RESUMO: muitos empregadores, costumeiramente, pagam a seus empregados, o vale transporte instituído em Lei, em dinheiro. Entretanto, como ficará demonstrado no presente artigo, tal prática é ilegal, mesmo que prevista em normas coletivas (acordos e convenções coletivas de trabalho).
PALAVRAS CHAVES: Vale Transporte – Regulamentação – Pagamento – Dinheiro - Ilegalidade.
O vale transporte foi instituído pela Lei nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985, que, em sua redação original, estabelecia como facultativa a concessão do benefício. Não obstante, após quase dois anos, com o advento da Lei nº 7.619, em 30 de setembro de 1987, tornou-se obrigatório aos empregadores custear o transporte residência-trabalho-residência de seus empregados.
Com a obrigatoriedade do fornecimento do vale transporte, que permanece vigente até a presente data, o empregador participa dos gastos dos empregados com deslocamento por meio de ajuda de custo equivalente à parcela que exceder 6% (seis por cento) do seu salário básico.
Outrossim, o Decreto nº 95.247, de 17 de novembro de 1987, regulamentou as leis anteriores, versando sobre vale transporte e, dentre outros aspectos, isentou da obrigação de conceder o vale transporte aquele empregador que proporcionar, por meios próprios ou contratados, em veículos adequados ao transporte coletivo, o deslocamento dos trabalhadores contratados.
A legislação trabalhista estabelece, através da Lei 7.418/85, que o vale-transporte concedido no que se refere à contribuição do empregador:
a) não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos;
b) não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço;
c) não se configura como rendimento tributável do trabalhador.
A Medida Provisória 280/2006 permitia, a partir de 01.02.2006, o pagamento do benefício em pecúnia (dinheiro), vedado a concessão cumulativa com o vale-transporte.
Entretanto, este dispositivo foi revogado pela MP 283, publicada no Diário Oficial da União em 24.02.2006.
Embora a legislação estabeleça que o fornecimento do VT não nem natureza salarial e nem constitui remuneração para base de cálculo de INSS, FGTS ou IRF, é vedado ao empregador substituir o vale-transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento, salvo se houver falta ou insuficiência de estoque de vale-transporte (dos fornecedores), necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema, consoante o art. 5º do Decreto 95.247/87.
Portanto, só caberá o pagamento em dinheiro se o empregado tiver efetuado, por conta própria e por insuficiência de estoque do fornecedor, a despesa para seu deslocamento, situação esta em que o empregado poderá ser ressarcido pelo empregador, na folha de pagamento imediata, da parcela correspondente.
Entende ser vedado o pagamento de vale transporte em dinheiro, em qualquer hipótese, em virtude de a matéria estar regulamentada expressamente pelo Decreto 95.247/87, mais especificamente em seu artigo 5°, que veda a modalidade de pagamento do benefício.
Outrossim, também o art. 4º da Lei nº 7.418/85, que instituiu o vale transporte, representaria óbice à concessão do benefício em pecúnia, porquanto sua finalidade única seria o transporte, enquanto o dinheiro poderia ser utilizado em outros fins.
Dessa forma, há óbice legal específico, que impede o pagamento de vale transporte em dinheiro, mesmo se este estivesse amparado em norma coletiva, porquanto as leis trabalhistas configuram patamar mínimo de regras e direitos, que não pode ser amplamente alterado/tolhido por negociações coletivas.
O fato de existir Acordo ou Convenção Coletiva possibilitando o pagamento de VT em dinheiro, não significa que seja legal a cláusula que assim institui.
TODAS AS CLÁUSULAS COLETIVAS SÃO PASSÍVEIS DE AÇÃO ANULATÓRIA, EM REGRA INTERPOSTA PELO MINISTÉRIO PUBLICO DO TRABALHO (PROCURADORIA DO TRABALHO). Ex.: VT em dinheiro, obrigatoriedade de pagamento de contribuições assistenciais a empregados não sindicalizados, etc.
