Sumário: 1. Considerações iniciais;2. Das decisões do STF que sinalizam pela possibilidade de revisão do juízo de repercussão geral; 3.Breves conclusões; 4. Referências bibliográficas.
Resumo:Este artigo analisa, brevemente, duas decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (RE nº 607607 e ARE nº 648629), nas quais a Corte aborda, ainda que de passagem, a possibilidade de revisão, pelo plenário físico, do entendimento pela existência da repercussão geral fixado através do plenário virtual.
Palavras-chave:Supremo Tribunal Federal. Repercussão geral. Plenário virtual. Plenário físico.
1. Considerações iniciais
A Emenda Constitucional no45, de 30 de dezembro de 2004, conhecida como Reforma do Judiciário, dentre outras inovações, introduziu, no art. 102 da Constituição Federal, o § 3º, segundo o qual “no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.”
Estava, portanto, estabelecido mais um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, criado com as finalidades principais de (i) diminuir o quantitativo de recursos extraordinários e, ao mesmo tempo, (ii)acelerar o processamento de tais recursos no âmbito do Supremo Tribunal Federal (CRUZ E TUCCI, 2007, p. 01).
O instituto foi regulamentado, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), através da Emenda Regimental nº 21, de 30 de abril de 2007. A alteração regimental foi publicada no Diário de Justiça de 03.05.2007, data a partir da qual a Corte estabeleceu que deverá ser exigida a fundamentação da repercussão geral nos recursos extraordinários[1] (LIRA e LIMA, 2012).
Distribuído o feito a um dos membros da Suprema Corte, o relator deverá analisar os demais requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário. Em seguida, “quando não for caso de inadmissibilidade do recuso por outra razão, o(a) Relator(a) submeterá, por meio eletrônico, aos demais Ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência ou não de repercussão geral.” (art. 323, RISTF).
Tem-se assim que o julgamento do recurso extraordinário passa a ser desmembrado em duas fases.
A primeira delas acontece na seara do plenário virtual, que consiste em um“sistema eletrônico para julgar a existência repercussão geral e desonerar a pauta do Plenário físico.” (FUCK, 2013). Nesse ambiente virtual, será verificada, por votação eletrônica, a presença ou não da repercussão geral da questão discutida.Nos termos do RISTF, trata-se de decisão preliminar sobre a existência da repercussão geral, “que deve integrar a decisão monocrática ou o acórdão” e que “constará sempre das publicações dos julgamentos no Diário Oficial, com menção clara à matéria do recuso.” (parágrafo único do art. 325).
Ultrapassada a fase preliminar e concluindo a Corte pela existência de repercussão geral, o feito passará à análise de mérito pelo plenário físico, sendo esta a segunda fase do julgamento.
Este artigo visa apresentar o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de o juízo acerca da existência de repercussão geral pelo plenário virtual vir a ser revisto pelo plenário físico.Para tanto, serão analisadas duas decisões recentes em que a Corte discutiu, ainda que brevemente, a questão, revendo, através do plenário físico a decisão tomada na sede do âmbito virtual.
2. Das decisões do STF que sinalizam pela possibilidade de revisão do juízo de repercussão geral
O primeiro caso em que o STF reviu seu posicionamento anterior sobre a existência da repercussão geral foi durante o julgamento do Recurso Extraordinário nº 607607, cuja repercussão geral do tema foi decidida em 19.12.2010, em acórdão assim ementado:
VALE-REFEIÇÃO – PARCELA INDENIZATÓRIA – REPOSIÇÃO DO PODER AQUISITIVO – IMPOSIÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. Possui repercussão geral a controvérsia sobre a possibilidade de, ante a existência de lei, o Poder Judiciário proceder ao reajuste do vale-refeição de servidores estaduais ou impor ao Poder Executivo a edição de decreto para tal fim[2].
Dessa forma, fixou a Corte que a discussão sobre a possibilidade de o Poder Judiciário proceder ao reajuste do vale-refeição dos servidores públicos estaduais ou determinar que o Poder Executivo expeça decreto que preveja referido reajuste possui repercussão geral, abrindo-se, com isso, a seara de análise constitucional.
No andamento do processo, constou o seguinte:
O Tribunal, por ausência de manifestações suficientes para a recusa do recurso extraordinário (art. 324, parágrafo único, do RISTF), reputou existente a repercussão geral da questão constitucional suscitada, tendo se manifestado pela recusa do recurso extraordinário os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes e pelo reconhecimento da repercussão geral da questão constitucional suscitada os Ministros Marco Aurélio e Ayres Britto.
Sobre esse ponto, cabe esclarecerque o § 1º do art. 324 do RISTF determina que, “decorrido o prazo sem manifestações suficientes para recusa do recurso, reputar-se-á existente a repercussão geral.” Foi exatamente o que ocorreu no caso, já que se abstiveram de votar os Ministros Cezar Peluso, Celso de Mello, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, totalizando, portanto, 6 Ministros que não se manifestaram. Entretanto, como só dois Ministros se pronunciaram pela recusa da repercussão geral (Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli), não foi atingido o quórum constitucional de dois terços dos membros da Corte (§3º do art. 102) e as abstenções foram contadas como votos pela existência da preliminar recursal.
