O filósofo Francis Bacon nasceu em 1561 na Inglaterra e lançou sua obra mais conhecida, o “Novum Organum” em 1620. O referido livro é apontado como marco inicial da filosofia inglesa moderna e é de fundamental importância para a compreensão dos métodos de pesquisa da Ciência Jurídica. O filósofo retoma os preceitos da indução e da experiência e evidencia que a verdade não depende do raciocínio silogístico proposto por Aristóteles, mas está no campo exclusivo da experiência guiada pelo raciocínio indutivo. Desse modo, visou encaminhar os espíritos no sentido de se dissociarem da lógica Aristotélica e da teologia natural Platônica.
O filósofo foi um dos primeiros da ciência moderna e almejou dar um novo significado à posição da ciência e do homem frente à natureza. O homem era considerado um intérprete da natureza, ou mesmo, um leitor que deve utilizá-la para a compreensão, transformação e modificação, de acordo com a observação e análise dos fatos e fenômenos que nesta ocorrem de forma natural.
Em sua obra, Bacon parte do pressuposto do entendimento do homem como intérprete da natureza, mas que impede o seu avanço em virtude do apego a alguns empecilhos. Observa-se que o autor alude à limitação do desenvolvimento científico, o que tem relação estreita com os dogmas teológicos, sem negá-los ou rechaçar o cristianismo, mas sim em função da estagnação de uma realidade que já vem previamente apresentada. Destarte, o mundo deveria ser descoberto pela experimentação científica, o que, para o autor, não impede a coexistência da fé e da ciência.
Bacon elenca argumentos da necessidade de um novo conhecimento e fortalecimento da ciência pela educação do pensamento mobilizado pela experiência, como observaremos a seguir nas duas partes de sua obra. Alerta que o seu método possui simples demonstração, enquanto objeto do conhecimento, mas destaca que, em virtude do contexto científico vigente, não se reveste de fácil aplicabilidade.
O Novum Organum é dividido em duas partes e escrito em forma de aforismos, que constituem simples textos, não necessariamente ligados entre si, e preceitua uma nova regra em detrimento às filosofias anteriores, as quais propugnam uma filosofia universal, sistemática e doutrinária. A obra veio para substituir o Organum aristotélico. Em suma, o filósofo Aristóteles defendeu que a lógica possui um viés eminentemente dedutivo, o qual seria apto para conduzir a filosofia à verdade. Em contrapartida, Bacon se opôs a esse método e sugeriu um novo, denominado de indução por eliminação.
O autor ressalta, em seus primeiros aforismos, a limitação da ciência, compreendida meramente como um caminho contemplativo. Para o autor, a ciência precisa ser contemplada sob a égide da experiência sensível, utilizando-se de métodos que pudessem facilitar a descoberta e não revelação dos fenômenos estudados.
A obra aponta que os métodos até então vigentes, quais sejam o indutivo por enumeração e o dedutivo eram ineficazes. Ademais, aponta os bloqueadores da razão, os quais Bacon denominou de ídolos e, finalmente, apresenta um novo método que propõe a produção de conhecimentos mais coerentes.
Assim, nos aforismos de XI a XX, Bacon trata de revelar a limitação do método silogístico no estudo dos objetos ou fenômenos. Destaca que este não assumia nenhum respaldo no estudo de fenômenos particulares, considerando sua incursão dedutiva. Por conseguinte, indica a demanda de uma forma do saber adequada, não mais guiada pela dedução, mas, sim pelo verdadeiro caminho, o qual, para Bacon, ainda não fora instaurado.
Para o autor, o equívoco do método dedutivo consiste na antecipação da natureza, em detrimento de sua interpretação propriamente dita. Assim, acaba esquecendo a experimentação e toma como parâmetro axiomas gerais, julgando e explicando todos os fenômenos de forma prematura. Esta lógica tradicional se mostrava obsoleta para as diversas áreas do conhecimento. Por outro lado, a indução numérica também incorria no erro de se basear em axiomas que são extraídos indevidamente, posto que é obtido da passagem rápida de poucos casos particulares para o universal.
Além de criticar o método vigente da época, Bacon apresentou os bloqueadores da razão humana. Dessa forma, os que dedicam à ciência e à filosofia devem ter cautela com os deturpadores da verdade, os quais o autor denominou de “ídolos”. Estes representam pseudos noções que se integram ao intelecto humano, tornando difícil o acesso à verdade.
Outrossim, existem quatro tipos de ídolos: o da tribo; o da caverna; o do foro; o do teatro. Os ídolos da tribo são aqueles inerentes à humanidade. Estes se evidenciam no momento em que o indivíduo somente percebe a realidade apenas por um prisma. Para o autor, o homem declina para a simplificação do complexo, de acordo com a sua conveniência.
Já os ídolos da caverna correspondem à individualidade, a amplitude de conformação de cada um. Assim, o indivíduo tende a perceber a realidade de acordo com aquilo que está habituado. Ao passo que os ídolos do foro estão relacionados à polissemia das palavras e comunicação entre as pessoas.
Finalmente, os ídolos de teatro são os das doutrinas filosóficas que tendem a falsear teorias acerca do conhecimento, nas quais o aspecto retórico se sobrepõe ao real.