Em suma, havendo vedação legal expressa, o pagamento de vale transporte em dinheiro não poderia ser objeto de transação entre as partes, sob pena de se ferir o Princípio da Legalidade.
Em outras palavras, a negociação coletiva teria sua validade condicionada à inexistência de vedação legal à sua pactuação, não podendo afrontar texto expresso de lei, notadamente o art. 5º do Decreto 95.247/87.
Além disso, o vale transporte e sua forma de concessão seria matéria de ordem pública, de observância geral, inviável mesmo qualquer norma coletiva que visasse modificar a forma de pagamento. Em casos de matéria tratada por norma de ordem pública (Ex.: tributos), não há possibilidade de disposição contratual ou até mesmo judicial de forma contrária.
Nessa esteira, cumpre colacionar os seguintes arestos, representativos do entendimento:
VALE-TRANSPORTE. CONVERSÃO EM PECÚNIA. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO DECRETO Nº 95.247/87. Patente a ilegalidade da norma convencional , vez que ao estabelecer faculdade à empresa ré (CODEPE S/A) para converter a obrigação de fornecer o vale-transporte em obrigação de pagar valor em dinheiro correspondente ao benefício, contrariou ao disposto no art. 5º do Decreto n. 95.247, de 16.11.1987. Ação Anulatória procedente.
(grifamos - TRT da 6ª Região – Tribunal Pleno – Proc. - 0324-2004-000-06-00-7; Juiz Relator Gilvan de Sá Barreto; j. 19.05.05; publ. 16.06.05)
O TST também já anulou cláusula coletiva que estipulava pagamento de VT em dinheiro, ao preceituar que: Correto o MPT em pretender a exclusão da cláusula, razão pela qual DOU provimento nesse sentido. (grifos de transcrição - TST – Tribunal Pleno – RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO ANULATÓRIA 280/2005-000-17-00.6 - Ministro Relator João Batista Brito Pereira - julgado em 13.09.07 - publicado em 26.10.07)
O Tribunal Regional Federal também tem o mesmo entendimento, assim como o Superior Tribunal de Justiça:
TRF2 - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA: AMS 26847 1999.02.01.035218-4
Ementa: TRIBUTÁRIO - VALE-TRANSPORTE - LEI 7.418/85 E DECRETO Nº 95.247/87 - PAGAMENTO EM DINHEIRO - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - INCIDÊNCIA.
1. o vale-transporte pago em dinheiro e de maneira contínua viola o disposto nos arts. 28, § 9o, "f", da Lei nº 8.212/91, 2o, "b", da Lei nº 7.418/85 e 5o do Decreto nº 95.247/87, compondo a remuneração do empregado e se sujeitando à incidência da contribuição previdenciária.
2. O Decreto nº 95.247/87 não contrariou, nem restringiu, a lei de criação do vale-transporte, a qual vincula a concessão desse benefício à aquisição pelo empregador dos vales-transporte (at. 4o) da empresa operadora do sistema de transporte coletivo público (art. 5o). Daí decorre a vedação imposta pela norma regulamentadora, que apenas a explicita, tendo como objetivo impedir a manipulação do benefício com o desvio de sua finalidade.
3. Os acordos e convenções coletivas de trabalho não podem contrariar normas de ordem pública, como é o caso do art. 5o do Decreto nº 95.247/87.
4. Apelação improvida
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 508.583 - PR (2003⁄0041850-6) RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON
RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
ADVOGADO : PATRÍCIA VARGAS LOPES E OUTROS
RECORRIDO : HSBC SEGUROS BRASIL S⁄A
ADVOGADO : LUIZ RODRIGUES WAMBIER E OUTROS
EMENTA: TRIBUTÁRIO – VALE-TRANSPORTE – PAGAMENTO EM DINHEIRO DE FORMA CONTÍNUA – ARTS. 28, § 9º, "F", DA LEI 8.212⁄91 E 2º, "B", DA LEI 7.418⁄85, REGULAMENTADOS PELO ART. 5º DO DECRETO 95.247⁄87 – INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – PRECEDENTES.
