais, passemos agora a expor o instituto em estudo no âmbito do processo civil brasileiro.
II - A CONCILIAÇÃO NO CODIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
Inicialmente, registre-se que a Lei 10.444/02 alterou o Código de Processo Civil de 1973, dentre outros pontos, quanto à denominação da primeira audiência a ser realizada no processo, já que antes era audiência de conciliação e após passou-se a denominar-se audiência preliminar. Eis a atual redação do CPC:
Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 1o Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 2o Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 3o Se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o processo e ordenar a produção da prova, nos termos do § 2o. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
Segundo Luiz Guilherme Marinoni[5], “a “audiência preliminar” tem entre os seus principais fins o da tentativa de conciliação, objetivo que, além de eliminar o conflito mais rapidamente e sem tanto gasto, possibilita a restauração da convivência harmônica entre as partes.”
Ainda alertou Mauro Capalletti[6] que “a conciliação – ao contrário da decisão que declara uma parte “vencedora” e a outra “vencida” – oferece a possibilidade de que as causas mais profundas do litígio sejam examinadas, recuperando-se o relacionamento cordial entre os litigantes”.
Pois bem. Não ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 329 e 330 do CPC, quais sejam, a extinção do processo sem exame do mérito ou com exame do mérito em razão da autocomposição, prescrição, decadência ou julgamento antecipado da lide, e versando a causa sobre direitos que admitam transação, o artigo 331 do CPC (acima transcrito) prevê uma audiência prévia com o desígnio de tentar a composição amigável das partes e também de preparar o feito para a fase instrutória, fixando os pontos controvertidos, decidindo as questões processuais pendentes, determinando as provas a serem produzidas e, se necessário, designando audiência de instrução e julgamento.
Como se denota, o objetivo do legislador não foi somente propiciar oportunidade exclusiva à conciliação. Existem outros objetivos a serem alcançados nessa fase processual, onde a composição da lide é apenas uma de suas etapas, tendo sido oportuna, portanto, a alteração de nomenclatura da primeira audiência realizada no procedimento estabelecido no CPC.
Assim, não ocorrendo a conciliação, o juiz, antes da audiência de instrução e julgamento, organizará o feito de molde a evitar discussões desnecessárias, que frequentemente implicam na protelação do julgamento do processo de conhecimento, definindo, ainda, os limites dentro dos quais o feito deverá ser examinado.
Ainda dispõe o artigo em comento que a audiência preliminar deve ser marcada somente nos casos de direitos que admitirem a transação, sendo eles disponíveis ou indisponíveis. Nesse ponto, registre-se que apesar de indisponíveis, e aqui citamos alguns exemplos, como o direito a alimentos, guarda de filhos e algumas causas coletivas, o direito pode ter um conteúdo econômico transacionável apesar de irrenunciável (com efeito, as partes podem negociar sobre a forma de pagamento ou o montante do valor devido).
Por fim, Fredie Didier Jr. destaca em sua obra[7] que há um tripé normativo em favor da conciliação: o art. 125, IV (que estabelece o dever do magistrado conciliar as partes a qualquer tempo), o art. 331 (que introduz no procedimento ordinário uma audiência preliminar à fase de instrução probatória) e o art. 447 (que prevê uma tentativa de conciliação no inicio da audiência de instrução).
Percebe-se que pelo Código de Processo Civil atual a conciliação pode ser realizada em qualquer momento processual, mas por ter que dividir-se o juiz ora com a tentativa de conciliação e o saneamento do processo e ora com a tentativa de conciliação e a instrução processual, é comum que se privilegie o saneamento e a instrução que são medidas práticas e que impulsionam o processo por designação do magistrado.
O que se vê, portanto, é um processo lento, demorado, e totalmente impulsionado pelo Juiz ou expedientes cartorários, e não pelas partes, as maiores interessadas na solução do litígio. Ademais, se tem notícia de que como as audiências demoram demais para serem marcadas, os juízes facultam as partes que se manifestem sobre o interesse na realização da audiência de conciliação. No silêncio, é dado andamento ao processo sem qualquer tentativa de acordo, prática que tem se sobreposto ao disposto no CPC.
Essa é a realidade dos dias de hoje: apesar de prevista a audiência de conciliação esta é totalmente desprestigiada!!
III – O ESPIRITO CONCILIATÓRIO DO ANTEPROJETO DE REFORMA DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
Seguindo, entretanto, a tendência das legislações modernas onde o princípio da celeridade rege a realização da justiça, o anteprojeto de reforma do Código do Processo Civil visa dar celeridade ao Poder Judiciário, possibilitando assim uma Justiça mais rápida e, naturalmente, mais efetiva.
Nesse contexto, pode-se dizer que os trabalhos da Comissão desse Anteprojeto se orientaram precipuamente por cinco objetivos[8]: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão.