Voltando ao caso, destaque-se que, quando do julgamento de mérito do REnº 607607, a maioria dos Ministros que compõe o Tribunal entendeu que a discussão sobre o percentual de reajuste do vale-refeição devido a servidores públicos estaduais é matéria infraconstitucional, revelando-se incabível sua apreciação na seara do apelo extremo. A ementa da decisão restou publicada da seguinte forma[3]:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDORES PÚBLICOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. VALEREFEIÇÃO. REAJUSTE. LEIS ESTADUAIS NºS 10.002/93-RS, 11.468/00 E 11.802/02-RS E DECRETO REGULAMENTAR. REPERCUSSÃO GERAL. INTERPRETAÇÃO DA LEGISLAÇÃO LOCAL. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
1. A controvérsia relacionada com o percentual de reajuste no valor do vale-refeição concedido a servidores públicos estaduais e sua adequação para a manutenção do valor efetivo do benefício é matéria afeta à interpretação da legislação infraconstitucional e do direito local, cuja discussão revela-se incabível na instância extraordinária (Súmula 280/STF: “Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário”). Precedentes: ARE 680.280-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 29/05/2012; AI 844.653-AgR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 15/09/2011; e AI 450.849-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ de 01/07/2005.
2. In casu, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu que “a Lei nº 10.002/93 estabeleceu que os reajustes do valor do valerefeição devem ser realizados mediante decreto do Executivo Estadual, não podendo o Poder Judiciário instituí-los. Ainda que tal benefício não seja propriamente vencimento, mas sim verba indenizatória, traduz, em última análise, aumento de despesa, que só pode ser realizada se houver prévia dotação orçamentária (art. 169, CF).”
3. Recurso extraordinário não conhecido.
De fato, aberta a divergência pelo Min. Luiz Fux, no sentido do não conhecimento do recurso por se tratar de matéria infraconstitucional, em que a ofensa à Constituição seria meramente reflexa, a maioria dos demais Ministros o acompanhou. Os votos foram proferidos com base em diversos precedentes da Corte que fixavam a questão como sendo de natureza infraconstitucional.
Assim, nesse primeiro caso ora discutido, o STF, na análise do mérito do recurso no âmbito do plenário físico, reviu a decisão anterior, tomada na seara do plenário virtual, e decidiu, por maioria, não conhecer do recurso extraordinário. Não houve ênfase, entretanto, no fato de que se estava revendo a decisão do plenário virtual, ou seja, não se mencionou expressamente tal circunstância.
Outro caso que merece destaque foi o julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo nº 648629, no qual se questionava aobrigatoriedade de intimação pessoal de Procurador Federal no âmbito dos Juizados Especiais Federais, em atenção ao disposto no art. 17 da Lei no10.910/2004[4].Discutia-se, portanto, se caberia a aplicação dessa regra aos Procuradores Federais que atuam perante os Juizados Especiais Federais ou se eles deveriam se submeter ao disposto no artigo 42 da Lei no 9.099/95[5], bem como na regra geral de contagem de prazos (art. 506 do CPC[6]).
Na apreciação preliminar no âmbito do plenário virtual, a Corte reconheceu a existência da questão constitucional suscitada, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Celso de Mello. Abstiveram-se de votar no caso os Ministros Ayres Britto e Joaquim Barbosa, tendo sido tais abstenções contabilizadas como voto pela existência da repercussão geral.
Mais uma vez, observa-se, não foi atingida a maioria de votos exigida pela Lei Maior (§ 3o do art. 102) para a negativa da repercussão geral, já que a norma constitucional traz uma presunção pela existência de repercussão geral. Isso ocorre porque “o quorum qualificado é para considerar que a questão não tem repercussão geral.”(DIDIER JR., 2007 p. 495).
A decisão pela existência da repercussão geral no ARE nº 648629 restou assim ementada:
DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. INTIMAÇÃO PESSOAL DE PROCURADORES FEDERAIS. PREVISÃO NA LEI 10.910/2004. APLICAÇÃO NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. MANIFESTAÇÃO PELA REPERCUSSÃO GERAL.
Em 25.04.2013, o mérito da questão foi apreciado no plenário físico da Suprema Corte. Apesar de o acórdão não ter sido publicado ainda, colhe-se do andamento processual do feito o seguinte resumo da decisão:
Decisão: Preliminarmente, o Tribunal reconheceu a existência de matéria constitucional com repercussão geral a ser decidida, vencidos os Ministros Teori Zavascki, Rosa Weber e Marco Aurélio, que entendiam tratar-se de matéria infraconstitucional. O Tribunal resolveu questão de ordem, suscitada pelo Presidente, no sentido de converter o recurso extraordinário com agravo em recurso extraordinário e, desde logo, julgá-lo, vencido o Ministro Marco Aurélio. No mérito, o Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso, vencido o Ministro Dias Toffoli. Votou o Presidente. Ausente o Ministro Joaquim Barbosa (Presidente), por participação no evento Time 100 Gala, organizado pela Time Magazine, e em seminário promovido pela Universidade de Princeton, ambos nos Estados Unidos. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski (Vice-Presidente). Plenário, 24.04.2013.