1. O vale-transporte, não integra o salário-de-contribuição para fins de pagamento da contribuição previdenciária. Inteligência dos arts. 28, § 9º, "f", da Lei 8.212⁄91 e 2º, "b", da Lei 7.418⁄85.
2. O pagamento habitual do vale-transporte em pecúnia contraria o estatuído no art 5º do Decreto 95.247⁄87 que estabelece que "é vedado ao empregador substituir o vale-transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo".
3. Não há incompatibilidade entre a Lei 7.418⁄85 e o art. 5º do Decreto 95.247⁄87, que apenas instituiu um modo de proceder a concessão do benefício do vale-transporte, de modo a evitar o desvio de sua finalidade com a proibição do pagamento do benefício em pecúnia.
3. O pagamento do vale-transporte em dinheiro, inobservando-se a legislação pertinente, possibilita a incidência de contribuição previdenciária.
4. Recurso especial provido.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relatora): - Prequestionados os dispositivos indicados e caracterizado o dissídio jurisprudencial, passo ao exame do mérito do recurso especial.
Discute-se nos autos a incidência ou não de contribuição previdenciária nas hipóteses em que o empregador efetua o pagamento de vale-transporte em moeda corrente.
A legislação previdenciária pertinente, Lei 8.212⁄91, em seu art. 28, estabelece que o salário de contribuição é composto pela remuneração efetivamente recebida ou creditada a qualquer título durante o mês.
Já o § 9º do art. 28 da Lei 8.212⁄91 determina quais parcelas não integram o salário de contribuição previdenciária. Dentre elas, destaca-se o vale-transporte, a teor da letra "f" do citado dispositivo:
Lei nº 8.212⁄91Art. 28 - Entende-se por salário-de-contribuição:
(…)
§ 9° Não integram o salário-de-contribuição:
(....)
f) a parcela recebida a título de vale-transporte, na forma da legislação própria.
Do exposto, tem-se que o legislador situou o vale-transporte no campo da não incidência da contribuição previdenciária. Essa é a mesma linha de entendimento traçada pela Lei 7.418⁄85, instituidora do vale-transporte, que, em seu art. 2º, letra "b", assim dispõe:
Lei 7.418⁄85
Art. 2º - O Vale-Transporte, concedido nas condições e limites definidos, nesta Lei, no que se refere à contribuição do empregador:
(...)
b) não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
O Decreto 95.247⁄87, por sua vez, ao regulamentar a Lei 7.418⁄85, estabelece, em seu art. 5º, que é vedado ao empregador substituir o vale-transporte por antecipação em dinheiro ou por qualquer outra forma de pagamento, a exceção das hipóteses previstas em seu parágrafo único. Eis o teor do dispositivo:
Art. 5° É vedado ao empregador substituir o Vale-Transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. No caso de falta ou insuficiência de estoque de Vale-Transporte, necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema, o beneficiário será ressarcido pelo empregador, na folha de pagamento imediata, da parcela correspondente, quando tiver efetuado, por conta própria, a despesa para seu deslocamento.
Na hipótese dos presentes autos, o empregador efetuou o pagamento do vale-transporte em dinheiro, o que é vedado taxativamente pelo Decreto 95.247⁄85, conforme acima demonstrado.
Dentro dessa interpretação, segundo minha ótica, cumpre mencionar que não há incompatibilidade alguma entre a lei e o regulamento, como apontou o Tribunal a quo, sendo bastante para dirimir a controvérsia a leitura da legislação pertinente.
De fato, verifico que o mencionado Decreto apenas instituiu um modo de proceder a concessão do benefício do vale-transporte, de modo a evitar o desvio de sua finalidade, com a proibição do pagamento do benefício em pecúnia.
Assim, verifico que, ao contrário do que consignado pelo acórdão a quo, o art. 5º do Decreto 95.247⁄85 não extrapolou os limites da legislação pertinente, apenas evitou que o benefício do vale-transporte fosse desvirtuado.