No tocante à conciliação, o novo CPC pretende promover uma mudança de procedimento dos agentes de Justiça, de todos os seus usuários, dos operadores de Direito e da sociedade, através da cultura da conciliação, difundindo a ideia de que o entendimento entre as partes é sempre o melhor caminho para o encerramento de uma disputa judicial.
A conciliação tem sido discutida como a medida mais eficaz de composição de litígios, bem como a que melhor proporciona agilidade à Justiça, sendo as partes resguardadas dos desgastes que possam advir com o trâmite do processo.
Consta na exposição de motivos[9] que
“Pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto social em que produzirá efeito o seu resultado. Deu-se ênfase à possibilidade de as partes porem fim ao conflito pela via da mediação ou da conciliação. Entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz. Como regra, deve realizar-se audiência em que, ainda antes de ser apresentada contestação, se tentará fazer com que autor e réu cheguem a acordo. Dessa audiência, poderão participar conciliador e mediador e o réu deve comparecer, sob pena de se qualificar sua ausência injustificada como ato atentatório à dignidade da justiça. Não se chegando a acordo, terá início o prazo para a contestação”.
Registre-se que a redação original do projeto de Lei recebeu a denominação Projeto de Lei do Senado n. 166, de 2010, já tendo o texto sido aprovado pelo Senado em 2010 e encaminhado para a Câmara dos Deputados (PL 8046/2010), ondeestá atualmente em discussão.Já foram feitas várias alterações ao texto original que podem ser acessadas nos sítios eletrônicos do Senado Federal e da Câmara dos Deputados.
Apesar de não nos aprofundarmos nas questões que estão em discussão sabemos que o espírito que vem norteando os debates em torno do instituto da conciliação é promissor e está antenado com os que buscam a Justiça.
Acultura da conciliação é uma conquista que vem se fortalecendo com o tempo e cada vez com mais adeptos entre os operadores do Direitoem todas as instâncias do Judiciário.
A conciliação tem se apresentado como uma das formas mais céleresde resolução de conflitos, sendo utilizada como instrumento pelo Poder Judiciário de forma cada vez mais corrente. Com a conciliação ainda se abarca pessoas que nunca iriam buscar uma tutela jurisdicional diante da morosidade, da descrença no Poder Judiciário ou até devido à falta de informação.
Do ponto de vista processual, a conciliação traz inúmeros benefícios para todos os envolvidos, como uma maior satisfação do usuário, diminuição do tempo do processo, economia de recursos, integração entre a Justiça e a sociedade, pacificação social e a construção de um Judiciário mais acessível, eficiente e rápido.
Quanto ao novo Código de Processo Civil, ainda em discussão no Senado, sabemos que muitas alterações ainda estão por vir, entretanto, esperamos que as ideias lançadas, especialmente quanto à conciliação e a celeridade e efetividade da Justiça não se percam nas discussões e sejam desprestigiadas diante de outros interesses conflitantes envolvidos.
Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acesso em 04.06.2013.
DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. Bahia: Editora JusPodium, 2007. 7 ed.
Exposição de Motivos do Novo Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acesso em 04.06.2013.
MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sergio Cruz. Curso de Processo Civil. Vol. 2. Processo de Conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007
Novo Dicionário AURÉLIO da Língua Portuguesa, 3ª. Edição revista e atualizada, 2004.
[1]Novo Dicionário AURÉLIO da Língua Portuguesa, 3ª. Edição revista e atualizada, 2004.
[2] Disponível em: www.conciliar.cnj.gov.br. Acesso em 20.01.2011.
[3]Constituição Política do Império do Brasil,25/03/1824
[4]Na CLT, o art. 764 e seus parágrafos 1º e 3º assim dispõem: Art. 764. Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação. § 1º Para os efeitos deste artigo, os Juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos. § 3º É lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o juízo conciliatório.
[5] MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sergio Cruz. Curso de Processo Civil. Vol. 2. Processo de Conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007 p. 243.
[6] MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sergio Cruz. Curso de Processo Civil. Vol. 2. Processo de Conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007 p. 243.
[7] DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. Bahia: Editora JusPodium.. p. 475.
[8]Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acesso em 04.06.2013.
[9]Exposição de Motivos do Novo Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acesso em 04.06.2013.
Formada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília - UNB e em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP. Procuradora Federal desde 2004.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Helena Dias Leão. O instituto da conciliação no Código de Processo Civil brasileiro e no anteprojeto do novo Código em discussão no Congresso Nacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35410/o-instituto-da-conciliacao-no-codigo-de-processo-civil-brasileiro-e-no-anteprojeto-do-novo-codigo-em-discussao-no-congresso-nacional. Acesso em: 23 dez 2024.
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