Verifica-se que houve uma discussão preliminar sobre a natureza da matéria discutida, se seria ela constitucional a ponto de ser submetida à jurisdição do STF, ou se tinha natureza infraconstitucional e então o recuso não seria conhecido. A discussão preliminar foi invocada pelo Min. Teori Zavascki, ao “ao opinar que o recurso nem mesmo deveria ser conhecido pelo Plenário, por não haver, segundo ele, ‘nenhuma questão constitucional envolvida nessa discussão’. Para o ministro, a questão é de natureza infraconstitucional.”[7]
O Min. Teori Zavascki informou não desconhecer que a questão já teria sido objeto de discussão no âmbito do plenário virtual. Entretanto, ressaltou que sua dúvida era “se o fato de ter havido esse reconhecimento no Plenário Virtual torna preclusas as demais questões de admissibilidade do recurso”[8].
Naquela assentada, estavam presentes apenas nove membros da Corte, o que levou a maioria deles a entender que a questão deveria ser discutida posteriormente com a composição integral do Tribunal. Assim, por seis votos a três, o STF manteve o juízo de existência de repercussão geral fixado no plenário virtual. Apesar disso, durante os debates travados no plenário, percebeu-se uma tendência no sentido da revisibilidade daquele juízo pelo plenário físico.
3. Considerações finais
Com essas breves considerações, pode-se concluir que, apesar de não ter se manifestado formalmente sobre o tema, em duas oportunidades (REnº 607607 e ARE nº 648629), o Supremo Tribunal Federal sinalizou pela possibilidade de revisão, pelo plenário físico, do entendimento fixado no sentido da existência da repercussão geral pelos membros da Corte no plenário virtual. Assim, a decisão pela existência de repercussão geral poderia ser revista pelo plenário físico quando da apreciação do mérito do recurso extraordinário.
4. Referências bibliográficas
DIDIER JR., Fredie. Transformações do recurso extraordinário. In: Revista Forense, vol. 389. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
FUCK, Luciano Felício. Observatório constitucional: Repercussão Geral completa seis anos e produz resultados. Revista Consultor Jurídico, 08 jun. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jun-08/observatorio-constitucional-repercussao-geral-completa-seis-anos-produz-resultados>. Acesso em: 18 jun. 2013.
LIRA, Daniel Ferreira de e LIMA, José Heleno de. Repercussão geral no STF e nos tribunais de origem: uma breve análise. Conteúdo Jurídico, 06 jul. 2012. Disponível em:<http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,repercussao-geral-no-stf-e-nos-tribunais-de-origem-uma-breve-analise,37908.html>. Acesso em: 18 jun. 2013.
TUCCI, José Rogério Cruz e. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário (Lei nº 11.418/06). Revista de Processo, v. 32, nº 145, mar. 2007.
[1] STF, AI 664567 – QO, Rel. Min. Gilmar Mendes, Órgão julgador: Tribunal Pleno, julgamento em 18.06.2007, publicação em 06.09.2007.
[2] STF, RE 607607, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 09.12.2010, DJe de 14.04.2011.
[3] STF, RE 607607, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator para Acórdão: Min. Luiz Fux, Órgão julgador: Tribunal Pleno, julgamento em 06.02.2013, DJe de 03.05.2013.
[4] Lei no 10.910/2004. Art. 17. Nos processos em que atuem em razão das atribuições de seus cargos, os ocupantes dos cargos das carreiras de Procurador Federal e de Procurador do Banco Central do Brasil serão intimados e notificados pessoalmente.
[5] Lei no 9.099/95. Art. 42. O recurso será interposto no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente.
[6] CPC. Art. 506. O prazo para a interposição do recurso, aplicável em todos os casos o disposto no art. 184 e seus parágrafos, contar-se-á da data:
I - da leitura da sentença em audiência;
II - da intimação às partes, quando a sentença não for proferida em audiência;
III - da publicação do dispositivo do acórdão no órgão oficial.
[7] Trecho de notícia publicada no sítio do STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=236917&caixaBusca=N>. Acesso em: 18. jun. 2013.
[8] Trecho de notícia publicada no sítio do STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=236917&caixaBusca=N>. Acesso em: 18. jun. 2013.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Constitucional.Diretora do Departamento de Acompanhamento Estratégico da Secretaria-Geral de Contencioso da Advocacia-Geral da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Fabiola Souza. Repercussão geral e possibilidade de revisão do juízo fixado no plenário virtual: breve análise da jurisprudência do STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jun 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35675/repercussao-geral-e-possibilidade-de-revisao-do-juizo-fixado-no-plenario-virtual-breve-analise-da-jurisprudencia-do-stf. Acesso em: 23 dez 2024.
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