Desse modo, tem-se que o pagamento habitual em pecúnia, em desacordo com a legislação, integra o salário de contribuição previdenciária. Nesse sentido estão os seguintes precedentes:
TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. VALE-TRANSPORTE. PAGAMENTO EM PECÚNIA. INCIDÊNCIA.
1. A questão relativa a aplicabilidade às contribuições previdenciárias do prazo qüinqüenal para a constituição do crédito tributário não foi devidamente prequestionada, tendo em vista que o acórdão recorrido nada falou a respeito do dispositivo legal mencionado pela recorrente - art. 150, § 4º, do CTN -, ou da matéria nele tratada. Incide assim o disposto nas Súmulas 282 e 356 do STF.
2. Em homenagem aos princípios de hermenêutica positivados nos arts. 108 e 111 do Código Tributário Nacional, descabe interpretação não-literal das hipóteses de dispensa legal de tributo.
3. Somente o vale-transporte "concedido na forma da legislação própria", está isento da Contribuição Previdenciária. Inteligência do art. 28, § 9º, "f", da Lei 8.212⁄91 e do art. 2º, "b", da Lei nº 7.418⁄85.
4. Por falta de previsão na legislação do vale-transporte, o pagamento habitual em pecúnia não está albergado pela norma isentiva.
5. Recurso especial improvido.
(RESP 382.024⁄PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 07.10.2004, DJ 13.12.2004 p. 276)
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO. VALE-TRANSPORTE. CONTRIBUIÇÃO AO FGTS. PAGAMENTO EM DINHEIRO, DE FORMA CONTÍNUA. LEI Nº 7.418⁄85. DECRETO Nº 95.247⁄87. INCIDÊNCIA.
1. O vale-transporte, quando descontado do empregado no percentual estabelecido em lei, não integra o salário-de-contribuição para fins de pagamento da previdência social, nos termos do art. 3º, da Lei nº 7418⁄85.
2. Situação diversa ocorre quando a empresa não efetua tal desconto, pelo que passa a ser devida a contribuição para a previdência social, porque tal valor passou a integrar a remuneração do trabalhador.
3. O art. 5º, do Decreto nº 95.247⁄87, estabelece que "é vedado ao empregador substituir o vale-transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo".
4. Já o parágrafo único do referido artigo dispõe que "no caso de falta ou insuficiência de estoque de vale-transporte, necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema, o beneficiário será ressarcido pelo empregador, na folha de pagamento imediata, da parcela correspondente, quando tiver efetuado, por conta própria, a despesa para seu deslocamento".
5. No caso, a recorrente efetuou o pagamento do benefício em dinheiro, de forma contínua, contrariando o estatuído no Decreto nº 95.247⁄87.
6. Recurso não provido.
(RESP 420.451⁄RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02.05.2002, DJ 10.06.2002 p. 163) Com essas considerações, dou provimento ao recurso especial. É o voto.
Não posso deixar de salientar que existem alguns e poucos entendimentos diversos, mas meu entendimento segue o entendimento do TST, TRF e STJ.
Caso o pagamento de VT em dinheiro esteja fundado em norma coletiva, referida cláusula, cláusula esta PASSÍVEL DE NULIDADE PELO PODER JUDICIÁRIO.
Nenhuma norma coletiva se sobrepõe a lei, em sede trabalhista.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARRION, Valentim. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 34ª edição. Ed. Saraiva 2009.
CUNHA, Maria Inês M. S. Alves. Direito do Trabalho. 5ª edição. Ed. Saraiva, 2009.
MARANHÃO, Délio. Instituições de Direito do Trabalho. 20ª edição. Ed. LTr, 2002.
OLIVEIRA, Francisco Antônio. Comentários a Consolidação das Leis do Trabalho. 3ª edição. Ed. Revista dos Tribunais, 2005.
Advogada e Procuradora do Município de Diadema/SP. Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBIERI, Fabiana Amendola. Do vale transporte pago em dinheiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jun 2013, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35533/do-vale-transporte-pago-em-dinheiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
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