Bacon se refere, até o aforismo LX, aos Ídolos do foro como aqueles que mais atrapalham o desenvolvimento da ciência. Isso decorre do fato de tentarem enxergar as coisas apenas pelo viés da racionalidade e sempre sob uma perspectiva ambígua, ignorando a experiência como aspecto significativo no descobrimento do objeto.
O falta de progresso da ciência e o sistema educacional dos indivíduos, cada vez mais distante da realidade, seria resultante da presença destes ídolos elencados pelo autor. Assim, a indução representa o método adequado para se chegar a verdade, por meio da observação e experiências com fenômenos particulares para se chegar a conhecimentos e causas mais gerais.
Partindo desta concepção, o autor esclarece, nos aforismos LXI a LXX, os motivos para a libertação dos ídolos e a experimentação ao reino dos homens, o qual está assentado sobre as ciências. A despeito de relevar o legado que a cultura grega deixou para a humanidade, Bacon reconhece que houve uma inércia nas concepções idealistas e na limitação da perspectiva realista de Aristóteles, mesmo que sua proposição seja realista. Deste modo, a ciência moderna assume como marco inicial justamente essa condução do pensamento e ordenamento metodológico como avanço para a busca do saber.
O autor ainda prossegue com a referência à ciência conduzida pelas grandes obras da filosofia grega e depois romana, classificando-as como “servas”. Isso porque estas, sem conhecer as realidades particulares, universalizavam os seus axiomas sem experimentação, baseando-se, apenas, na autoridade dos clássicos.
Neste sentido, por volta dos aforismos LXXIII ao XC, Bacon revela que a verdade, o conhecimento vem com o tempo e não com argumentos de autoridade. Ora, o autor defende que a aceitação ou não das descobertas devem vir precedidas da experimentação, sendo este o principal método do estudioso.
O autor ressalta da à importância dos experimentos para o progresso da ciência, classificando-os como Lucíferos e Frutíferos. Assim, os Lucíferos são aqueles imprescindíveis para a descoberta das causas e axiomas, ao passo que os Frutíferos são os encarregados pelas descobertas do fenômeno ou objeto estudado por meio de método apropriado. Dessa forma, por meio do indutivismo, muitas invenções podem ser desdobradas e assim, diversos axiomas e ideias podem ser constatadas.
A partir do livro II, Bacon propõe, do aforismo I ao X que o referido método indutivo deva ser orientado por princípios metodológicos, ou “tábuas da investigação”, os quais representariam critérios essenciais no estudo do objeto ou fenômeno. Assim, a Tábua da presença ou afirmação, é inventário de todos os casos em que o problema aparece; já a Tábua das ausências ou negação é a constatação das hipóteses em que o problema não ocorre; e a Tábua das graduações ou comparações significa o registro dos diferentes graus de variação do problema, constatando-se relações entre as modificações.
Por outro lado, os procedimentos experimentais para Bacon contemplam os mais elevados casos número possíveis de observações indutivas. São estes a Variação, a Prolongação, a Transferência, a Inversão, a Compulsão, a União e as Mudanças de Condições.
A Variação corresponde à análise de um fenômeno ou objeto cuja dimensão é alterada, o que ocasiona em uma comparação entre a velocidade inicial e a velocidade procedente do objeto que teve sua massa aumentada. Já a Prolongação significa a aplicação do mesmo princípio à fenômeno ou objeto naturais alterados. Assim, é o questionamento que se faz de que se o imã atrai o ferro naturalmente, será que o mesmo ocorreria em uma solução aquosa?
A Transferência se refere à intervenção do homem na imitação de um fenômeno natural, com vistas a gerar o mesmo resultado. Ao passo que a Inversão corresponde ao estudo da inversão do fenômeno, por meio da comparação de, pelo menos, dois deles. Já a Compulsão ocorre quando há o estudo da relação causa-efeito dos fenômenos. A União será utilizada para o estudo da mistura de dois produtos diferentes e que são utilizados para finalidades similares para se averiguar se juntas estas teriam o mesmo resultado. Por fim, a Mudança de condições analisa a alteração ou não do objeto/fenômeno em situações diversas.
A conjugação entre as tábuas de investigação e dos procedimentos experimentais Bacon intitulou de Primeira Víndima, aludindo aos passos iniciais na realização do estudo.
De acordo com a sua doutrina, há a fixação de regras pontuais para a efetivação das inferências realizadas, partindo sempre da observação do particular. Aduzia que o vício que incidia sobre a indução incompleta significava reduzi-la a uma indução por simples enumeração. Assim, para dar efetividade ao método, as tábuas de presença, de ausência e de graduações, seriam fundamentais para o exercício adequado da indução.
Bacon trouxe à baila as ideias de progressividade e de colaboração, as quais se tornaram pertinentes no conhecimento científico. Quando se vislumbra a ideia de ciência experimental com alternativas metodológicas próprias, há que considerar que esses conceitos foram por Bacon lançados. A obra Novum Organum inaugura a essência da ciência natural da modernidade que permite os primeiros passos da pós-modernidade.
Advogado, Mestrando em Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA), Especialista em Direito Constitucional e Direito Processual Civil pela AVM Faculdade Integrada, Formado em Direito na Universidade Estadual de Santa Cruz, BA, (UESC).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIêGO EDINGTON ARGôLO, . Novum Organum Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35614/novum-organum. Acesso em: 23 dez 2024.
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